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Alteração do prenome e do gênero da pessoa transgênero no registro civil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA DAIANE DA LUZ DE MORAES CABREIRA

ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO GÊNERO DA PESSOA TRANSGÊNERO NO REGISTRO CIVIL

Içara 2018

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DAIANE DA LUZ DE MORAES CABREIRA

ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO GÊNERO DA PESSOA TRANSGÊNERO NO REGISTRO CIVIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientadora: Profª. Esp. Ana Carla Ferreira Marques.

Içara 2018

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DAIANE DA LUZ DE MORAES CABREIRA

ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO GÊNERO DA PESSOA TRANSGÊNERO NO REGISTRO CIVIL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Içara, 23 de novembro de 2018.

______________________________________________________ Professora e orientadora Ana Carla Ferreira Marques, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Professor Edson Lemos, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Professor Emanuel Gislon dos Santos Moreira, Esp.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que, especialmente durante essa caminhada me fortaleceu em cada momento de desmotivação, fazendo com que eu percebesse que a minha força e fé seriam combustíveis para que eu chegasse ao meu objetivo.

À minha família, por acreditarem e darem sempre apoio nessa caminhada. Em especial, ao meu esposo, que sempre esteve ao meu lado, incentivando para que não desistisse de meu objetivo.

Aos meus pais e irmãos por todo amor a mim dispensado; com vocês a caminhada até aqui se tornou mais leve.

À minha irmã Naiara, que me ensina todo dia sobre o amor e a perseverança, sem você não conseguiria.

À Unisul, professores, direção е administração pela amizade e ensinamentos, que oportunizaram a realização desse sonho.

Ao meu saudoso padrasto, Osvaldo, quem já partiu e hoje está junto a Deus e, com certeza, está cheio de orgulho com todo meu esforço.

À minha professora e orientadora, Ana Carla Ferreira Marques, pela disposição, paciência e empenho em me orientar. Imensurável a admiração que tenho por você, uma excelente profissional e pessoa extraordinária. Você com certeza faz parte da realização desse sonho e será sempre uma referência por mim a ser alcançada. Obrigada.

Às minhas colegas de trabalho, que muitas vezes entenderam minha ausência e cansaço, apoiando-me e dando força.

Por fim, a todos que estiveram e estarão sempre próximos de mim. A todos qυе direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о meu muito obrigada.

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“O amor é essencial, o sexo é um acidente, pode ser igual, pode ser diferente.” Fernando Pessoa.

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RESUMO

O tema abordado no presente trabalho monográfico é multidisciplinar, abarcando o Direito Civil, o Direito Notarial e o Direito Constitucional. Tem-se como escopo analisar a alteração do prenome e gênero da pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais. Quanto à pesquisa, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e o modelo de investigação bibliográfico e documental, analisando-se a legislação aplicável, entendimento doutrinário e jurisprudencial pertinentes. Primeiramente, analisou-se o nome e gênero como integrantes dos direitos de personalidade da pessoa natural, fazendo também uma análise em sua perspectiva civil constitucional. Posteriormente, examinou-se a Lei de Registros Públicos no tocante às suas características e aos princípios que lhe são aplicáveis. Por fim, verificou-se a possibilidade de alteração do prenome e gênero da pessoa transgênero, independentemente da realização da cirurgia de redesignação sexual, pontuando-se o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275/DF, julgada em 1º de março de 2018 e do Recurso Extraordinário, com repercussão Geral, n. 670.422/RS, julgado em 15 de agosto de 2018, que permitiu a alteração do prenome e gênero da pessoa transexual direto no Registro Civil da Pessoa Natural. Finalizou-se com a abordagem do Provimento n. 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça, que uniformiza o atendimento nas serventias acerca da alteração do prenome e gênero nos assentos civis das pessoas que se encontram nessa condição.

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ABSTRACT

The theme addressed in this monographic work is multidisciplinary, encompassing Civil Law, Notarial Law and Constitutional Law. The purpose of this study is to analyze the alteration of the name and gender of the transgender person in the Civil Registry of Natural Persons. As for the research, the method of deductive approach and the model of bibliographic and documentary research were used, analyzing the applicable legislation, relevant doctrinal understanding and jurisprudence. Firstly, the name and gender were analyzed as members of the personality rights of the natural person, also making an analysis in its civil constitutional perspective. Subsequently, the Public Registers Law was examined in terms of its characteristics and the principles that apply to it. Finally, it was verified the possibility of altering the name and gender of the transgender person, independently of the performance of the sexual reassignment surgery, punctuating the judgment of the Direct Action of Unconstitutionality n. 4.275 / DF, judged on March 1, 2018 and the Extraordinary Appeal, with general repercussions, n. 670.422/RS, judged on August 15, 2018, which allowed the change of the name and gender of the direct transsexual person in the Civil Registry of the Natural Person. Finished with the approach of Provision n. 73/2018 of the National Council of Justice, which standardizes the attendance in the services on the change of the name and gender in the civil seats of the people that are in this condition.

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LISTA DE SIGLAS

Art. – Artigo CC – Código Civil

CID – Classificação Internacional de Doenças CNDH – Conselho Nacional de Direitos Humanos CPF – Cadastro Nacional de Pessoa Física CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil DF – Distrito Federal

ICN – Identificação Civil Nacional LRP – Lei de Registros Públicos Min. – Ministro (a)

N. – Número

OMS – Organização das Nações Unidas RCPN – Registro Civil das Pessoas Naturais RE – Recurso Extraordinário

Rel – Relator (a)

REsp. – Recurso Especial RG – Registro Geral RS – Rio Grande do Sul SP – São Paulo

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJ – Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO ... 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 10

1.2 JUSTIFICATIVA ... 11

1.3 OBJETIVOS ... 12

1.3.1Objetivo geral... 12

1.3.2Objetivos específicos ... 12

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 12

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS 14 2 DO NOME E DO GENÊRO COMO INTEGRANTES DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DA PESSOA NATURAL ... 15

2.1 ANÁLISE DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE EM UMA PERSPECTIVA CIVIL – CONSTITUCIONAL ... 15

2.2 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PERSONALIDADE ... 16

2.3 DA AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PERSONALIDADE ... 18

2.4 DA PROTEÇÃO DO NOME COMO DIREITO DA PERSONALIDADE ... 19

2.4.1Classificação do nome ... 21

2.4.2Evolução da imutabilidade do nome para a mutabilidade motivada ... 22

2.5 DA IDENTIDADE SEXUAL COMO DIREITO DA PERSONALIDADE ... 25

2.6 DA DIVERSIDADE DE IDENTIDADE DE GÊNERO ... 27

2.6.1Do transexualismo ... 28

2.6.2Do travestismo ... 30

2.7 DA IDENTIDADE SOCIAL (IDENTIDADE DE GÊNERO) ... 31

3DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI 6.015/73) ... 34

3.1 CARACTERÍSTICAS DO REGISTRO CIVIL NA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ... 34

3.1.1Da publicidade ... 36

3.1.2Da autenticidade ... 37

3.1.3 Da segurança ... 38

3.1.4 Da eficácia dos atos jurídicos ... 39

3.2 DA VERDADE REGISTRAL ... 39

3.3 A ALTERAÇÃO DO PRENOME PREVISTA NO ART. 57 E NO ART. 58 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ... 40

(10)

3.4 APLICAÇÃO DA TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 58 DA LEI N. 6.015/1973 CONFORME À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL. ... 42

4ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO GÊNERO DA PESSOA TRANSGÊNERO NO REGISTRO CIVIL ... 45

4.1 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ... 45

4.2 PROVIMENTO N. 73/18 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ... 56

5 CONCLUSÃO ... 60

REFERÊNCIAS ... 62

ANEXOS ... 70

ANEXO A – Provimento n. 73 ... 71

ANEXO B – Modelo de requerimento ... 76

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1 INTRODUÇÃO

É inegável que parcela da sociedade reluta em admitir modelos de orientação sexual que não a heterossexualidade e também o fato de alguns indivíduos desejarem aparentar e comportarem-se segundo o sexo oposto ao que nasceram, ou seja, aquele constante no registro de seu nascimento.

