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Receita pra lavar praça suja : políticas públicas de saúde mental para a população em situação no Centro de Referência Especializado da Assistência Social da cidade de Leme/SP

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

DIGIANE RAPHAELA MARTINS

Receita pra lavar praça suja: políticas públicas de saúde mental para a população em situação no Centro de Referência Especializado da Assistência Social da cidade

de Leme/SP

CAMPINAS 2016

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Receita pra lavar praça suja: políticas públicas de saúde mental para a população em situação de rua no Centro de Referência Especializado da Assistência Social da

cidade de Leme/SP

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde

Área de concentração: Política, Gestão e Planejamento

ORIENTADOR: DR. GUSTAVO TENORIO CUNHA ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA DIGIANE RAPHAELA MARTINS E ORIENTADA PELO PROF. DR. GUSTAVO TENORIO CUNHA

CAMPINAS 2016

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DIGIANE RAPHAELA MARTINS

ORIENTADOR: DR. GUSTAVO TENORIO CUNHA

MEMBROS:

1. PROF. DR. GUSTAVO TENORIO CUNHA

2. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

3. PROFa. DRa. SIMONE APARECIDA RAMALHO

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno

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“Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito”.

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À 3ª Turma de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão de Saúde

da FCM|Unicamp pelo Acolhimento, Cuidado, Alegria, Pensamentos, Ideias e Desejos

compartilhados1, especialmente:

GUADALUPE SALLES FERREIRA #transformação #LupeLinda MARA COSTA VIEIRA #poesia #feminismo #MaraVida

NARA MARIANO #resistência #NaraVilha MICHELLE CHANCHETTI #inspiração e por BONDIÁ

EVELISE BARBOSA #alegria #minoria

AMÉRICO AZEVEDO #indie #ripster #humor #Ocapitão DÁRIO NUNES DOS SANTOS #roda #Otaz

FÁBIO GASPAR #Ofísico

DANIEL RIGOTTI #pensamento #questionamento MILENA SERENINI BERNARDES #cores

PAULA SANTUCCI #humor DANI ODRIOZOLLA #esquizo SANDRA BRAGHINI #sensibilidade JULIANA SANTOS CORBETT #apoio #diferença

#quero!

Ao Curso de Psicologia da FHO|UNIARARAS pela formação crítica e militante, especialmente:

SIMONE RAMALHO #devires #alegriasubversiva CRISTINA LOPERGOLO #Diva

SANDRA BULL #critica #transgressão #humor ANA CRISTINA VANGRELINO #sexualidade #gênero

JOAO MOURA, KARINA ALVES, ANA PRADO, CAROL GUIMARÃES, TEREZA RUOZO, LISIANI RODRIGUES, CAROL MUDINUTTI e demais alunxs e parceirxs uniararenses

#estágio #trocas #militância #contratodotipodemanicômio!

A todxs xs trabalhadorxs, usuárixs e parceirxs do CREAS de Leme, especialmente: PARÇAS (usuárixs em situação de rua)

1

Para a 3ª Turma do Mestrado Profissional: "Saiba, o caminho é o fim, mais que chegar..." Next Time Around de Little Joy <https://www.youtube.com/watch?v=dGHbOZBSv18 >

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JEFFERSON LIBANORI #Araras BRUNA MACIAS #SantaCasa

MARÇAL FERREIRA #CAPS

PAULO CAMARGO #FotografiaSocial e por BUKOWSKI ELIANE PESSOTTO #FotografiaInteligente #beers

JOEL BORELLA #psicologia #poesia TÂNIA MARIA MARCHI

#parceria!

LISIANI FLORES, JULIANA PAN, VERÔNICA JANUÁRIO, RAPHAELA DONADEL, BIANCA PIRONELLI e BUGA #NovosRumos #florzinhas

Aos trabalhadorxs e gestorxs da SADS (Secretaria de Assistência de Desenvolvimento

Social) e Prefeitura Municipal de Leme, especialmente:

ISABEL ALEIXO #ProfessoradePráticasdeGestão, MAURO DONIZETE VITOR, ELIANE RUIZ e DANIELA VICENTINI

CINTIA BRAGHIM TAMIAO e dançarinxs da OFICINA DAS ARTES de Leme #artecontemporânea

Aos amigos e amigas Especialmente:

MARJORIE CHENEDEZZI #amizade #famíliaII THIAGO SANTOS #antropofagia #poesia e por PROVOS

HELTON SOUZA #manguebeat #poesia SILMARA MONTEJANO #festa

KAOANE GACHETT (Kao) GRAZIELLE GUIMARÃES (Gra)

MÔNICA HARTER (Purga) HÁBILIS BIAZOTTO (Bi)

e EMANOELA BONON CRESSONI (Manu)

#amor #meninas #bruxonas #arte #loucura #militância #vivaaluta #contratodotipodemanicômio!

MAYARA CHENEDEZZI #filosofia e por AMÁLIA IVAN CARDOSO #bee #sexualidade #música e RICARDO

DIOGO ARAÚJO #mangueboy

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#nerds!

TALITA LEONI (Palita) #sensualidade

GIULIANO VERNE #natureza, WESLEY (Quexo), FÁBIO (Chico) #poesia, JOCIMAR e TONZINHO

#SubmundoLemense!

MAÍSA RAVANINI, LU ROCHA e ÉRICA GONÇALVES #Esquizogrupo AUGUSTO MENEGHIM #arteclássica

SAUL VARANDA, DANILO CONRADO, FAL FILIER e ANDERSON CÂNDIDO (The Tambourine Men & Special Sauce – Bob Dylan Cover) #folkrock

TÂNIA SENEME DO CANTO #exemplo, CLAUDIA DO CANTO (Kino-Olho) #ladoA, MARÍLIA DO CANTO, LÍVIA FASSIS #LilyBraun e ANDRÉ GÓES

#rock’n’roll #rockabilly #punkrock #iê-iê-iê #beers!

LOURENÇO MILANI, JOAO PAULO DARELLA #legalize MÁRCIO MOMESSO (Boró) #palhaço #música #IlhadaMagia

LETICIA TONON #pé-vermelho #Deusa

ANGÉLICA (Gel), MARIA EMILIA (Miloka), LARYSSA (Lalyxa), AMANDA (Manduxa), PÂMELA (Panzoka), e todos os meninos: doce-eterna amizade infanto-juvenil #saudades

Às Famílias MANCINI e MARTINS, especialmente: CAROLINE MARTINI #irmãzinha

LUCAS MARTINI #irmãozinho

DINAEL #PM e BÉTSAMAR #amoremCristo DALMO e DIANY pela distância presente #boteco #quero

E à família esquizo, cheia de patas, amor, cuidado e umas pitadas de anarquia: VILMA MANCINI (#Vilmãe), ENÉAS, PRISCILA (Percília), MARBA, SOPHIA, CHEETA,

PAGU, LUA e FLOR Especialmente:

DALBERT MARTINS (Tum) #infância E finamente, à FRIDA e XÊPA

#amor!2

2Para todas e todos: “E pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto...”

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TONHÃO

(Motorista da Secretaria de Saúde de Leme para o HC da Unicamp) Um Cuidador Branco com seu Pássaro Azul gigante!

CLÁUDIA FURIA (CACAU) Madrinha de um Pássaro Azul

MILENA GERMANO Uma Terapeuta-Doula3

GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS Um Pai Acadêmico4

Médico Educador Especialista em Nutrição Preventiva e Suplementação Nutricional para Pássaros Azuis

GUSTAVO TENORIO CUNHA

Cientista Médico Especialista em Orientações Humanizadas para o Pré-Natal de Pássaros Azuis

JULIANA LUPORINI DO NASCIMENTO

Cientista Social Especialista em Métodos Preventivos de Procedimentos Invasivos para o Parto Humanizado de Pássaros Azuis

“Gratidão, essa palavra tudo.”

