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Discurso, Liderança e Crise: a Vale No Jornal Nacional Durante a Pandemia da Covid-19 1

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

1 Discurso, Liderança e Crise: a Vale No Jornal Nacional Durante

a Pandemia da Covid-191

Bianca Garrido2 Júlia de Almeida Aguiar3

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, RS

RESUMO

A pandemia da Covid-19 provocou um movimento intenso entre as organizações, que realizaram diversas iniciativas de combate ao avanço do vírus, mas também de solidariedade. A partir disso, analisamos, neste artigo, o discurso de Eduardo Bartolomeo, diretor-presidente da Vale, no quadro Solidariedade S/A, do Jornal Nacional, em reportagem do dia 18 de abril de 2020. A partir da Análise de Discurso (CHARAUDEAU, 2010), e sob um olhar sistêmico e crítico em relação aos líderes e gestores (CAPRA, 2003, 2006, 2013, 2015) e WHEATHLEY (2006), estudamos a fala de Bartolomeo durante a matéria veiculada, relacionando-a aos impactos dos desastres de Mariana e Brumadinho, ocorridos, respectivamente, nos anos de 2015 e 2019.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Discurso; Liderança; Pandemia; Covid-19.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O mundo foi exposto à uma nova realidade desde março de 2020. Os impactos da pandemia da Covid-19 são enormes e imensuráveis. De acordo com a pesquisa Pulso Empresa, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), realizada na 2ª quinzena de agosto, 93,1% das empresas que participaram da pesquisa realizaram campanhas de informação e prevenção e adotaram medidas extras de higiene. Além disso, 33% reportaram que a pandemia teve um efeito negativo sobre a empresa.

Observamos, em muitas organizações, um movimento intenso de iniciativas para auxiliar no combate ao avanço do vírus, mas também de ações solidárias para com a

1Trabalho apresentado no GP Relações Públicas e Comunicação Organizacional no 43º Congresso Brasileiro de

Ciências da Comunicação.

2 Jornalista, doutoranda em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Comunicação Social pela mesma instituição. Membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Avançados em Comunicação Organizacional – GEACOR/CNPq. E-mail:

bianca.garridodias@gmail.com.

3 Jornalista, mestranda em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da

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2 sociedade em geral, como é o caso da Vale4, que foi personagem do quadro Solidariedade

S/A, do Jornal Nacional, exibido no dia 18 de abril. A reportagem5, com duração de 1

minuto, inclui uma fala do diretor-presidente da empresa, Eduardo Bartolomeo. O objetivo deste artigo é analisar o discurso do diretor enquanto líder da multinacional.

Em nosso trabalho, as organizações, espaços em que esses gestores e líderes atuam, são consideradas a partir de um olhar sistêmico (CAPRA, 2003, 2006, 2013, 2014) que compreende os processos naturais de mudança que caracterizam sistemas vivos, “recursivos, incertos e imprevisíveis” (VASCONCELLOS, 2002, p.152) construídas e reconstruídas de/por relacionamento e comunicação. Uma visão que entendemos como libertadora, permitindo uma rede de relações “não linear” (CAPRA, 2014, p.112), regida por uma teia dinâmica de fenômenos que são inter-relacionados.

O pensamento sistêmico, segundo VASCONCELLOS (2002, p.150), nos permite compreender que as relações têm “importância primária”, e não podem ser “medidas e pesadas”, mas “mapeadas”. Quando olhamos as organizações como sistemas vivos, apoiados em Capra (2003, 2006, 2013, 2015), as vemos como redes de relacionamento, passíveis de comportamentos mais cooperativos e de não violência, em que não ignoramos as realidades distintas do outro nos ambientes organizacionais, as suas necessidades de “amor e reconhecimento” (WHEATHLEY, 2006, p.28). A vida e as relações, a partir do olhar sistêmico, “complexo, emaranhado e desordenado” (WHEATHLEY, 2006, p.30) proporcionam compartilhamento, e por consequência, comunicação (WOLTON, 2010; MARCONDES FILHO, 2012).

A VALE

Em 3 de junho de 1942, a organização foi fundada como a estatal Vale do Rio Doce. Hoje é uma empresa privada presente em mais de 30 países, com cerca de 130 mil trabalhadores próprios ou terceirizados. Entre as áreas de atuação estão a mineração, logística (portos, terminais e infraestrutura), energia e siderurgia. Para análise do discurso (CHARAUDEAU, 2010) do diretor-presidente no Jornal Nacional, é necessário recapitular dois episódios recentes na história da empresa e do Brasil.