Diante desse cenário, há uma constante busca de aceitação por parte das pessoas que vivenciam a transexualidade e as identificadas como transgênero, as quais almejam a igualdade de direitos perante a sociedade, a começar pelo reconhecimento de sua identidade autopercebida, notadamente quanto ao sexo e ao prenome que acreditam melhor lhe identificar.

Essa pretensão das pessoas “trans” há muito tempo vem sendo materializada em ações judiciais. Nessa perspectiva, busca-se pesquisar e conhecer sobre o entendimento jurídico desse anseio de modificar o prenome e o sexo das pessoas inseridas nesta condição.

Busca-se verificar se há uniformidade de entendimento no âmbito jurídico e a demonstração do amadurecimento e evolução da questão segundo interpretações judiciais, conhecendo seus fundamentos.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Assim, nesse trabalho objetiva-se pesquisar as soluções dadas pelas normativas emanadas pelo Poder Público e pela jurisprudência quanto a esses pedidos de alteração de prenome e sexo das pessoas transgêneros, – sem a intenção de exaurir essas decisões ou mesmo transmudar a natureza da presente monografia em trabalho realizado somente à luz da jurisprudência –, mas enfatizando o dispositivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n. 4.275/DF, que julgou procedente a possibilidade de alteração do prenome e gênero direto no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), sem a necessidade de judicialização, garantindo às pessoas transgêneros o direito ao reconhecimento da sua identidade de gênero direto no Registro Civil de Pessoas Naturais.

Busca-se enfatizar, também, o dispositivo do acórdão proferido no Recurso Especial de repercussão geral n. 670.422, que culminou no tema n. 761 do Supremo Tribunal Federal, trazendo também imensurável conquista da pessoa

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transexual relativamente ao direito de possuir um nome adequado com sua realidade social, independente de qualquer submissão a procedimentos médicos ou mesmo hormonais, valorizando, a um só tempo, tanto sua dignidade como sua autodeterminação.

Desta forma, lançam-se as seguintes indagações: quais fundamentos

utilizados para permitir a troca do prenome e do gênero da pessoa transgênero? O entendimento hoje existente no âmbito do Supremo Tribunal Federal – 2018 – representa inovação nessa temática ou sempre se mostrou dessa forma? Quais os requisitos para se promover a modificação do sexo e do gênero da pessoa transgênero diretamente no Registro Civil de Pessoas Naturais?

1.2 JUSTIFICATIVA

O presente trabalho se justifica pela importância das discussões acerca dos direitos das pessoas transgêneros alterarem seus prenome e gênero no registro civil.

Considerando o direito da pessoa se auto afirmar perante a sociedade sem passar por situações vexatórias e constrangimentos, a norma que autoriza a modificação do prenome e gênero nos registros civis, sem a necessidade de cirurgia de readequação sexual, veio concretizar algo que a tempos os transexuais e travestis vinham buscam, ou seja, terem sua dignidade respeitada.

Trata-se de questão social tão relevante, que foi atribuída repercussão geral ao tema pelo STF, no RE n. 670.422 RG/RS. Nesse sentido, colhe-se elucidativo trecho da decisão:

as matérias suscitadas no recurso extraordinário, relativas à necessidade ou não de cirurgia de transgenitalização para alteração nos assentos do registro civil, o conteúdo jurídico do direito à autodeterminação sexual, bem como a possibilidade jurídica ou não de se utilizar o termo transexual no registro civil, são dotadas de natureza constitucional, uma vez que expõe os limites da convivência entre os direitos fundamentais como os da personalidade, da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da saúde, entre outros de um lado, com os princípios da publicidade e da veracidade dos registros públicos de outro. Assim, as questões postas apresentam nítida densidade constitucional e extrapolam os interesses subjetivos das partes, pois, além de alcançarem todo o universo das pessoas que buscam adequar sua identidade de sexo à sua identidade de gênero, também repercutem no seio de toda a sociedade, revelando-se de inegável relevância jurídica e social. (BRASIL, 2018c).

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Evidente, então, a relevância do tema em estudo, tanto pelo aspecto social, quanto pela significativa inovação na jurisprudência que os destacados julgados trouxeram (RE n. 670.422 RG/RS e ADI n. 4.275/DF), representando verdadeiro marco na seara jurídica e no que se refere às conquistas das pessoas transexuais.

Pelo exposto, verifica-se a importância acadêmica de estudar as alterações jurídicas acerca do tema, também sob o prisma da ponderação realizada entre a imutabilidade do nome e a segurança jurídica para ressalvar o princípio da dignidade da pessoa em viabilizar a modificação de seu gênero e prenome conforme sua realidade psicossocial.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Analisar a alteração do prenome e gênero da pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais.

1.3.2 Objetivos específicos

a) Analisar o nome e gênero como integrantes dos direitos de personalidade da pessoa natural, fazendo também uma análise em sua perspectiva civil constitucional;

b) Examinar a Lei de Registros Públicos no que toca às suas características e aos princípios que lhe são aplicáveis;

c) Discorrer acerca da alteração do prenome e gênero da pessoa transgênero no Registro Civil, abarcando análise jurisprudencial e análise do provimento do CNJ n. 73/2018.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Segundo Motta (2012, p. 83) “o método é um recurso que requer detalhamento de cada técnica aplicada na pesquisa. É o caminho sistematizado, formado por etapas, que o pesquisador percorre para chegar à solução.” Assim, o

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método é o meio pelo qual o pesquisador se utiliza para buscar respostas e obter resultados confiáveis.

Os métodos de procedimento a serem utilizados na pesquisa consistem no monográfico e no comparativo. O primeiro deve-se a preocupação com o aprofundamento do tema em estudo e o segundo, a necessidade de comparações entre leis, normas e doutrinas.

Para Motta (2012, p. 98) “o método monográfico é aquele que analisa, de maneira ampla, profunda e exaustiva, determinado tema-questão-problema.” E o método comparativo consiste “[...] na verificação de semelhanças e diferenças entre duas ou mais pessoas, empresas, tratamentos, técnicas, etc., levando-se em conta a relação presente entre os aspectos comparados.” (MOTTA, 2012, p. 96).

O método de abordagem que se aplicará na pesquisa é o do tipo dedutivo, uma vez que se analisarão documentos, inerentes às normas e leis, e doutrinas vinculadas ao tema proposto, do âmbito geral para o específico. Assim, trata-se de um método “[...] que parte sempre de enunciados gerais (premissas) para chegar a uma conclusão particular.” (HENRIQUES; MEDEIROS apud MOTTA, 2012, p. 86).