Carlos Drummond de Andrade

3

Para Milena Germano: Trilha Sonora de Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain: <https://www.youtube.com/watch?v=unCVi4hYRlY >

(10)

but I'm too tough for him, I say, stay in there, I'm not going

to let anybody see you.

there's a bluebird in my heart that wants to get out

but I pour whiskey on him and inhale cigarette smoke

and the whores and the bartenders and the grocery clerks

never know that he's in there.

there's a bluebird in my heart that wants to get out

but I'm too tough for him, I say,

stay down, do you want to mess me up?

you want to screw up the works?

you want to blow my book sales in Europe?

there's a bluebird in my heart that wants to get out

but I'm too clever, I only let him out at night sometimes

when everybody's asleep. I say, I know that you're there,

so don't be sad.

then I put him back, but he's singing a little in there, I haven't quite let him

die

and we sleep together like that

with our secret pact and it's nice enough to

make a man weep, but I don't

weep, do you?

BLUEBIRD Charles Bukowski

(11)

As cidades: Desde a formação das grandes e pequenas cidades brasileiras existiram os ocupantes cotidianos de ruas, praças e avenidas, legítimos frequentadores e habitantes dos espaços públicos. Pessoas em Situação de Rua configuram uma população historicamente à margem das prioridades das políticas publicas no Brasil que, em geral, teve pouco ou nulo acesso aos Direitos Sociais e precária garantia dos Direitos Fundamentais definidos na Constituição Federal de 1988. Diariamente morrem. Vitimas de violências e descasos, sem que se ouça qualquer alardear de panelas ou outras formas significativas de expressão de indignação coletiva. Os conceitos: Desde 2008 uma política nacional para a população em situação de rua orienta os esforços para a criação de políticas públicas para atender as demandas destes habitantes brasileiros. Apesar da participação popular para a conquista desta Política Nacional, a mobilização organizada deste grupo social pode ser considerada frágil e inexpressiva. A articulação de importantes estratégias de cuidado como os Serviços de Abordagem Social, os Consultórios na Rua, os Centros de Referência para a População em Situação de Rua e as unidades de Acolhimento Institucional tem, aos poucos, garantido algum acesso aos diretos de Saúde e de Assistência Social. O SUS (Sistema Único de Saúde), o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), e principalmente a Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua definiram as diretrizes deste trabalho. As cenas: Um relato das experiências de uma psicóloga-a-céu-aberto aventurando-se nas tentativas de articular garantias de direitos junto aos munícipes em situação de rua de uma pequena cidade interiorana. Reuniões intersetoriais, encontros clínicos e oficinas em praças públicas foram expostos a partir dos relatos de diário de campo, atas e fotografias que foram produzidos no transcorrer do trabalho e da produção de conhecimento. Bons encontros profissionais foram afirmados na sua potência para a produção de estratégias de trabalho e de militância e certa alegria cultivada enquanto estratégia política, apesar dos tempos sombrios anunciados. O Plano das Pipas Brancas é uma brincadeira, em favor da vida de todos nós, habitantes dos submundos do capitalismo.

Palavras chave: Políticas públicas; Saúde mental; Situação de rua; Humanização da assistência; Movimentos sociais.

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The Cities: Since the formation of large and small brazilian cities there have been the daily occupants streets, squares and avenues, legitimate goers and residents of public spaces. The homeless people set population historically the margin of priorities of public policies in Brazil that generally had little or no access to the Social Rights and precarious guaranteed of Fundamental Rights defined by the Federal Constitution of 1988. Daily Die. Victims of violence and negligence without you hear any noise of pots or other significant ways of selective indignation of expression. The concepts: Since 2008, a national policy for the homeless guides the efforts to create of public policies to resolve the demands of these brazilian people. Despite popular participation for the conquest of this national policy the organized mobilization of this social group can be considered fragile and inexpressive. The articulation of important care strategies such as Social Approach Services, The Street offices, The Reference Centers for Homeless and Institutional Home units it is gradually has guaranteed some access right to health and social assistance. The SUS (Health Unic System), the National Movement of Anti-asylum, the SUAS (Unified Social Assistance) and especially the National Policy for the Social Inclusion of Homeless defined the guidelines of this work. The Scenes: An account of experiences of a psychology-the-sky-open adventuring in attempts to articulate rights guarantees with the residents homeless in a small town. intersectoral meetings, clinical meetings and workshops in public squares they were exposed from the reports of field journal, minutes and photographs that were produced during the production of knowledge work. Some nice professional meetings they were made in its power to produce work strategies and militancy and some cultivated joy as political strategy, despite the announced dark times. The Plan of the White Kites is a joke, in favor of life in all inhabitants of capitalism underworlds.

Keywords: Public policies; Mental health; Homeless persons; Humanization of assistance; Social movements.

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1. Apresentação...14

2. Introduções 2.1 A cidade: Leme ...17

2.2 O conceito: Perspectivas teóricas e políticas ...24

2.3 A cena: Breve histórico das Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua e Usuários de Álcool e outras Drogas na cidade de Leme...36

2.4 Articulação de Movimento Social: Práticas Culturais em Praças Públicas...68

2.5 Clínica Ampliada: Práticas Clínico-gerenciais...81

2.6 Referências Políticas e Profissionais...94

3. Metodologias...102

3.1 Metodologia de pesquisa...103

3.2 Metodologia de análise-intervenção...103

3.3 Metodologia de exposição...105

4. Resultados Plano das Pipas Brancas...107

5. Discussões...112

6. Considerações Finais...114

REFERÊNCIAS...116

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1. Apresentação

“Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.” Manoel de Barros no Livro sobre Nada

O trágico episódio que ficou conhecido por Massacre da Sé completou 11 anos no ultimo 19 de agosto, data marcada pelo ataque violento a dez pessoas enquanto dormiam desabrigadas nas proximidades da Catedral da Praça da Sé, ou seja, no coração da cidade de São Paulo. A maioria daquelas pessoas não sobreviveu. Durante o instituído Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, muito se faz referência a este fato que à época teve repercussão internacional, sobretudo denunciando que até hoje não houve condenações e punições para os responsáveis por este caso de homicídio doloso qualificado5 e porque até hoje muitas pessoas desabrigadas seguem sofrendo perseguições e morrendo pela ausência do respeito aos seus direitos fundamentais.

Localizado na região mais industrializada do país, o Estado de São Paulo tem o prestígio de ser o mais rico do Brasil. Leme é uma pequena cidade localizada no interior deste Estado, a 188 km da capital (desde o Marco Zero, na Praça da Sé). Por aqui, pode-se considerar arriscado não se dispor a “trabalhar duro” diariamente, conforme sugerido pelo Senhor Governador na manhã seguinte do dia das ultimas eleições, quando honrou seus pares ao ser reeleito, completando 20 anos da mesma coligação partidária no governo do Estado. Por aqui, também se fecham, de uma só vez, 94 escolas públicas estaduais de ensino médio e cortam-se as verbas das universidades públicas estaduais. Por aqui, também são construídos muitos presídios estaduais, instituições que são consideradas necessárias para uma “proteção

5Testemunhas indicaram ao Ministério Público o envolvimento de Policiais Militares

nos homicídios. Semelhante, a Chacina da Candelária, em 1993, no Rio de Janeiro vitimou oito jovens que dormiam próximos à Igreja da Candelária; testemunhas também indicaram o envolvimento de vários Policiais Militares no caso, que também redundou na ausência de cumprimento de penas e condenações. Estas informações estão disponíveis em notícias Online.

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penitenciária” dos seus cidadãos. Por aqui, são inventadas Políticas Públicas estaduais sobre Drogas especializadas em “internações compulsórias”.

Nada surpreendente afirmar que neste cenário produz-se a violência das ruas e muitas violências institucionais. Aproximando-se das pessoas que habitam as ruas nota-se que suas singularidades refletem as Políticas Públicas das cidades. Superando o discurso da normalidade, sem pretender realizar análises sobre o anormal ou patológico na rua, pode-se justificar a relevância da leitura deste trabalho pela potência para a invenção de cidades melhores para todos.

