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O futuro do sem futuro : uma análise da escrita sobre o punk no Brasil e suas construções identitárias ( )

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Academic year: 2021

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE GEOGRAFIA, HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

TESE DE DOUTORADO

O futuro do “sem futuro”:

uma análise da escrita sobre o punk no

Brasil e suas construções identitárias

(1982 – 2010)

TIAGO DE JESUS VIEIRA

(2)

TIAGO DE JESUS VIEIRA

O futuro do “sem futuro”:

uma análise da escrita sobre o punk no

Brasil e suas construções identitárias

(1982 – 2010)

Tese apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação História, do Instituto de Geografia, História e Documentação – IGHD, da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial à obtenção de título de Doutor em História.

Orientador: Prof. Dr. Renilson Rosa Ribeiro

CUIABÁ-MT 2017

(3)

V658f VIEIRA, Tiago de Jesus.

O futuro do “sem futuro”: uma análise da escrita sobre o punk no Brasil e suas construções identitárias (1982 – 2010) / Tiago de Jesus Vieira. -- 2017

266 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Renilson Rosa Ribeiro.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Geografia, História e Documentação, Programa de Pós-Graduação em História, Cuiabá, 2017.

Inclui bibliografia.

(4)

TERMO DE APROVAÇÃO

Aprovada em 26/05/2017

BANCA EXAMINADORA

_______________________

Prof. Dr. Renilson Rosa Ribeiro (PPGHIS/UFMT) Orientador

_______________________

Profa. Dra. Divanize Carbonieri (PPGEL/UFMT) Examinadora Externa

_______________________

Prof. Dr. Luís César Castrillon Mendes (FCH/UFGD) Examinador Externo

________________________

Prof. Dra. Ana Maria Marques (PPGHIS/UFMT) Examinador Interna

_______________________

Prof. Dr. Osvaldo Rodrigues Junior (PPGHIS /UFMT) Examinador Interno

_______________________ Prof. Dr. Marcelo Fronza (PPGHIS/UFMT)

Suplente Interno _______________________ Prof. Dr. Fabiano Coelho (PPGHIS /UFGD)

(5)

VIEIRA, Tiago de Jesus. O futuro do “sem futuro”: uma análise da escrita sobre o punk no Brasil e suas construções identitárias (1982 – 2010). 2017. 266p. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso – Programa de Pós-Graduação em História, Cuiabá, 2017.

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade analisar a escrita da punk no Brasil, em trabalhos monográficos, procurando evidenciar como nesses quase 30 anos os investigadores retrataram as experiências desses indivíduos e coletividades que se vinculam aos referenciais punks. Dessa maneira, objetivou-se demonstrar os diálogos tecidos entre os pesquisadores e suas respectivas conjunturas de inserção social. Visando, sobretudo, compreender quais as identidades do punk brasileiro foram construídas nos trabalhos acadêmicos ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000. Diante desse desafio tornou-se imprescindível a utilização de ferramentas conceituais diversos autores, destacando-se Michel de Certeau, por meio de suas proposições em torno da noção de lugar social que permeou a elucidação acerca das condições de produção do saber em distintos contextos, e Stuart Hall, a partir de suas três concepções de sujeito, tomado como referência para elucidação dos modos como os sujeitos são retratados de forma identitária nos empreendimentos analisados.

(6)

ABSTRACT

This work aims to analyze the writing of punk in Brazil, in monographic works, trying to show how in these almost 30 years the researchers portrayed the experiences of these individuals and collectivities that are linked to punks referents. In this way, the objective was to demonstrate the dialogues woven between the researchers and their respective conjunctures of social insertion. Aiming, above all, to understand which Brazilian punk identities were built in academic works throughout the 1980s, 1990s and 2000s. In the face of this challenge, it became essential to use conceptual tools, such as Michel de Certeau, through his propositions about the notion of social place that permeated the elucidation about the conditions of production of knowledge in different contexts, and Stuart Hall, from his three conceptions of subject, taken as reference to elucidate the ways in which the subjects are portrayed in an identitary way in the undertakings analyzed.

(7)

AGRADECIMENTOS

O trabalho de escrita de uma tese, bem como o de qualquer trabalho monográfico, tal quais os muitos que aqui foram analisados, constitui um árduo empreendimento, constituído de caminhos e descaminhos. Nessa trajetória a contribuição generosa de muitas pessoas torna-se combustível para que possamos continuar seguindo essa jornada. Com o intuito de agradecer a algumas pessoas que foram de fundamental importância para este projeto se materializasse deixo aqui meu muito obrigado a:

Minha amada esposa, conselheira e amiga Patrícia, sem você nada disso teria acontecido.

Meus pais Selma e Demilso, que me deram carinho e não pouparam esforços para que minhas dificuldades fossem minimizadas ao longo da vida.

Meu orientador e amigo Renilson Rosa Ribeiro, sempre compreensivo e disposto a ajudar, me prestou todo suporte e apoio nos momentos em que precisei.

Membros da banca de qualificação e defesa, Divanize Carbonieri, Luís César Castrillon Mendes, Marcelo Fronza, Osvaldo Rodrigues Junior, Ana Maria Marques e Fabiano Coelho, pela boa vontade e disposição em poder contribuir com esse empreendimento.

Inúmeros amig@s, alun@s e colegas de trabalho que complementam minha base de suporte humano ao longo dessa longa jornada.

Autorxs de muitos dos trabalhos, aqui analisados, que ao serem contatados disponibilizaram cópias de seus trabalhos de conclusão de

(8)

curso, dissertações ou teses, visando o amadurecimento desse campo de investigação.

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, por toda estrutura proporcionada durante meu mestrado e doutorado.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que através do seu programa de bolsa de estudos, me trouxe condições fundamentais para a confecção deste trabalho.

(9)

Quanto vale a liberdade? (Cólera) Agora eu sei que não há preço Mas me sinto acorrentado Dia após dia, e não há razão, não há razão Quanto vale a liberdade? Quanto vale a liberdade? Não importa, eu vou em frente Não importa, eu vou em frente

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

13

1. A ESCRITA DO PUNK NA DÉCADA PERDIDA (1980): UM TÍMIDO

COMEÇO

30

1.1. A escrita do punk na década de 1980: o estado da arte

42

1.1.1. O primeiro estudo: O que é Punk de Antônio Bivar

44

1.1.1. O punk chega à universidade através de Helenrose

Pedroso & Heder Souza

49

1.1.3. O punk carioca por Janice Caiafa

52

1.2. A violência cotidiana transbordada em prática: passos da

guerra punk

61

1.3. Gênero e sexualidade na “cena punk” dos anos 80

69

1.4. A legitimidade suburbana do punk nacional

76

2. A ESCRITA DO PUNK NA DÉCADA VENDIDA (1990): PASSOS DE

UMA CONSOLIDAÇÃO

94

2.1. O mosaico da escrita do punk na década de 1990

101

2.1.1. Os carecas do subúrbio foram punks um dia? A obra de

Márcia Regina da Costa

103

2.1.2. Punks e darks, dois grupos juvenis sob a ótica de Helena

Wendel Abramo

106

2.1.3. Punks e trashs, dois grupos de estilo para Kênia Kemp

108

2.1.4. O punk e suas mutações ideológicas por Rafael Lopes de

Sousa

110

2.1.5. A cena musical do punk brasileiro, um estudo de Silvio

Essinger

111

2.2. Por uma teoria do punk

119

2.3. A conflituosa “identidade” do punk: múltiplos embates

136

3. A ESCRITA DO PUNK NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI: A

VALORIZAÇÃO DA DIFERENÇA

156

(11)

