• Nenhum resultado encontrado

A ALTERAÇÃO DO PRENOME PREVISTA NO ART 57 E NO ART 58 DA LE

Na República Federativa do Brasil, a regra predominante é a da imutabilidade do nome civil. No entanto, em algumas hipóteses é permitida a sua alteração.

Se faz mister mencionar que o art. 56 da Lei de Registros Públicos prevê que no primeiro ano após completar a maioridade civil, o prenome pode ser alterado por simples vontade do requerente, todavia, a jurisprudência apregoa que essa mudança deve ser motivada e excepcional. (COELHO, 2009, p. 186).

Ocorre que, após o decurso do prazo estabelecido no art. 56, qualquer alteração somente será autorizada pelo magistrado, necessitando de oitiva do

Ministério Público e de justo motivo que fundamente tal pedido. (COELHO, 2009, p. 187).

Acerca disso, a redação do caput do art. 57 da Lei n. 6.015/73, estabelece que:

a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009). (BRASIL, 1973).

No caso de erro evidente de grafia, como prevê o art. 110 da referida Lei, a correção pode ser feita direto pelo Oficial do Registro Civil onde se encontrar o assentamento, devendo o interessado fazer a solicitação de forma assinada, havendo posterior manifestação do Ministério Público. (BRASIL, 1973).

Importante o disposto no parágrafo 7º do mesmo artigo, que estabelece que as vítimas e testemunhas criminais, quando concedida a alteração pelo juiz, terão a averbação no registro onde feito o assentamento, que “não fará menção do nome alterado, apenas da sentença concessiva da alteração.” (EL DEBS, 2016, p. 256).

A esse respeito, El Debs (2016, p. 255) lembra que “preenchidos os requisitos do art. 57 e não havendo risco de lesão a terceiros de boa-fé ou ao interesse público, não há razão plausível para obstar a modificação requerida.”

Logo, como já visto, a regra é a imutabilidade do nome, mas admite-se a modificação, mediante motivação.

O art. 58 da lei em comento dita que, quando interessar à pessoa, o prenome poderá ser alterado por apelidos públicos notórios e, ainda, se for o caso, apenas acréscimo do prenome (COELHO, 2009, p. 187). À exceção da imutabilidade, acrescenta-se o previsto no parágrafo único do art. 58, que trata da substituição do nome em casos proteção de vítimas de crimes, por determinação do magistrado e ouvido o Ministério Público.

Com efeito, notório que dentro do ordenamento jurídico brasileiro as possibilidades de alteração do nome são exceções. Nesse ponto, para melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura do tópico 2.4.2, que trata da evolução da imutabilidade do nome para a mutabilidade motivada.

3.4 APLICAÇÃO DA TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 58 DA LEI N. 6.015/1973 CONFORME À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Primeiramente, imperioso que se conceitue o que vem a ser o instituto conhecido como interpretação conforme.

Coelho (2009, p. 90) sugere que “a simples leitura do dispositivo em que se expressa a norma jurídica não é, por vezes, suficiente para possibilitar a compreensão exata do seu sentido e alcance.”

Sendo assim, diante de normas que comportem mais de uma interpretação, o operador do direito poderá considerar aquela que mais se coadune com os ditames constitucionais e afastar as demais interpretações que ou serão inconstitucionais ou não corresponderão a melhor forma que aquela interpretação venha se conformar. No entanto, pode-se entender que não se trata de salvar uma norma de qualquer maneira, mas de tentar dá-la uma interpretação mais compatível com os valores constitucionais.

Espera-se que o guardião da lei, ao analisar cada situação, dê uma interpretação à norma jurídica que dela se obtenha a regra mais adequada.

