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Lei n. 13.703/2018 – tabelamento de preços do transporte rodoviário de cargas: análise da constitucionalidade à luz do princípio da livre iniciativa

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MESSIAS DOS SANTOS

LEI N. 13.703/2018 – TABELAMENTO DE PREÇOS DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS:

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

Tubarão 2019

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MESSIAS DOS SANTOS

LEI N. 13.703/2018 – TABELAMENTO DE PREÇOS DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS:

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade.

Orientador: Prof. Alexsandro da Silva, MSc.

Tubarão 2019

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Dedico os esforços deste trabalho, e tantos outros que hei de fazer, à minha filha, Isabella, e à Mariéli, minha esposa e incentivadora, como forma de retribuir a compreensão pelos momentos que deixei de estar presente para realizar meu sonho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço Aquele que dirigi minhas orações e pedidos, durante minha caminhada acadêmica, nas vezes em que o cansaço e o sentimento de frustação quiseram me assolar, Deus. Meu especial agradecimento ao Professor Alexsandro, que dedicou seu tempo na orientação deste trabalho.

Gratidão aos meus pais, Edevaldo e Cacilda, pela maneira que conduziram minha formação pessoal na infância e adolescência; devo-lhes os méritos que hoje obtenho.

À minha esposa, Mariéli, principal apoiadora desse projeto de formação, que nunca deixou as dificuldades que surgiram atrapalharem essa conquista.

À minha amada filha, Isabella, hoje com três anos, por existir e trazer a alegria para os meus dias; ela é a razão pela qual enfrento as lutas diárias.

E, por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus familiares e a todos que me deram uma palavra de apoio, durante minha trajetória em busca de mais uma realização.

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RESUMO

Este trabalho monográfico tem como objetivo analisar a possibilidade de admissão da mitigação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa frente ao sancionamento da Lei n. 13.703/2018, que instituiu o tabelamento de preços do transporte rodoviário de cargas, a fim de refutar ou acatar os fundamentos apresentados pela Associação do Transporte Rodoviário de Cargas (ATR BRASIL), então requerente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.956/DF, tomando, como base de pesquisa, o texto constitucional, os fundamentos doutrinários, e os entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgados acerca do princípio avocado. Para atingir o objetivo projetado, neste trabalho foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos: no que tange ao nível de profundidade foi adotada a pesquisa exploratória; quanto à abordagem, a qualitativa; no procedimento de coleta de dados utilizaram-se a pesquisa bibliográfica e a documental. Observou-se que, embora tenha posição de destaque no texto constitucional, por ser principiologicamente consagrada como fundamento da república e da ordem econômica, a Livre Iniciativa pode ser mitigada quando houver conflito com outros princípios constitucionais que almejem a justiça social e a valorização do trabalho, haja vista que a Constituição de 1988 preza, precipuamente, pela garantia dos preceitos sociais. Assim, impõe-se ao Princípio da Livre Iniciativa uma carga de valor social, não sendo admitido incondicionalmente como fora em períodos pretéritos. Esse foi o entendimento majoritário da doutrina pesquisada. Quanto à jurisprudência do STF, apesar de haver poucos julgados da corte sobre a temática, o pretório excelso também permite a mitigação do princípio em comento, embora com algumas divergências sobre o entendimento. Notou-se, outrossim, que as discussões na Corte sobre os assuntos já são de épocas remotas e apresentam formação de ministros diversa da atual, não sendo possível prever o desfecho da ADI n. 5.956/DF. Desse modo, conclui-se que a Lei n. 13.703/2018 deve, a princípio, ser considerada constitucional, pois busca amenizar a situação de desvalorização do trabalho dos motoristas autônomos. Ademais, a apresentação do nível de possibilidade da mitigação do Princípio da Livre Iniciativa no desfecho da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.956/DF, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, restou prejudicada pelos fatores apresentados.

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ABSTRACT

This monographic work aims to analyze the possibility of admission of the mitigation of the Constitutional Principle of Free Initiative against the sanctioning of Law no. 13.703/2018, which established the pricing of road freight transport, in order to refute or comply with the grounds presented by the Association of Road Freight Transport (ATR BRASIL), which was then the applicant in ADI no. 5.956/DF, based on the constitutional text, the doctrinal foundations, and the Federal Supreme Court's rulings on the avoked principle. To achieve the projected objective, the following methodological procedures were used in this work: with regard to the depth level, the exploratory research was adopted; as for the approach, the qualitative one; in the data collection procedure we used the bibliographic and documentary research. Although it has a prominent position in the constitutional text, because it is principled consecrated as the foundation of the Republic and the Economic Order, the Free Initiative can be mitigated when there is conflict with other constitutional principles aimed at social justice and the valorization of work, given that the 1988 Constitution praises, for the most part, the guarantee of social precepts. Thus, the Free Initiative Principle imposes a burden of social value, not being admitted unconditionally as it was in past periods. This was the majority understanding of the researched doctrine. Regarding the jurisprudence of the Supreme Court, although there are few judgments of the court on the subject, the praetorium exquisite also allows the mitigation of the principle under discussion, although with some disagreements about the understanding. Moreover, it was noted that the discussions in the Court on the issues are from remote times and present different formation of ministers from the present, and it is not possible to predict the outcome of ADI no. 5.956/DF. Thus, it is concluded that Law no. 13.703/2018 should, at first, be considered constitutional, as it seeks to alleviate the situation of devaluation of the work of self-employed drivers. In addition, the presentation of the level of possibility of mitigation of the Free Initiative Principle in the outcome of the Direct Action of Unconstitutionality no. 5.956/DF, pending before the Federal Supreme Court, was harmed by the factors presented.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

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LISTA DE SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres

ATR BRASIL Associação do Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CNC Confederação Nacional do Comércio

CONFENEN Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

EMI Exposição de Motivos Interministerial

MP Medida Provisória

STF Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA ... 12

1.2 DEFINIÇÕES DOS CONCEITOS OPERACIONAIS ... 16

1.3 JUSTIFICATIVA ... 16 1.4 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 17 1.5 OBJETIVOS ... 17 1.5.1 Objetivo geral ... 18 1.5.2 Objetivos específicos ... 18 1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 18

1.7 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ... 19

2 LEI N. 13.703/2018 ... 20

2.1 ORIGEM DA LEI N. 13.703/2018 ... 20

2.2 TRAMITAÇÃO: MEDIDA PROVISÓRIA N. 832/2018 ... 21

2.3 DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.703/2018 ... 23

2.3.1 Finalidade da lei ... 23

2.3.2 Atribuições à Agência Nacional de Transportes ... 24

2.3.3 Tabela: formação dos preços e reajustes... 25

2.3.4 Caráter vinculante do tabelamento do frete no território nacional ... 26

2.3.5 Ainda acerca das disposições da Lei n. 13.703/2018... 27

3 O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA ... 28

3.1 EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ESTADOS E ORDEM ECONÔMICA ... 28

3.1.1 Estado liberal ... 28

3.1.2 Estado social... 30

3.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ORDEM ECONÔMICA ... 32

3.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA ... 33

3.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA ... 34

3.4.1 Conceito de princípio na acepção jurídica ... 34

3.4.2 Princípios norteadores da ordem econômica brasileira ... 35

3.5 PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA ... 36

3.5.1 Princípio da Livre Iniciativa nas constituições brasileiras ... 38

3.5.2 Livre Iniciativa na Constituição de 1988... 40

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4.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ... 41

4.1.1 ADI n. 5.959 e ADI n. 5.964 ... 41

4.2 ADI N. 5.956/DF E OS FUNDAMENTOS DO PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE ... 42

4.2.1 Manifestações juntadas na ADI n. 5.956/DF ... 44

4.2.1.1 Manifestação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica ... 45

4.2.1.2 Manifestação da Procuradoria-Geral da República ... 46

5 ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DA MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA ... 48

5.1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DAS LIMITAÇÕES DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA ... 48

5.2 PERMISSÃO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA E LIMITES AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA NO TEXTO CONSTITUCIONAL ... 50

5.3 PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E A SUPREMA CORTE BRASILEIRA ... 52

6 CONCLUSÃO ... 57

REFERÊNCIAS ... 59

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1 INTRODUÇÃO

Existe constitucionalidade quando as leis estão em consonância com os preceitos e princípios dispostos na constituição de um país; é o que requer o princípio da supremacia das constituições (SILVA, 2007).