3.2. As abordagens de amplitude nacional e seu caráter

reinterpretativo da história do punk

171

3.2.1. A história do punk no Brasil recontada a partir dos

fanzines, a abordagem de Antônio Carlos de Oliveira

173

3.2.2. As identidades

punk no ABC, um estudo da vertente

“Anjos” por Aldemir Leonardo Teixeira

175

3.2.3. Uma nova teoria para o punk, a investigação de Daniela

Lemes Canhête

180

3.2.4- A trajetória dissonante do hardcore, uma investigação de

Roberto Camargos de Oliveira

184

3.2.5. Para saber mais de punk, o empreendimento de Ricardo

Alexandre

188

3.3. A preocupação com o regional: um novo/velho modo de

estudar o punk no Brasil

191

3.3.1. Estudos sobre o punk na região Nordeste

193

3.3.1.1. As trajetórias do punk em João Pessoa/PB, percepções

de Yuriallis Fernandes Bastos

195

3.3.1.2. Vivências libertárias dos

anarco-punks em Natal/RN, sob

a ótica de Vantiê Clínio de Carvalho Oliveira

201

3.3.1.3. O pertencimento gerado pelo punk rock na periferia de

Recife na visão de Lydia Gomes de Barros

202

3.3.2. Estudos sobre o punk na região Norte

204

3.3.3. Estudos sobre o punk na região Sul

206

3.3.3.1. O punk em duas cidades do interior paranaense

(Londrina e Guarapuava) por Nécio Turra Neto

208

3.3.3.2. A retratação do punk nos fanzines Curitibanos através

de Everton de Oliveira Moraes

215

3.3.3.3. O punk na fronteira do Brasil (Uruguaiana/RS), o estudo

de Carlinhos Knierim de Almeida

221

3.3.4. Estudos sobre o punk no Sudeste

224

3.3.4.1. Trajetórias de identificação com o punk, relevadas por

Paula Vanessa Pires de Azevedo Gonçalves

(12)

3.3.4.2. Um novo olhar sobre o anarquismo no punk paulistano,

no trabalho de Valdir da Silva Oliveira

228

3.3.4.3. Imagens e trajetórias da cena punk em Ribeirão Preto,

percepções do trabalho de Jefferson Alves de Barcellos

230

3.3.5. Estudos sobre o punk no Centro Oeste

234

3.3.5.1. O punk no planalto central, as percepções de Hoana

Costa Gonçalves

236

3.3.5.2. Os labirintos corpo punk em Cuiabá, por Ana Paula de

Sant’ana

239

CONSIDERAÇÕES FINAIS

246

(13)
(14)

No future for you No future for me No future no future for you1 Aah! Aah! Sem futuro, sem futuro! Aah! Aah! Sem futuro, sem futuro,

Sem futuro, sem futuro2

Talvez nenhuma outra palavra possa estabelecer uma relação tão íntima com o universo punk quanto futuro, que desde sua enunciação na música “God Save The Queen”3, dos Sex Pistols, que embutida no slogan “no future”, passou a ter força quase que autoexplicativa para sintetizar todo o abandono de uma geração que se via excluída das beneficies sociais na Inglaterra do final da década de 1970. No Brasil, essa palavra ganharia destaque por intermédio da banda Cólera, para ilustrar as “cidades dos meus pesadelos”4, que a partir da noção de “sem futuro” era tomado para entendimento do caos juvenil urbano.

Contudo, a insistência nessa palavra não pode ser tomada como simples efeito do acaso, pois ilustra a relação que os punks apresentam e apresentavam com seus respectivos horizontes de expectativas, e elucida a urgência de suas ações. Contudo, ao contrário desses dizeres que versam sobre a ausência de futuro, tal “profecia” não se concretizou no que

1

Extraído da música: SEX PISTOLS. God Save The Queen. Interprete: Sex Pistols. In: Never Mind The Bollocks, Here's The Sex Pistols. Londres: Inglaterra, faixa 5, 1 LP, 1977. 2

Extraído da música: CÓLERA. C.D.M.P. Interprete: Cólera. In: Tente mudar o amanhã. São Paulo, lado A: faixa 05, 1 LP, 1985.

3

SEX PISTOLS. op. cit. 4

(15)

concerne a este fenômeno enquanto organização coletiva, sendo que não só o punk não morreu, como talvez nunca há de morrer5.

Nesse sentido, havendo-se passado 35 anos da publicação da primeira investigação sobre o tema no Brasil, “O que é punk” (1982), o punk enquanto “referencial coletivo compartilhado” disseminou-se para as mais distintas regiões do país, e por consequência também se intensificou a produção de material destinado a relatar e/ou retratar as experiências relativas a tal fenômeno, resultando, por sua vez, numa imensa gama de trabalhos escritos, materializados principalmente na forma de livros, dissertações e artigos científicos. Fato este que, “por si só”, já demonstraria a necessidade de um empreendimento seguindo os moldes das investigações de “estado da arte” ou “estado do conhecimento”6 a respeito desta fabricação intelectual.

Além disso, neste intervalo de tempo ocorreram grandiosas transformações, tanto na dimensão global, quanto no panorama nacional, que alteraram a relação dialógica dos sujeitos que se identificam como punks e o meio social. Em concomitância a essa evidente alteração nos “espaços de experiência” e “horizonte de expectativas”7 que se inscreve sobre as atuações daqueles que coletivamente compartilham referenciais relativos ao signo punk, também se modificou o modo como os

5

VIEIRA, Tiago de Jesus. O punk nunca há de morrer: a trajetória da construção de identidades punk em Ilha Solteira-SP (1965 - 2001). 2012. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2012.

6

Conforme compreensão de Norma Ferreira, as pesquisas de estado da arte são aquelas que apresentam caráter bibliográfico visando mapear e discutir a produção acadêmica, objetivando explorar quais aspectos e dimensões são privilegiados

em diferentes épocas e lugares. Cf. FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educação & Sociedade. n. 79, p. 257 - 272, ago 2002. 7

Cf. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto Ed. PUC-Rio, 2006.

(16)

pesquisadores retrataram as experiências desses indivíduos e coletividades que se denominavam punk. Uma vez que, a fabricação intelectual por parte dos pesquisadores não é um ato isolado que ocorre apartado do “corpo social” e que atua como discurso neutro, ao contrário, também se configura como produto de interações sociais.

Portanto, indiretamente quando os pesquisadores produziram suas investigações sobre o tema punk também o normatizam, pois envolto a esta sistemática de elucidação dos referenciais coletivamente compartilhados pelos punks, insere-se uma ação de cristalização das práticas daquele indivíduo ou coletividade, que se transpõe na forma de identidade, esta que, por sua vez, igualmente espelha aspectos relativos ao modo como os esses autores capturam o mundo.