Pretendendo tão somente expor alguns sentidos das experiências vividas no período de um ano de trabalho, de militância e de produção de conhecimento em um serviço do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e simultaneamente na FCM|Unicamp, e visando contribuir para a compreensão e a formulação de Políticas Púbicas em favor da vida da População em Situação de Rua e de Usuários de Álcool e outras Drogas, descobriu-se o desejo pela produção de outros modos de relação com os Espaços Públicos. Descobriu-se ainda, a potência de todas as subculturas das ruas para uma reinvenção das nossas cidades.

Depois de uma imagem em palavras da cidade de Leme, consta uma contextualização superficial das teorias e posicionamentos políticos e metodológicos que sustentaram este trabalho. Em seguida, uma cena do município de Leme, seguida de um breve histórico sobre as Políticas Públicas para pessoas em situação de rua e usuárias de álcool e outras drogas, que passa pelos anos de 1955 e 2008, e termina nos últimos anos, sobretudo no período de agosto de 2014 a agosto de 2015. O trabalho desenvolvido neste período pelo Núcleo de Atenção à População em Situação de Rua do CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) é detalhado, e nos capítulos seguintes, uma ênfase nas práticas para uma Articulação de Movimento Social e para uma Clínica Ampliada se dá pela exposição de relatos de Diários de Campo. Em Referências Políticas e Profissionais buscou-se valorizar os encontros com algumas pessoas, em sua potência para pensar sobre estratégias de luta militante. Evitou-se pensar sobre Drogas, pois este tema será exposto em trabalhos futuros de modo independente da situação de rua. Ao leitor que economiza tempo e paciência recomendo a leitura apenas de

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Resultados: o Plano das Pipas Brancas, que me salvou a pele. E para alguma finalização, discussões e considerações finais que estão inacabadas.

Para tanto, almejou-se uma escrita engenhosamente cínica e paradoxalmente alegre, além da superficialidade de sentidos e ideias que tende a constituir um convite à criatividade, pelo exercício de um pensamento estratégico.

Quem vos escreve, anônimos leitores, deve se apresentar. Dentre os muitos títulos que gosto de ostentar estão: Sabiá com Trevas, Caipira-Pé-Vermelho, Maior Abandonada, Ladra de Livros Públicos, Bicho-do-mato, Prounista Diplomada Psicóloga, Megalomaníaca, Vadia, Submundana, Aspirante a Cientista-a-céu-aberto, Porqueira, Amante da Liberdade em Trapos, entre outros, mais esquisitos e dispensáveis... Feita Loretta, Chica ou mais uma Jéssica, faço saber que: meu nome não é Ciniane.

Fugindo da tóxica Santa Gertrudes (cidade menor ainda, devastada ambiental e culturalmente pela extração de argila e pela indústria cerâmica) tenho encontrado a riqueza nas diferenças e a força nos encontros com os irredutivelmente outros, para seguir lutando em favor das transformações tão desejadas para o mundo. Toda violência diante do intolerável parece se converter em coragem. Na presença do texto, que se sinta à vontade o leitor criativo, pois, aqui não é proibido inventar!

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2. Introduções

2.1 A cidade: Leme

“...meu torrão tão querido! Leme, linda terra de amor!”6

Uma imagem possível, em palavras, da cidade interiorana de São Paulo situada, na rodovia Anhanguera: ao meio do trecho Campinas - Ribeirão Preto; Na vizinhança: entre Araras (cidade um tanto manicomial, em que vespertinamente sente-se um aroma de café torrado no ar enquanto pode-se brincar com pedalinhos flutuantes coloridos na Lagoa Municipal7, ou transitar pelo charmoso calçamento de paralelepípedos das ruas centrais) e Pirassununga (cidade militarizada nos costumes e um tanto elitista, por princípio ou consequência8); e não deveria pular a pequena vizinha Santa Cruz da Conceição (bucólica cidade de chácaras onde faz-se ‘praia de água doce’ do seu Lago Municipal, com churrascos e atividades aquáticas).

Desde lá do Morro do Cristo9 vê-se quase toda a cidade de Leme, terra de históricos coronéis10 e de chamados coquinhos11, que sempre me pareceu uma cidade um tanto mais boêmia que estas anteriores, porque seus diferentes

6 Primeiros versos do Hino da cidade de Leme (Disponível Online).

7 Em Araras intituiu-se o segundo maior Hospital Psiquiátrico do Estado de São Paulo,

que teve o maior número de AIHs (Autorizações de Internação Hospitalares) no período de 2004 a 2011, conforme levantamento realizado por FLAMAS - Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba. Online [acesso em jan 2016]. Disponível em:

https://flamasorocaba.files.wordpress.com/2011/09/dossie-setembro-18-09-2011.pdf O aroma de café por sua vez, deve-se às instalações industriais de marca famosa de chocolate em pó e café solúvel, próxima ao centro da cidade.

8 Em Pirassununga instala-se a Academia da Força Aérea (AFA) que sedia o

Esquadrão de Demonstração Aérea, também conhecido como ‘Esquadrilha da Fumaça’. Online [acesso em jan 2016]. Disponível em:

http://www2.fab.mil.br/afa/index.php Cidade esta onde há um só tempo instala-se também o “13º Regimento de Cavalaria Mecanizada ou Esquadrão Anhanguera (...) uma unidade militar emblemática do Exército Brasileiro”. (Fonte: Wikipédia, Online).

9 O Morro do Cristo, antigo Morro do Zé Leme, situado entre cidades de Leme e Santa

Cruz da Conceição, às margens da rodovia Anhanguera ostenta uma “imagem feita à semelhança do Cristo do Corcovado do Rio de Janeiro que olha para a cidade para bem dizê-la” (Ferreira, Miguel Junior, Verzola Junior, 2012, p.379) é o ponto mais alto onde se instalam antenas e pára-raios, constituindo um mirante para toda a cidade.

10 “Política lemense, uma história que dá gosto contar” (Fita VHS encontrada em lixão,

resgatada e digitalizada). Online [acesso jan 2016]. Disponível em <https://www.facebook.com/armando.yado/videos/725801357553224/?theater

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bares e botecos para frequentadores de todas as classes sociais estiveram pouco mais disponíveis durante madrugadas, dias de semana e até aos domingos a noite (véspera de dia-de-trabalhar), e claro, habitados por muitos clientes-bebedores. Valeria uma nota para o Bar da Biga, localizado no coração de Leme, em frente à Praça da Bíblia e próximo ao Museu Histórico Municipal (antiga Estação de Trem, portanto, onde a cidade começou a se desenvolver), por ter sido muitos anos referência e ponto de encontro para a população LGBT de toda uma região. Valeria outra nota para o Zero Grau, chopperia tradicional que certamente poderia ser considerada reduto da elite artística lemense.

E pra falar em boemia, diga-se que Leme é também a terra do choro, o brasileiríssimo gênero musical. Seja pelo costume de duas décadas a tomar café e chá com bolachas semanalmente ao som do Grupo Musical de utilidade publica Café com Chorinho (Ferreira, Miguel Junior, Verzola Junior, 2012, p. 560), ou quanto mais pela Semana Seu Geraldo de Música “evento artístico que conta com apresentações públicas e oficinas musicais gratuitas” (Ibidem, p. 563), reunindo anualmente músicos experientes e estudantes de outros estados do Brasil e do exterior, consolidando a cidade como referência nacional do Choro12.