“A Constituição, portanto, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como consequência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível” (BARROSO, 2010, p. 85).

Nesse sentido, quando surgem no ordenamento jurídico normas que possivelmente afrontam os princípios consagrados na constituição, faz-se necessária a análise contextual fática para determinar sua aplicação absoluta ou mitigação frente aos demais princípios envolvidos.

Com isso, o escopo deste trabalho de conclusão de curso é analisar a constitucionalidade da Lei n. 13.703/2018, que institui a “Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”, verificando, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e na doutrina, a possibilidade de se admitir a mitigação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa, tendo em vista a existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.956/DF, ajuizada pela Associação do Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil (ATR BRASIL), que tem como fundamento principal a afronta ao Princípio da Livre Iniciativa (BRASIL, 2018c).

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

Movidos pelos aumentos sucessivos nos preços dos combustíveis, frutos da política instituída pela Petrobrás, os autodenominados “Caminhoneiros Autônomos” iniciaram um movimento no dia 21 de maio de 2018 quando pararam o Brasil.

A organização do movimento deu-se por meio das redes sociais e, rapidamente, atingiu mais de 24 (vinte e quatro) estados brasileiros e o Distrito Federal, onde rodovias e pátios de postos de combustíveis se transformaram em verdadeiros acampamentos.

Fotografia 1 - Paralisação dos caminhoneiros, maio de 2018.

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Os caminhoneiros afirmavam que o movimento não tinha qualquer ligação com sindicatos ou empresas do ramo de transportes; suas principais reivindicações foram a redução e estabilização do preço do óleo diesel, a isenção da cobrança do pedágio por eixo suspenso, e a aprovação do Projeto de Lei n. 528/2015, que criaria a “Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas” (BRASIL, 2015).

Inicialmente, as tentativas de acordo com o Governo Federal não surtiram efeitos. As paralisações perduraram por dez dias, ocasionando a falta de abastecimento de alimentos e insumos de produção para as indústrias e a escassez de combustíveis nos postos.

Após dez dias, a situação do país ficou insustentável, forçando o Governo a ceder às exigências dos caminhoneiros. Cortes em impostos que incidiam sobre o preço do óleo diesel foram feitos, houve a suspensão da cobrança do pedágio sobre o eixo erguido e fora instituída a “Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”, por meio da edição da Medida Provisória (MP) n. 832, de 27 de maio de 2018 (BRASIL, 2018b).

A Medida Provisória editada pelo então Presidente da República, Michel Temer, foi considerada o fator crucial para o fim das paralisações. Ela trouxe o tabelamento de preços mínimos a serem praticados nos contratos de transportes firmados entre transportadoras e motoristas autônomos, com regras de caráter vinculante sob pena de multa, ficando a cargo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sua elaboração e fiscalização (BRASIL, 2018b).

A Medida Provisória n. 832 tramitou dentro das conformidades das regras para sua eficácia e foi convertida em lei, em 8 de agosto de 2018, recebendo o número 13.703/2018.

Ocorre que o ato da Presidência da República fora muito questionado por alguns setores da economia, como o setor o alimentício e o do agronegócio. Esses dois não aceitaram as disposições da Medida, causando grandes transtornos nas negociações entre contratantes, transportadoras e motoristas autônomos.

Durante a tramitação da Medida Provisória, que fora convertida em lei pelo Congresso Nacional, muito se discutiu sobre os aspectos de constitucionalidade da matéria em análise.

Não obstante, a Associação do Transporte Rodoviário de Cargas (ATR BRASIL) ajuizou uma ação ao Supremo Tribunal Federal requerendo a declaração da inconstitucionalidade da Medida, sob a alegação de afronta ao Princípio Constitucional da Livre Iniciativa que, segundo Silva (2007), envolve a liberdade das indústrias e do comércio no âmbito dos contratos, dispensando autorização dos órgãos públicos.

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Nesse sentido, sintetizando a problemática do assunto, colheram-se os trechos da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela ATR BRASIL:

[...] a requerente junta a esta petição inicial a relação de associados que nesta data integram o quadro associativo, revelando tratar-se de empresas de transporte rodoviário de cargas, expostas portanto às consequências da fixação governamental de preços mínimos, decorrente de imposição legal, apartada, no entanto, de um dos princípios constitucionais que fundamentam a República Federativa do Brasil, inscrito no artigo 1º, inciso IV, que é o princípio da livre-iniciativa, também contemplado no Estatuto da requerente.

[...]

A tabela do governo federal, que decreta o fim da livre-iniciativa e da concorrência para “acalmar” uma categoria furiosa, irá, ao fim e ao cabo, liquidar as empresas de transporte rodoviário de “commodities” e, com estas, os motoristas autônomos, porque estes dependem visceralmente daqueles (BRASIL, 2018c, grifou-se).

A Associação requerente alega na ADI n. 5.956/DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que: a política de preços mínimos vinculantes derruba a atividade econômica exercida pelas empresas de transporte, as quais oportunizam o recrutamento dos serviços dos motoristas autônomos em larga escala; o tabelamento de preço fere a economia de mercado e abre perigoso precedente para que outros grupos de pressão coloquem em risco a segurança do país; o paternalismo estatal fez com que os motoristas autônomos não se preparassem para enfrentar os custos reais da atividade; e, o governo não adotou medidas alternativas para a solução do problema verificado no mercado de fretes, como fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica (BRASIL, 2018c).

Entretanto, em sentido contrário, fundamentando a constitucionalidade da Lei n. 13.703/2018, tem-se o parecer da Procuradora-Geral da União, Raquel Dodge, solicitado pelo Relator da ADI 5.956/DF, Min. Luiz Fux, onde anota:

A livre iniciativa e a livre concorrência não possuem valor absoluto na ordem jurídica e podem ser relativizadas para a salvaguarda de outros valores constitucionalmente protegidos. E mais: “A regulação estatal de preços é legítima para fazer frente à situação excepcional de crise, a fim de assegurar a regularidade do mercado e preservar os princípios da dignidade humana e da valorização do trabalho (BRASIL, 2018c).

O entendimento da Procuradora-Geral da União é no sentido de que o Princípio da Livre Iniciativa – no qual se sustenta o pedido de inconstitucionalidade na ADI n. 5956/DF – pode ser mitigado quando estiver em conflito com outros princípios constitucionais, tais como a Dignidade da Pessoa Humana e a Valorização do Trabalho (BRASIL, 2018c).