Em complementariedade, torna-se oportuno ressaltar que etimologicamente a palavra identidade deriva do latim idem (idêntico), por sua vez, remete a aequalitas (uniformidade/ mar sereno), incidindo na crença que toda identidade está relacionada a este sentimento de idêntico ao seu par. Este processo pode ser compreendido como uma forma de normatização. Desta forma, “normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas”8.

A respeito dessa problemática Tomaz Tadeu da Silva observa que “fixar uma determinada identidade como a norma é uma das formas privilegiadas de hierarquização das identidades e das diferenças”, que, por sua vez, “significa atribuir a essa identidade todas as características

8

SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos culturais. 9ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p.73-10. p. 83.

(17)

positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de outra forma” 9.

Nesse sentido, torna-se extremamente necessário compreender: Quais as identidades do punk brasileiro foram construídas nos trabalhos acadêmicos ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000?

Como ponto de partida para elucidação deste quadro investigativo, permite-se conjecturar – a partir de levantamento inicial realizado ao longo do desenvolvimento de estudos prévios empreendidos durante a graduação10 e mestrado11 –, que boa parte daquilo que é transposto pelos pesquisadores como identidades punks são respostas que eles procuraram dar a demandas de seu tempo e se presentificam nos seus estudos de maneira, por vezes, imperceptiva. Como efeito disso, Paul Ricoeur12 que postula:

[...] o mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um mundo temporal. Ou, como será frequentemente repetido nessa obra: o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal.13

Por essa ótica, estão inscritos, em todos esses estudos, percepções sociais que foram formuladas em resposta as demandas daquela conjuntura, em decorrência de diversos estímulos linguísticos e

9

Ibidem, loc. cit. 10

VIEIRA, Tiago de Jesus. O punk do Interior: o uso da contracultura como grito de uma juventude amordaçada em Ilha solteira/SP 1994 a 1999. 2008. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Curso de História, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas/MS, 2008.

11

Idem, op. cit., 2012. 12

RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa: Tomo 1. Campinas, SP Papirus, 1994. 13

(18)

culturais, que, por sua vez, são contraditórios e conflitantes, e que se hibridizam num espaço intersticial, o locus de enunciação14 que invisivelmente inscreve o modo de: “como se fala?”; “para quem se fala?”, “em resposta a que se fala?”. Nessa perspectiva, tão determinante como os efeitos temporais que “determinam” as modulações identitárias por parte dos pesquisadores, também se inscrevem os aspectos ideológicos, como expõe Keith Jenkins15:

A ideologia penetra todos os aspectos da história, aí incluídas as práticas cotidianas para produzir a história naquelas instituições que, em nossa sociedade, são destinadas principalmente a tal propósito – em especial as universidades.16

Assim, mesmo que esses efeitos ocorram de forma involuntária, possuem ação determinante sobre a modulação da identidade punk, que estão inscritas nesses trabalhos. Dessa maneira, também se faz necessário compreender em concomitância: quais aspectos eventualmente influenciaram tais normatizações por parte dos pesquisadores?

Portanto, nessa investigação se busca realizar uma ampla reflexão acerca das identidades que foram construídas ao longo das três primeiras décadas de pesquisa sobre o punk no Brasil, dando ênfase às questões que atravessaram esse período e que supostamente influenciaram a fabricação intelectual das identidades por parte dos autores.

14

Cf. BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte/MG: Ed. UFMG, 1998. 15

Cf. JENKINS, Keith. A História repensada. tradução Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2001.

16

(19)

Assim, esse estudo inscreve-se numa perspectiva de “pensar com a história”17, compreendo-a como um processo caracterizado pela “dinâmica, ligando ou dissolvendo elementos estáticos num padrão narrativo de mudança”18. Nesse sentido, buscar-se-á privilegiar as conexões externas à obra, a fim de contextualizá-la com seu meio social de produção. Procurando estabelecer um panorama contextualizador dos trabalhos analisados, no entanto, é importante ponderar que contextualizar seguindo a lógica, aqui inscrita, significa empreender“uma construção, uma operação intelectual, fruto do trabalho do próprio historiador em contato com documentos históricos”19. Dessa forma:

Contextualizar, portanto, é buscar estabelecer novas significações para o objeto, analisando, justapondo, comparando ou contrapondo diferentes documentos históricos. E tudo isso é, como sabemos há bastante tempo, o produto de escolhas, muitas vezes arbitrárias. No entanto, não menos válidas.20

Portanto, esta pesquisa indiretamente também se coloca como um estudo referente à história do punk no Brasil, no entanto, não se procurou contingenciar apenas aqueles produzidos nesse campo do conhecimento, pois limitaria muito essa investigação, elucidando somente uma pequena parcela do conhecimento executado acerca do tema. Nesse sentido, se fez necessário o diálogo com trabalhos produzidos em outras áreas como: Geografia, Antropologia, Sociologia, Jornalismo, Educação e Linguagens.

17

Cf. SCHORSKE, Carl. Pensando Com a História: Indagações na Passagem Para o Modernismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

18

Ibidem, p. 13. 19

RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: cinema e história do Brasil. Bauru/SP: EDUSC, 2002. p. 270.

20

(20)

Diante desse desafio, tornou-se necessária uma articulação teórico/metodológica que permitiu dialogar autores das distintas áreas do conhecimento humano. Seguindo essa perspectiva, foram vitais para esse empreendimento duas formulações conceituais, que, por sua vez, merecem ser detalhadas: lugar social e três concepções de identidade.

Nessa linha, cabe introduzir a postulação Michel de Certeau21, inscrita em a “operação historiográfica” que propõe a reflexão teórica sobre o lugar social, estabelecendo as bases pela qual o pesquisador atua e escreve. A partir desses postulados, a intenção é, por meio de uma descrição das práticas, das técnicas, dos métodos e dos procedimentos utilizados nos trabalhos analisados, conseguir compreender as pesquisas que, de uma forma ou outra, versaram sobre o punk no Brasil.

Com esse intuito, Michel de Certeau estabelece como questão central, o que faz o historiador quando “faz” história? Tendo essa questão como foco, busca-se a sua lógica em pensar o processo de análise comum a um trabalho histórico, que aplica seus métodos ao próprio “trabalho do historiador”. A partir dessa proposição pretende-se historicizar o trabalho de outros pesquisadores, incluindo, também, os não historiadores, descrevendo e pensando a partir do “lugar social” de produção da obra.

Para tanto, o primeiro passo, é ligar as práticas e as ideias a um determinado lugar social, sendo um gesto típico de historiador, uma vez que compreender é, acima de tudo, estabelecer uma análise do localizável. Pois, do contrário, o historiador:

[...] cederia a um álibi ideológico se, para estabelecer o estatuto do seu trabalho, recorresse a um alhures filosófico, a uma verdade formada e recebida fora dos

21

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In:______. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p.65-119.

(21)

caminhos pelos quais, em história, todo sistema de pensamento está referido a ‘lugares’ sociais, econômicos, culturais, etc.22

Assim, levando em consideração essas proposições e tomando Michel de Certeau como referencial teórico para se pensar uma recomposição analítica no tocante aos contextos de produção e difusão de trabalhos relativos ao punk no Brasil deve-se inicialmente compreender o conceito de lugar social, que faz menção às condições de produção do conhecimento histórico, que operam de forma imperceptível como “não dito”. Desse modo, o local onde o pesquisador se insere influencia suas decisões de forma consciente ou até mesmo inconsciente e/ou fruto de casualidades, de caminhos e/ou descaminhos.

