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A ESCRITA DO PUNK NA DÉCADA VENDIDA (1990): PASSOS DE UMA CONSOLIDAÇÃO

A década de 1990 teve início sentindo os efeitos diretos do colapso do comunismo e a consequente desintegração econômica e política da União Soviética, impondo, dessa maneira, novas dinâmicas econômicas, que, a partir de então, seriam sentidas com maior potencialidade, até mesmo porque “não existe nenhum grupo significativo de países fora do sistema”187. Sintomático dessa nova ordem foi a emergência do conceito de globalização, que sequer era enunciado no final da década de 1980 e, no início dos anos 1990, já possuía função quase que autoexplicativa para a compreensão do atual mundo188.

Nesse sentido, Anthony Giddens189 observou que a globalização pode ser compreendida a partir da influência de aspectos dos campos políticos, tecnológicos, econômicos e culturais, irradiados com maior potencialidade a partir do centro do sistema. Contudo, a dimensão global desse processo deve-se principalmente ao “progresso nos sistemas de comunicação, registrado a partir do final da década de 1960”190.

Um indicativo da lógica da globalização é a capacidade que ela tem de atingir a esfera global, mas de formas diferentes e com intensidades distintas. Dessa forma, a “periferia” do sistema capitalista enfrentaria outros dilemas, que não aqueles em voga no centro. Essa ambiguidade e as múltiplas faces desse processo também favoreceram o “reaparecimento das identidades culturais em diversas partes do mundo”191, impondo, por sua vez, novas dinâmicas para as lutas sociais no período.

187

GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Lisboa: Editorial Presença, 2000. p. 25. 188 Ibidem, p. 20. 189 Ibidem. 190 Ibidem, p. 22. 191 Ibidem, p. 24.

Assim, no Brasil a chamada Nova Ordem Mundial teve de se defrontar com desafios diferentes, especialmente pelo fato de que o “crescimento desordenado e a concentração de renda produziram efeitos sociais devastadores”192, entre os desafios esteve o “inchaço” das vias urbanas, que ocasionou um efeito cascata, pois a urbanização exacerbada transformou dramaticamente a paisagem das cidades brasileiras que cada vez mais passaram a sofrer com “problemas de transporte, saneamento básico, poluição do ar”193.

Para Boris Fausto, o final dos anos 1980 e início dos 1990, no Brasil, marcou, além do aumento da criminalidade, o abandono da infância, o sofrimento dos velhos em busca de sua aposentadoria, o saque do órgão da previdência e também o avanço da agroindústria que em sua gana por desenvolvimento ocupou massivamente as terras antes pertencentes a grupos indígenas, do mesmo modo que escondeu a realidade dos “sem- terra”. Sob outra perspectiva, o autor ainda destaca que o período em questão, apesar de seus problemas, não deve ser compreendido exclusivamente sob a ótica dos riscos e problemas. Na visão do autor, os setores sociais tiveram maior autonomia para se expressarem, especialmente com a finalidade de contribuir com a construção da cidadania no país, evidenciaram segmentos representando as mulheres, os índios, os negros e os trabalhadores.

Em contrapartida, para Maria da Glória Gohn194, no início dos anos 1990, os movimentos sociais populares perderam a sua força mobilizadora, especialmente num contexto em que a primazia do mercado

192

FAUSTO, Boris. op. cit. p. 554. 193

Ibidem, loc. cit. 194

GOHN, Maria da Glória. Teorias sobre os movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 6ª ed. São Paulo: Loyola, 2007.

sob o Estado é evidenciado. Para a autora, quatro fatores foram fundamentais para esclarecer a dinâmica dos movimentos sociais, sobretudo no meio urbano: 1°- o aumento do trabalho informal, causado pela crise econômica, prejudicou o desenvolvimento das mobilizações, especialmente pelo fato de o trabalhador informal necessitar de jornadas mais longas de trabalho para a garantia de seu sustento, uma vez que não possui as garantias que o trabalhador formal detém, sendo assim, o tempo que seria destinado à busca por melhores condições de trabalho, por meio das manifestações, é substituído; 2° - a abertura de negócios informais com um custo mais baixo, contribuíram para “pulverização das atividades produtivas e relações sociais em geral”195; 3° - a ausência de organização/mobilização por partes desses trabalhadores informais que passaram a encontrar um suporte nas ONGs, que têm o papel central de estabelecer organização para o processo de produção; 4° - o aumento da violência e abandono, o medo e a incerteza. Em função dessas questões, a autora destaca ainda que os movimentos sociais tiveram que encontrar novas práticas para conseguir se estabelecer, para tanto, a redefinição do cenário das lutas sociais foi vital. Contudo, a pesquisadora ressalva que o movimento popular rural (especialmente o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), teve significativo crescimento, voltando sua atenção, principalmente, para a constituição de uma sólida organização nacional, com o estabelecimento de diretrizes gerais. Também houve o estabelecimento de estratégias que se associavam ao contexto histórico vivenciado, surgindo a intenção de tornar os assentamentos produtivos, voltando a atenção para o mercado externo196. A autora também enfatiza

195

Ibidem, p. 289. 196

que, nos anos 1990, surgiram “novos movimentos sociais centrados em questões éticas ou de revalorização da vida humana”197.