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Corrobora essa linha de pensamento, Tavares (2011), afirmando que o Princípio da Livre Iniciativa não deve ser declarado como absoluto, constata-se a necessidade de garantir a realização da justiça social e o bem-estar da coletividade.

O artigo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 eleva o Princípio da Livre Iniciativa como fundamento da república, como se vê:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (BRASIL, 1988).

A Carta Magna, em seu artigo 170, traz os ditames que servem de alicerce à ordem econômica do país:

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional; II – propriedade privada;

III – função social da propriedade; IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;

IX - Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988).

O Princípio da Livre Iniciativa é fundamento da ordem econômica, que confere à iniciativa privada o papel da circulação e da produção dos bens e serviços, cabendo, ao Estado, a normatização visando à fiscalização, ao incentivo e ao planejamento, para evitar irregularidades. Tais disposições encontram-se previstas no artigo 174 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988).

Ante a problemática da controvérsia jurídica apresentada, projeta-se esta pesquisa para abranger somente a análise da afronta ao Princípio Constitucional da Livre Iniciativa, em face das regras vinculantes da MP n. 832/2018, convertida na Lei n. 13.703/2018. Questionar-se-á se a mitigação do princípio avocado será possível no caso específico. Não foi objeto de pesquisa qualquer outra forma de inconstitucionalidade da Lei estudada.

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1.2 DEFINIÇÕES DOS CONCEITOS OPERACIONAIS

Para fins de pesquisa fixaram-se as definições dos termos a serem utilizados para bem de evitar quaisquer equívocos e distorções.

Motorista/caminhoneiro autônomo: a expressão “motorista/caminhoneiro autônomo” foi utilizada como sinônimo de “Transportador Autônomo de Cargas (TAC)”, assim, conforme o inciso I, do artigo 2º da Lei n. 11.442/2007, são pessoas físicas que têm o transporte rodoviário de cargas como a sua atividade profissional (BRASIL, 2007) .

Transportadora: retira-se da Lei n. 11.442/2007, no seu artigo 2º, inciso II, a conceituação de “transportadora”. São consideradas como tal, as empresas de Transportes Rodoviário de Cargas, pessoas jurídicas constituídas por qualquer forma prevista em lei, que tenham no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal (BRASIL, 2007).

Contrato de frete: ato que comporta as disposições firmadas por escrito entre o contratante e o contratado para estabelecer as condições de prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração (BRASIL, 2007).

Tabelamento de preços dos fretes rodoviários de cargas: esse termo refere-se à Resolução n. 5.820/2018, que publicou a tabela com preços mínimos de fretes, em âmbito nacional, com caráter vinculante (ANTT, 2018).

1.3 JUSTIFICATIVA

O autor do presente trabalho vivencia todos os dias a relevância do tema escolhido para o estudo, pois tem a missão diária de contratar fretes rodoviários para o escoamento dos materiais de uma indústria da região sul de Santa Catarina.

Notou-se que a insegurança jurídica acerca da Lei n. 13.703/2018 e de suas regulamentações interferiu diretamente no cotidiano dos envolvidos na comercialização e no transporte de produtos em âmbito nacional. As negociações ficaram estagnadas durante certo tempo, causando enorme prejuízo aos diversos setores da economia. Encontram-se dois gigantes da economia em lados opostos: um preza pelo equilíbrio econômico e pela concorrência de mercado; outro luta pela sobrevivência da categoria profissional prejudicada por décadas haja vista a má aplicação de políticas públicas e a falta delas.

No entanto, a resposta estatal para dirimir o problema gerou uma grande controvérsia sobre a legitimidade do procedimento adotado.

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Urge a importância de estudar os fundamentos envolvidos, a fim de estabelecer a normalidade das negociações, haja vista que alguns setores, como exemplo, o agrícola, não adotaram as normas advindas da Lei n. 13.703/2018 e estão sob risco iminente de penalidades. São poucos os estudos sobre o tema, porém, destacam-se dois que trataram do tabelamento de frete advindo da Medida Provisória n. 832/2018, convertida na Lei n. 13.703/2018 (BEZERRA, 2018; FORNACIARI, 2019). Todavia, nada se assemelha ao assunto trabalhado nesta pesquisa, visto que aquelas deixaram de lado a análise do viés social incorporado na Constituição de 1988.

Os entes não são soberanos “[...] porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental” (SILVA, 2007, p. 46). Assim, como guardião da Constituição, coube ao Supremo Tribunal Federal a missão de decidir a constitucionalidade da Lei n. 13.703/2018, pela provocação da ADI n. 5.956/DF.

Portanto, ter-se-á, como norte do presente trabalho de conclusão de curso, a incumbência de analisar a possibilidade de admissão da (in)constitucionalidade da Lei n. 13.703/2018, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.956/DF, observando os fundamentos do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa e os entendimentos já firmados pelo STF em ações em que tal Princípio fora avocado.

1.4 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

É possível a mitigação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa em face da Lei n. 13.703/2018, a qual instituiu o tabelamento dos fretes rodoviários, para considerá-la uma lei constitucional?

1.5 OBJETIVOS

Os objetivos indicam as ações que serão desenvolvidas para a resolução do problema da pesquisa no trabalho acadêmico (MOTTA et al., 2013). Para tanto, os objetivos desta pesquisa foram divididos em objetivo geral e objetivos específicos para facilitar a compreensão do que se busca e a definição das metas a serem alcançadas.

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1.5.1 Objetivo geral

Analisar a possibilidade de admissão da mitigação do Princípio da Livre Iniciativa, frente ao sancionamento da Lei n. 13.703/2018, tomando como base o texto constitucional, os fundamentos doutrinários e os julgados do STF que envolveram o Princípio, a fim de considerá-la uma lei constitucional ou inconstitucional.

1.5.2 Objetivos específicos

Apresentar o contexto no qual a Lei n. 13.703/2018 originou-se, além de examinar as disposições trazidas em seu texto.

Estudar e analisar o Princípio Constitucional da Livre Iniciativa com ênfase nas suas limitações.

Analisar o posicionamento doutrinário acerca do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa.

Identificar os fundamentos apresentados na inconstitucionalidade da ADI n. 5.956/DF.

Apresentar o entendimento do Supremo Tribunal Federal em ações nas quais o Princípio Constitucional da Livre Iniciativa foi avocado.

Demonstrar o nível de possibilidade de declaração da existência de inconstitucionalidade da lei em comento na ADI n. 5.956/DF que tramita no STF.

1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA

A classificação da pesquisa, no que tange ao nível de profundidade, foi adotada a exploratória, ao ponto que se propôs uma investigação acerca dos fundamentos que possam levar ao reconhecimento da mitigação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa no caso concreto da ADI n. 5.956/DF.

Quanto à classificação da abordagem, qualitativa, uma vez que se buscou a interpretação dos fundamentos apresentados pelos agentes envolvidos na pesquisa, com o intuito de formar uma conclusão para o problema.

A coleta de dados foi classificada em bibliográfica e documental. Realizada utilizando-se de doutrina e de documentos juntados na ADI n. 5.956/DF, nas ações em que o STF discutiu a possível afronta ao Princípio da Livre Iniciativa, respectivamente.