Todavia me encanta especialmente a tradicional Folia de Monstros, cultura carnavalesca trazida pelos primeiros imigrantes italianos e alemães, colonos da Fazenda Cresciumal (primeira região de Leme a ser habitada no século XIX). A Festa de Máscaras é realizada anualmente desde o inicio do século XX. (Ibidem, p. 557) Motivos estes (o encanto e a tradição) pelos quais trago um pequeno relato e algumas fotos nestas páginas:

12 Consta das ultimas edições a organização de um Festival Nacional de Cachaças

Especiais de Leme que em 2016 terá sua 3ª edição. Notícia: “Semana Seu Geraldo faz de Leme a terra do Choro e leva grande público para a Praça”. Online [acesso em jan 2016] Disponível em: http://www.portallemenews.com.br/nossa-cidade/nossa-cidade/5255-semana-seu-geraldo-faz-de-leme-a-terra-do-choro

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Durante a festa, dois grupos de personagens – os palhaços e os monstros – têm funções diferentes e “invertidas”: aos monstros cabe dançar e cair na folia, exibindo sua feiura (e beleza) num desfile de horrores que chama a atenção pela precisão, pela criatividade e pelo realismo. Já aos palhaços cabe a função de aterrorizar os foliões, provocar correrias e assustar crianças, jovens e adultos, que correm para não levar uma bexigada nas costas – bexigas de boi infladas, arremessadas com força (outra tradição dos imigrantes). Durante meses, antes da festa, os moradores da fazenda colecionam bexigas dos bois mortos na região para encher de ar. Os golpes provocam um estalido estridente, que deixa as costas vermelhas e um cheiro pouco agradável no ar. A brincadeira já se tornou tão tradicional e aceita pelo público que há sempre gente fazendo questão de entrar na pancadaria. Há também os palhaços conhecidos como “linguiceiros”, que carregam uma linguiça calabresa mergulhada em cerveja. Ela é passada nos lábios dos mais distraídos e deixa um gosto amargo na boca. (Ferreira, Miguel Junior, Verzola Junior, 2012, p.559).

Figura 1: Folia de Monstros de Leme (fotografia amadora: fev/2015)

Figura 2: Folia de Monstros de Leme Figura 3: Folia de Monstros de Leme (fotografia amadora: fev/2015) (fotografia amadora: fev/2015).

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Porém, a festa anual evidentemente mais populosa é a Festa do Peão de Leme, que mobiliza o grande público em torno de shows de música sertaneja, eleições de rainhas e princesas de rodeio e campeonato de montaria em touro. Soma-se a uma cultura popular caipira-sertaneja da cidade a existência de já tradicional curso superior de Medicina Veterinária (com Hospital e Fazenda Escola), e assim desfilam durante todo o ano também moços e moças ostentando chapéus, cinturões e botas, acompanhados de seus cavalos.

O Lago Municipal de Leme, por sua vez, é cultivado para pescaria, que é liberada apenas para pessoas idosas. É também o endereço da Casa do Papai Noel. Sim, porque há quinze anos, apenas em períodos natalinos a modesta casa de madeira é caprichosamente decorada e aberta para a recepção do bom velhinho capitalista, que tem recebido anualmente milhares de visitantes13. E aqui estará a derradeira destas curiosidades sobre cultura lemense: a decoração natalina luminosa da cidade certamente pode ser considerada das mais esmeradas da região, sobressaindo-se em relação à quantidade e qualidade de luzes e enfeites espalhados pelo Lago, principais entradas e praças do centro da cidade.

O leitor mais pragmático poderia legitimamente questionar a relevância destas elucubrações sobre singularidades culturais. Justifico que além de simpatizar por elas, pergunto se talvez não teriam as características culturais das cidades que ver com suas questões de Saúde Mental e deste modo, com suas Políticas Públicas?

Como o último Censo demográfico seja de 201014, estima-se que a população de Leme tenha já ultrapassado os cem mil habitantes. Destaca-se que grande parte deles são migrantes, sobretudo do Estado do Ceará, e que isto se deve às demandas por trabalhadores manuais da indústria canavieira (Moraes, Figueiredo, Oliveira, 2009) e de outras lavouras como a de laranjas e a de café. A elevada incidência de migrantes fez da cidade de Leme “conhecida como ‘cidade dormitório’, uma vez que grande parte destes

13Notícia: “Casa do Papai Noel de Leme se torna referência para cidades de toda

região.” Online [acesso em jan 2016]. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao- carlos-regiao/noticia/2012/12/casa-do-papai-noel-de-leme-se-torna-referencia-para-cidades-de-toda-regiao.html

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trabalhadores migrantes mora em Leme, mesmo trabalhando nas cidades vizinhas” (Moraes, Figueiredo, Oliveira, 2009, p. 22). Pesquisou-se que 50% destes trabalhadores seriam analfabetos ou analfabetos funcionais (ibidem, p. 33). No que diz respeito à assimilação dos impactos desse fluxo migratório15 para a cidade, considerou-se positivo o aumento de:

(...) 35% das vendas no comércio local. Por outro lado, há os que consideram que a presença dos migrantes tem mais pontos negativos do que positivos, como é o caso do secretário municipal de Saúde, que credita a superlotação do sistema de saúde e consequente queda da qualidade no atendimento à presença destes trabalhadores. Ainda sob essa perspectiva, alguns alegam que o aumento de furtos e criminalidade deve-se à presença dos migrantes, fato contestado pelo delegado municipal que acredita serem esses acontecimentos decorrentes do crescimento urbano como um todo e não devido à presença dos cortadores de cana-de-açúcar. (Moraes, Figueiredo, Oliveira, 2009, p. 34).

Ressalvando algum aumento dos furtos e da criminalidade, deve-se observar que no município de Leme há um expressivo número de crianças adolescentes em situação de conflito com a lei, sobretudo relacionados ao tráfico de drogas. Registrou-se cerca de 10 (dez) boletins de ocorrência por semana contabilizando atos infracionais cometidos e o número de adolescentes em regime de internação provisória nas Fundações Casa da região se destaca quando comparado ao de outras cidades16.

De alguma forma estas circunstâncias parecem ter colaborado para que a SADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) tenha ocupado, ainda que por urgência, um certo lugar estratégico no que tange às Políticas Públicas da cidade. Quando cheguei pela primeira vez em Leme, por ocasião

15Há época da pesquisa citada (2009) já se destacava alguma preocupação com

possíveis impactos da progressiva mecanização da colheita de cana-de-açúcar, com a previsão da erradicação do corte manual prevista para 2016. Seria importante aqui fornecer dados atualizados sobre este fluxo migratório no município. A pesquisa menciona que os fluxos migratórios de nordestinos para o sudeste se deram a partir da metade do século XX (ibidem, p. 21) e seus “...resultados indicam que grande proporção de cortadores de cana de baixa escolaridade continuará migrando em busca de melhores condições de vida (...) mesmo com da redução da contratação no corte manual da cana-de-açúcar.” (ibidem, p. 1)

16 Discurso consonante entre Secretário de Saúde, Psicóloga e Assistente Social do

Núcleo de Medidas Sócio Educativas do CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) durante entrevistas realizadas para elaboração de Projeto de Pesquisa, em novembro de 2013.

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de uma seleção para estágio extracurricular em Psicologia, para trabalhar no CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social), desci numa rodoviária escangalhada e caminhei até onde hoje é a Casa dos Conselhos (primeiro endereço do CREAS). Àquela época o Prefeito podia distribuir cestas básicas como quem distribuísse popularidade; podia também fornecer cartões de visita assinados que garantiam privilégios aos seus portadores em filas, seleções ou sorteios de benefícios públicos municipais; e podia até mesmo fazer churrascos com o dinheiro público17! Passados anos, aquela rodoviária foi reformada e tem lugar de destaque na entrada da cidade, ostentando o sobrenome do referido Prefeito.

Cerca de seis anos depois o CREAS, que mudou de endereço quatro vezes (trabalhei em todos, mas não sem interrupções) tem hoje uma sede própria, ou seja, um prédio em terreno da prefeitura construído de acordo com orientações do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Esta mudança de endereço mais recente ocorreu durante o período do processo de trabalho que será relatado.