4 A Vale conclui doação de 5 milhões de kits de testes rápidos e de quase 16 milhões de EPIs para governo federal

(VALE, 2020).

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3 O primeiro ocorreu em 5 de novembro de 2015 e é o maior desastre ambiental da história brasileira: a barragem de Fundão, da empresa Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, rompeu e provocou a morte de 19 pessoas (R7, 2015). Na época, a barragem abrigava cerca de 56,6 milhões de m³ de lama de rejeito, e 43,7 milhões de m³ vazaram, atingindo 40 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santos (R7, 2015). Em 25 de janeiro de 2019, a barragem Mina do Feijão, em Brumadinho, rompeu e soterrou 270 pessoas. Onze pessoas ainda estão desaparecidas (G1, 2019).

Realizada a contextualização, abordaremos, na próxima parte do trabalho, conceitos de comunicação organizacional, liderança e discurso, e analisaremos a fala do diretor-presidente da Vale.

COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E LIDERANÇA

Pela Vale se tratar de uma organização, consideramos relevante, antes de iniciarmos a análise, retomarmos conceitos relacionados a comunicação organizacional e a liderança. No Brasil, conforme observa Rego (2009) os estudos sobre a comunicação organizacional começaram a partir do jornalismo empresarial, com publicações como a da empresa Light, de energia, em 1925. Na década de 60, houve uma expansão dos departamentos de relações públicas e de relações industriais nas empresas multinacionais e as publicações passaram a ser mais valorizadas, para atender às novas demandas da sociedade e da opinião pública (KUNSCH, 2010). Seguiu -se assim, conforme a referida pesquisadora, até os anos 80 e 90, um período de valorização do caráter instrumental da comunicação, compreendida a partir das diversas publicações destinadas aos públicos com os quais as organizações se relacionavam.

A partir dos anos 90, segundo Kunsch (2009), a situação começa a mudar e os estudos que, anteriormente, tinham um caráter prescritivo, e foco na comunicação como meio-mensagem, centrada no emissor, passam a priorizar as práticas cotidianas, a interação entre as pessoas e os processos simbólicos ocorridos nos contextos organizacionais. O período entre 1990 e 2000 foi marcado por um grande número de estudos que buscavam ampliar o olhar em torno da comunicação organizacional com base em novos métodos e novas percepções teóricas, passando a adquirir uma forma mais abrangente. Não bastava somente informar, era preciso que as informações estivessem em harmonia com os propósitos da organização.

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4 Assim, conforme OLIVEIRA (2003, p.2) “a comunicação ganha notoriedade, pela sua função de conhecer, analisar e direcionar esses fluxos informacionais para o objetivo geral da organização, dando um sentido estratégico à prática comunicacional”. A ideia de uma comunicação organizacional planejada e estratégica, com base na pesquisa sobre os interesses dos públicos e não somente da organização, passa a figurar de maneira mais significativa, tanto na Academia quanto no mercado.

Para SCROFERNEKER (2012, p.4) a comunicação organizacional “experimenta e vive um “novo tempo”, com “novos e antigos atores renovados”. Essa visão da autora está atrelada ao que ela considera como contra tendências paradigmáticas, que propõem novos olhares para a área, de encontro a tendências ligadas ao paradigma funcionalista. Essas contra tendências estão, no seu entendimento, (re) definindo novas regras e uma “nova organização mental e social” para a comunicação organizacional, que provocam “outros movimentos, outros olhares, uma pluralidade de opções” (Idem).

Outro estudo que nos auxilia a compreender as organizações através da comunicação é o desenvolvido na Escola de Montreal (TAYLOR e CASALI, 2010, p.70), em Quebec, no Canadá, para a qual o processo de organização “emerge” da comunicação, é um meio para realizar ações e se desenvolve por meio da dinâmica de análises de textos e conversações. No artigo dos autores citados6, estão exemplos

práticos, a partir das experiências de Fauré (2006)7. As concepções da Escola de

Montreal são formuladas nos anos 90 pelos profissionais que trabalhavam no Departamento de Comunicação da Universidade canadense.

Considerando o contexto em que nossa pesquisa se dá, de uma Pandemia, acreditamos que os líderes precisam estar “preparados” (grifo nosso) para atuar com o novo, com o dissenso (MARQUES; MAFRA, 2017), buscando promover o diálogo (BOHN, 2005; BUBER, 2009). Ainda, devem “sinalizar novas direções a seguir”

6 No artigo, Adriana Casali (2007) explica com detalhamento os processos históricos que levaram a criação dessa

importante perspectiva da Escola de Montreal, de olhar para a comunicação organizacional. Casali também tem um artigo escrito com James Taylor, professor da Escola de Montreal e um dos fundadores da teoria. Além de James R. Taylor, já citado, a Escola de Montreal tem outros autores de referência, que são Elizabeth van Every, François Coreen e Daniel Robichaud, no Canadá e Casali, citada acima, no Brasil.