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1.7 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

O presente trabalho está dividido em seis capítulos.

O primeiro capítulo foi encarregado pela introdução ao tema; trata sobre a descrição da situação problema, a formulação do problema, as definições dos conceitos operacionais, a justificativa, os objetivos, estes divididos em geral e específicos, o delineamento da pesquisa, e, por fim, a estruturação dos capítulos.

O segundo capítulo traz o contexto no qual a Lei n. 13.703/2018 originou-se, sua tramitação e as disposições trazidas pela sua redação.

No terceiro capítulo, inicialmente, faz-se um breve apanhado sobre evolução dos modelos de Estado e considerações acerca da ordem econômica e de sua constitucionalização; em seguida, abordam-se as especificidades do Princípio da Livre Iniciativa.

O quarto capítulo destina-se a identificar os fundamentos presentes na ADI 5.956/DF.

Adentrando no quinto, inicia-se a análise da possibilidade da mitigação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa, examinando os posicionamentos doutrinários acerca das limitações do Princípio, da permissão da intervenção estatal na economia e dos limites impostos a ele presentes no texto constitucional. E, por fim, analisa-se a relação entre a Suprema Corte Brasileira e o Princípio da Livre Iniciativa. A conclusão é apresentada no sexto capítulo.

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2 LEI N. 13.703/2018

Este capítulo tem como finalidade apresentar o contexto no qual a Lei n. 13.703, de 8 de agosto de 2018, teve sua origem, a sua tramitação e as disposições trazidas no seu texto. Esse enfoque é de suma importância, uma vez que, se o aspecto de constitucionalidade de uma lei será analisado, faz-se necessário conhecê-la por inteiro. Busca-se, assim, clarear o caminho para alcançar a finalidade deste trabalho monográfico.

2.1 ORIGEM DA LEI N. 13.703/2018

Como já exposto na introdução deste trabalho, em maio de 2018, os caminhoneiros autônomos, dispostos a reivindicar melhores condições de trabalho no cenário do transporte rodoviário de cargas, paralisaram suas atividades trazendo enorme impacto no dia a dia da sociedade.

Uma crise sem precedentes assolara o setor de transportes aniquilando a profissão do caminhoneiro autônomo. Os abruptos aumentos nos preços dos combustíveis e as recessões no mercado comprometeram a subsistência desses profissionais. Os valores oferecidos pelas transportadoras ao motorista autônomo não supriam as despesas com a prestação do serviço e a manutenção dos veículos.

Durante algum tempo, as esquivas utilizadas pelos autônomos foram estender suas jornadas de trabalho, que perduravam até dezessete ou dezoito horas ininterruptas, e transportar mercadoria em excesso, meios que, ao fim, gerariam sucateamento de seus caminhões e multas por infrações à legislação de trânsito.

Não restava mais saída aos caminheiros senão reivindicar melhores condições para continuarem exercendo suas profissões. Segundo a ANTT (2018), hoje, no Brasil, são mais de 700 mil registros de motoristas autônomos.

Entre as reinvindicações postas nas paralisações de maio de 2018, estava a aprovação do Projeto de Lei n. 528/2015, de autoria do Deputado Federal paranaense Assis Miguel Do Couto, o qual criaria a “Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”. O Projeto de Lei traria em seu texto disposições que garantiriam aos caminhoneiros autônomos um preço mínimo de frete nos contratos de transportes quando da contratação por empresas de transportes de cargas (BRASIL, 2015). Este seria o escopo almejado pela futura lei: “Art. 3º A Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas tem como

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finalidade promover condições razoáveis à realização de fretes em todo território nacional, proporcionando retribuição ao serviço prestado em patamar adequado” (BRASIL, 2015).

A força normativa se fazia necessária para a efetividade de melhores condições de trabalho aos caminhoneiros, haja vista a existência de tabelas de fretes apenas de caráter referencial, as quais não surtiam efeitos no instante da contratação desses trabalhadores. O que imperava era a lei de oferta e procura.

Observa-se no Projeto de Lei que o artigo 5º, § 2º, já sinalizava o caráter vinculante, ao qual sujeito à penalidade ficaria o infrator pela não observância das normas legais:

Art. 5º Para a execução da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, o Ministério dos Transportes regulamentará, com base em proposta formulada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, nos meses de janeiro e julho, os valores mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas definidas no art. 2º desta Lei.

[...]

§ 2º Os preços definidos pelo Ministério dos Transportes têm natureza vinculativa, e sua não observância sujeita o infrator a penalidades, a serem definidas em regulamento (BRASIL, 2015).

A intervenção estatal, para amenizar as distorções no mercado de transportes, era fator crucial para o fim das paralisações. Com esse norte, o presidente em exercício editou a Medida Provisória n. 832, de 27 maio de 2018, que instituiria a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas.

2.2 TRAMITAÇÃO: MEDIDA PROVISÓRIA N. 832/2018

No Brasil, o processo de criação de leis, a rigor, é de competência do Poder Legislativo em apreço à adoção da teoria da separação dos poderes advinda dos pensamentos de Montesquieu, expressa no artigo 2º da Carta Maior (LENZA, 2019).

A Constituição Federal de 1988 elenca, no artigo 59, as espécies normativas:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;

II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (BRASIL, 1988).

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Excetua-se das demais espécies normativas a medida provisória. A competência para sua elaboração foi atribuída pelo constituinte originário ao Poder Executivo. Extrai-se do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, a permissão à Presidência da República para edição de medidas provisórias em casos de relevância e urgência, tendo essas medidas força de lei ordinária, todavia, devem de imediato ser enviadas ao Congresso Nacional para sua apreciação (BRASIL, 1988).

Já teceu considerações relevantes sobre o tema, o próprio editor da Medida Provisória em comento, Michel Temer, em sua obra “Elementos de Direito Constitucional”:

É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem “força de lei”. Por que não é lei? Lei é ato que nasce no Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres. Notem a primeira afirmação: “é ato nascido no Poder Legislativo”, capaz de criar direitos e obrigações. A medida provisória também cria direitos e obrigações, também obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao doutrinário segundo o qual legislar incumbe ao legislativo [...] (TEMER, 2000, p. 151).

Segundo Sousa (1999, p. 93), “[...] as medidas provisórias são atos legislativos instáveis [...]”, ou seja, estão provisoriamente no ordenamento e pendem de aprovação para continuar surtindo efeitos, sendo convertidas, ou não, em lei.

Nesse sentido, a Medida Provisória n. 832/2018, que tinha o condão de garantir a estabilidade no exercício da profissão do motorista, foi enviada ao Congresso Nacional, sendo recebida no mesmo dia de sua publicação no Diário Oficial da União, a saber, 27 de maio de 2018.

Assim foram justificadas sua urgência e relevância pela Exposição de Motivos Interministerial (EMI) n.34:

A urgência e relevância da Medida Provisória são notórias, tendo em vista a greve dos transportadores de carga iniciada no dia 21 de maio, a qual alcança o seu sétimo dia. O estabelecimento de uma política de preços mínimos do transporte rodoviários de cargas é um dos itens da pauta de reivindicação do setor. Tal iniciativa, nesse contexto, possui o condão de reduzir a instabilidade nas relações com o setor de transporte rodoviário de cargas que, por sua vez, podem resultar em prejuízos sociais e econômicos de grande monta, como o desabastecimento e restrições para à circulação de pessoas e bens (BRASIL, 2018b).

