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O Princípio da Livre Iniciativa, em sua origem, é considerado pela doutrina como o mais puro representante do capitalismo e da proibição do intervencionismo estatal nas relações entre particulares. Tal Princípio proíbe a ação do poder público de organizar e centralizar a atividade econômica (ARAÚJO, [2019?]; SILVA, 2007; TAVARES, 2011).

Surge em contexto histórico na Idade Média com a ascensão da classe burguesa. A classe, com a necessidade de ampliação dos horizontes negociais, visando ao aumento das oportunidades de trocas, impõe a ideia de liberdade de iniciativa, desvinculando-se do sistema de mercado medieval, que era regulado por estatutos de corporações de ofício (GARCIA; TAVARES, 2016).

Nessa seara de evolução, adentrando no século XVIII, assentado nos pensamentos iluministas de liberdade individual que emergiam na Europa no fim do século XVII, surge o Liberalismo Econômico, o qual se instaurou como o novo modelo de mercado inspirado na obra do economista inglês Adam Smith (GARCIA; TAVARES, 2016).

Das lições de Tavares (2011), colhe-se que o princípio da Livre Iniciativa, contemporaneamente, apresenta-se com duas conotações. Uma positiva, significando a liberdade garantida aos cidadãos nas relações de exploração de uma atividade econômica; e outra com viés negativo, na imposição da não intervenção do Estado. A Livre Iniciativa constante da atual Constituição deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a liberdade econômica, o livre desenvolvimento e a livre organização das empresas, bem como a liberdade contratual e a comercial.

Contudo, adveio do mau uso desse sistema, a necessidade de salvaguardar melhores condições de vida aos trabalhadores, frente à evolução das relações de produção (SILVA, 2007).

Nesse sentindo, não podia conceituar melhor o Princípio da Livre Iniciativa, Sandroni (1999, p. 352):

Princípio do liberalismo econômico que defende a total liberdade do indivíduo para escolher e orientar sua ação econômica, independente da ação de grupos sociais ou do Estado. A liberdade para as iniciativas econômicas, nesse sentido, implica a total garantia da propriedade privada, o direito de o empresário investir seu capital no ramo que considerar mais favorável e fabricar e distribuir os bens produzidos em sua empresa da forma que achar mais conveniente à realização dos lucros. Os limites da livre-iniciativa, de acordo com a economia clássica, estariam determinados no próprio sistema de concorrência entre empresários particulares, cabendo ao Estado apenas garantir a manutenção dos mecanismos naturais da economia de mercado. Das condições atuais do desenvolvimento capitalista, a necessidade de defender o sistema dos efeitos das crises cíclicas levou o Estado a impor limites a livre-iniciativa seja atuando diretamente no processo produtivo, seja agindo como elemento orientador de investimentos e controlador de desajustes sociais.

Araújo ([2019?], não paginado), também explana:

O conteúdo da livre iniciativa é a afirmação jurídica de que a vida econômica é composta pelas escolhas individuais, ainda que dentro dos limites das possibilidades materiais e de aptidões de cada qual. Como livre iniciativa, a Constituição se refere à titularidade e controle privados das iniciativas produtivas e comerciais.

A Livre Iniciativa, para Silva (2007), vem no sentido de assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, sem necessitar de autorização de órgãos públicos, ressalvados os casos previstos em lei.

Nesse diapasão, Grau (2005, p. 205, grifo do autor) preconiza que a “[...] liberdade de iniciativa econômica é a liberdade pública precisamente ao expressar não sujeição a

qualquer restrição estatal senão em virtude de lei”.

A Constituição Brasileira de 1988 apresenta, expressamente, o Princípio da Livre Iniciativa, não só como princípio basilar da ordem econômica, anotado no artigo 1705, mas também o eleva como fundamento da República Brasileira. Assim, dispõe o artigo 1º da Constituição de 1988:

5 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988, grifou-se).

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político (BRASIL, 1988, grifou-se).

Ao apresentar a Livre Iniciativa de forma estratégica em meio aos fundamentos da república no seu artigo 1º, a Constituição de 1988 “[...] assume o pressuposto de funcionalidade da atividade econômica privada como meio para resultados desejados” (ARAÚJO, [2019?], não paginado).

Destaca-se, outrossim, com louvor, o conceito de Livre Iniciativa apresentado por Moro (2007 apud CASTRO; GENOVEZ, 2014), pela abrangência a que concerne sua aplicabilidade, in verbis:

A livre iniciativa foi uma opção do constituinte de 1988, tida tanto como valor da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, IV) quanto como fundamento da ordem econômica nacional (CF, art. 170). Consoante ensinamento que encontra maior respaldo no texto constitucional, a liberdade de iniciativa, como valor do Estado Democrático de Direito, deve ser entendida de forma ampla, não somente na seara econômica. Há, igualdade, de ser compreendida como vetor interpretativo das demais normas sobre a Economia. Dessa escolha constitucional, depreende-se que a opção foi pelo modelo econômico capitalista de mercado.