Nesse sentido, encarar a História de tal maneira induz a reflexão de que “qualquer tentativa de escritura da História será sempre um ensaio, isto é, uma tentativa. Como qualquer experimento humano, toda tentativa é falível, frágil, parcial, inacabada, imperfeita, inconclusiva”23, uma vez que o passado tal como foi um dia jamais poderá ser reconstituído.

Em complementariedade ao conceito de lugar social, que, por sua vez, alerta sobre o tensionamento das condicionantes sociais sobre o produto do autor, torna-se primordial suscitar as percepções de Stuart Hall24, que à luz da aceleração das mudanças na conjuntura social global, em especial, em decorrência das discussões concernentes a globalização, levantou-se a problemática em torno da “crise das identidades” na

22

Ibidem, p. 65. 23

BENATTI, Antonio Paulo. História, Ciência, Escritura e Política. In: RAGO, Maragareth; GIMENES, Renato Aloizio de Oliveira (orgs). Narrar o passado, repensar a história. Campinas: UNICAMP, 2000. p.63 – 103. p. 101.

24

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª ed. Rio de janeiro: DP&A; 2005.

(22)

contemporaneidade. Nesse cenário, o referido autor estabeleceu uma formulação conceitual a fim de observar a forma como o sujeito se “constitui” analiticamente, emergindo, assim, sua formulação teórica fundamentada em três concepções de identidade, que dispõe as identidades em “sujeito do Iluminismo”, “sujeito sociológico ou moderno” e “sujeito pós-moderno”. Lógica esta que confere o sujeito do Iluminismo como sendo aquele:

[...] baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou ‘idêntico’ a ele – ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.25

Compreende o sujeito sociológico ou moderno como:

[...] refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava.

[...] O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem.

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior" - entre o mundo pessoal e o mundo público.26

25

Ibidem, p. 10 -1. 26

(23)

Ao passo que no sujeito pós-moderno:

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós já identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo deslocadas.27

Tomando os postulados de Stuart Hall como elucidativos dos modos como os sujeitos são retratados de forma identitária, em especial nos trabalhos acadêmicos, procura-se focalizar a partir destas contribuições a produção de identidades nos estudos acerca do punk no Brasil entre 1982 e 2010, privilegiando uma maior cronologia, e, por sua vez, contribuindo, para um melhor mapeamento das “permanências” e “rupturas” nessas produções identitárias. Por esse viés, pretende-se examinar o período que assinala, respectivamente, o ano do primeiro trabalho monográfico sobre o punk e do término da terceira década de produção acadêmica relativa ao tema.

Assim, o presente empreendimento realizou uma triagem da produção temática tomando como parâmetro as seguintes fases: Primeira etapa: busca pela palavra-chave punk nos bancos de dados “Google acadêmico”, “Capes” e demais portais de armazenamento de trabalhos monográficos das universidades brasileiras, a fim de estabelecer um panorama inicial da produção do tema; Segunda etapa: pesquisa pelo

27

(24)

“assunto” punk na Plataforma “Lattes”, a fim de ampliar os dados levantados na primeira etapa.

Após esse levantamento acredita-se ter chegado a um mapeamento próximo do total da produção de trabalhos monográficos (livros, teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso) sobre o tema punk no Brasil. Contudo, não se pode descartar a possibilidade de algum trabalho ter escapado à referida triagem.

Chega-se assim, ao seguinte quadro relativo à produção de livros, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, sobre a temática punk no Brasil entre 1982 e 2010.

PERÍODO Trabalhos de Conclusão de

Curso

Dissertações Teses Livros Total por período

1982 - 1990 01 01 00 02 04

1991 - 2000 02 03 01 03 09

2001 - 2010 28 17 03 06 54

Quadro 01: Referente à produção de trabalhos monográficos relativos ao tema “punk no Brasil” entre 1982 e 2010

O referido quadro evidencia uma produção total de sessenta e sete (67) trabalhos monográficos que direta ou indiretamente abordam o tema punk com maior propriedade, dos quais trinta e um (31) são trabalhos de conclusão de curso de graduação e/ou especialização, vinte e um (21) dissertações de mestrado, quatro (04) teses de doutoramento e onze (11) livros autorais, contemplando obras inéditas, produzidas a partir de critérios do mercado editorial, bem como também refletiam a materialização de monografias, dissertações e teses, que já haviam sido

(25)

defendidas, e que por hora se colocava em outro formato de publicação, visando alcançar maior público através desse formato.

Diante do elevado volume de trabalhos relativos ao tema punk – fato que inviabilizaria uma análise mais detalhada, tendo como parâmetro os postulados mencionados a priori —, fez-se necessário realizar uma nova triagem, a fim de tornar exequível a presente pesquisa, elegendo como parâmetro de seleção o impacto e a repercussão da obra. Para tal, realizou-se uma compilação das obras com maior volume de referenciamento nas obras temáticas, por sua vez, permitindo aferir os trabalhos com maior visibilidade e reverberação entre aquelas que exploraram o tema punk no Brasil.

Como reflexo deste critério, inevitavelmente o quadro definitivo das obras analisadas espelha majoritariamente livros, teses e dissertações, que por possuírem maior “credibilidade acadêmica” acabaram sendo referenciados com maior recorrência que trabalhos de conclusão de curso. Mesmo diante de tal tendência foi possível observar algumas monografias que possuíram à referida repercussão, e outras que por suscitarem questões inovadoras produziram certo impacto, e por isso também mereceram sua análise contemplada.

A partir de tal quadro, a presente pesquisa buscou inicialmente construir uma narrativa que procurasse elucidar as condições de escrita de um determinado período, a fim de ambientar os principais pontos de investigação presentificados nos trabalhos acerca da temática, numa perspectiva contextualizada que possibilitasse examinar como maior destaque as produções identitárias recorrentes nos estudos sobre o punk no Brasil, para conclusivamente perceber a partir dos postulados de Stuart

(26)

Hall quais tendências de concepção identitária eram majoritariamente expostas num determinado período.

Nessa linha, a fim de facilitar a compreensão do lugar social dos trabalhos analisados, optou-se por uma organização de capítulos que privilegiou a divisão por décadas, visando apresentar um pouco das principais tendências que poderiam ter interferido nas obras analisadas. Além disso, essa organização também atende a finalidade de minimizar o abismo entre o período de produção das obras e o período de leitura desta pesquisa. Em observação a esses postulados de ordem teórico-metodológica, montou-se uma estrutura que busca traçar um panorama das questões que eventualmente exerciam relevância sobre o produto dos pesquisadores naquele determinado período.

Portanto, em cada capítulo, que corresponde a uma periodicidade distinta, procurou-se no primeiro momento seguir uma linha comum, apresentando os elementos que elucidam a conjuntura econômica, política e acadêmica da época, abrangendo tanto as dimensões global e nacional, a fim de elucidar os dilemas e os condicionamentos que os pesquisadores enfrentavam num determinado período, e a partir desse ponto introduzir os principais temas de investigação contemplados entre os autores que exploraram o “universo punk”.