O mesmo documento sintetiza a situação enfrentada pelos caminhoneiros autônomos:

[...] vem sendo verificado um descasamento entre a oferta de serviços de transporte de cargas rodoviário e a sua demanda, fazendo com que os preços sejam subestimados,

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ficando por vezes abaixo do seu custo. Atribui-se esse fenômeno, sobretudo, aos recentes incentivos ao crescimento da oferta, por meio da política de subsídios à aquisição de novos veículos, associada à queda da atividade econômica brasileira, a qual impactou severamente o setor do transporte rodoviário de cargas proporcionalmente superiores à queda do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. 7. Esse contexto de excesso de oferta, combinado às elevações dos custos associados à operação dos transportadores rodoviários de cargas, deu origem a relevante distorção no setor, em que os custos totais de operação dos transportes, fixos e variáveis, não são propriamente remunerados pelos preços praticados no mercado. A grande pulverização existente no setor, com importante participação de autônomos, fez com que os seus custos não pudessem ser diluídos no restante da cadeia produtiva, recaindo majoritariamente sobre o transportador (BRASIL, 2018b).

A Medida Provisória tramitou nas casas do Congresso Nacional sob a regência da Resolução n. 1 de 2002, do Congresso Nacional. A resolução estabelece os ritos para a apreciação das medidas editadas pela Presidência República (BRASIL, 2002).

A tramitação pelas casas do Congresso Nacional foi encerrada em 27 de maio de 2018, sendo enviada para sanção presidencial que fora feita e a converteu em norma jurídica em 8 de maio de 2018, sob o número 13.703 (BRASIL, 2018b).

2.3 DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.703/2018

Tendo com objeto de estudo a constitucionalidade de uma lei, não seria prudente deixar de trazer o que ela explana em seu texto de forma esmiuçada. Nesse sentido, passar-se-á a apresentar o que dispõem os dispositivos da MP n. 832/2018, que fora convertida na Lei n. 13.703 de 8 de agosto de 2018.

2.3.1 Finalidade da lei

A Lei n. 13.703/2018, desde a sua origem como medida provisória, traz expressamente em seu texto a sua finalidade de existir. Encontra-se, no artigo 1º da referida lei, o comando para a instituição da “Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”. Na sequência, o artigo 2º encarrega-se de apresentar qual sua finalidade, como se vê:

Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas.

Art. 2º A Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas tem a finalidade de promover condições mínimas para a realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao serviço prestado (BRASIL, 2018a).

Conforme a Exposição de Motivos Interministerial do Poder Executivo, a finalidade da MP editada é promover condições razoáveis à realização de fretes no território nacional, de

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forma a proporcionar a adequação nos preços do serviço de transporte prestado, observando o Princípio de Valorização do Trabalho Humano e da Existência Digna (BRASIL, 2018b).

A intervenção estatal se fez necessária, por meio da medida provisória, uma vez que existia uma situação de mercado atípica. Os preços praticados na contratação do motorista autônomo não eram suficientes para arcar com as despesas da realização do serviço. Era preciso garantir os preceitos constitucionais, conforme já mencionados, da valorização do trabalhador do transporte de cargas, bem como sua dignidade humana e de sua família.

2.3.2 Atribuições à Agência Nacional de Transportes

A Agência Nacional de Transportes Terrestres foi criada pela Lei n. 10.233, de 5 de junho de 20011. É uma autarquia do governo federal sob regime especial. Sua sede fica no Distrito Federal, porém, em todo o território nacional possui unidades regionais e postos de fiscalização (BRASIL, 2001).

A referida autarquia tem como escopo: regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros, visando a garantir a movimentação de pessoas e bens; harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, preservando o interesse público; e, arbitrar conflitos de interesses e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica (BRASIL, 2001).

Nesse sentido, a Lei n. 13.703/2018 estabelece no seu artigo 3º, § 1º, que os preços devem refletir os custos operacionais totais do transporte. O mesmo dispositivo preconiza que a Agência Nacional de Transportes Terrestres será o órgão responsável pela confecção das tabelas de cálculos, as quais devem ser confeccionadas com base nos custos referentes ao óleo diesel e aos pedágios (BRASIL, 2018a).

Notadamente, houve grande incumbência a um órgão estatal para a regulamentação e fiscalização da aplicação da Lei por meio de suas resoluções normativas. Destarte, o artigo

1 Art. 21. Ficam instituídas a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT e a Agência Nacional de

Transportes Aquaviários - ANTAQ, entidades integrantes da administração federal indireta, submetidas ao regime autárquico especial e vinculadas, respectivamente, ao Ministério dos Transportes e à Secretaria de Portos da Presidência da República, nos termos desta Lei.

§ 1º A ANTT e a ANTAQ terão sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais.

§ 2º O regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (BRASIL, 2001).

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5º, caput e o § 1º preveem que a ANTT publicará a tabela de frete até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano, com os pisos mínimos referentes à quilometragem a ser rodada na realização de fretes, a quantidade de eixos do veículo de carga contratado, considerando as distâncias e as especificidades de cada tipo de cargas. A regulamentação será publicada com a planilha de cálculos utilizada para a obtenção dos respectivos pisos mínimos que expressam a priorização dos custos referentes ao óleo diesel e aos pedágios (BRASIL, 2018a).

2.3.3 Tabela: formação dos preços e reajustes

Por força da Medida Provisória n. 832/2018, convertida na Lei n. 13.703/2018, como já mencionado, condicionada pelo artigo 5º, a ANTT publicou, em 30 de maio de 2018, mediante a Resolução n. 5.820, a primeira tabela para fins de cálculo do preço mínimo a ser praticado nos contratos de prestação de serviços de transportes (ANTT, 2018).

A planilha apresentada fora dividida por tipo de carga a ser transportada. A definição do tipo está disposta no artigo 3º da Lei, assim apresentada:

Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, entende-se por:

I - carga geral: a carga embarcada e transportada com acondicionamento, com marca de identificação e com contagem de unidades;

II - carga a granel: a carga líquida ou seca embarcada e transportada sem acondicionamento, sem marca de identificação e sem contagem de unidades; III - carga frigorificada: a carga que necessita ser refrigerada ou congelada para conservar as qualidades essenciais do produto transportado;

IV - carga perigosa: a carga ou produto que seja perigoso ou represente risco para a saúde de pessoas, para a segurança pública ou para o meio ambiente; e

V - carga neogranel: a carga formada por conglomerados homogêneos de mercadorias, de carga geral, sem acondicionamento específico cujo volume ou quantidade possibilite o transporte em lotes, em um único embarque (BRASIL, 2018a).

O cálculo é realizado com base no número de eixos utilizados nos veículos contratados, na distância a ser percorrida e no valor apresentado pela tabela. Assim, identifica-se na tabela o valor predeterminado para a faixa de distância a identifica-ser percorrida, este valor é multiplicado pelo número de eixos do veículo e o produto é novamente multiplicado pela quilometragem a ser rodada na prestação do serviço. O resultado é o valor mínimo a ser observado na contratação do transportador.

Na esteira da regulamentação dos preços, a Lei n. 13.703/2018, no § 3º do artigo 5º, aduz que sempre que o preço do óleo diesel no mercado brasileiro tiver oscilação superior a 10% (dez por cento), podendo ser para mais ou para menos em relação ao preço da tabela vigente, a ANTT deverá publicar uma nova resolução normativa atualizando o pisos mínimos dos fretes para o transporte rodoviário de cargas (BRASIL, 2018a).