O atual mandato de Prefeito, por sua vez, passou por quatro mudanças de representantes no curto período de três anos! A judicialização das questões políticas municipais tem propiciado a cassação dos mandatos, reciprocamente, entre os partidos e suas lideranças políticas. Dentre estas confusas interrupções e mudanças de governos, a maior parte do período do trabalho relatado ocorreu durante o segundo dos períodos de governo, assumido por partido mais aberto as reivindicações da esquerda, que apoiou as ações propostas para um trabalho com a População em Situação de Rua no CREAS. Porém, durante o processo de trabalho, em meados de agosto, houve a terceira das mudanças de governo, quando uma coligação de posicionamentos mais conservadores de interesses de direita pôde desmontar o trabalho que vinha sendo estruturado há cerca de um ano pelo CREAS; este desmonte será relatado. Permanecendo cerca de sete meses apenas no poder, houve a quarta e última das mudanças de governo, quando aquela mesma coligação

17 Notícia: “Prefeitura de Leme faz churrasco com verba da Saúde em São Paulo.”

Online [acesso em dez 2015] Disponível em: http://tvuol.uol.com.br/video/prefeitura-de-leme-banca-churrasco-com-dinheiro-publico-04020D18346AC0812326

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tradicionalmente de esquerda reassumiu a responsabilidade pela gestão das Políticas Públicas municipais.

Esta situação nova para esta cidade e para o Brasil parece comprometer em muito a qualidade do trabalho desenvolvido em Políticas Públicas, pelo menos no que diz respeito à continuidade de ações e de investimentos que dependem de autorizações e posicionamentos ativos dos chefes de governo; e também em relação à instabilidade de trabalhadores nomeados coordenadores e/ou remanejados simplesmente. Por outro lado, mediante algum planejamento e valendo-se de algum jogo de cintura para lidar com as constantes mudanças de pessoas e de prioridades, poderia sinalizar uma relativa e inédita autonomia vivida pelos trabalhadores.

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2.2 O conceito: Perspectivas teóricas e políticas

Para um respaldo conceitual do trabalho em questão, faz-se necessário situar minimamente o leitor cientista em relação às perspectivas teóricas, políticas e metodológicas que têm possibilitado modos de práxis18 singulares. A indissociabilidade entre as experiências de formação (na Rede Pública de Ensino Básico e de Ensino Médio, no Ensino Superior em Psicologia acessado pelo PROUNI19 e nos recentes seminários, orientações de pesquisa e processo psicoterapêutico); As experiências profissionais (em vendas de filmes, livros e roupas, estágio extracurricular e serviço público no SUS e no SUAS); E ainda entre as experiências de produção de conhecimento (principalmente na Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva), poderia ser pensada em termos de encontros (entre pessoas) dados em determinados territórios (instituições) sobre os quais é possível circunscrever alguns lugares-comuns. Ou, metaforicamente, seria feita como sopas de palavras, que embora cotidianamente improvisadas, levam sempre alguns ingredientes principais, aqui marcados: (1) Perspectivas críticas da Ciência-Profissão Psicologia; (2) Sistema Único de Saúde (SUS) e Movimento Nacional de Luta Antimanicomial e (3) Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.

Perspectivas críticas da Ciência-Profissão Psicologia: A Psicologia enquanto ciência e enquanto profissão é tão múltipla em relação às concepções de Subjetividade validadas cientificamente, quanto em relação às possibilidades de atuação, dispersas em campos profissionais os mais diversos. Isto implica certa responsabilidade para manter em constante debate os fundamentos epistemológicos e em evidente exposição os posicionamentos éticos e políticos assumidos por cada psicólogo cientista e profissional.

18Práxis é um conceito filosófico complexo suficientemente assimilado durante os

seminários e discussões em grupo no curso de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, e poderia ser apreendido superficialmente enquanto a constante busca pelo reconhecimento da indissociabilidade entre produção de conhecimentos e a produção e dissolução de realidades.

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A formação em Psicologia dispôs as bases de teorias fenomenológicas, existenciais, humanistas, comportamentais e psicanalíticas sobre a Subjetividade. Estive notadamente entre o encantamento pelas diferentes leituras da psicanálise freudiana e as diversas teorias sócio-históricas, e as grupalistas e institucionais. Proponho me situar aqui pelas Perspectivas Críticas da Ciência-Profissão Psicologia, tomando por referência que “fala-se de psicologias criticas, porque são muitas as tendências do que é de fato, um movimento e não um enfoque dentro da psicologia”. (Moreira; Sloan, 2002, p. 9) Em resumo, intento traçar afinidades com quaisquer posicionamentos teóricos e metodológicos que se inscrevam claramente contra o individualismo, o objetivismo e o a-historicismo das práticas cientificas e profissionais de psicólogos, deste modo, desempenhando algum papel de resistência contra o “capitalismo industrial e a economia política liberal” (Moreira; Sloan, 2002, p. 21) É nestes sentidos que, “o individualismo metodológico tem sido desafiado por muitos métodos de pesquisa alternativos que derivam do feminismo, do construtivismo social, do pós-estruturalismo e das perspectivas de teorias criticas” (Moreira; Sloan, 2002, p. 23).

Aproximando-me primeiramente do resgate crítico da obra de Martin Baró, como proposta de um projeto para uma psicologia social que toma por princípio e por causa final os contextos econômicos, políticos e sociais específicos da América Latina, estive afinada à Psicologia da Libertação (Guzzo; Lacerda Jr., 2009). Afinada porque, enquanto psicóloga cientista e profissional jamais pude abandonar os fundamentos epistemológicos do conceito de Libertação, assim resumidos:

Falar de libertação é pressupor uma superação entre o individual e o social e pensar o mundo por meio das relações. É abordar também de uma superação entre teoria e prática, algo que vejo ainda muito ausente em nossas academias. E é também assumir a presença da ética, de valores, em todas nossas ações, mesmo acadêmicas. (Guareschi apud Guzzo; Lacerda Jr., 2009, p. 62).

Desde então, estive especialmente mobilizada para a valorização de todo tipo de regionalismos20, como um exercício de reconhecimento das

20Neste sentido interessa para uma prática em psicologia o reconhecimento de:

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singularidades culturais brasileiras e latino-americanas para a produção de Subjetividades. E ainda, depois de uma Introdução à Esquizoanálise (Baremblitt, 1998) pude identificar como as concepções pós-estruturalistas da Subjetividade tiveram amplo espaço desde o inicio desta formação em Psicologia, sobretudo em disciplinas e estágios de psicopatologia, políticas de saúde mental e nos eventos anuais do Movimento de Luta Antimanicomial. Fazendo uso principalmente dos posicionamentos teórico-metodológicos de Deleuze e Guatarri (Hur, 2013), e deste modo é também sob uma perspectiva esquizoanalítica da Subjetividade que tenho sustentado a invenção cotidiana de uma Psicologia enquanto ciência e profissão.

Finamente, podemos voltar às questões que abriram esta breve exposição: uma sobre alguma concepção de Subjetividade que tem sustentado este trabalho e outra sobre uma possibilidade de atuação em Psicologia que aqui vem sendo exposta. Em relação à primeira, podemos concordar simplesmente que aqui a Subjetividade é essencialmente coletiva e regulada por processos políticos (Campos; Campos, 2006); e em relação à segunda, que esta proposta de atuação parte de um compromisso com as parcelas populacionais social e economicamente desprivilegiadas na sociedade brasileira, em favor da transformação de realidades historicamente constituídas, fazendo-se necessário para tanto, o reconhecimento da intrínseca ligação entre Subjetividade e aspectos culturais e desta forma, intervir clinicamente é o mesmo que facilitar cidadania (Moreira; Solan, 2002; Guzzo; Lacerda Jr., 2009); ou noutros termos, o mesmo que estimular autonomia (Campos; Campos, 2006). E ainda, por fim, que esta proposta de atuação pretende-se claramente situada em relação a seus posicionamentos éticos e políticos, de modo que estes vêm sendo intencionalmente expostos ao longo da invenção de um estilo profissional e cientifico de Psicologia.

Sistema Único de Saúde (SUS) e Movimento Nacional de Luta Antimanicomial: As Políticas Públicas de Saúde do Brasil arranjam uma das principais ênfases teóricas, políticas e metodológicas destes indissociáveis escritor uruguaio Eduardo Galeano, o geógrafo brasileiro Milton Santos, movimentos sociais e culturais brasileiros em suma, todo tipo de cultura pop brasileira e latino-americana a que se tem acesso.

