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VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 Frege contra os formalistas: infinito atual x infinito potencial

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ISSN 2177-0417 - 175 - PPG-Fil - UFSCar

Frege contra os formalistas: infinito atual x infinito potencial

Anderson Luis Nakano UFSCar/Mestrado

Resumo: Na obra Grundgesetze der Arithmetik, Frege critica a tentativa dos formalistas

de fundar uma aritmética segundo a qual o número é o próprio signo numérico e as leis da aritmética são tão-somente regras para manipulação destes signos. Uma parte da crítica envolve a noção de sequências infinitas, imprescindíveis para construir os números reais a partir de sequências de Cauchy. Neste contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar este comentário crítico de Frege no que tange à tentativa dos formalistas de construção de sequências infinitas baseada em séries formais, isto é, séries que apelam para o conceito de infinito potencial, utilizando-se de uma regra para a construção de novos termos da série.

Palavras Chave: formalismo, sequências infinitas, análise real, infinito atual e

potencial.

Introdução

A parte III dos Grundgesetze der Arithmetik (Gg) de Frege é destinado à construção dos números reais utilizando-se do aparato lógico desenvolvido, em sua maioria, na primeira parte do livro. Ela é dividida em duas Seções: a primeira (parágrafos 55 a 164) é correspondente ao que chamaríamos hoje de revisão bibliográfica das teorias anteriores , sendo que no final dela já temos os elementos para pensar como Frege desenvolve, na Seção seguinte (parágrafos 165 em diante), sua própria teoria formal dos números reais.

Nos parágrafos 89 a 136, que correspondem à subseção (c) da primeira Seção, Frege oferece uma análise minuciosa da posição formalista a respeito da matemática em geral, segundo a qual os signos tangíveis dos quais a aritmética se utiliza para expressar as suas proposições (operadores, números, variáveis, et cetera) não são signos de nada, isto é, não possuem referência, mas são tão-somente objetos de manuseio. Os signos da aritmética, segundo os formalistas J. Thomae e E. Heine, não são apenas ferramentas de pesquisa dos números e operações da aritmética, mas são os próprios objetos dos quais a aritmética trata.

Nesse sentido, a aritmética, pelo menos no que tange a sua parte pura, isto é, não aplicada, consiste apenas na introdução de certas figuras tangíveis e nas regras para a

140 Pode-se considerar esta primeira Seção da terceira parte dos Gg como algo semelhante mutatis

mutandis à crítica das teorias de construção dos números naturais feita na obra Grundlagen der

Arithmetik, só que agora tomando em consideração as diversas teses que Frege pinçou na literatura sobre a fundação dos números reais.

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ISSN 2177-0417 - 176 - PPG-Fil - UFSCar manipulação destas figuras. Do ponto de vista formal, portanto, a aritmética não difere em nada de um jogo como o xadrez. É claro que a aritmética visa ser uma ferramenta para as ciências naturais, mas este contraste aparece apenas no momento de sua aplicação. Quando nos detemos nos limites formais da aritmética, não precisamos justificar nenhuma construção; apenas estipulamos certas figuras e regras para a manipulação delas e utilizamos estas regras para gerar novas configurações de figuras. De acordo com Frege (1903, p. 99, tradução nossa):

(...) este contraste somente aparece quando a aplicação da aritmética está em questão, isto é, quando deixamos os domínios da aritmética formal. Se nos mantivermos dentro de seus limites, suas regras parecem ser tão arbitrárias quanto às do xadrez. Esta aplicabilidade não pode ser um acidente – mas na aritmética formal nós nos abstemos da necessidade de explicar a preferência por uma regra ao invés de outra.

Portanto, a diferença entre a aritmética e o xadrez reside fora dos domínios da aritmética, e não é tarefa do matemático prover os fundamentos, baseado na aplicação da aritmética, das escolhas das regras dentro do jogo.

Além de se isentar da explicação sobre as regras escolhidas, a posição formalista tem mais um atrativo: a existência dos números é evidente, já que eles são certos signos tangíveis que obedecem a certas regras. No parágrafo 87, Frege (1903, p. 97, tradução nossa) cita a seguinte passagem de Heine: “Eu me coloco na definição do ponto de vista puramente formal, na qual eu denomino número certos signos tangíveis, de modo que a existência de tais números está fora de questão”. Já Thomae desqualifica a própria pergunta “O que é o número?”, defendendo que o que importa para a aritmética não é o significado do número, mas o seu comportamento dentro do jogo regido por regras do cálculo. Frege considera de pouca importância esta diferença entre as teorias de Heine e Thomae, o que realmente importa para Frege é que a aritmética formalista se ocupa dos signos eles próprios, e não da possível referência de tais signos.