A pesquisa proposta para o trabalho monográfico, quanto ao seu objetivo, será a do tipo exploratória, pois proporciona “[...] maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.” (GIL, 2002, p. 41). Envolve levantamento bibliográfico, sem desenvolver análises mais detidas.

Quanto aos procedimentos na coleta de dados, serão aplicadas as pesquisas dos tipos bibliográfica e documental.

A primeira decorre da necessidade de se fazer leituras, análises e interpretações de fontes secundárias (livros, revistas, jornais, monografias, teses, dissertações, relatórios de pesquisa, doutrinas, etc.). A finalidade desta consiste em colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi escrito ou dito sobre o tema em estudo. (MOTTA, 2012). É uma pesquisa que explica o tema em questão à luz dos modelos teóricos pertinentes.

A pesquisa documental baseia-se em fontes primárias ou documentais, uma vez que serve de base material ao entendimento da tese em questão. Pertence ao campo da hermenêutica, pois o documento deve ser analisado como se apresenta, e não como quer que se apresente. (MOTTA, 2012).

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Por sua vez, com base no objeto de estudo, a pesquisa será a do tipo instrumental, pois diz respeito à preocupação prática, que busca “[...] trazer uma contribuição teórica à resolução de problemas técnicos (transformando o saber em saber-fazer).” (SILVA, 2004 apud MOTTA, 2012, p. 48).

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O presente trabalho monográfico organizou-se em três capítulos de desenvolvimento. O primeiro capítulo versou sobre os direitos de personalidade da pessoa natural. Iniciou-se uma análise civil-constitucional, pontuando-se suas características e momento de aquisição, além da pertinente definição dada à proteção do nome como direito de personalidade. Referiu-se à identidade sexual como direito da personalidade.

O segundo capítulo abordou aspectos da Lei de Registros Públicos, Lei n. 6.015/73. Aclararam-se os elementos da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos, bem como a verdade registral garantida pela fé pública que detém os notários. Para explanar a possibilidade de alteração do nome foram destacados os arts. 57 e 58 da referida lei, expondo-se a interpretação dada ao art. 58, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil.

No terceiro capítulo promoveu-se a análise de alguns julgados importantes sobre o tema, que denotam a evolução de entendimento sobre a temática pelos tribunais átrios, destacando-se a informação sobre o julgamento da ADI n. 4.275/DF e do Recurso Extraordinário com repercussão geral n. 670.422. Promoveu-se, outrossim, a análise do Provimento n. 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que disciplinou o procedimento de alteração do prenome e gênero da pessoa transgênero direto no Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN), sem a necessidade da realização da cirurgia de readequação sexual, laudos médicos e terapias hormonais.

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2 DO NOME E DO GENÊRO COMO INTEGRANTES DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DA PESSOA NATURAL

Neste capítulo tratar-se-á da definição e das características dos direitos da personalidade, a partir de uma perspectiva constitucional. Serão abordados, ainda, os diferentes aspectos da sexualidade, proporcionando uma melhor compreensão desse fenômeno e suas facetas.

2.1 ANÁLISE DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE EM UMA PERSPECTIVA CIVIL – CONSTITUCIONAL

Com a evolução da sociedade, novos ditames de vida e de comportamento apresentam-se incompatível com a “ideia de assentamento perene de regras, ínsita a toda codificação.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 99).

Nesse sentido, a constitucionalização do Direito Civil se fez necessária, perfazendo-se uma releitura dos institutos de direito civil conforme a Constituição Federal, permitindo que o direito privado continue autônomo, contudo, ganhando uma interpretação conforme a Constituição da República.

Seguindo esse aspecto do direito civil constitucionalizado, os direitos da personalidade, tema em análise desse capítulo, têm experimentado desse diálogo e, consequentemente, são também objeto de tutela constitucional. Nessa toada, Tavares (apud LEAL, 2014) afirma que a proteção dada aos direitos de personalidade deve-se ao fato da “constitucionalização do direito.”

Ainda, a respeito dos direitos da personalidade, Tartuce (2016, p. 60) ensina que tais direitos são deveras relevantes não só para os indivíduos, mas também para a sociedade, protegidos tanto no âmbito do direito público como no de direito privado, em constante diálogo dentro da ideia de visão unitária do sistema jurídico.

Os direitos da personalidade, previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil, segundo Tartuce (2016, p. 88) reafirmam a proteção da pessoa natural consolidada na Constituição da República, particularmente entre os seus arts. 1º a 5º, que consagram, respectivamente, os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade “lato sensu”, também denominado princípio da isonomia, princípios basilares do Direito Civil Constitucional.

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Nesse particular, Giancoli (2016, p. 91) assevera que os direitos de personalidade não se limitam ao que foi exposto entre os artigos 11 e 21 do Código Civil. É que “sua classificação não é exaustiva”, sendo unicamente exemplificativa, uma vez que outros além desses podem surgir, de modo que os já tipificados correspondem a modelos de comportamento a serem seguidos.

Nesse passo, caso novos direitos de personalidade sejam reconhecidos deverão igualmente ser tutelados, independente de não estarem elencados entre os artigos 11 e 21 do Código Civil.

2.2 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PERSONALIDADE

É consensual que tais direitos consagram a faculdade que a pessoa tem de defender os seus direitos mais intimistas, tais como à vida, à integridade física, à integridade moral, à dignidade, ao nome, ou seja, àqueles vinculados à pessoa humana.

Todo indivíduo possui direitos de personalidade decorrentes de sua própria existência, o que se difere dos direitos patrimoniais, que podem ser adquiridos ou não, a depender da vontade. Assim, independentemente da idade, sexo, crenças, cor, a pessoa se faz detentora dos direitos da personalidade pelo simples fato de existir.

Com inteligência Gonçalves (2017, p. 189), esclarece que:

embora desde a Antiguidade já́ houvesse preocupação com o respeito aos direitos humanos, incrementada com o advento do Cristianismo, o reconhecimento dos direitos da personalidade como categoria de direito subjetivo é relativamente recente, como reflexo da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789 e de 1948, das Nações Unidas, bem como da Conven- cão Europeia de 1950.

Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 211) classificam os direitos da personalidade com base na tricotomia corpo, mente e espírito. Sem a pretensão de exauri-los, a classificação feita pelos autores vai de acordo com a proteção à vida e integridade física, integridade psíquica e criações intelectuais, tal como a integridade moral, pois se sabe que o elenco dos direitos da personalidade jamais se finda, dada a constante evolução da tutela aos valores fundamentais do indivíduo.

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Nesse contexto, “conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 198).

Quanto aos fundamentos jurídicos dos direitos da personalidade duas correntes se fazem bastante controversas, a corrente positivista e a jusnaturalista. A primeira sustenta que tais direitos devem ser somente aqueles garantidos pelo Estado, ou seja, aqueles regulamentados por força jurídica, dado que a existência de direitos inatos à condição humana não é aceita. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 199).

A segunda corrente, por sua vez, proclama que os direitos da personalidade correspondem às faculdades praticadas naturalmente pelo homem, verdadeiros atributos inerentes à condição humana. Esse entendimento é influenciado pelo jusnaturalismo e tem tido respaldo na doutrina, advogando os seus defensores que, por se tratar de direitos inatos, caberia:

ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – em nível constitucional ou em nível de legislação ordinária –, dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou as incursões de particulares. (BITTAR, 1999, p. 7 apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 200).