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processos de formação, de trabalho e de produção de conhecimento. Ao SUS tive acesso primeiramente enquanto usuária, desde quando não me lembro; segundamente (re)descobrindo-o no curso de Psicologia; terceiramente durante a primeira experiência profissional formada psicóloga: em um CAPS, donde fui violentamente expulsa e remanejada para um Ambulatório de Educação sobre Diabetes Mellitus; e enfim, foi neste período confusional, entre as angustiantes e divertidas experiências num Capscômio21 e as rodas de conversa sobre Diabetes, SUS e encaminhamentos para Rede Básica de Saúde, que encontrei o caminho do Mestrado Profissional, onde pretendi aprender a trabalhar e a produzir conhecimentos em Saúde Coletiva.

Comumente descobre-se o SUS a partir de suas dificuldades e insuficiências, como se todos os problemas fossem crônicos e os desafios instransponíveis. Percorrendo caminhos inversos, aprendemos que o SUS faz muito, e com pouco dinheiro (Idec, 2006) e buscamos conhecer e aprender com as numerosas experiências de um SUS que dá certo (Rede HumanizaSUS, 2013); Desta feita compreendemos que, sejamos usuários desde sempre, trabalhadores fatalmente ou quiçá gestores, a constatação dos problemas e dificuldades das Políticas Públicas de Saúde do Brasil significa simplesmente que temos imenso trabalho pela frente... E está claro que nem todos têm tido acesso às experiências exitosas e que muitos não fazem ideia de que na maioria dos outros países a população não tem direito à Saúde pública; E está claro que nem todos têm estado em condições favoráveis para trabalhar na direção do SUS que dá certo; e está claro também que nem todos brasileiros e brasileiras desejam Políticas Públicas de Saúde de qualidade. E então chega-se a um ponto essencial da questão: condições impostas pela “instrumentalização sem limites do homem e da vida, pela mercantilização sem limites” (Sawaia, 2003, p. 91)... da Saúde. Em um sistema capitalista industrial de economia política liberal, tudo se compra e tudo se vende, inclusive a Saúde

21Entre militantes do Movimento de Luta Antimanicomial chamamos Capscômios os

CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que, apesar dos esforços, funcionam segundo uma lógica manicomial, ou seja, de desqualificação da experiência da loucura (pela escuta do sujeito enquanto alienado, desarrazoado, sinônimo de erro) de internações psiquiátricas excessivas e desnecessárias (pelo isolamento e exclusão do sujeito enquanto perigoso, sobretudo em momentos de crise) e de supervalorização da prática do poder e do saber psiquiátricos (pela compreensão naturalista e biologizante da experiência da loucura). (Amarante; Torre, 2001)

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das populações, que torna-se mais um objeto de ferrenhas disputas na busca por lucros financeiros. O que é público, nunca foi “de graça” como pode aparecer para um senso comum mas, pelo contrário, precisa de financiamento; e financiando Saúde para todos, alguns proprietários certamente lucrariam menos. E é neste sentido que se atua em termos de “defesa do SUS” e de “luta pelo direito à Saúde”: as disputas cotidianas podem ser pesadas e a linguagem bélica não parece ser aleatória. Não obstante, a concepção de saúde necessária para habituar-se às batalhas em favor da vida e do direito à Saúde está “...enraizada na potência do ser e comandada pelo seu desejo de ser feliz. Ter saúde é estar apto a afetar e ser afetado por outros corpos em bons ou maus momentos.” (Sawaia, 2003, p. 92). Este sentido ético-político de Saúde poderia ser complementado com um sentido estético, na medida em que, muitas vezes, “a cura não é uma obra de arte, mas deve proceder do mesmo tipo de criatividade” (Guatarri apud Amarante; Torre, 2001, p. 81). Assim, até aqui já se apurou minimamente um posicionamento em relação ao SUS e também algum sentido para Saúde, que transpassam todo o trabalho. Inclui-se ainda o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial enquanto movimento social fundamental, que de acordo com Lobosque (apud Lüchmann; Rodrigues, 2007), pode ser assim definido:

Movimento – não um partido, uma nova instituição ou entidade, mas um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional – não algo que ocorre isoladamente num determinado ponto do país, e sim um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso território; Luta – não uma solicitação, mas um enfrentamento, não um consenso, mas algo que põe em questão poderes e privilégios; Antimanicomial – uma posição clara então escolhida, juntamente com a palavra de ordem indispensável a um combate político, e que desde então nos reúne: por uma sociedade sem manicômios. (p. 5).

Há mais de dez anos o curso de Psicologia da FHO|Uniararas se insere no circuito nacional de militância pela Reforma Psiquiátrica, organizando encontros, discussões e intervenções artísticas em torno do Dia Nacional de Luta Antimanicomial (18 de Maio) junto a professores, alunos, trabalhadores, usuários, familiares e gestores de Políticas Públicas de Saúde Mental, sobretudo da região e do Estado de São Paulo. Os eventos abertos à comunidade tendem a transcender os espaços institucionais e acadêmicos do

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curso e são realizados por intermédio de uma rede de parcerias articuladas profissional, política e institucionalmente. Milita-se a favor da desinstitucionalização/desconstrução de ideias e práticas manicomiais vigentes tanto em instituições de Saúde Mental e na sociedade em geral quanto em nossas próprias ideias e ações, considerando as “práticas de controle, tutela, domínio, normatização e medicalização, tão evidentes em nosso cotidiano.” (Dimenstain; Liberato, 2009, p. 1) Milita-se contra concepções preconceituosas e alienantes do sujeito da loucura e pelo fim das internações em hospitais psiquiátricos e de quaisquer práticas que desrespeitem os direitos humanos e constitucionais das pessoas. Constituem-se propagadores de uma nova relação com a loucura visando instaurar novas respostas sociais a favor da convivência com e na diferença (Campos; Furtado, 2005, p. 11) valorizando o protagonismo dos sujeitos interessados na invenção de novas práticas terapêuticas, institucionais e comunitárias para transformar o lugar social da loucura (Amarante; Torre, 2001). E é deste modo que as coincidências teórico-metodológicas entre o projeto político-pedagógico do curso de Psicologia frente à Reforma Psiquiátrica e as propostas políticas e institucionais do Movimento da Reforma Sanitária incorporadas no Departamento de Saúde Coletiva da FCM|Unicamp, arranjaram a consideração de “princípios de inclusão, participação e horizontalização” (Campos; Furtado, 2005, p. 20) nas relações clínicas e institucionais expostas neste trabalho, concebido enquanto relações estratégicas em espaços sociais os mais diversos. (Amarante; Torre, 2001). Por fim, importa o reconhecimento dos Consultórios na Rua, que surgiram a partir do final dos anos 90, como estratégia de cuidado no SUS que

(...) consiste numa equipe volante, constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica e pelo menos um profissional da área de assistência social, que realiza uma rotina de atividades e intervenções psicossociais e educativas na rua, junto aos usuários de drogas. (Ministério da Saúde, 2010, s/p).

Hoje existem mais de 80 cidades com experiências de Consultórios de Rua (Globo.com, 2015) que são considerados os serviços de referência do SUS para a população em situação de rua. As experiências das cidades do Rio de Janeiro (Passos, 2014), Porto Alegre (Bilibio, 2014), da cidade de São Paulo

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com o Programa De Braços Abertos (Lancetti, 2014) e do Consultório na Rua de Campinas, constituíram referências fundamentais para este trabalho.