A despeito disso, o primeiro capítulo, intitulado “A escrita do punk na década perdida (1980): um tímido começo” apresenta como a década de 1980, em função de conjunturas políticas e econômicas distintas, entre o Brasil e o mundo, também dispôs de questões específicas a serem refletidas pelos investigadores sociais. Ao passo que, no “centro” do sistema, se estabeleceram, cada vez mais, novos embates que recorrentemente só desembarcariam no Brasil anos depois, ainda em

(27)

decorrência do tenebroso legado da ditadura militar. A academia brasileira era praticamente hegemonizada pelo paradigma marxista por fornecer fortes bases para enfrentamento repressivo. Entretanto, esse postulado recorrentemente impunha um “desprezo” aos novos temas que eram considerados reacionários e/ou desmobilizantes, incidindo que nessa década fossem produzidos apenas um pequeno volume de trabalhos monográficos sobre o tema punk, os quais recorrentemente permearam suas discussões identitárias em torno do viver da singularidade do punk no Brasil, seja por meio dos modos de exteriorização e interiorização da violência compreendida como cotidiana, das questões gênero e sexualidade instauradas na coletividade, e principalmente na atuação política fundamentada em elementos suburbanos.

Em contrapartida, no segundo capítulo, “A escrita do punk na década vendida (1990): passos de uma consolidação”, é percebido que a partir do espectro da globalização, mesmo que por linhas tortas, passa a ocorrer uma diminuição do abismo entre o Brasil e o resto do mundo. Os dilemas enfrentados em quaisquer partes do mundo apresentavam em alguma instância elementos de semelhança. Diante desse cenário, no Brasil da década de 1990, ao mesmo tempo em que se acompanhava o desmonte estatal, em função de uma das “novas” faces do capitalismo, também se acompanhava a chegada de outras correntes de pensamento humano, e junto com elas uma nova leva de temas, que inclusive tomaram o espaço urbano como um dos seus principais focos de observação.

Tal panorama diretamente repercutiu nos estudos relativos ao tema punk, que embora, no período, tenham apresentado apenas um leve aumento no volume de produção, contemplou um imenso salto no aspecto qualitativo, em decorrência do diálogo, agora, ainda mais profícuo, com as

(28)

novas tendências de enunciação da realidade social. Esse panorama resultou em investigações nacionais capazes de propor formulações de ampla contribuição no campo teórico que procuraram observar a inserção social do punk, atentando-se a conflituosa constituição identitária através dos constantes embates com as outras coletividades juvenis.

Seguindo aos mesmos estímulos da conjuntura global, mas com substanciais transformações no panorama interno, o Brasil adentrara o século XXI apresentando um amplo crescimento econômico no período, que, por sua vez, foi significativo para que as universidades públicas, em especial, pudessem sair de seu estado de arrefecimento, constatado pelo considerável aumento dos programas de pós-graduação e linhas de pesquisa, que influíram na variabilidade e amplitude das pesquisas, fenômeno até então inédito.

Esse cenário, acompanhado da sistemática entrada de novos estudos de todas as ordens, mas em especial de orientação pós-estruturalista, acabou imprimindo nas pesquisas sobre o meio urbano uma nova dinâmica de percepção da realidade, em que compreender a fabricação sócio/histórica das diferenças passou a ser um caminho recorrente.

Tais proposições são evidenciadas no terceiro capítulo, “A escrita do punk na primeira década do século XXI: a valorização da diferença”, que focaliza como essas questões, em consonância com o proeminente conceito de “identidade”, favoreceram um sistemático avanço das pesquisas dispostas a analisar as particularidades do punk, que recorrentemente tiveram uma observância para a ação dialógica entre as identidades e as particularidades locais, em cidades como: Brasília, Belém, Campina Grande, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Guarapuava, Ilha Solteira,

(29)

João Pessoa, Londrina, Natal, Porto Alegre, Recife, Ribeirão Preto e Uruguaiana.

Por fim, esse trabalho buscou percorrer três décadas de escrita do punk brasileiro, evidenciando as peculiaridades de cada período, a fim de mapear a produção identitária transposta por diversos pesquisadores que direta ou indiretamente se lançaram na tarefa de relatar a História do punk no Brasil.

(30)

CAPÍTULO 1:

A ESCRITA DO PUNK NA DÉCADA PERDIDA (1980):

UM TÍMIDO COMEÇO

(31)

A década de 1980 iniciou trazendo no “centro” do sistema capitalista a intensificação das crises do estado de “bem-estar-social”, cenário este que intensificou as pressões internas e acelerou a chegada de partidos ultraconservadores ao poder, alegando a falência desse sistema28. Segundo Eric Hobsbawm29, esse quadro social e econômico também foi responsável, entre outras coisas, pela difusão do termo pejorativo de “subclasse”, que, por sua vez, abarcou os sujeitos em vulnerabilidade social, agenciando pessoas dos setores pobres da população urbana, categorizadas como “um corpo de cidadãos praticamente fora da sociedade oficial, não fazendo parte real dela, nem – no caso de muitos de seus homens jovens – do mercado de trabalho”30. Contudo, advertiu o autor que essa era uma característica que se fazia global, embora fosse praticamente impossível falar de “subclasse” num país como o Brasil, “onde, em meados da década de 1980, os 20% do topo da população ficavam com mais de 60% da renda do país, enquanto os 40% de baixo recebiam 10% ou até menos?”31.

Nesse sentido, é oportuno destacar que o Brasil iniciou a referida década sendo governado pelo ditador João Batista Figueiredo (1979 – 1985), que deu prosseguimento ao tímido cenário de abertura política iniciado por Geisel. Para Boris Fausto, uma das ações mais emblemáticas desse governo está inscrita na lei de anistia, que embora tenha indultado os responsáveis pela prática da tortura, também possibilitou a volta dos exilados políticos, caracterizando um “passo

28

Conforme Eric Hobsbawm nesse cenário o caso mais emblemático foi o da Inglaterra. Cf. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 245.

29

HOBSBAWM, Eric. op. cit, loc. cit. 30

Ibidem, p. 333-4. 31

(32)

importante na ampliação das liberdades públicas”32. No período, também foi notável a aprovação da Nova Lei Orgânica dos Partidos, resultando no fim da dualidade partidária centrada no MDB e na Arena, o que abriu espaço para a postulação de novos partidos33.

Esse quadro de abertura política incidiu, nos anos seguintes, no surgimento de novos partidos, que passaram a encabeçar uma articulação em prol de eleições presidenciais diretas. Sob o slogan de “Diretas Já”, tal movimentação ganhou forte apelo popular, sobretudo em decorrência da insatisfação dos trabalhadores urbanos, os mais afetados pela recessão interna do período 1981 e 1983, que afetou principalmente a indústria, com destaque para o setor de bens duráveis34, e intensificou o desemprego nas grandes cidades.

Embora o movimento pelas “Diretas Já” não tenha tido efetivo êxito, ao menos culminou na eleição indireta de um presidente civil, Tancredo Neves, que nem mesmo chegou a ser empossado. Em seu lugar assumiu José Sarney (1985 – 1989), cuja principal marca foi a desastrosa política econômica caracterizada pela “inflação galopante” na casa dos três dígitos35.