Importante é que qualquer que seja a corrente adotada, fundamental é resguardar a própria condição do indivíduo como um valor a ser protegido.

Nesse contexto, a Constituição Federal elenca, em seu artigo quinto, uma série desses direitos e garantias individuais, que precisam ser consagrados como o mínimo para que se possa propiciar a boa convivência entre os indivíduos. (VENOSA, 2009, p. 169).

O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL, 1988).

Já o Código Civil de 2002 estabelece um capítulo próprio sobre os direitos da personalidade (arts. 11 a 21), que veio atender, sob diversos sentidos, o desejo que há tempos era pretendido, concebendo a pessoa como a fonte e a razão de ser

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de todos os valores jurídicos, desde a tutela ao nome e à imagem até o direito de se dispor do corpo para fins científicos ou altruísticos. (RIZZARDO, 2005, p. 151).

Melo (2015, p. 61) caracteriza os direitos da personalidade como intransmissíveis, irrenunciáveis, absolutos, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis e vitalícios.

a) intransmissível: porque não podem ser transferidos a outras pessoas, portanto, inerentes à pessoa humana;

b) irrenunciável: porque não podem ser abdicados, sendo defeso abrir mão desses direitos;

c) absoluto: uma vez que todos devem respeitá-los, oponível “erga

omnes”, um comportamento negativo é esperado das outras pessoas, bem como do

Estado, no sentido de não lesar os direitos da personalidade;

d) ilimitado: porque o elenco dos direitos da personalidade não pode admitir limitações, não é um rol taxativo, visto que não se trata de uma tipificação exaustiva, consoante os arts. 11 a 21 do Código Civil, ser tão somente exemplificativos;

e) imprescritível: porque podem ser praticados e perseguidos em juízo a qualquer tempo, não findam pelo desuso ou se quer pelo seu proveito;

f) impenhoráveis: visto que possuem natureza extrapatrimonial e inerentes à pessoa humana, não estão sujeitos à valoração econômica;

g) inexpropriável: assim o são por não estarem incorporados no âmbito patrimonial do indivíduo;

h) vitalício: porque pertinentes à pessoa humana desde o seu nascimento até o falecimento. Ademais, mesmo com o advento da morte, existe a obrigatoriedade de zelo à honra e à memória do morto.

As características supracitadas evidenciam que os direitos de personalidade têm como escopo a proteção dos bens ligados diretamente à figura da pessoa humana, a ela ajustado de maneira vitalícia e perene. O rol desses direitos, como aclarado, não se esgota, podendo citar como parte dele o direito à vida, à liberdade, à imagem, à honra, ao próprio corpo e ao nome e mesmo à identidade sexual, esses últimos que constituem tema central do presente trabalho, a ser aprofundado em capítulo oportuno.

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O tema proposto tangência o direito de personalidade relativo ao prenome e ao sexo da pessoa natural. Logo, importe se faz a digressão de quem é a pessoa natural e em que momento se dará a aquisição da personalidade civil e, por consequência, dos direitos de personalidade.

A pessoa natural, para o direito, é o ser humano, enquanto sujeito/destinatário de direitos e obrigações. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

Colhe-se do art. 1º do Código Civil que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Em complemento, o mesmo código traz em seu art. 2º que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2002).

Assim, é incontroverso que no instante em que principia o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, o recém-nascido adquire personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que faleça segundos depois.

É preciso aclarar que, segundo a teoria natalista, esta que teria sido a escolhida pelo legislador quando da redação do art. 2º do Código Civil. Proclamam os defensores dessa corrente, então, que a personalidade civil somente se inicia a partir do nascimento com vida do nascituro.

Nesse ponto, porém, é importante elucidar que alguns doutrinadores refutam a teoria natalista como marco para aquisição da personalidade civil, porque ponderam que a redação do art. 2º do CC permite a defesa da teoria concepcionista, isto é, atribuir personalidade civil ao nascituro mesmo no ventre materno, sendo essa a tendência dos doutrinadores contemporâneos (TARTUCE, 2016), já que a lei põe a salvo seus direitos, sobretudo os direitos existenciais.

Conquanto a discussão seja absolutamente relevante em alguns casos concretos, como a legitimidade do nascituro para figurar no polo ativo de ações indenizatórias, por exemplo; na temática em debate essa discussão é impertinente, porquanto a pessoa “trans” que deseja modificar o prenome e sexo no assento de nascimento deve contar com 18 anos, quando já detém, então, a personalidade civil, em última análise, desde seu nascimento.

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Como visto anteriormente, os direitos de personalidade são aqueles direitos que a pessoa humana tem para defender o que lhe é inerente e, nesse sentido Diniz (2001, p. 100) elenca “a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc.”

Sendo assim, tem-se o nome como meio identificador da pessoa e, portanto, um dos bens a serem tutelados pelos direitos da personalidade.

Consta no art. 16 do Código Civil que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” (BRASIL, 2002).

Rizzardo (2005, p. 182) assevera que o nome “representa o sinal exterior pelo qual se indica ou identifica as pessoas”, nesse contexto, constituindo um direito tocante à pessoa, merece proteção por estar no rol dos direitos da personalidade.

Ao discorrer acerca da proteção atribuída ao nome, Melo (2015, p. 68) clarifica que “o nome é um dos mais sagrados direitos da personalidade porque é o elemento que diferencia e individualiza a pessoa no seio da sociedade, inclusive indicando sua origem familiar, e integra a personalidade do indivíduo.”

A norma civilista, em seus arts. 17 e 18 protege o nome ao estabelecer que ninguém poderá usá-lo de forma que “exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória” e também proíbe a utilização em propagandas comerciais sem sua autorização. Soma-se a essa proteção o disposto no art. 19 do mesmo diploma legal que prevê que “o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.” (BRASIL, 2002).

Acerca disso, sabe-se que alguns artistas são muito mais conhecidos pelo seu pseudônimo do que pelo próprio nome. Dessa forma, se o propósito da lei é proteger a identidade que é atribuída à pessoa, não existe motivo para que não seja dado ao pseudônimo a devida proteção.

Ademais, primordial que a proteção deferida ao nome seja aplicada ao apelido notório, fazendo a mesma leitura que é dispensada ao pseudônimo.

Claramente, Tartuce (2016, p. 109) justifica que “apesar da falta de previsão, deve-se concluir que a proteção constante no art. 19 do Código Civil atinge também o cognome ou alcunha, nome artístico utilizado por alguém, mesmo não constando esse no registro da pessoa.”

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epíteto, alcunha ou apelido designam o vocábulo jungido ao nome de alguém, ou usado para substituí-lo, e que seja tirado de particularidades referentes ao seu ofício (pedreiro, padeiro etc.), a um traço característico de sua pessoa (bigode, alemão etc.) ou vida (campeão etc.) etc.

Nessa toada, Brandelli (2012, p.99), ao tratar do pseudônimo aduz que esse é substitutivo da denominação personativa utilizada para designar o sujeito em determinado ramo especial de suas atividades como literatura, pintura, teatro etc.

Dessa forma, não tem sentido desconsiderar a alcunha/apelido quando se trata de proteção da identificação da pessoa natural.

2.4.1 Classificação do nome

Dentro do rol dos direitos da personalidade, o nome é garantido pelo direito à identidade pessoal, respaldado tanto pela norma constitucional quanto pela infraconstitucional.