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua: A terceira e última perspectiva teórica, política e metodológica indicada nesta introdução sobre o trabalho com a população em situação de rua no CREAS de Leme é a própria circunscrição de algumas especificidades das Políticas Públicas de Assistência Social, mormente aquelas que se relacionam diretamente ao acolhimento e cuidado de pessoas em situação de rua. A experiência de estágio extracurricular e esta experiência de trabalho e de produção de conhecimento no CREAS não foram acompanhadas de formação em disciplinas especificas sobre o SUAS. Esta é uma área de atuação reativamente nova para os psicólogos e temáticas mais específicas apenas recentemente têm sido consideradas no currículo do curso de Psicologia. O Mestrado Profissional, por sua vez, é fundamentalmente direcionado para profissionais atuantes em Políticas Públicas de Saúde. Esta situação inscreveu o trabalho desenvolvido em certo limbo conceitual e metodológico que tem se esclarecido lenta e gradativamente ao longo da formação e da produção de conhecimento.

Toda a Rede de Proteção Sócio-Assistencial esteve garantida legalmente desde a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2015) no capítulo sobre a Seguridade Social, que engloba a um só tempo os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social, que visaram uma Ordem Social para o Brasil. Muito se poderia pensar em termos de aproximações e distanciamentos entre estes dois grandes sistemas únicos da Seguridade Social, porém apenas poucas questões não me parecem de todo equivocadas (considerando as limitações da formação descritas acima). Uma delas diz respeito à diferença substancial entre a participação social durante a constituição das Políticas Públicas de Saúde e das Políticas Públicas de Assistência Social: Desde as décadas de 1970 e 1980 já se aglutinavam os embates em torno de uma Reforma Sanitária, o que se deu pela emergência das classes de trabalhadores da Saúde junto a outros grupos organizados em torno de um projeto comum; deste modo este Movimento Sanitário já transcendia limites políticos e institucionais ao propor outros modos de organização e de gestão das Políticas Públicas (Faleiros; Vasconcelos; Silva;

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Silveira, 2006); o que se desdobrava para a sociedade brasileira como um todo, como consta:

A área das políticas públicas de saúde, singular por ter o controle social como princípio, adquire uma centralidade na luta democratizante do período, pela profundidade da mudança e seu impacto no conjunto das políticas. Em torno dela, vão sendo mobilizadas múltiplas forças da sociedade civil e do aparelho de Estado e travados muitos embates, em diversos planos, que condensam uma experiência histórica inovadora, ainda em curso na atualidade. (Faleiros; Vasconcelos; Silva; Silveira, 2006, p. 36).

Deste modo poderia perguntar se esta conquista histórica do direito universal à Saúde por meio de lutas sociais se compararia à garantia de direitos de Assistência Social “a quem dela necessitar” (Brasil, 2015, p. 129) e quais a seriam as consequentes diferenças para uma participação social na constituição das Políticas Públicas de Assistência Social? A este respeito pode-se considerar que:

(...) restringir a previdência aos trabalhadores contribuintes, universalizar a saúde e limitar a assistência social a quem dela necessitar. Em um contexto de agudas desigualdades sociais, pobreza estrutural e fortes relações informais de trabalho, esse modelo, que fica entre o seguro e a assistência, deixa sem acesso aos direitos da seguridade social uma parcela enorme da população. (Boschetti, 2015, p. 1)

Boschetti (2015) faz esta discussão sobre o caráter seletivo das Políticas de Assistência Social conjugado ao caráter universal das Políticas de Saúde e aos direitos derivados do trabalho das Políticas de Previdência Social explicando como “não se instituiu um padrão de seguridade social homogêneo, integrado e articulado” (ibidem, p. 9), apontando que não houve a implementação da Seguridade Social proposta constitucionalmente na medida em que os direitos constitucionais não foram uniformizados nem universalizados (ibidem, p.12). Deste modo:

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A assistência social e a previdência, no âmbito da seguridade social, constituem um campo de proteção que não restringem e nem limitam a lógica de produção e reprodução do capitalismo. No Brasil, sua lógica securitária determinante a aprisiona no rol das políticas, que agem mais na reiteração das desigualdades sociais que na sua redução. E mesmo essa parca conquista vem sofrendo duros golpes, que estão provocando seu desmonte, e não sua ampliação. (ibidem, p. 11-12)

Este posicionamento em relação ao SUAS, enquanto uma política pública de manutenção da ordem social e econômica vigente, evidenciaria a imprescindibilidade do caráter inventivo das Políticas Públicas para a População em Situação de Rua, proposta deste trabalho. As pessoas em situação de rua fazem parte justamente daquela enorme parcela da população sem acesso aos direitos da seguridade social.

A Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua (Brasil, 2008) é uma das, se não a principal das perspectivas teóricas, políticas e metodológicas que orientaram o trabalho do Núcleo de Atenção à População em Situação de Rua no CREAS. Primeiramente porque este documento relativamente recente foi o primeiro a propor garantias de direitos específicos para as pessoas em situação de rua. Em seguida porque constituiu o resultado dos debates de um Grupo de Trabalho Interministerial integrado por representantes da maior parte dos Ministérios do Brasil e fundamentalmente do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) da Pastoral do Povo da Rua e do Colegiado Nacional dos Gestores da Assistência Social (CONGEMAS). (Brasil, 2008, p.2)

Para uma caracterização introdutória a referida Política faz uma discussão sobre a lógica capitalista que produz este “fenômeno presente na sociedade brasileira desde a formação das primeiras cidades” (Carvalho apud Brasil, 2008, p.3), apontando para as múltiplas causas e as múltiplas realidades da situação de rua e criticando de forma pertinente as posturas “assistencialistas, paternalistas, autoritárias e de higienização social” (Brasil, 2008, p.4) da sociedade civil e do governo em relação a esta população. Dentre as particularidades necessárias para um enfrentamento destas situações de violação de direitos estariam (1) uma ressignificação do Trabalho assalariado (2) uma ressignificação do conceito de Família e (3) uma ressignificação dos Espaços Públicos. Uma crítica, a um só tempo, das

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relações de trabalho, das concepções sobre a família e da ocupação dos Espaços Públicos no sistema capitalista, contígua à indispensável intersetorialidade entre os diversos segmentos sociais e ao protagonismo da população em situação de rua, explicitaria a potência revolucionária colocada por esta Política Nacional. As Ações Estratégicas são delineadas em Direitos Humanos, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Urbano/Habitação, Assistência Social, Educação, Segurança Alimentar e Nutricional, Saúde e Cultura (Brasil, 2008). Dentre todas parece notável que apenas uma Política Pública de Assistência Social (Serviço Especializado de Abordagem Social SEAS) e uma Política Pública de Saúde (Consultório na Rua CnR) tenham ido para o território (Espaços Públicos) conhecer, acolher e ofertar cuidado para a população em situação de rua. Partindo disto, todo este trabalho se justificaria pelo desejo de pensar em estratégias territoriais relacionadas à Cultura, em favor da invenção de novas relações com os Espaços Públicos e da vida das pessoas que os ocupam.

Anteriormente, uma aproximação entre SUAS e SUS é essencial para pensar a garantia de direitos para a população em situação de rua. O SUS possui tecnologias de gestão e de cuidado que podem contribuir para o trabalho no SUAS, que tem como eixos estruturantes: a matricialidade sócio-familiar, a descentralização político-administrativa, a territorialização e o controle social com participação popular (MDS, 2005). Os terapeutas de pessoas em situação de vulnerabilidade social, neste caso os trabalhadores do CREAS, de modo algum oferecem psicoterapia aos usuários, e intervenções terapêuticas junto às famílias e indivíduos são ofertadas em termos de atendimento psicossocial, de modo que não há distinção entre os objetivos de trabalho22 do profissional formado em Psicologia dos objetivos de trabalho do profissional formado em Serviço Social, não obstante haja o reconhecimento de que estes diferentes olhares são complementares. (MDS, 2013). A Política Nacional de Humanização (Ministério da Saúde, 2004) ofereceria um método

22 Contribuir para o fortalecimento da família no desempenho de sua função protetiva; -

Processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades; - Contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos usuários; - Contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior da família; - Contribuir para a reparação de danos e da incidência de violação de direitos; - Prevenir a reincidência de violações de direitos. (Mds, 2013, p. 25).