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Para tanto, estabelece a Lei em comento que o processo de fixação dos pisos mínimos deverá ser técnico, ter ampla publicidade e contar com a participação dos representantes dos embarcadores, dos contratantes dos fretes, das cooperativas de transporte de cargas, dos sindicatos de empresas de transportes e de transportadores autônomos de cargas (BRASIL, 2018a).

2.3.4 Caráter vinculante do tabelamento do frete no território nacional

Encontra-se no artigo 4º, § 2º, da Lei 13.703/2018, a expressa vedação à celebração de qualquer acordo ou convenção, individual ou coletivamente, que tenha dicotomia com a Lei. Nesse sentido aduz o dispositivo mencionado:

Art. 4º O transporte rodoviário de cargas, em âmbito nacional, deverá ter seu frete remunerado em patamar igual ou superior aos pisos mínimos de frete fixados com base nesta Lei.

[...]

§ 2º É expressamente vedada a celebração de qualquer acordo ou convenção, individual ou coletivamente, ou mesmo por qualquer entidade ou representação de qualquer natureza, em condições que representem a prática de fretes em valores inferiores aos pisos mínimos estabelecidos na forma desta Lei (BRASIL, 2018a).

Fazer cumprir um preço adequado na contratação do transportador sempre foi difícil. As transportadoras oscilavam os preços de acordo com a demanda de caminhões à disposição para realizar os fretes, assim aumentavam seus lucros em detrimento da remuneração paga aos caminhoneiros autônomos. Muitas vezes, contratar um autônomo para realizar o transporte era mais lucrativo do que fazer os transportes de mercadorias com o veículo de suas frotas. A fim de não permitir essa manobra, a ANTT, após estudos técnicos que levantaram os custos como a prestação do serviço de transportes, publicou por meio da Resolução n. 4.810, de 21 de agosto de 2015, uma tabela referencial para ser utilizada quando da contratação do transportador. No entanto, restou ineficaz haja vista que não foi utilizada pelas transportadoras (ANTT, 2015).

Nesse sentido, fez-se importante o caráter vinculante do tabelamento de frete imposto pela Lei n. 13.703/2018 e previsto em seu artigo 5º, § 4º:

Art. 5º [...]

§ 4º Os pisos mínimos definidos na norma a que se refere o caput deste artigo têm natureza vinculativa e sua não observância, a partir do dia 20 de julho de 2018, sujeitará o infrator a indenizar o transportador em valor equivalente a 2 (duas) vezes a diferença entre o valor pago e o que seria devido, sendo anistiadas as indenizações decorrentes de infrações ocorridas entre 30 de maio de 2018 e 19 de julho de 2018 (BRASIL, 2018a).

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A inobservância dos valores mínimos apresentados na tabela de frete editada pela ANTT nos contratos de frete gera indenização ao transportador contratado em valor equivalente a duas vezes o valor que deixou de ser pago comparado ao valor do tabelamento (BRASIL, 2018a).

2.3.5 Ainda acerca das disposições da Lei n. 13.703/2018

As operações de transporte rodoviário de cargas, em todo território nacional, obrigatoriamente, devem ter registros documentais referentes ao contrato de frete, com dados do contratante, do contratado e do subcontratado, quando houver; também, da carga, de sua origem e seu destino; da forma de pagamento do frete e da indicação do valor do frete pago ao contratado ou subcontratado, destacando-se o piso mínimo de frete aplicável àquela operação (BRASIL, 2018a). Tais documentos possuem modelos homologados pela ANTT.

Anúncios de ofertas de frete em valores abaixo do piso mínimo estabelecido são realizado por meios eletrônicos, como sites especializados no ramo de transportes, cujas ofertas são divulgadas em todo território nacional. Portanto, a Lei n. 13.703/2018 preocupou-se em inibi-los, como se depreende de seu artigo 8º, o qual estabelece a responsabilidade subsidiária dos anunciantes para esses casos, quando incorrerão nas penalidades do § 4º do artigo 5º (BRASIL, 2018a).

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3 O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

Com o intuito de contextualizar a temática a ser abordada, urge a necessidade de percorrer o caminho linear já definido no projeto que a antecedeu, visando a melhor compreensão sobre o assunto. Assim, antes de adentrar no estudo do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa, tecer-se-ão considerações – mesmo que superficiais, porém importantes – sobre a evolução dos modelos de Estado; considerações acerca da ordem econômica e de sua constitucionalização, para, então, abordar os temas das especificidades do Princípio da Livre Iniciativa.

3.1 EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ESTADOS E ORDEM ECONÔMICA

Partindo da ideia que, para clarear soluções às problemáticas atuais da sociedade, é necessário conhecer o contexto histórico no qual ela se transformou, far-se-á um breve apanhado histórico da evolução dos Estados.

Com base na pesquisa bibliográfica, constata-se a afirmativa da existência de evolução dos modelos de Estados durante história ocidental. Partindo da Idade Moderna, período compreendido entre 1453 e 1789 (Revolução Francesa), a doutrina classifica-os em Estado Liberal e Estado Social.

É de salutar importância apresentar os aspectos marcantes desses períodos pois deles decorreram as mudanças nos ordenamentos jurídicos, principalmente no que concerne à ordem econômica.

3.1.1 Estado liberal

O surgimento do modelo de Estado Liberal retoma ao século XVIII, palco das lutas revolucionárias liberais que buscavam a liberdade do povo diante de um sistema absolutista. Esse modelo de Estado é evidenciado pelo individualismo e pela figura de um “Estado Mínimo”, ou seja, não se admite um Estado intervencionista (DALLARI, 2016).

Dallari (2016, p. 270), sobre o novo modelo de Estado que surgira, leciona:

[...] nasceu do absolutismo e durante alguns séculos todos os defeitos e virtudes do monarca absoluto foram confundidos como qualidades do Estado. Isso explica porque já no século XVIII o poder público era visto como inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima. Essa foi a raiz do Estado. Essa foi raiz individualista do Estado Liberal. Ao mesmo tempo, a burguesia enriquecida, que já dispunha de poder econômico, preconizava a

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intervenção mínima do Estado na vida social, considerando a liberdade contratual um direito natural do indivíduo.

Consolidou-se, nesse período da Idade Moderna2, a ideia de que todos os indivíduos, incluindo a figura do governante, deveriam sujeitar-se ao que preconizavam as leis positivadas em suas cartas. Essa sujeição garantiria a manutenção da liberdade individual (TAVARES, 2011).

No mesmo sentido, definindo o Estado Liberal, anota Araújo ([2019?], não paginado):

O Estado liberal é o Estado das constituições liberais, ou seja, das constituições compostas basicamente pelos direitos individuais em sua conformação inicial (liberdade religiosa, proteção das liberdades econômicas e proteção contra a atuação arbitrária do Estado sobre a pessoa). É um Estado tímido na prestação de serviços públicos, por exemplo, mas ainda não todo despido de certas faculdades sobre a vida econômica - algumas vindas do anterior modelo de Estado absolutista. Assim, ainda que esquematicamente considerado um Estado neutro em face do fenômeno econômico, permitia-se, por exemplo, a concessão de monopólios ou alguns privilégios econômicos.