Brandelli (2012, p. 86), a respeito da matéria concernente aos elementos formadores do nome civil da pessoa natural ressalta ser “de suma importância para viabilizar o correto tratamento jurídico do nome.”

O nome será combinado de prenome e sobrenome. (LOBO, 2017, p. 158). Ao classificar o nome, Lobo (2017) leciona que o prenome é pessoal, podendo ser simples ou composto; já o sobrenome é aquele que indica a família a qual o indivíduo pertence.

Desde que não exponha a pessoa à situação vexatória, será livre a escolha do prenome, todavia, tal liberdade inexiste na composição do sobrenome, uma vez que este identifica a família da qual o indivíduo provem, assim sendo, obrigatoriamente, deve ter o sobrenome dos pais em sua composição, ainda que só de um deles. (COELHO, 2009, p. 185).

Ao dissertar acerca do sobrenome, o doutrinador Melo (2015, p. 69) explica que o sobrenome, via de regra, é imutável, contendo algumas exceções. O autor asseverou que:

o sobrenome das pessoas pode mudar somente em situações expressamente autorizadas por lei. Vejamos algumas hipóteses: pelo casamento, já́ que ambos os nubentes podem adicionar ao seu sobrenome o sobrenome do outro (cc, art. 1.565, § 1º); da mesma forma, pelo divórcio, tendo em vista que é possível aos divorciados manter ou excluir o sobrenome do outro cônjuge (cc, art. 1.571, § 2º); pela adoção, já́ que o

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adotado terá́ excluído o sobrenome da família biológica e assumirá obrigatoriamente o sobrenome da família que o adotou (ECA, art. 47, § 5º); reconhecimento de filho, que, por óbvio, após o reconhecimento irá ostentar o sobrenome da mãe e o do pai (LRP, art. 59); no reconhecimento da união estável (LRP, art. 57, § 2º); em face do transexualíssimo (ver LRP, art. 55, parágrafo único, por analogia c/c art. 109) etc.

Em se tratando de prenomes que possam colocar o indivíduo em situações constrangedoras, o parágrafo único do art. 55 da Lei n. 6.015/73 estabelece que:

os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente. (BRASIL, 1973).

Todavia, não sendo hipótese de exposição vergonhosa, aos pais cabe a livre escolha do nome do filho, sendo defeso ao registrador ou ao juiz recusar a escolha feita por eles.

Ainda, Coelho (2009, p. 185) lembra que existem aquelas pessoas que preferem dar ao filho o mesmo nome do pai, avô, tio, e caso isso ocorra, necessário se faz que a expressão “filho”, “júnior,” “sobrinho” e outras seja associada ao nome; estes são os chamados agnomes.

Ademais, no que tange à classificação do nome, acrescenta-se, ainda, a

alcunha. Acerca disso, Diniz (2001, p. 125) esclarece que “alcunha é a designação

dada a alguém devido a uma particularidade sua.” A autora ainda exemplifica, citando casos notórios de pessoas que acrescentaram ao seu nome a alcunha, como foi o caso de Pelé, Lula e Tiradentes.

Sabe-se que, para garantir a segurança jurídica das relações sociais, justificava-se a característica de imutabilidade do nome. Contudo, na contínua busca do bem-estar social e da dignidade da pessoa humana, a jurisprudência e a própria legislação vêm caminhando para que a mutabilidade seja garantida em situações amplamente motivadas. Nessa perspectiva, passar-se-á discorrer sobre as possibilidades de alterações no nome.

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Originalmente, o art. 58 da Lei de Registros Públicos previa que o prenome era imutável. No entanto, a Lei n. 9.708/98 promoveu alteração, passando a dispor que: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, sua substituição por apelidos públicos notórios.” (VENOSA, 2009, p. 188).

Acerca do tema, Gavião (2009) aduz que “a imutabilidade do nome civil é um princípio de ordem pública, porquanto sua definitividade é de interesse de toda a sociedade, constituindo garantia segura e eficaz das relações de direitos e obrigações correlatas.”

Tamanha a importância conferida ao nome, o próprio Estado tutela por sua conservação, autorizando sua alteração apenas em casos excepcionais. (VENOSA 2009, p. 183).

Em sua obra, El Debs (2016, p. 255) ensina que o princípio da imutabilidade não é absoluto, uma vez que diante de situações que exponham pessoa a constrangimentos, esse princípio será relativizado. A autora traz à baila um julgado que demonstra que a imutabilidade do nome não é rígida, que deve haver uma interpretação do princípio da imutabilidade a fim de prevalecer os valores humanos daquele que pleiteia a retificação. Confira-se:

a regra da imutabilidade do prenome destina-se a garantir a permanência daquele com que a pessoa se tornou conhecida no meio social. Se o prenome lançado no registro, por razões respeitáveis, e não de mero capricho, jamais representou a individualidade ao seu portador, a retificação é de ser admitida, sobrepujando as realidades da vida o simples apego às exigências formais (TJSP, 1.7.1969, apelação nº 178.477, RT 412/178). (EL DEBS, 2016, p. 255).

Nessa celeuma, Vale (2017), sobre o tema, explica que: “o nome – tome-se como princípio específico – é imutável, pois a singela vontade de modificação não pode colocar em risco a estabilidade das relações sociais e a indispensável segurança jurídica.” No entanto, elucida o autor que:

desta maneira, muito embora a inalterabilidade seja a regra, deve ceder ante circunstâncias imperativas, principalmente quando se impõe a correção de equívocos prejudiciais à vida do indivíduo ou quando se mostrar viável a alteração do nome quando submete seu titular à chacota, ao escárnio, ao desprezo, fazendo-se seu titular envergonhar e buscar ocultamento da própria identidade. Em todos os casos, entretanto, deve haver sempre a preocupação de preservar os apelidos de família e de não causar prejuízo a outrem ou à ordem jurídica, como por exemplo, causar fraudes em detrimento de credores ou proporcionar embaraço à aplicação da Lei e da Justiça. (VALE, 2017).

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Indubitavelmente, o nome é dos mais notáveis direitos da personalidade, isto devido sua característica de individualizar e identificar o indivíduo, fazendo com que este garanta sua base histórica, familiar e social, o que faz de cada pessoa única. O nome carrega, além dos valores, qualidades e atributos da pessoa, o que acaba por vincular o próprio caráter do indivíduo. A forma com que cada pessoa é chamada traduz a concepção dos aspectos morais e físicos que ele demonstra, isto é, o conjunto de potencialidades de cada um. (KUMPEL, 2018).

É nítido o dever de se manter a imutabilidade do nome, uma vez que a segurança jurídica deve prevalecer, todavia, há situações em que os julgadores, ao analisarem determinados casos de solicitação de alteração de nome, precisam observar o todo, de maneira que o princípio da dignidade humana prevaleça, procurando, dessa forma, não serem demasiadamente taxativos e retrógados. (GAVIÃO, 2009).

Nesse contexto, Schreiber (2014, p. 209) assevera:

quanto à alteração do nome, não pode haver dúvida: a hipótese insere-se, a toda evidência, no âmbito de aplicação do art. 55, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que autoriza a alteração do nome que expõe o sujeito ao ridículo. Assim, não há sequer a necessidade de recorrer aos princípios constitucionais, extraindo-se claramente da legislação infraconstitucional a possibilidade de alteração do nome que submeta a pessoa a constrangimento, por se mostrar incompatível com o seu sexo anatômico. Esse caminho tem sido seguido por diversas decisões judiciais.