7 O trabalho empírico de Fauré (2006) é resultado do seu doutorado na Universidade de Toulouse III em que estudou

as práticas de contabilidade de uma empresa francesa da construção civil. A atualização orçamentária foi escolhida como texto e os profissionais de uma das obras da empresa como unidade de observação da conversação. Fauré aferiu que um relatório financeiro é muito mais que um registro de números. É uma atividade realizada por meio de conversações, o que difere da ficção de que a contabilidade é meramente factual. Ao contrário, é uma atividade negociada até que as partes envolvidas estejam satisfeitas com o produto.

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5 (BERGAMINI, 2009, p.21), em uma relação de “aliança ou parceria” (idem). Em ambientes de desafios e incertezas, cabe à liderança “orientar e estimular as pessoas a persistirem na busca de melhores resultados” (MACÊDO, 2003, p. 109), sabendo usar o poder da autoridade para capacitar, fortalecer e “dar poder aos outros” (CAPRA, 2005, p. 133), além de estimular o compartilhamento e o conhecimento, e contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos nos âmbitos profissional, para que assumam as suas responsabilidades de forma individual e coletiva, estimulando o autoconhecimento inclusive. Líderes não são seres isolados, mas sim pessoas que se constituem a partir dessas relações, promovendo o fortalecimento da diversidade e da criatividade nos ambientes organizacionais, “criando condições e não só transmitindo informações” (CAPRA, 2005, p.132). Ainda, para o referido autor.

“Precisamos ensinar aos nossos filhos, nossos alunos e nossos lideres empresários e políticos fatos fundamentais de vida – por exemplo, o de que o resíduo de uma espécie é alimento de outra espécie; o de que a matéria circula continuamente ao longo da teia da vida; o de que a diversidade assegura a flexibilidade; o de que a vida desde o seu início, há 3 bilhões de anos não toma conta do planeta pelo combate, mas pelo trabalho em rede”. (CAPRA, 2014.p. 440).

Na perspectiva de Bergamini (2009) propomos considerar que, após ter sido a ele/ela concebido esse papel, cabe “conhecer as pessoas que o seguem e, principalmente, saber como lidar o melhor possível com elas” (BERGAMINI, 2009, p. 44). Em situações de perigo ou ameaça, como a considerada em nossa pesquisa, criam-se expectativas com/em relação ao aparecimento de alguém que “interprete o que está ocorrendo e se responsabilize por apontar a direção a ser seguida” (BERGAMINI, 2009, p.41-42).

Em tais circunstâncias, diz a referida autora, projetam-se esperanças e frustrações sobre determinada pessoa que se presuma possuir conhecimento, competência e habilidade para resolver as dificuldades. “Se não houver um líder, as pessoas assumirão tipicamente comportamentos automáticos que poderão transformar o desafio inesperado em uma situação ainda mais estressante” (BERGAMINI, 2009, p.42). Logo, cabe a liderança “ajudar a viver com o caos, em busca de novas visões e dos recursos que surgem” (WHEATLEY, 2006, p. 117).

Reiteramos aqui nosso entendimento de que a liderança só se efetiva a partir da relação com o outro, considerando os contextos de uma “totalidade maior” (CAPRA,

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6 2015, p.96), indo ao encontro do que nos diz Wolton (2006), de que a comunicação é também “admitir a importância do outro, e aceitar a dependência em relação a ele e a incerteza de ser compreendido por ele” (WOLTON, 2006, p. 15). Líderes não são seres isolados, mas sim pessoas que se constituem a partir dessas relações, promovendo o fortalecimento da diversidade e da criatividade nos ambientes organizacionais, “criando condições e não só transmitindo informações” (CAPRA, 2005, p.132).