No tocante ao panorama historiográfico da década de 1980, ainda situava a França, como principal polo irradiador de perspectivas teórico/metodológicas para a escrita da História. Muito disso credita-se à série de debates — leia-se ataques extra-disciplinares —, que incidiram em profunda reflexão acerca do fazer histórico, desde o final da década de

32

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995. p. 504. 33 Ibidem, p. 506. 34 Ibidem, p. 503. 35 Ibidem, p. 521 – 3.

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195036 naquele país. Por conta disso, em especial a partir da década de 1970, esse campo do conhecimento tivera ali todas as condições para refletir acerca de novos objetos e novas abordagens37.

Nesse sentido, Roger Chartier elucidou que “a resposta dos historiadores foi dupla. Puseram em prática uma estratégia de captação, colocando-se nas primeiras linhas desbravadas por outros. Dai a emergência de novos objetos no seio das questões históricas”, assim “as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar”38 tornaram-se, a partir de então, territórios do historiador, constituindo, dessa forma, caminhos a serem trilhados por intermédio das “novas” ferramentas analíticas que eram tomadas de “empréstimo às disciplinas vizinhas: foi o caso das técnicas de análise linguística e semântica, dos meios estatísticos utilizados pela sociologia ou de alguns modelos da antropologia”39.

Esse alargamento do campo de trabalho do historiador, bem como a apropriação de ferramentas analíticas das demais Ciências Humanas, em especial daquelas que vieram da Antropologia e da Linguística, diretamente influenciaram a formulação das bases daquilo que se convencionou chamar de História Cultural. Destarte, José D’Assunção

36

Nesse propósito destaca-se o trabalho de Fernand Braudel publicado originalmente em 1958, Cf. BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. A longa duração. In: Escritos sobre a história. 2ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 41-78. 37

Esta proposição é inaugurada a partir do célebre debate presente na obra: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (org). Faire de l'histoire. Paris: Gallimard, 1974.

38

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e representações. 2ª ed. Algés – Portugal: Difel, 2002. p. 14.

39

(34)

Barros40 destaca que “ideologia, símbolo, representação, prática” constituem as bases do horizonte teórico inaugurado na década de 1980 por Roger Chartier, que teve “na noção de ‘representação’ um dos seus alicerces fundamentais”41. Além disso, passaram a reverberar naquela década, em torno do signo da História Cultural, autores como Michel Certeau42 e Michel Foucault43.

Por mais que a França ainda fosse o principal polo de difusão de novas proposições historiográficas, ao longo da década de 1980, se fortaleceram e/ou emergiram contribuições significativas acerca do fazer História em outras partes do mundo. Nesse sentido, destaca-se a consolidação das perspectivas trazidas pela escola inglesa, principalmente por intermédio das obras de Edward Palmer Thompson44, bem como as proposições de caráter metodológico advindas da micro-história italiana, em que se destacaram em especial as formulações de Carlo Ginzburg45 e Jacques Revel46.

Contudo, nada abalou tanto as estruturas da Ciência Histórica quanto as formulações que vieram dos Estados Unidos da América, e foram articuladas em torno da noção de “pós-modernismo” que foi inaugurado, ainda em 1979, pelo célebre artigo de “The revival of narrative: reflections

40

BARROS, José D’Assunção. A história cultural francesa: caminhos de investigação. Fenix: Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia/MG, v.2, n. 4, p. 01- 17, out./dez. 2005.

41

Ibidem, p. 16. 42

Cf. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

43

Cf. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986.

44

Cf. THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa: A Árvore da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

45

Cf. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

46

Cf. REVEL, Jacques. Microanálise e construção social. In:________. (org.) Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.

(35)

on a new old history”, de Lawrence Stone47, que estabeleceu as bases iniciais para o debate em torno da discursividade implícita ao trabalho do historiador. Nesse sentido, contribuíram para o mesmo debate, com maior destaque Hayden White48 e Dominick LaCapra49.

Em complementariedade, acerca da dita “ameaça pós-moderna” que vinha da historiografia americana, José Antônio Vasconcelos50 observou que:

A década de 1980, em especial, é um período em que diversas teorias hermenêuticas e epistemológicas confrontam-se, constituindo, assim, um campo propício para o debate interdisciplinar. Encontrando afinidades com o pós-modernismo, um difuso conjunto de posicionamentos que pretendia romper com os paradigmas da modernidade, muitas dessas tradições intelectuais ameaçavam seriamente solapar os fundamentos da pesquisa historiográfica. Para uma “velha guarda” acadêmica, o desconstrucionismo era visto como esotérico, algo que se deveria evitar por uma questão de higiene intelectual. Para os jovens acadêmicos, porém, as novas ideias representavam uma tentação irresistível.

Embora a década de 1980, no panorama global, tenha sido extremamente rica na formulação e estabelecimento de novas proposições acerca do fazer histórico, boa parte dessas discussões só chegaram aqui ao Brasil tardiamente, ainda em decorrência do conturbado cenário político que o país atravessava.

47

Esta discussão de retorno à narrativa ganhou maior notoriedade em torno do célebre e polêmico artigo STONE, Lawrence. The revival of narrative: reflections on a new old history. Past & Present, Oxford, v. 85, n. 1, p.3-24. 1979.

48

Cf. WHITE, Hayden: Meta-história: A imaginação Histórica do Século XIX. São Paulo: EdUSP, 1995.

49

Cf. LaCAPRA, Dominick. Intellectual history and ists ways. American Historical Review. v. 97, n. 2, p.425-439.

50

VASCONCELOS, José Antônio. A ameaça do pós-modernismo na historiografia americana. São Paulo: Annablume, 2005; p. 23.

(36)

No que concerne à produção do conhecimento histórico no Brasil, a década de 1980 verteu-se num período de transição, mesclando a permanência de tendências historiográficas já consolidadas, com uma tímida abertura a novas perspectivas teórico/metodológicas de escrita da História. Nesse sentido, José Roberto do Amaral Lapa51 havia observado que, no final da década de 1970, ainda predominava a História Política em relação às demais áreas de investigação da História, quadro que permaneceu estável até meados do início da década de 1980, pois as temáticas políticas ganharam novo fôlego, em função da abertura que o país atravessava. Assim, temas como o dito “movimento de 64” despertavam o interesse do grande público e consequentemente do mercado editorial.

Ao longo da década de 1980, no Brasil, foi notável uma intensa mudança na sistemática de produção historiográfica, primeiramente resultante do fortalecimento dos programas de pós-graduação, que, a partir de então, passaram a concentrar a maior parte da produção acadêmica na área de História, ao passo que, até a década anterior, esta produção estava concentrada principalmente nas editoras.

Outra importante mudança nesse período ocorreu no que concerne aos temas de estudos recorrentemente escolhidos pelos historiadores. Nesse sentido, Ângela de Castro Gomes observou que a luta pelo fim do regime militar e a posterior campanha pelas "Diretas já" influenciando decisivamente as temáticas das pesquisas desenvolvidas pelos discentes dos programas de pós-graduação, em especial de História e Ciências Sociais. Privilegiando temas como “movimentos sociais urbanos e rurais, bem como uma história social do trabalho, na qual os protagonistas

51

LAPA, José Roberto do Amaral. Tendências atuais da historiografia brasileira. Revista Brasileira de História, São Paulo, n. 2, p. 153-172, set. 1982.