Conforme ensina El Debs (2016, p. 256) são poucas as possibilidades para alteração do nome dentro do ordenamento jurídico. Entre as causas mais comuns tem-se o erro gráfico, nome que exponha a pessoa à situação vexatória, homonímia, vítimas e testemunhas de crimes, adoção e, ainda, no caso de apelido público e notório.

Dentro dessas possibilidades de alteração, têm-se algumas situações específicas, como alteração de nomes estrangeiros, dentro das hipóteses do art. 43, III, da Lei de Registros Públicos, bem como no caso dos transexuais. Em capítulo próprio será abordada a questão da viabilidade de alteração do nome da pessoa transgênero para não submetê-la a constrangimento.

Das possibilidades acima elencadas, adicionam-se circunstâncias de alteração de patronímico, como nos casos de casamento, separação judicial, divórcio, morte do cônjuge, anulação de casamento, união estável, reconhecimento

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de filho ou negatória de paternidade e, ainda, a alteração devido ao nome de família do padrasto ou madrasta. (BRASIL, 1973).

Vale lembrar que o rol que prevê a alteração do nome é exemplificativo, consoante a flexibilização já admitida pela jurisprudência, resguardado, contudo, o princípio da segurança jurídica. (EL DEBS, 2016, p. 257).

Portanto, no que tange à imutabilidade do nome, a nova leitura do Direito Civil Constitucionalizado, isto é, consoante a interpretação das normas constitucionais, ensina que se o direito ao nome é fundamental, o direito à dignidade da pessoa humana é o seu esteio, devendo sempre prevalecer. (BRASIL, 2002).

Na sequência, passar-se-á à análise da identidade sexual como direito da personalidade, seus aspectos definidores para identificar suas peculiaridades e a repercussão no registro civil.

2.5 DA IDENTIDADE SEXUAL COMO DIREITO DA PERSONALIDADE

O direito à identidade deve ser visto como um meio que perfaça a inclusão e garanta à individualização social da pessoa humana. Visando, sobretudo, o apreço pelo meio social ao qual a pessoa pertence, desde a proteção à imagem, as ideias, a maneira de falar, a opção religiosa, enfim, tudo que a individualize pela forma que compartilha suas experiências sociais.

Segundo Penna (2014, p. 9), no que tange à identidade, assevera que:

em qualquer tipo de relação, seja social ou jurídica, é necessário que as pessoas sejam capazes de se individualizar, tomando suas decisões e desenvolvendo sua personalidade e seu projeto de vida. Para tanto cada um desenvolve a sua identidade a partir de inúmeros fatores.

Acerca disso, Brandelli (2012, p. 165) esclarece que:

o direito à identidade, o qual estabelece um elo entre o indivíduo e a so- ciedade, tem a missão de individualizar a pessoa perante a coletividade, em todos os seus aspectos pessoais identificadores, incluindo-se aí a correta designação do estado sexual. Em outras palavras, o indivíduo tem o direito fundamental de ver atribuída a si a correta designação de sexo e, caso haja alguma incongruência nesta designação, tem o direito de vê-la retificado.

Sendo assim, “o direito à identidade sexual caracteriza-se como um reflexo da identidade e, consequentemente, como um direito da personalidade,

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sendo essencial seu reconhecimento para o pleno desenvolvimento da pessoa humana.” (PENNA, 2014, p. 11).

Nesse sentido, no que se refere aos transexuais, por haver discordância entre o sexo biológico e o sexo ao qual se sente pertencer, deve-se ter maior atenção, precisando ser tutelada a identidade sexual como um direito da personalidade, consoante “o direito à individualização e identificação do estado sexual estar abrangido pelo direito à identidade.” (BRANDELLI, 2012, p.p. 172-173) e garantido pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

O autor contextualiza que “a identidade sexual, englobada no amplo direito à identidade, significa o direito da pessoa de identificar seu gênero sexual perante a coletividade, através dos elementos exteriorizadores.” (BRANDELLI, 2012, p. 172-173).

Acerca disso, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275/DF teve como fundamento primordial a proteção ao princípio da dignidade humana, da igualdade, da vedação de discriminações odiosas e a promoção da liberdade para o devido reconhecimento ao direito da pessoa transexual alterar e averbar o prenome e gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia de readequação do sexo. (BRASIL, 2018b).

Destaca-se parte do que suscita a ADI n. 4.275/DF:

a presente ação alcança apenas os transexuais e a tese aqui sustentada é a de que há um direito fundamental à identidade de gênero, inferido dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da igualdade (art. 5º caput), da vedação de discriminações odiosas (art. 3º, inciso IV), da liberdade de gênero sustenta a exegese de que o art. 58 da Lei 6.015 autoriza mudança de sexo e prenome no registro civil, no caso dos transexuais.(BRASIL, 2018b).

Infere-se ainda que:

sendo o direito à identidade sexual um direito da personalidade, necessário que sua tutela não se dê apenas sob a forma de medidas ressarcitórias e repressivas. É primordial que a tutela se efetive sob o aspecto positivo, por meio de medidas promocionais e protetivas, aptas a garantir a proteção da dignidade. É possível falar em proteção fundamentada em uma cláusula geral de tutela da personalidade, representada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. (PENNA, 2014, p. 22).

Por fim, finaliza-se o presente tópico com as palavras de Penna (2014, p. 11), que assevera que “a identidade sexual, como reflexo da identidade, merece

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tutela por fazer parte da construção da individualidade e por ser essencial a garantida da dignidade.”

Diante desse panorama, fica evidente que a doutrina e a jurisprudência reconhecem ser a questão da sexualidade e da identidade sexual direitos afetos à personalidade da pessoa natural.

2.6 DA DIVERSIDADE DE IDENTIDADE DE GÊNERO

O conceito de gênero vai englobar todas aquelas características comportamentais dentro de um grupo cultural que estão relacionados ao fato das pessoas se sentirem homem ou mulher. Nessa visão, restariam dois gêneros, o gênero feminino e o gênero masculino. Todavia, uma definição simplista, que não mais abrange a complexidade humana.

Acerca disso, os princípios de Yogyakarta (INDONÉSIA, 2007), que versam sobre a aplicação da legislação internacional dos direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, assim compreendem a identidade de gênero:

compreendemos identidade de gênero a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.

Money (apud VAL; DIAS; GOMES, 2016, p. 26) leciona “[...] que o gênero, sendo um fenômeno de natureza psicológica, não se confunde e nem decorre do sexo biológico dos indivíduos.” O autor acrescenta que o que determina o gênero são as experiências vivenciadas durante a vida que o tornarão, psicologicamente, do gênero feminino ou do masculino. (MONEY apud VAL; DIAS; GOMES, 2016, p. 26).

Cabe destacar que a identidade de gênero não tem nada a ver com sexo, tendo em vista o sexo ser biológico, enquanto que o gênero é construído socialmente. Assim, a identidade de gênero traduz a maneira que o indivíduo se percebe e se expressa no mundo.