Ao analisar as circunstâncias econômicas no Brasil nos anos 1990, especialmente a partir da perspectiva da globalização e do neoliberalismo, Adilson Marques Gennari198, destaca que nesse período, tanto o governo de Fernando Collor de Mello, quanto nos governos de Fernando Henrique Cardoso seguiram a lógica de que o mercado era o mais eficiente organizador da sociedade. Sendo assim, o que se desenvolveu, durante os mencionados governos, foi a subordinação do espaço nacional aos investimentos estrangeiros, a desnacionalização da economia brasileira, haja vista que o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), concentrou-se, especialmente, nas aquisições de empresas públicas e privadas que estavam à frente do setor de serviços. Para o autor, as ações neoliberais desses governos, resultaram na ausência de autonomia do Estado, sendo essa consequência resultante de uma opção política e não como resultado da Globalização. Em linhas gerais, a partir de 1990, o Brasil foi marcado por políticas neoliberais que se efetivaram especialmente com as privatizações e abertura para o capital externo.

Como efeito disso, Perry Anderson destacou que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi marcado pela fidelidade aos Estados Unidos da América, fazendo com que o Brasil vivenciasse o aumento da dívida pública externa, estando “o déficit em conta de então *…+ duas vezes a média da América Latina, as taxas de juros nominais estavam acima dos 20%, e a moeda perdido metade do seu valor na corrida eleitoral”199.

197

Ibidem, loc. cit. 198

GENNARI, Adilson Marques. Globalização, neoliberalismo e abertura econômica no Brasil nos anos 90. Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 30-45, 2001.

199

ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Revista Novos Estudos, n. 91, p. 23-52, nov. 2001, p. 24.

***

Com chegada da década de 1990 o termo: pós-moderno, que embora já fosse usado na década anterior, também ganhou força por contingenciar diversas tendências como “‘desconstrução’, ‘pós- estruturalismo’ etc.”200. Genericamente todas essas proposições conferidas a partir desse termo tinham em comum “um ceticismo essencial sobre a existência de uma realidade objetiva, e/ou a possibilidade de chegar a uma compreensão aceita dessa realidade por meios racionais”, tendendo a um relativismo radical”201.

Em linhas gerais, pode-se observar que a década 1990 impusera novos dilemas a todos, permeando desde a vida cotidiana até as reflexões sociais que eram conferidas entre os muros das universidades. Nesse meio, o abandono a determinados paradigmas e até mesmo a discussão sobre o “fim da História” apareceram na forma de tendência, em função da enunciada fragilidade que supostamente possuíam de refletir acerca dos novos dilemas que o mundo agora produzia.

Nesse sentido, o paradigma marxista sentiria a maior derrocada, apesar de no início da década, praticamente ter hegemonizado a produção do conhecimento histórico no Brasil, no final desse período se constituía apenas como um forte nicho de investigação, perdendo cada vez mais espaço para as investigações orientadas pelos paradigmas da História

200

HOBSBAWM, Eric. op. cit. p. 499. 201

Cultural, que, por sua vez, se demonstrou um fecundo terreno para temas como arte, religião e a questão urbana202.

No entanto, a receptividade às “novas tendências” nas universidades brasileiras não foi unânime e por completa, como efeito disso Jurandir Malerba pontuou que:

Queiram ou não, [...] todos os historiadores brasileiros são um pouco marxistas. Isso porque não há tema ou período da história do Brasil cuja investigação historiográfica não aponte para alguma matriz marxista fundamental, que tenha resultado em prolixo debate e com o qual qualquer pesquisador tem que se haver203.

Contudo, é indiscutível que a década de 1990 contribuiu para o equacionamento do abismo que existia entre aquilo que era produzido aqui e o que era produzido mundo afora. Nesse sentido, decorrente até mesmo em função da própria dinâmica da globalização, que se aliou à abertura política da década anterior, os principais trabalhos que eram produzidos no exterior passaram a chegar com maior celeridade em terras nacionais, incidindo na emergência de novos campos de estudo.

Nesse sentido, Margareth Rago204 enfatizou que nos anos 1990 se vivenciou um expressivo aumento de temas de pesquisas relativos à cultura urbana. Como efeito disso, também se pôde constatar a significativa expansão dos estudos relativos à juventude urbana, produzidos sobretudo a partir das universidades e seus já consistentes programas de pós- graduação. Nesse cenário, foram produzidas teses como: “Invadindo a cena

202

REIS, Thiago Felipe dos. A produção historiográfica da Revista História: questões e debates – uma contribuição à história da historiografia paranaense. In: Anais: II Congresso Internacional de História UEPG – Unicentro, 2015.

203

MALERBA, Jurandir. Notas à margem: a crítica historiográfica no Brasil dos anos 1990. Textos de História, v. 10, n. 1/2, p. 181-211, 2002.

204

RAGO, Margareth. A “nova” historiografia brasileira. Anos 90, Porto Alegre, v. 7, n. 11, 1999.

urbana nos anos 90 - Funk e hip-hop: Globalização, violência e estilos de vida juvenis na cultura brasileira contemporânea”, de Micael Herschmann (1998)205; “Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e movimento hip-hop”, de Glória Maria dos Santos Diógenes (1998)206. E dissertações com destaque para: “O movimento Hip-Hop organizado do Ceará/ MH2o - CE” (1990 – 1995), de Francisco José Gomes Damasceno (1997)207; “De bar em bar: identidade masculina e auto-segregação entre homens de classes populares”, de Denise Fagundes Jardim (1991)208.