DISCURSO, LIDERANÇA E CRISE

Realizada a recuperação dos conceitos e estudos de comunicação organizacional e liderança, partimos para a análise do discurso do diretor-presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, no quadro Solidariedade S/A, do Jornal Nacional, transmitido no dia 18 de abril de 2020. Para a análise, utilizaremos CHARAUDEAU (2010), que explica:

“Analisar um texto não é nem pretender dar conta apenas do ponto de vista do sujeito comunicante, nem ser obrigado a só poder dar conta do ponto de vista do sujeito interpretante. [...] O sujeito analisante está em uma posição de coletor de pontos de vista interpretativos e, por meio da comparação, deve extrair constantes e variáveis do processo analisado” (CHARAUDEAU, 2010, p.65)

Charaudeau (2010) ainda aborda o conceito de sujeitos discursivos, inseridos na nossa análise para estabelecer uma melhor compreensão da mensagem do diretor-presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo. Utilizaremos quatro sujeitos: o Enunciador (EUe), segundo Charaudeau (2010), um ser de fala que está no ato de linguagem; Comunicante (EUc), responsável pela produção da fala do EUe; o TUd, que é o destinatário ideal produzido pelo EU, e o EU entende que tem total domínio sobre ele; e o TUi, aquele sujeito que recebe e interpreta a mensagem de acordo com seu contexto, intenção, bagagem, entre outros.

No vídeo, o EUc é a organização, que produz o discurso da liderança, representada por Eduardo Bartolomeo, o EUe, que enuncia o discurso da empresa. O EUc é aquele responsável pelo desenvolvimento do discurso, é quem está por trás do que é dito. O EUe transmite o discurso, enuncia a fala do EUc. O TUd, nesse caso, é o telespectador que recebe o discurso de Bartolomeo sob a ótica da solidariedade, da iniciativa com uma perspectiva humana. O TUi pode ter diversas interpretações, entre elas a de que a empresa

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7 está tentando reparar os danos causados pelas tragédias anteriores; ou a de a organização está se movimentando pelo bem do país; entre outras interpretações.

Partiremos, agora, para a análise do discurso - a fala do diretor-presidente (Figura 1):

FIGURA 1: Print do vídeo com a entrevista do diretor-presidente da Vale

Consideramos relevante para a análise descrever a fala de Bartolomeo: Através de um inimigo comum as forças do bem se aproximam e trabalham juntas, cada um usando sua capacidade, usando sua fortaleza. Como a gente tem uma fortaleza logística, o governo (Ministério da Saúde) tem o conhecimento de onde atuar. Essas coisas mostraram para a gente que a sociedade está amadurecendo, está ficando mais humana (grifos nossos).

O primeiro ponto da análise é o cenário e a postura do diretor-presidente. Podemos observar no fundo da gravação que ele está na própria empresa, pois a cena conta com caminhões e um terreno grande, com árvores e detalhes como rodapés e muros pintados com as cores verde e amarelo, que representam a empresa. A cor verde também está na camisa de Bartolomeo, mas desta vez mais neutra.

Além disso, é possível notar que a posição da câmera está sutilmente acima dos olhos do diretor-presidente. Ele está olhando levemente para cima. Esse é um tópico importante e revelador, pois a escolha faz parte do discurso que a organização e a liderança querem passar para quem está assistindo. O Jornal Nacional é considerado o

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8 telejornal de maior audiência do País (UOL, 2020), então, ao olhar para a câmera, ele está olhando para o país em uma situação de equidade ou, ainda, deixando as pessoas acima da organização.

Em relação ao discurso dito, é possível analisar, na primeira frase (Através de um inimigo comum as forças do bem se aproximam e trabalham juntas, cada um usando sua capacidade, usando sua fortaleza), que ele coloca a organização Vale ao lado de outras forças do bem. O termo “forças do bem” (grifo nosso) traz a empresa para o lado considerado bom, trabalhando em colaboração. A palavra “fortaleza” (grifo nosso) também carrega força e poder.

A segunda frase (Como a gente tem uma fortaleza logística, o governo (Ministério da Saúde) tem o conhecimento de onde atuar) coloca a organização em parceria com o poder público que tem, entre as suas responsabilidades, questões que envolvem a saúde dos cidadãos. A empresa, ainda, reforça sua fortaleza logística. Essa expressão a coloca como uma gigante do setor.

Além disso, a terceira frase (Essas coisas mostraram para a gente que a sociedade está amadurecendo, está ficando mais humana) carrega ainda mais significado. O fato de o líder utilizar o “para a gente” (grifo nosso) o traz para perto da empresa, dos funcionários, das iniciativas, no entendimento sistêmico ancorado em Wheatley (2006) e Capra (2003, 2006, 2013, 2015). Eduardo Bartolomeo completa citando que as iniciativas mostram uma evolução da sociedade, que se torna mais humana, colocando a organização como figura que observa a sociedade amadurecendo. Podemos inferir aqui também que ao dizer que a sociedade está amadurecendo, Bartolomeo refere-se ao amadurecimento da Vale enquanto organização que precisou de duas tragédias, e de centenas de vidas, para um amadurecimento em relação aos seus protocolos de segurança.