A origem do Estado Liberal dá-se, puramente, pelo interesse econômico de uma classe. Como a burguesia já possuía certa ascensão no mercado de barganhas, buscava limitar o poder da monarquia sobre seus negócios, principalmente na cobrança de impostos. Assim, com uma pregação ideológica de liberdade, igualdade e fraternidade, conquistam os camponeses que, devido à má governança de um reinado decadente, viviam na miséria. Restava-lhes a esperança dessa nova ordem que surgira. “A nova ordem inaugurada pelo Estado Liberal tem como aspecto central um mercado natural no qual a pauta de atuação de todos os participantes é a realização de seus interesses individuais [...]” (MOREIRA, 1973 apud MORAES, 2014, p. 271-272).

No entanto, após a Revolução Francesa, a burguesia tratou de garantir seus privilégios e suas liberdades em prol da manutenção de suas riquezas e de seu conforto. As promessas de justiça social não se realizaram, piorando ainda mais a situação vivida pelos camponeses franceses. Consequentemente, em “[...] 1791, a Lei Le Chapelir proíbe a existência de sindicatos, as greves e manifestações de trabalhadores, tudo sob o declarado propósito de

2 Lenza (2019) apresenta a divisão histórica da Europa. Segundo ele foram divididas em quatro grandes “eras”:

Idade Antiga, compreendida o período até o século V – tomada do Império Romano do Ocidente pelos bárbaros – 476 d.C.; Idade Média, do século V até o fim do Império Romano do Oriente, com a queda de Constantinopla – século XV, 1453 d.C.; e a Idade Moderna, de 1453 até 1789- Revolução Francesa. Dessa data até os dias atuais denomina-se Idade Contemporânea.

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proteger a livre empresa e a iniciativa privada (art. 4ª). As penas podiam chegar à morte” (MORAES, 2014, p. 271).

A expansão do mercado de produção foi marcante no período do Estado Liberal, porém, sem a intervenção estatal, aumentava ainda mais o abismo entre as classes trabalhadora e burguesa. Àquela, sem aparatos para conseguir meios de produção, só restava prestar o exercício de atividades de trabalhos desgastantes e com remuneração irrisória, pois esta, a burguesia, tinha como ideologia a produção e o acúmulo de riquezas (FERRARI, 2016).

Nota-se que ideia errônea de que a igualdade entre os indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes atingira o campo do contrato de trabalho, o qual era regida pela vontade das partes. No entanto, a vontade por parte dos camponeses se mostra viciada pela inferioridade em que se encontravam.

O Estado Liberal tem seu declínio a partir de 1880 com o fracasso do sistema na aplicação da igualdade social prometida. A Primeira Guerra Mundial é o estopim para a decadência do Liberalismo, que não mais era cabível para o momento vivenciado. Surge a necessidade de um novo modelo de Estado, fundado na concretização do Bem-Estar do ser humano (LASKI, 1973 apud MORAES, 2014).

De fato, conforme apresentado nesta seção, o modelo de Estado Liberal apresentou várias distorções em relação à justiça social. A idealização de igualdade não foi aplicada no campo do trabalho e a distinção de classes ficou ainda maior.

Contudo, esse modelo foi precursor de evoluções importantíssimas que até os dias atuais são adotadas pelos países do ocidente, tais como: submissão ao império da lei; divisão de poderes; e, enunciado e garantia dos direitos individuais (SILVA, 2007).

3.1.2 Estado social

O Estado Social tem seu florescer no século XX. O clamor da classe trabalhadora por melhores condições laborais e os desafios econômicos pós-Primeira Guerra Mundial, formaram um ambiente propício para a superação da neutralidade e do formalismo advindo dos moldes do Estado Liberal (MORAES, 2014).

Nesse sentido, o Estado Social contrapõe-se ao Estado Liberal. A classe trabalhadora, diante das situações de desigualdades existentes em relação à burguesia, começou a estabelecer questionamentos direcionados ao modelo de liberdade e igualdade pregado pelo sistema implantado bem como sua eficácia para a conquista dos fins sociais. Notou-se que a ideologia liberal somente favorecia os burgueses. Essa mudança de pensamento é influenciada

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pelos autores da época, Karl Mark e Friedrich Engels, que teciam críticas fervorosas ao aumento de capital da burguesia e à opressão exercida sobre a classe trabalhadora, esta exposta às situações degradantes de trabalho como insalubridade, pouca iluminação e jornadas extensas (FERRARI, 2016).

Da obra de Friedrich Engels, “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, datada de 1880, colhe-se um trecho para ilustrar a maneira que foram implantadas as novas ideias:

Já sabemos, hoje, que esse império da razão não era mais que o império idealizado pela burguesia; que a justiça eterna tomou corpo na justiça burguesa; que a igualdade se reduziu à igualdade burguesa em face da lei; que como um dos direitos mais essenciais do homem foi proclamada a propriedade burguesa; e que o Estado da razão, o "contrato social" de Rousseau, pisou e somente podia pisar o terreno da realidade, convertido na república democrática burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, como todos os seus predecessores, não podiam romper as fronteiras que sua própria época lhes impunha.

Mas, ao lado do antagonismo entre a nobreza feudal e a burguesia, que se erigia em representante de todo o resto da sociedade, mantinha-se de pé o antagonismo geral entre exploradores e explorados, entre ricos gozadores e pobres que trabalhavam. E esse fato exatamente é que permitia aos representantes da burguesia arrogar-se a representação, não de uma classe determinada, mas de toda a humanidade sofredora (ENGELS, 1880, não paginado).

Diferentemente do Estado Liberal, conforme já mencionado, o Estado Social exige que o governo participe das vidas dos cidadãos a fim de garantir a aniquilação do desequilíbrio existente entre as classes. Agora os direitos exigidos destinam-se às partes integrantes da sociedade, não mais aos indivíduos de forma isolada (RICCITELLI, 2007).

Tavares (2011, p. 56), ao apresentar considerações sobre o Estado Social, esclarece a pretensão desse modelo de Estado: “[...] surge [...] para atender aos reclamos de índole assistencial da sociedade, que clamava por uma intervenção estatal que assegurasse condições mínimas àqueles incapazes de prover o seu próprio sustento”.

A implantação do Estado Social ocorreu com o intuito de realizar os objetivos de igualdade social também almejados na instituição do Estado Liberal, mas que não foram concretizados visto que a classe que detinha o poder – burguesia – governava somente para realizar seus anseios, desamparando, ainda mais, a classe desfavorecida (FERRARI, 2016).

A relação de produção de riqueza, no Estado Social, não poderia mais sobreviver como fora no Liberalismo. Agora, exigia-se uma adaptação para garantir o Bem-Estar e o desenvolvimento social (MORAES, 2014; TAVARES, 2011).

Contudo, contemporaneamente, conforme aduz Barroso (2010), muito se discute acerca da sobrecarga depositada sobre o Estado, haja vista sua ineficácia em concretizar a

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distribuição de riquezas. Em decorrência disso, o autor pontua a existência de movimentos neoliberalistas, os quais buscariam a desestatização e a desregulamentação da economia, a redução de direitos sociais ao trabalho e a abertura de mercado, sobretudo ao mercado internacional.