Acerca disso preleciona Barroso (apud PINHEIRO, 2016):

a interpretação constitucional serve-se de alguns princípios próprios e apresenta especificidades e complexidades que lhe são inerentes. Mas isso não a retira do âmbito da interpretação geral do direito, de cuja natureza e características partilha. Nem poderia ser diferente, à vista do princípio da unidade da ordem jurídica e do conseqüente caráter único de sua interpretação. Ademais, existe uma conexão inafastável entre a interpretação constitucional e a interpretação das leis, de vez que a jurisdição constitucional se realiza, em grande parte, pela verificação da compatibilidade entre a lei ordinária e as normas da Constituição.

Isso posto, para que se atinja a devida função de dirimir conflitos manifestados pela sociedade, o direito precisa flexibilizar a interpretação dada às normas jurídicas, uma vez que a rígida atribuição do teor às normas faz com que reste prejudicada a efetivação de valores inerentes a uma sociedade que está em constante evolução. (COELHO, 2009, p. 89).

Pertinente que se discorra sobre a interpretação conforme a Constituição Federal dada ao art. 58 da Lei n. 6.015/73, de modo a garantir aos transexuais o direito de substituir o prenome e gênero no registro civil, sem a necessidade de

cirurgia de readequação sexual, terapia hormonal ou ainda laudos médicos. (BRASIL, 1973).

Em março desse ano, foi encerrado o julgamento da ADI n. 4.275, proposta perante o Supremo Tribunal Federal em julho de 2009, pela Procuradoria- Geral da República, com intuito de que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei n. 6.015/73, na perspectiva de que a pessoa transgênero pudesse alterar o prenome e o gênero no registro civil, averbando o registro original, sem a necessidade de cirurgia de readequação de sexo.

O art. 58 da Lei Registraria, como já abordado, estabelece que “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.” (BRASIL, 1973). Isto posto, cristalino que este é o cenário experimentado por muitos transgêneros, que adotam o nome social ou apelido público notório, na busca de se resguardarem de situações vexatórias, passíveis de piadas de mau gosto por conservarem um nome que não os identifica perante a família, amigos e a sociedade.

A ADI n. 4.275/DF trouxe de modo expresso que a identidade de gênero é inegavelmente um direito fundamental, intrínseco aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da vedação de discriminações odiosas, da liberdade e da privacidade, todos previstos na Constituição da República. (BRASIL, 2018b).

Nesse sentido, verifica-se trecho do voto do Min. Marco Aurélio, no julgamento da ADI n. 4.275/DF:

argui mostrar-se consentânea com a Carta da República interpretação segundo a qual a expressão “apelidos públicos notórios”, inserida no artigo 58 da Lei nº 6.015/1973, abrange o prenome social dos transexuais, ensejando também a modificação relativa ao registro de gênero. (BRASIL, 2018b).

Portanto, a interpretação do art. 58 da Lei n. 6.015/73, à luz da teoria da interpretação conforme, sedimentou que deve ser compreendido como possível a alteração de prenome para o caso da pessoa transgênero que não se vê corretamente identificada por ele, de acordo com sua realidade psicossocial.

Giza-se que, no próximo capítulo, serão expostos os fundamentos utilizados na ADI n. 4.275/DF como bases jurídicas para permitir a interpretação conforme aqui aludida, já que os fundamentos são comuns para permitir a alteração

de prenome e gênero, sendo melhor alocados na análise jurisprudencial (tópico 4.1 da monografia).

4 ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO GÊNERO DA PESSOA TRANSGÊNERO NO REGISTRO CIVIL

Neste capítulo, objetiva-se pesquisar as soluções dadas pela jurisprudência quanto aos pedidos de alteração de prenome e sexo das pessoas transgêneros, sem a intenção de exaurir essas decisões e os tribunais pátrios ou mesmo transmudar a natureza da presente monografia em trabalho jurisprudencial. Busca-se verificar o teor de alguns julgamentos anteriores à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275/DF e ao Recurso Extraordinário com repercussão geral n. 670.422, para cotejar a existência de eventual guinada no entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e efeitos gerados em relação a novas ações que deduzam essa pretensão de modificação de nome e gênero de pessoas “trans”.

Documentos relacionados