[...]

Embora seja a livre inciativa o princípio regente da matéria, como todos os demais, não pode ser compreendido como absoluto, o que é ressaltado pela teoria constitucional contemporânea. Observando o específico contexto da constituição, é- nos já permitido inferir a relatividade do conceito. No mencionado art. 170, caput, constitui, igualmente, fundamento da ordem econômica a “valorização do trabalho humano”, que, evidentemente, há de ser compatibilizado com a livre iniciativa. Ademais, deve ter “por finalidade assegurar a existência digna”, conforme os ditames da “justiça social”. Este valor social permeia a Carta Constitucional e não pode ser olvidado no entendimento da livre iniciativa.

Findada esta primeira abordagem acerca dos princípios, cabe, agora, abordar o processo de absorção do Princípio da Livre Iniciativa no ordenamento pátrio e a sua relação com as constituições brasileiras.

3.5.1 Princípio da Livre Iniciativa nas constituições brasileiras

Apresentadas considerações a respeito do Princípio da Livre Iniciativa, a partir de agora, relatar-se-á, brevemente, a história da presença do Princípio em comento nas constituições brasileiras.

O Alvará de 1º de abril de 1808, no qual Dom João VI concede às colônias portuguesas a liberdade de indústria, é considerado o marco histórico da positivação do Princípio da Livre Iniciativa no Brasil. No entanto, a positivação constitucional do Princípio surge somente em 1934 (GARCIA; TAVARES, 2016).

A Constituição de 1934 inseria no contexto do seu artigo 1156, em capítulo já destinado a regular a ordem econômica e social, a Livre Iniciativa, dispondo que a liberdade econômica seria garantida, desde que exercida “[...] de modo que possibilite a todos a existência digna [...] conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional” (BRASIL, 1934; GARCIA; TAVARES, 2016).

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, no artigo 135, trouxe a legitimação da intervenção do Estado em caso de necessidade de suprir as deficiências econômicas e a organização da produção, como disposto a seguir:

Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta (BRASIL, 1937).

Prado (2017), ao dissertar sobre a Constituição de 1937, afirma que foi outorgada e vigente em um período ditatorial, e que trouxe um retrocesso aos direitos sociais e econômicos que vinham sendo incorporados às constituições que a antecederam.

Em contraponto à constituição de 1937, foi promulgada a Constituição de 1946, retomando ideias de liberdades restringidas naquela (GARCIA; TAVARES, 2016).

A Carta Magna de 1946 inaugura a expressão “liberdade de iniciativa”. Liberdades que deveriam ser atreladas aos princípios que regem a ordem econômica e organizadas consoantes os princípios da justiça social, conciliando a Livre Iniciativa e a Valorização do Trabalho Humano (TAVARES, 2011).

A Constituição de 19677, trouxe a expressão “liberdade de iniciativa” figurando como princípio da ordem econômica e social. Da mesma forma, a Emenda Constitucional n.

6 Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida

nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica (BRASIL, 1988).

7 Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

1/1969 a manteve no artigo 160, inciso I, acabando por sacramentar o princípio, definitivamente, no ordenamento constitucional brasileiro (TAVARES, 2011).

3.5.2 Livre Iniciativa na Constituição de 1988

Foi na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que a Livre Iniciativa teve enquadramento duplo. Fora apresentada como fundamento da República e como princípio basilar na ordem econômica ao lado da valorização do trabalho humano (TAVARES, 2011).

O artigo 1º, inciso IV, que trata dos fundamentos da república, apresenta a seguinte redação: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores socias do trabalho e da livre-iniciativa” (BRASIL, 1988).

Pela importância que fora atribuída ao princípio da Livre Iniciativa nos textos constitucionais, não é de se estranhar o clamor que surge pela aplicação absoluta do referido princípio em situações nas quais é evidenciado.

4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 5.956/DF

Como já mencionado neste trabalho, por força do Princípio da Supremacia da Constituição, não poderão fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro normas cujo teor não esteja em conformidade com os preceitos da Constituição da República (BARROSO, 2010; SILVA, 2007).

A fim de garantir a hierarquia da Constituição brasileira, que se encontra no topo do ordenamento jurídico nacional, o legislador originário criou mecanismos de controle por meio dos quais são examinados os atos inseridos no núcleo normativo do ordenamento jurídico brasileiro, verificando sua consonância com os preceitos da Carta Magna. A validade dessas normas depende da compatibilidade como os ditames da Constituição Federal (LENZA, 2019).

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