A experiência social tem mostrado que a definição de ser “macho”” ou “fêmea” baseado na divisão biológica, não cabe mais nesse contexto, uma vez que

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um indivíduo pode apresentar identidades diversas que perfazem outras opções de gêneros, como é o caso dos transexuais e transgêneros que não se enquadram mais dentro desse padrão binário. (CUNHA, 2014).

Desse modo, verifica-se que a opção por um gênero (social, cultural) que discorde daquele que seria o esperado pela sociedade (sexo biológico) é uma questão de identidade, e não um transtorno. (JESUS, 2012, p. 11).

Nesse grupo conhecido como transgênero, encontram-se as pessoas conhecidas como travestis e transexuais.

Na sequência, passa-se à análise do conceito de transexualismo e travestismo, suas definições e alterações para que se possa identificar suas singularidades.

2.6.1 Do transexualismo

Surge em 1950, por meio do endocrinologista americano, Dr. Harry Benjamin, a teorização do transexualismo, que definiu a distinção entre o transexual, o travesti e o homossexual. (ÁLVAREZ et al, 2018).

Em que pese a teoria estabelecida por Dr. Benjamin, restou definido por ele que "o homossexual tem um problema sexual, o travesti tem um problema social e o transexual tem um problema de gênero." (BENJAMIN, 1953 apud FRANCO et al, 2010).

A tese apresentada por Dr. Harry Benjamin é considerada uma das principais referências no que tange à definição do transexualismo, reconhece que existe uma “relação entre o transexualismo e a endocrinologia.” Na concepção do estudioso, sugere “que não haveria uma divisão absoluta entre “masculino” e “feminino”, sendo inadequada a determinação do sexo do indivíduo baseada puramente nas diferenças anatômicas.” (ARÁN; MURTA; LIONÇO, 2007).

Nesse viés, Brandelli, (2012, p. 166) ao conceituar o transexualismo, leciona que o que existe seria um o conflito entre o sexo biológico e o psíquico. A pessoa ao se olhar não reconhece aquele sexo (biológico) como sendo o seu, uma vez que se identifica com o gênero oposto. Esses indivíduos, fisicamente, são masculinos, todavia, psiquicamente se entendem como mulher e vice-versa.

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Acrescenta ainda que “o transexual sente que o seu corpo não é adequado ao seu sexo psíquico, sentindo daí́ a necessidade de mudança física, a fim de adequar seu corpo ao sexo que sente ser o seu.” (BRANDELLI, 2012, p. 166).

À vista disso, a Classificação Internacional de Doenças (CID) 10 F.64.0, ao denotar o transexualismo (o sufixo “ismo” significa doença) estabelece que:

trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado. (OMS, [2018b]).

Não obstante, em uma perspectiva mais contemporânea, Tartuce (2014) já vinha pontuando que:

[...] apesar do atual tratamento do transexualismo como patologia – inclusive pela sua menção no Cadastro Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde -, existem movimentos científicos e sociais que pretendem considerá-lo como uma condição sexual, assim como ocorreu com a homossexualidade no passado. Seguindo tal caminho, a situação passaria a ser denominada como transexualidade e não como transexualismo.

Nessa perspectiva, em junho de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a edição da CID-11 (décima primeira versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), que deverá entrar em vigor em 2022, na qual foi excluída a transexualidade no rol de transtornos mentais, deixando, portanto, de ser taxada como um transtorno, passando a ser classificada como uma incongruência de gênero, relativa à saúde sexual. (OMS, 2018a).

Tal mudança almeja atender um anseio dos transexuais e transgêneros, que, classificados em uma situação de patologia mental, veem intensificando o preconceito por vezes sentido na sociedade.

Ao justificar a alteração da CID-10 (1990), a Organização Mundial da Saúde afirma em vídeo disponibilizado no site da instituição que a CID-11 “reflete o progresso da medicina e os avanços na pesquisa científica.” (SAY, 2018).

A coordenadora da Equipe de Adolescentes e Populações em Risco da OMS, Say (2018), ainda no vídeo em comento, explica sobre a necessidade de se

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manter a transexualidade na CID para garantir atendimento médico hospitalar àqueles que desejarem buscar as terapias hormonais ou mesmo a cirurgia de transgenitalização.

Por fim, a transexualidade não se confunde com o travestismo, conforme se verá no tópico seguinte.

2.6.2 Do travestismo

Relativamente ao travestismo, a satisfação ocorre quando o indivíduo se veste com trajes do sexo oposto, com vivência dupla. (AZEVEDO, 2014).

Já o transexual não se satisfaz apenas no fato de trajar-se, uma vez que este “se sente como alguém pertencente ao outro sexo. Rechaça seus órgãos genitais sem encontrar prazer neles, à diferença do travesti e do homossexual.” (ÁLVAREZ et al, 2018).

Em sua obra, Dr. Benjamin (1966 apud CARDOSO, 2005) aclara que existem, basicamente, três diferentes grupos de travestis. O primeiro grupo se caracteriza por aquelas pessoas que gostam da sensação do proibido, do imoral. Em sua maioria são heterossexuais, casados. Já o segundo grupo, composto por aqueles que apontam um conflito emocional, oscilam entre o travestismo e transexualidade. Anseiam em provar algumas mudanças físicas, no sentindo de se tornarem mais parecidos com o corpo feminino, contudo, não há interesse em mudar de sexo. Por último, o grupo daqueles que já são considerados transexuais, pois aí está presente o conflito sexual e de gênero.

[...] o travestismo consiste em uma dependência do ato de vestir-se com roupas do outro sexo em privacidade. Frequentemente, essa prática difere das outras categorias, pois ocorre apenas entre homens e relaciona-se à excitação sexual e à chegada ao orgasmo de quem o pratica. Em geral, o travestismo é um comportamento que dura toda uma existência, a qual raramente conduz ao transexualismo, e não está necessariamente relacionado ao desejo sexual por pessoas do mesmo sexo, mas de sentir-se como sendo do outro sexo no momento do orgasmo. (BENJAMIN 1966 apud CARDOSO, 2005).

Galvão e Abuchaim ([2018]) entendem que: “no travestismo a pessoa não sente que sua identidade de gênero é trocada”, mas se traja com vestimentas do sexo oposto com o intuito de satisfação erótica. Entendem que, nos casos em que o indivíduo começa a trajar-se de mulher a maior parte do tempo e passa a ter dúvidas

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acerca da sua identidade de gênero, há indícios de que se esteja diante de um caso de transexualidade.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID, em sua 10ª edição, ao denotar o travestismo sob o código F- 64.1, estabelece:

este termo designa o fato de usar vestimentas do sexo oposto durante uma parte de sua existência, de modo a satisfazer a experiência temporária de pertencer ao sexo oposto, mas sem desejo de alteração sexual mais permanente ou de uma transformação cirúrgica; a mudança de vestimenta não se acompanha de excitação sexual. (OMS, [2018c]).

No entanto a CID-11 que entrará em vigor no ano de 2022, deve apresentar uma mudança significativa com relação ao tema da transexualidade, que será deslocada do rol das doenças mentais, retirando-a da categoria de transtorno de identidade de gênero, passando ser definida como incongruência de gênero, conforme já explicado no tópico 2.6.1 desta monografia.