(37)

eram escravos, libertos, homens livres, camponeses, artesãos, operários e assalariados em geral”52, assuntos estes que propunham abrir novos caminhos para reflexão daquela sociedade.

Em complementariedade, Ronaldo Vainfas53 também salientou que, naquele contexto, o fundamental era “fazer uma história que buscasse as raízes socioeconômicas de nosso atraso, subdesenvolvimento ou dependência do imperialismo, em especial o norte-americano”, desvelando “uma história engajada, portanto, uma história militante”. Tais proposições se justificavam pelo fato de a produção historiográfica brasileira estar “de certo modo, hegemonizada pelo marxismo, ou pelas várias correntes marxistas54”.

Contudo, para o autor, essa forma de concepção do fazer historiográfico, em partes, dificultou a entrada de novas tendências historiográficas no Brasil, que por sua vez já estavam consolidadas na Europa. Em meio a esse cenário, novos temas relativos a “mobilizações feministas, ecologistas ou do movimento gay” eram entendidos como temas reacionários e/ou desmobilizantes. De modo que o “tom geral foi, assim, o de condenação dos chamados novos paradigmas não marxistas”55, resultando num atraso de 10 a 15 anos, em relação ao tempo de formulação das novas correntes historiográficas na Europa, e sua efetiva difusão no Brasil, fato que “foi, em grande parte, responsável por tais confusões, pois todas essas inovações da historiografia, principalmente

52

GOMES, Ângela de Castro. Questão social e historiografia no Brasil do pós-1980: notas para um debate. Estudos Históricos, São Paulo, n. 34, p. 157-186, jul./ dez. 2004, p. 158.

53

VAINFAS, Ronaldo. História cultural e historiografia brasileira. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 50, p. 217-235. jan./jun. 2009. p. 225.

54

Ibidem, loc. cit. 55

(38)

europeia, chegaram juntas ou, pelo menos, se difundiram juntas nos anos 1980”56.

Essas formulações acerca da escrita da História no Brasil na década de 1980 são legitimadas no trabalho quantitativo/analítico realizado por Carlos Fico e Ronald Polito57, que constataram a predominância de temas relativos ao “movimento operário, grupos de trabalhadores, sindicatos e mundo do trabalho” no campo da História Social. No entanto, nesse período também foi possível focalizar o surgimento de algumas pesquisas a respeito de temas como cotidiano, mulheres, família e doenças. Por fim, esses autores também observaram as periodizações que eram privilegiadas pelos pesquisadores que trabalhavam com História do Brasil, observando que (14,1%) dos trabalhos daquela década foram sobre o período colonial, (26,5%) acerca do imperial e sobre o Brasil republicano (59,2%)58, estes que por sua vez privilegiavam majoritariamente a temporalidade da República Velha, nas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro59.

A respeito da produção historiográfica neste período, ainda cabe mencionar a emergente produção concernente a História da Música no Brasil, destacando os trabalhos de José Ramos Tinhorão60, José Miguel Wisnik61 e Arnaldo Daraya Contier62, que “em perspectivas distintas foram

56

Ibidem, p. 233. 57

FICO, Carlos; POLITO, Ronald. A História no Brasil (1980 – 1989): Elementos para uma avaliação historiográfica. Ouro Preto/MG: UFOP, 1992. p. 56.

58

Ibidem, p. 53. 59

Ibidem, p. 54. 60

Cf. TINHORÃO, José Ramos. Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos, origens. São Paulo: Art.Editora, 1988.

61

Cf. WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: Música em torno da semana de 22. 2 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1983.

62

Cf. CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo: música, nação e modernidade. Os anos 20 e 30. 1988. Tese (Livre docência) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.

(39)

os fundamentos para a historiografia acadêmica da música popular que iria se desenvolver a partir da década de 1980”63. Nesse sentido, o historiador Silvano Fernandes Baia elucida que o destaque atribuído a esses autores deveu-se à “originalidade de suas pesquisas, pelas distintas e conflitantes abordagens metodológicas empregadas e diferentes visões da história da música no Brasil”64 que as pesquisas pioneiras nesse campo se davam primordialmente a partir de “discussões em torno do nacional e do popular, tão presentes no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960, com reverberações até nossos dias”65.

Em contrapartida, no tocante à produção a historiográfica acerca dos jovens no Brasil, o período entre 1981 e 1990, não apresentou significativa produção, em que parte dessa baixa produção deve-se ao desinteresse pelo tema no bojo das universidades, sendo visto até mesmo como um tema desinteressantes para os novos pesquisadores, pois o paradigma dominante relativo à compreensão social dos jovens ainda66 era baseado na esfera funcionalista67, que constituiu a juventude como “categoria de análise: como um momento de transição no ciclo de vida, da infância para a maturidade, que corresponde a um momento específico e

63

BAIA, Silvano Fernandes. A Historiografia da música popular no Brasil: Análise crítica dos estudos acadêmicos até o final do século XX. Uberlândia/MG, Edufu, 2015. p. 54. 64 Ibidem, p. 107. 65 Ibidem, p. 55. 66

Cabe destacar que na Europa já havia sido publicado a célebre obra: ARIÉS, Philippe. L’Enfant et l avie familiale sous Ancien Régime. Paris, Editions du Seuil, 1973. 67

O funcionalismo pode ser enquadrado como uma condição paradigmática vinculada a certas predisposições autodeterminantes. Com esse efeito o jovem tem uma função determinante que está pautada na sua transição de jovem para vida adulta, e quando esta não ocorresse de modo integrativo afeta a solidariedade e continuidade do sistema social, implicitamente remetendo a juventude como potencialmente problemática. Cf. ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. n, 5, 1997.

(40)

dramático de socialização”68, uma espécie de período de crise pelo qual o indivíduo precisa passar para se tornar adulto que os primeiros estudos destinados a uma análise social da juventude, geralmente, caracterizavam-na como um período problema, que mereceria atenção apecaracterizavam-nas quando essa representasse perigo. Portanto, para socióloga Helena Wendel Abramo o conceito majoritariamente utilizado para categorização do juvenil resultava em atribuir a esse o estereótipo de “ameaça de ruptura com a continuidade social”69.

Portanto, os primeiros empreendimentos nessa direção estiveram majoritariamente situados a partir de uma perspectiva jornalística, no qual o objetivo era mais noticiar que efetivamente problematizar os diversos elementos relativos aos agenciamentos coletivos dos jovens. Destacam-se assim os livros produzidos pela Editora Brasiliense, em torno das coleções “Primeiros Passos” e “Tudo é História” destacando-se as obras: “Paris 1968: As barricadas do dedestacando-sejo”, de Olgária Chain Feres Matos (1981)70; “O que é Rock?”, de Paulo Chacon (1983) 71; “O que é Contracultura?”, de Carlos Alberto Maciel Pereira (1983) 72; “Juventude Operária Católica”, de Valmir Francisco Muraro (1985) 73. Nessa mesma linha, mas publicado pela Editora Vozes, também é notável o trabalho:

68

ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. n, 5, 1997, p.27.