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para, também no SUAS, produzir mudanças na gestão e no cuidado ofertado nos serviços, estimulando a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários como forma de promover autonomia e coresponsabilidade para o enfrentamento das situações de violação de direitos no cotidiano. (Rede HumanizaSUS, 2013) Os princípios da Transversalidade, da Indissociabiidade entre Atenção e Gestão e do Protagonismo, Coresponsabilidade e Autonomia dos Sujeitos (Rede HumanizaSUS, 2013) conformariam valiosos norteadores para a construção de um SUAS humanizado. Dentre as diretrizes desta Política Nacional de Humanização (Ministério da Saúde, 2004), a da Gestão Participativa e Cogestão foi adotada durante este trabalho e será mencionada no item sobre o Fórum Municipal Permanente sobre a População em Situação de Rua; o Acolhimento e a Clinica Ampliada e Compartilhada sobretudo, constituíram-se em ferramentas teórico-práticas indispensáveis para o Acolhimento e o Cuidado dos usuários no CREAS, tema do segundo item sobre o trabalho; Acolher é escutar os sujeitos visando construir “relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário com sua rede socioafetiva” (Rede HumanizaSUS, 2013, p.8). E uma Clínica Ampliada e Compartilhada propõe abarcar a complexidade dos problemas dos sujeitos (neste caso, a violação de direitos das pessoas em situação de rua) durante os processos de análise e de intervenção terapêutica, considerando juntos os aspectos orgânicos, subjetivos, sociais etc. e buscando construir sínteses entre as diferentes abordagens possíveis do problema; As intervenções terapêuticas seriam sempre negociadas entre os profissionais e junto aos usuários, de forma que o compartilhamento de responsabilidades potencialize a autonomia dos sujeitos envolvidos para lidar com suas dificuldades (no caso, aquelas relacionadas à situação de rua) (Cunha, 2005). A Ambiência (criação de espaços acolhedores e confortáveis que propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas) (Rede HumanizaSUS, 2013, p.9), a Valorização do trabalhador e a Defesa dos Direitos dos Usuários (ibidem, 2013) são outras diretrizes que certamente também poderiam ser discutidas e valorizadas durante este trabalho e no âmbito do SUAS.

Finalmente faz-se necessária uma aproximação com a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e de Outras

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Drogas (Ministério da Saúde, 2003), considerando a contiguidade entre a situação de rua e o uso de álcool e de outras drogas, que será extensivamente mencionada. Felizmente o Brasil tem se destacado no contexto mundial em relação às mudanças propostas em suas Políticas Públicas sobre drogas, implementando em diversos municípios iniciativas inovadoras e pioneiras como estratégias para romper com o antigo paradigma da proibição e da repressão como estratégia prioritária (paradigma este que já sabemos causar mais mortes e violência que o consumo das drogas em si). (Instituto Igarapé, 2015, pg. 1-2). Neste sentido, o paradigma da Redução de Danos como alternativa às Políticas de “Guerra às Drogas” também é uma importante diretriz clínica e política (Passos; Souza, 2011) apreciada durante o trabalho com pessoas em situação de rua.

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2.3 A cena: Breve histórico das Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua e Usuários de Álcool e outras Drogas na cidade de Leme

“Acho que se escreve porque algo da vida passa em nós. Qualquer coisa. Escreve-se para a vida. É isso. Nós nos tornamos alguma coisa. Escrever é devir. Escrever é mostrar a vida. É testemunhar em favor da vida, dos idiotas que estão morrendo.”

Deleuze em E de Enfance

Albergue Noturno (Desde 1955)

A política de atenção às pessoas em situação de rua da cidade de Leme tem o CREAS como serviço de referência, não obstante um Albergue Noturno seja mantido há cerca de sessenta anos, por um grupo espírita, com subvenção da prefeitura, ofertando uma refeição e um dia de pernoite para os viajantes, andarilhos, caminhantes das estradas, chamados trecheiros23.

Como uma das estratégias desta pesquisa, frequentei este Albergue semanalmente, registrando em Anotações o que aprendia com aqueles Josés e Joãos sobre a vida no trecho. Durante os encontros me declarava interessada em conhecer um pouco sobre suas experiências, sentidos e desejos em relação a Políticas Públicas. Alguns encontros foram transcritos nas próximas páginas; não pretendi interromper os relatos selecionando (ainda mais) as falas de acordo com conteúdos de interesse, o que pode soar exaustivo, mas também passa por um esforço para que o leitor mais curioso possa por si mesmo se aproximar mais daquelas realidades acessando também outros temas da vida no trecho, para além do tema das Políticas Públicas:

23Trecheiro é um nome para os migrantes/itinerantes de estradas. São em grande

maioria homens, muitos à procura de trabalhos temporários. As práticas de gerenciamento desta população variam geográfica e historicamente. No Estado de São Paulo especificamente houve a “criação de um sistema de Albergues aliado ao ferroviário (...) que controlava a entrada e saída do grupo nos municípios (...) o Governo colocava à disposição um vagão no final do trem, destinado ao transporte dos mesmos.” (Oliveira, 2012, p. 35). O prédio do Albergue de Leme é o mesmo desde essa época e o serviço ofertado provavelmente ainda semelhante.

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“José palpitou o que achava interessante para a política pública que eu precisava pensar: uma recepção, um local para informações e para cuidar da saúde. Como é vendedor, a profissão exige que viaje. Citei a música do Tom Zé: “...na vida quem perde o telhado, em troca recebe as estrelas...” e ele me disse que não tinha estrelas. Além de trabalho, só coisas ruins, nada de bom, só ilusão. Me contou que há muitas pessoas inteligentes no trecho, que conhecem seus direitos, mas que a maioria é leigo. Muitos já estiveram presos, outros internados em hospitais psiquiátricos ou em clínicas de recuperação. Me ensinou por ultimo que hoje há uma troca de valores entre ALMA PARA AMAR – MATERIAL PARA USAR porque ama-se o material e usa-se a alma.”

“João me contou que as pessoas ficam na rua porque

acostumam. Disse que com o tempo se perde o sentido do tempo e que de tanto sofrer violências a pessoa fica violenta. Enfatizou que há muitos riscos e perigos. Contou que tem todo tipo de gente no trecho. João também achava que chácaras religiosas eram complicadas.”

“José palpitou sobre uma política pública sugerindo que deveria ser um espaço para se sentir a vontade: tomar café, banho e assistir TV. Falou que a maioria no trecho são usuários de drogas. ‘A maioria mente’, afirmou.”

“João fica hospedado em albergues por conta dos trabalhos temporários. Guarda o dinheiro que recebe pra outras coisas... se não conseguir pernoite em albergue paga um hotel barato.”

“José disse que “a maioria das pessoas no trecho usam droga”. Ele? Gosta de andar para conhecer lugares bonitos. Já foi duas vezes à praia este ano! Anda por aí também porque não tem

dinheiro. Explicou que pra pagar aluguel primeiro precisa da moradia, depois do emprego.”

“Perguntei pra João o que precisava e respondeu: ‘passagem’. Perguntei do seu desejo e era voltar pra casa. Sobre a felicidade, afirmou que não existe, que existem momentos de felicidade. No trecho, explicou, há muitos fugindo da justiça, que devem drogas, que sofrem devido a separação. Disse que encontra muitas pessoas boas que o ajudam, e outras pessoas que “nem te ouvem... tem gente que diz ‘já sei qual é o seu problema’ e dá 30 reais.” Falou sobre a ‘parte artística’: música, contando que carrega um rádio. Avaliou três condições para estar na rua: opção, teimosia e persistência”

“José gosta de conhecer novos lugares. Falou de sofrimento, dependência química e problemas com a família. Gosta também de conhecer gente nova. Perguntei o que era bom no trecho e ele disse que sofrer ensina a viver e é bom ter liberdade pra fazer o que quer. Mas também é bom alguém te dizer o que não pode, te por limites.

Referências

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