Na sequência, passa-se a discorrer acerca das conquistas das pessoas transexuais e travestis no uso do nome social, que permitiu a valorização da identidade de gênero, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

2.7 DA IDENTIDADE SOCIAL (IDENTIDADE DE GÊNERO)

Toda pessoa tem direito a um nome, como prevê o art. 16 do Código Civilista, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, uma vez que o nome é o meio pelo qual o indivíduo se identifica ou identifica as pessoas. (BRASIL, 2002).

Ao nascer, a criança recebe um nome que, via de regra, estará relacionado ao seu sexo biológico. Ocorre que algumas pessoas não se identificam com esse nome, pois este não representa a sua realidade de gênero, destoando do núcleo social ao qual o sujeito está posto.

O nome, metaforicamente, pode ser comparado a um cartão de visitas do indivíduo. Quando esse não corresponde à realidade física a que esse se propõe, causará numerosos desconfortos, por vezes, fazendo com que a pessoa prefira ficar reclusa, tornando-se antissocial, com intuito de evitar constrangimentos decorrentes do nome que a identifica.

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Destarte, o indivíduo que não reconhece o nome recebido no registro de nascimento, visto que esse não se coaduna com a sua identidade de gênero, acaba formulando uma nova identidade para ser reconhecido nos grupos sociais, emergindo aí a identidade social como propulsora de fundamentos para que o sujeito possa se identificar.

Nesse contexto, em abril de 2016, entrou em vigor o Decreto Lei n. 8.727, que regulamentou a identidade social, dispondo “sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.” (BRASIL, 2016).

Como consequência desse decreto, foi permitido que as pessoas travestis e transexuais utilizassem o nome social em formulários e crachás de identificação, deixando, a partir daí o nome visível. Propiciou-se, assim, àqueles que se escondiam atrás de um nome que não os representava expor o nome que correspondesse ao gênero ao qual se identificavam nos grupos sociais, tornando essas pessoas visíveis.

O art. 1º do referido decreto estabelece, no inciso I, o nome social, definindo-o como a forma que a pessoa travesti ou transexual se identifica e também é reconhecida nos grupos sociais. Traz o inciso II da norma que a identidade de gênero se caracteriza pela “dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.” (BRASIL, 2016). Veja-se:

I – nome social – designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e

II – identidade de gênero – dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento. (BRASIL, 2016).

Em que pese o decreto supracitado, a pessoa travesti ou transexual que desejar ter o seu nome social adotado nos procedimentos dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverá fazer por meio de requerimentos. (BRASIL, 2016).

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Outra conquista acerca do nome social foi a publicação da instrução normativa n. 1718/17, no Diário Oficial da União, que, atendendo o disposto no Decreto Lei n. 8.727/16, concedeu ao travesti ou transexual a inclusão do nome social no Cadastro de Pessoa Física – CPF, por simples requerimento junto ao órgão. (LIS, 2017).

É evidente que a utilização do nome dado no momento do nascimento, que não reflete a realidade vivenciada pelo indivíduo, não pode ser imposta, diante da necessidade de respeito e proteção das garantias fundamentais, já que toda pessoa, tem o direito de ser identificada e de se identificar de maneira que não sofra constrangimento e vexame.

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3 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI 6.015/73)

Nesse capítulo, serão abordadas as características do registro civil bem como seus princípios norteadores, além do que dispõe os arts. 57 e 58 da Lei de Registros Públicos, finalizando com o estudo acerca da interpretação conforme à Constituição dada ao art. 58 da Lei Registraria.

3.1 CARACTERÍSTICAS DO REGISTRO CIVIL NA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS

Os eventos de maior relevância do cidadão se dão no momento do registro civil, quando este “é considerado maior ou menor, capaz ou incapaz, interdito, emancipado, solteiro ou casado, filho e/ou pai. Em outras palavras, o registro informa a biografia jurídica de cada sujeito de direito.” (PADOIN, 2011, p. 35).

O instituto Registro Civil teve sua origem na Igreja Católica, assentando os nascimentos, casamentos e os óbitos, desde a Idade Média, por meio dos apontamentos nos livros paroquiais. No Brasil, esse modelo de registro paroquial, tornou-se ineficaz, sobretudo com a chegada dos imigrantes e com a abolição da escravatura, deixando de satisfazer a demanda, surgindo a necessidade que o Estado tornasse o sistema de registro civil um serviço técnico, para que todas as pessoas pudessem ter suas diligências atendidas. (EL DEBS, 2016).

Seguindo esse sistema rígido, ao nascer todo indivíduo terá o assento do seu nascimento registrado, visto que no Brasil todas as pessoas devem ser registradas, garantindo assim o direito à cidadania, uma vez que a Constituição Federal, como regra, reputa brasileiros todos os nascidos em territorial nacional, mesmo que filho de estrangeiros.

O direito ao registro de nascimento é visto pelo direito como um direito sagrado, porquanto se ao nascer o indivíduo não tiver assegurado o seu registro de nascimento, terá aí o seu primeiro direito à cidadania negado. (ASFOR ROCHA apud NETO, 2014, p. 28).

Segundo o art. 1º da Constituição Federal, a cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Importante frisar que a cidadania, conforme pacífica doutrina, é viabilizada a partir do registro de nascimento, que

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permitirá à criança o acesso a todas as políticas públicas e direitos de que pode dispor em face do Poder Público e até mesmo de particulares. Nesse pensar, elucida-se que:

o registro civil das pessoas naturais tem por finalidade fixar os mais relevantes fatos da vida humana, posto que a manutenção desses assentos públicos interessa à própria pessoa, à Nação, bem como a todos que com ele mantenham relações. (...) Tem relevância para a Nação, pois o registro civil das pessoas naturais consiste na principal fonte de estatística do Governo, servindo de base para suas políticas públicas, inclusive cometendo infração o registrador que não remeter, trimestralmente, à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, os mapas de nascimentos, casamentos e óbitos. (EL DEBS, 2016, p. 119).

O Registro Civil interessa a todos, visto que ali se fará a prova fiel da existência do registrado, bem como a história civil de toda pessoa natural. (EL DEBS, 2016, p. 117). Nesse sentido, o registro civil de nascimento é prerrogativa para que o indivíduo possa exercer sua cidadania, uma vez que em um Estado democrático, tal prática se manifesta através da participação do sujeito, o que sem o seu registro e documentação, não seria possível, já que o registro garante a “existência” da pessoa, capacitando-a a praticar sua cidadania. (NETO, 2014, p. 19).

Neto (2014, p. 22) ainda lembra da importância do registro de nascimento, visto que o direito de o tê-lo foi alçado ao status de direito humano, reconhecido pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, que prevê, em seu artigo 24, § 2º, que, imediatamente após o nascimento, toda criança terá que ser registrada e receber um nome.

El Debs (2016, p. 118), acerca do registro civil das pessoas naturais, esclarece que este se relaciona aos principais fatos da vivencia da pessoa humana e, por refletirem a vida das pessoas, tais registros são dinâmicos e devem acompanhar as modificações de estado civil por meio das averbações, anotações e transcrições.

Diante da exposição, é verossímil afirmar que o registro civil é imprescindível à cidadania, porque declara a existência da pessoa natural e permite a ela o acesso aos direitos civis, políticos, econômicos, socias e culturais, nas mais variadas vertentes.

Nesse contexto, a finalidade do registro civil é proporcionar notoriedade e segurança jurídica sobre atos da vida da pessoa natural, alcançando a todos, “erga omnes”. Para tanto, se faz mister a compreensão dos princípios norteadores do

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