69

Ibidem, loc. cit. 70

MATOS, Olgária Chain Feres. Paris 1968: As barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

71

CHACON, Paulo. O que é Rock? São Paulo: Brasiliense, 1983. 72

PEREIRA, Carlos Alberto Maciel. O que é contracultura? São Paulo: Brasiliense, 1983.

73

MURARO, Valmir Francisco. Juventude Operária Católica. São Paulo: Brasiliense, 1985.

(41)

“Rock, o grito e o mito: a música pop como forma de comunicação e contracultura”, de Roberto Muggiati (1981)74.

Entretanto, é necessário, também, destacar a importância da produção acadêmica que foi desenvolvida juntamente ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma vez que, ao longo da década de 1980, trouxe diversas contribuições acerca das relações sociais dos jovens brasileiros, com atenção especial para o diálogo estabelecido por esses sujeitos e o meio urbano. Em destaque nessa produção encontram-se as dissertações de Mestrado: “Conversa de Portão: Juventude e Sociabilidade em um Subúrbio Carioca”, de Maria Luiza de Amorim Heilborn (1984)75; “O Baile Funk: festas e estilos de vida metropolitanos”, de Hermano Paes Vianna Jr. (1987)76; “Nos Embalos de Sábado à Noite: juventude e sociabilidade em camadas médias cariocas”, de Cláudia Barcellos Rezende (1989)77; “Moralidade e Sociabilidade: contribuição a uma antropologia da juventude”, de Silvia Regina de Almeida Fiuza (1989)78, todos sob a orientação do professor Gilberto Cardoso Alves Velho.

74

MUGGIATI, Roberto. Rock, o grito e o mito: a música pop como forma de comunicação e contracultura. Petrópolis, Vozes, 1981.

75

HEILBORN, Maria Luiza de Amorim. Conversa de Portão: Juventude e Sociabilidade em um Subúrbio Carioca. 1984. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

76

VIANNA JR, Hermano Paes. O Baile Funk: festas e estilos de vida metropolitanos. 1987. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

77

REZENDE, Cláudia Barcellos. Nos Embalos de Sábado à Noite: juventude e sociabilidade em camadas médias cariocas. 1989. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

78

FIUZA, Silvia Regina de Almeida. Moralidade e Sociabilidade: contribuição a uma antropologia da juventude. 1989. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

(42)

1.1 - A escrita do punk na década de 1980: o estado da arte

Além dos trabalhos citados, no que concerne à juventude enquanto categoria analítica, também houve uma tímida produção relativa à temática punk, que será alvo de uma análise mais detalhada.

Assim, no final da década de 1970, principalmente em decorrência da superexposição, a temática punk ganhou destaque em Londres, em especial por meio da difusão de sua ideologia através da música. No caso do punk-rock, passou a haver demanda por informações acerca desse “fenômeno incompreendido”, sobretudo a partir do momento em que ele passa a ser “replicado” na forma de postura identitária, nos mais distintos lugares do mundo. Como no Brasil isso não foi diferente, no primeiro momento as informações limitaram-se a parcas matérias, geralmente superficiais, veiculadas em jornais e revistas79, geralmente classificando o punk como um fenômeno da moda ou manifestação explicita da imbecilidade juvenil.

Contudo, com a chegada da década de 1980, também se tornou mais evidente a necessidade de uma compreensão mais detalhada da temática punk, para além das pressuposições pautadas na estética e/ou no determinismo etário. Entretanto, como já destacado anteriormente, temas relativos ao universo jovem eram tidos por significativa parcela dos historiadores80 como temas reacionários, e boa parte dos sociólogos que investigavam a juventude tinham afinidade pela perspectiva funcionalista.

79

Nesse primeiro momento destacavam-se as reportagens trazidas pelas Revistas POP e Isto É.

80

(43)

Tal panorama praticamente inviabilizava a produção de obras destinadas a compreensão do punk com maior densidade nesses dois campos do conhecimento, resultando ao longo desta década, apenas na produção de um único trabalho monográfico, desenvolvido no curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas, o “Absurdo da Realidade: O movimento Punk”, de Helenrose Aparecida da Silva Pedroso e Heder Augusto de Souza (1983) 81.

Ao longo desse período, a Antropologia Social destacou-se enquanto um campo do conhecimento humano oportuno para o desenvolvimento de pesquisas acerca da juventude urbana, sobretudo em decorrência da produção acadêmica difundida a partir do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi produzida a Dissertação de Mestrado, “Movimento Punk na Cidade: invasão dos bandos sub”, de Janice Caiafa Pereira (1985) 82, e resultou na publicação do livro homônimo também no mesmo ano83 pela Jorge Zahar Editora84 – igualmente analisado ao longo deste capítulo.

Entretanto, o primeiro trabalho com maior densidade acerca da temática punk no Brasil surgiu de um empreendimento da Editora Brasiliense, em função do ineditismo de seus trabalhos no tocante a temáticas relativas à juventude. Dessa forma, a referida editora valeu-se do ligeiro interesse do público pelo tema dito como “do momento”, em função

81

PEDROSO, Helenrose Aparecida da Silva; SOUZA, Heder Claúdio Augusto de. Absurdo da Realidade: O Movimento Punk. Coleção Cadernos IFCH Unicamp n. 6. Campinas: Editora Unicamp, 1983.

82

CAIAFA, Janice. Movimento Punk na Cidade: invasão dos bandos sub. 1985. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1985a. 83

CAIAFA, Janice. Movimento Punk na Cidade: invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985b.

84

(44)

da atenção dada pela mídia televisiva, e o enquadrou na coleção “Primeiros Passos”85, surgindo a obra: “O que é punk”, de Antônio Bivar (1982)86.

1.1.1 - O primeiro estudo: O que é Punk de Antônio Bivar

Para a materialização do livro “O que é punk” a editora Brasiliense escolheu o dramaturgo Antônio Bivar Battistetti Lima, que desde a década de 1960 desfrutava de prestígio no meio artístico em decorrência da criação de peças teatrais tidas como “vanguardistas” em função da utilização de diversos elementos de cunho contraculturalista. Ademais, com a emergência da ditadura militar o referido autor parte para exílio na Europa, onde passa ter contato com os nascentes movimentos de cultura juvenil.

Assim, pode-se inferir que a escolha de Antônio Bivar para a escrita de “O que é punk87” deu-se muito mais em função da sua capacidade em apresentar uma escrita plural, capaz de articular uma escrita informativa, com certo nível de profundidade, do que em função de amplo conhecimento sobre a temática e/ou grande familiaridade com os punks. Esse fator foi determinante no modo como foi retratado o punk na obra, pois fica evidente a busca do autor em estabelecer comparações com outros movimentos juvenis, cujo direcionamento principal foi o de buscar compreender o punk por intermédio do rock n’ roll.

85

A coleção “Primeiros Passos” se caracterizou pela diversidade temática e pela editoração em formato de bolso, que articulado ao baixo valor de revenda contribuiu para o acesso do grande público as publicações da editora.

86

BIVAR, Antônio. O que é Punk. São Paulo: Brasiliense, 1982. 87

Referências

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