O discurso também inclui aquilo que não está dito. De acordo com CHARAUDEAU (2010, p. 4), o sentido de um ato de linguagem não está só no explícito, na manifestação verbal do enunciado. O autor esclarece:

“Se nos restringíssemos a esse sentido, ficaríamos sempre aquém do sentido do ato de linguagem, caso o queiramos considerá-lo um ato de troca psicológico e social. Tal troca se faria sempre em função de certo “jogo de expectativas” vinculado ao significar. Interpretamos sempre os atos de linguagem a partir de enunciados produzidos e em relação com um “jogo de expectativas” ou ao menos do “jogo de expectativas” que supomos ser o da troca, e que corresponde à questão : “o que ele quer me

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dizer ?” Assim, percebemos o não-dito, ou seja, um sentido oculto, implícito, que não aparece na mera combinação das palavras do enunciado, mas que se constrói por inferência”. (CHARAUDEAU, 2010, p. 4)

Sobre o conceito de inferência, CHARAUDEAU (2010, p.4) explica que é um processo mental do sujeito, quando ele associa o que é dito explicitamente com outros aspectos do ambiente, exteriores a linguagem: “Daí vem a hipótese de que o sujeito falante, por sua vez, fabrica seu enunciado em função de certo jogo de expectativas ao distribuir nos atos de linguagem os sentidos explícitos e implícitos”.

A partir deste conceito de Charaudeau (2010), podemos observar, no discurso da liderança da Vale, um posicionamento de luta e de não-concorrência, ao inserir a organização ao lado das forças do bem. Ao citar o lado humano, a organização não resgata as tragédias com impactos sociais irrecuperáveis e com danos humanos incalculáveis e irreparáveis. Entretanto, utilizando esse termo “humano” (grifo nosso), traz a ideia de que a empresa está preocupada com as pessoas e é humana, o que a história, e os fatos, mostram que não é verdade.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

O discurso do diretor-presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, na reportagem Solidariedade S/A, carrega sentidos que, neste artigo, analisamos sob a perspectiva de Charaudeau (2010). A partir da fala e da imagem, estudamos o dito e o não-dito no discurso. Também recuperamos conceitos da comunicação organizacional e da liderança, que nos deram a base para um olhar crítico em relação aos líderes organizacionais, nos aproximando de uma comunicação que olha para o outro.

Concluímos, parcialmente, que o discurso do líder ainda está relacionado com a história recente das tragédias de Brumadinho e Mariana, ao trazer a empresa para o lado da solidariedade, como o próprio nome do quadro do telejornal, mas mais ainda pelos termos utilizados no discurso do diretor-presidente. Entre os pontos a serem destacados, está a palavra “humana” (grifo nosso), que coloca a empresa como uma organização preocupada com as pessoas, com o social. Existe um cuidado para tocar nessa questão, para dizê-la.

Além disso, o fato de indicar a organização como uma aliada do Ministério da Saúde, relaciona a Vale em posição de estar ao serviço do outro e da sociedade. É um

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10 discurso de quem cuida das pessoas, dos brasileiros. Outro destaque da fala é o lugar em que a Vale se coloca: “ao lado de outras forças do bem” (grifo nosso), ou seja, aliando suas forças com outras que agem em prol do benefício de todos. O não-dito, aqui, é todo aquele que prejudica, que está envolvido em tragédias como as de Mariana e Brumadinho.

Vemos, então, no discurso da liderança, uma grande preocupação em noticiar que a Vale está agindo pela sociedade, que se coloca ao lado da bondade, da ajuda, da solidariedade, do humano e das pessoas. Ao mesmo tempo, a empresa ainda tem recorrido permanentemente à justiça para evitar as indenizações solicitadas pelas famílias das centenas de vítimas das duas tragédias (FOLHA, 2020), e pessoas ainda tem que ser retiradas das suas residências devido aos riscos de outros acidentes semelhantes.

Após esse primeiro estudo, analisamos que existem desdobramentos possíveis para a continuidade da pesquisa, entre eles, uma análise que contemple outros discursos de Bartolomeo, em momentos distintos da Pandemia; assim como discursos de outros líderes de organizações brasileiras, e até mesmo de lideranças políticas envolvidas nesse contexto. Ainda, uma pesquisa mais aprofundada pode envolver um período que recupere os discursos das lideranças da Vale, por exemplo, nos anos de 2015 e 2019, após as tragédias de Mariana e de Brumadinho. Assim, poderemos entender como se deu a evolução desse discurso, de acordo com os acontecimentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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