É inegável que o Estado ainda é o protagonista na realização dos anseios da sociedade. Aquele e esta constituem núcleo único e devem ter condutas voltadas a perseguir valores ideais. Assim, a doutrina “[...] reconhece o papel indispensável do Estado na entrega de prestações positivas e na proteção diante da atuação abusiva dos particulares” (BARROSO, 2010, p. 70).

3.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ORDEM ECONÔMICA

Após notas introdutórias sobre a evolução dos modelos de Estados, faz-se necessária a abordagem de considerações acerca da ordem econômica, levando-se em conta que um dos objetos de pesquisa está inserido no seu contexto, o Princípio da Livre Iniciativa.

Silva (2007), tecendo comentários sobre a ordem econômica, anota que a evolução das relações de produção e a necessidade de propiciar melhores condições de vida aos trabalhadores, bem como o mau uso de uma liberdade exacerbada, faz surgir a necessidade de normas condicionadoras na busca da justiça social.

Denota-se que a ordem econômica tem por fim regular as relações de atividade que geram riquezas, evitando abusos que possam aumentar as desigualdades no campo da economia (SILVA, 2007).

A ordem econômica nada mais é que a tentativa por parte do Estado de pôr ordem nas relações econômica e social, a fim de reparar aquilo que se desordenou pela influência da ideia de Liberalismo Econômico. A real função da ordem econômica consiste na racionalização da vida econômica de um país, buscando um equilíbrio e contendo abusos (SILVA, 2003).

Grau (2005) afirma que a ordem econômica é uma parcela, divisão, da ordem jurídica, portanto possui seu sistema próprio de regras e princípios com o fim de regular as relações econômicas.

Portanto, pode-se afirmar que a ordem econômica é o conjunto de normas jurídicas que buscam a regulação dos interesses econômicos e sociais de um Estado e de seus indivíduos.

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3.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA

O modelo de economia liberal defendida por Adam Smith3, o qual pregava a teoria da existência de “mão invisível” para moldar o mercado, influenciou grande parte da Europa no século XVIII. Todavia, essa ideologia começa a perder espaço devido às distorções no campo social, principalmente, após a Primeira Guerra Mundial.

Rússia e Alemanha estavam mergulhadas em uma crise financeira e social de enormes dimensões, o cenário não mais admitia a ideia de um Estado distante ou pouco participativo; havia a necessidade de uma aproximação da figura estatal com o fim de garantir o equilíbrio social (SILVA, 2017).

É nesse cenário que o declínio do sistema liberal acontece dando espaço ao intervencionismo estatal como forma considerada necessária para resolver a situação de crise social e financeira (TAVARES, 2011).

Com o surgimento da República Alemã, ao fim da Primeira Guerra, o ambiente era propício para ordenar as distorções econômicas existentes. Assim, a Constituição Alemã, que ficou conhecida como a Constituição de Weimar, por ser elaborada e votada na cidade de Weimar, em 1919, foi o marco da constitucionalização do Direito Econômico de forma sistemática. Ela ditou regras e princípios que visavam a limitar a liberdade, além de garantias para a sociedade possibilitando a manutenção da Dignidade Humana (SILVA, 2017).

Antes, na Constituição Mexicana de 1917 já havia semeada, por seu texto, a ideia de regulação da economia, sendo considerada pela doutrina embrião da ordem econômica Constitucional (SILVA, 2007; SILVA 2017; TAVARES, 2011).

Sob a influência desse movimento de constitucionalização da economia, vários países pelo mundo começaram a inserir capítulos, títulos e artigos em suas constituições, expandindo a ideia de controle econômico constitucional (SILVA, 2017).

No Brasil, a ordem econômica surge pela primeira vez na Constituição de 1934. Essa Carta cuidou de tratar da ordem econômica e da ordem social em um título único (LENZA, 2019).

Na esteira dessa evolução, Lenza (2019, p. 1536) versa que a “[...] Constituição de 1937, embora mantendo as matérias sobre ordem econômica e social, aboliu a utilização de título e passou a destacar, de modo simplificado a ordem econômica”.

3 A ideia central de Smith (1999) em “A Riqueza das Nações” é de que o mercado, aparentemente caótico, é, na

verdade, organizado e produz as espécies e quantidades de bens que são mais desejados pela população e que a interferência excessiva do governo distorce as leis naturais da oferta e procura.

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As Constituições de 1946, de 1967 e a emenda Constitucional n. 01/69, restauraram a estrutura utilizada na Carta de 1934 (LENZA, 2019).

Contudo, foi a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, que se destacou por contemplar inúmeras disposições acerca da temática, não só englobadas no Título VII, Ordem Econômica e Financeira, compreendendo os artigos 170 a 192, mas, também, em dispositivos espalhados pelo seu texto (GRAU, 2005).

3.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA

Inicialmente, cumpre-se salientar – mais uma vez – que a análise da constitucionalidade da Lei n. 13.703, de 8 de agosto de 2018, neste trabalho, será alicerçada em aspectos principiológicos. Assim, far-se-á necessária a conceituação do termo “princípio” na acepção da ciência jurídica.

3.4.1 Conceito de princípio na acepção jurídica

Segundo Fileti (2009), o termo “princípio” é usado nas mais variadas áreas do conhecimento. Seja na filosofia, na sociologia, na política ou no direito. A concepção concernente à esta é a que interessa para os fins aqui propostos.

“A partir da segunda metade do século XX, a valorização dos princípios, sua incorporação - explícita ou implícita - pelas constituições e reconhecimentos pela ordem jurídica de sua normatividade acarretaram a reaproximação entre o direito e a ética” (BARROSO, 2006, p. 327-378 apud FILETI, 2009, p. 81).

Os princípios jurídicos são reflexos da cultura socio-jurídica de uma sociedade que, ao longo do tempo, por experiências e relações, forma esses conteúdos aceitando-os como verdades a serem aplicadas pela ciência jurídica como vetor na construção das demais normas (SILVA, 2003).

A doutrina conceitua princípio como “[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência [...]” (MELLO apud SILVA, 2007, p. 91).

Nessa toada, Grau (2005) explana que os princípios são os responsáveis pelo processo de interpretação e aplicação do direito no ordenamento jurídico. Sobre os princípios, Reale (1986, p. 60) versa que são:

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[...] verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.

Nesse diapasão, pode-se afirmar que princípios são enunciados munidos de uma carga de valor e de verdade admitida pela sociedade, formados ao longo do tempo, e que servem de alicerce para a criação, interpretação e aplicação das normas jurídicas.

3.4.2 Princípios norteadores da ordem econômica brasileira

Os princípios norteadores da ordem econômica brasileira encontram-se expressos no artigo 1704 da Constituição de 1988. Além dos elencados como princípios fundamentais no

caput desse dispositivo – Valor Social do Trabalho e Livre Iniciativa –, estão relacionados em

seus nove incisos os demais princípios da ordem econômica constitucional brasileira (BRASIL, 1988).

Esses princípios dispõem que será assegurada a existência digna, conforme os ditames da justiça social, com base nos princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdade regionais e sociais, da busca do pleno emprego e tratamento favorecido para empresas enquadradas, conforme a lei, em pequeno porte com sede administrativa no Brasil (TAVARES, 2011).

Segundo Barroso (2001, p. 193), os princípios anotados nos incisos do “[...] art. 170 da Constituição devem orientar a atuação do Estado e dos particulares nos processos de produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas do País”.

4 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988).

Referências

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