Ocupando-se apenas dos signos aritméticos, os formalistas procuram afastar a aritmética de tudo que lhe é alheio, como, e. g., da física e da geometria, procurando fundamentar a aritmética apenas na lógica. Assim, o objetivo dos formalistas coincide com o de Frege, exceto que, para Frege, a lógica possui conteúdo, isto é, as proposições da lógica expressam um pensamento verdadeiro, enquanto que, para os formalistas, a

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ISSN 2177-0417 - 177 - PPG-Fil - UFSCar lógica não se preocupa com o conteúdo, mas apenas com o aspecto formal de uma composição de signos.

Depois de apresentar as teorias formalistas, Frege vai atacá-las em três frentes: i) nos parágrafos 89-92, Frege objeta que os formalistas não explicam a aplicabilidade da aritmética; ii) nos parágrafos 93-119 Frege acusará os formalistas de confundirem uma teoria formal (jogo) com sua metateoria (teoria do jogo); iii) finalmente, nos parágrafos 121-136 Frege explicitará os motivos pelos quais a teoria formalista não pode dar conta de sequências infinitas, necessárias para a fundação dos números reais por meio de sequências de Cauchy. Nesse contexto, nos focaremos, neste trabalho, na terceira das críticas de Frege, expondo a critica de Frege da noção de infinito potencial presente no seio das tentativas formalistas de fundação dos números reais.

Apresentação da crítica de Frege: infinito atual x infinito potencial

Os números reais são construídos pelos formalistas do mesmo modo que por Cantor: utilizando sequências infinitas que obedecem o critério de convergência de Cauchy. Os termos destas sequências infinitas são números racionais, e a existência de tais números é garantido pelos formalistas pelo fato deles serem signos tangíveis. Mas, como bem observa Frege, eu precisaria de infinitas figuras para garantir a existência da sequência infinita.

Deste modo, para garantir a existência atual de tais sequências, eu teria que utilizar uma lousa infinita, uma quantidade de giz infinito e um tempo igualmente infinito. As sequências infinitas são figuras numéricas delimitadas, de acordo com Heine, por colchetes. Assim, a sequência que consiste nos termos 1, 1, 2, 3, 5, 8 e 13 é simplesmente a figura [1, 1, 2, 3, 5, 8, 13]. No caso finito, não há muitos problemas em explicitar a sequência (principalmente quando o número de termos não é muito grande), mas no caso infinito isto é absolutamente impossível. Assim, antes de mais nada, como diz Frege, Heine deve nos ensinar a arte de colocar infinitas figuras entre colchetes.

Heine também não pode apelar para figuras do tipo “...”, “etc.”, pois quais seriam, no vocabulário formalista, as regras para a manipulação destas figuras? Elas poderiam dizer que eu posso adicionar figuras à sequência de acordo com uma prescrição. Mas uma figura possível não é uma figura, eu já não poderia mais apelar para seu aspecto tangível para garantir sua existência. Portanto, não há meios de

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ISSN 2177-0417 - 178 - PPG-Fil - UFSCar “simbolizar” a infinitude das figuras, pois isto estaria aniquilando o próprio formalismo, cujo objetivo filosófico é dispensar toda a tralha metafísica e trabalhar apenas com figuras tangíveis. Ao aceitar que há certos objetos possíveis, mas não atuais, eu estaria reintroduzindo a distinção entre objetos físicos e objetos abstratos, isto é, eu estaria desistindo da posição formalista como originalmente concebida por Heine.

Para esclarecer o assunto, Frege utiliza a analogia de uma sequência de casas. E a analogia é interessante, pois ela livra-nos da ilusão de que, na aritmética formalista estaríamos trabalhando com signos. Um número, segundo a posição formalista, é um objeto tangível assim como uma casa e não tem referência nenhuma: não é signo de nada, ou pelo menos se ele é signo de algo, isto é totalmente irrelevante para a aritmética, assim como é totalmente irrelevante para o xadrez o fato de eu utilizar bispos e cavalos ao invés de atiradores de elite e tanques blindados. A analogia procura definir uma série infinita (série formal) de casas por meio da noção de possibilidade ou de infinito potencial. Segundo Frege (1903, p. 129, tradução nossa), poderíamos construir a seguinte definição: “uma série de casas é dita ser infinita se nenhuma casa é a última, de modo que, de acordo com uma dada prescrição, sempre pode-se construir novas e novas casas”. Ora, tal definição não fará de uma série de casas finitas (um quarteirão, por exemplo), com o acréscimo de uma regra de construção (uma prescrição) de mais casas, uma série de casas infinitas . Portanto, o uso de séries formais, isto é, séries que apelam para o conceito de infinito potencial, utilizando-se de uma regra para a construção de novos termos da série, não é de grande utilidade para o sucesso do empreendimento formalista, que exige que o número seja algo atualmente tangível (e não apenas potencialmente tangível, isto é, tangível caso eu o construa).

Além disso, se interpretarmos ao pé da letra a palavra “sempre” da nossa definição, nunca poderíamos fornecer uma regra para a construção de novos e novos termos, pois uma hora os recursos materiais inevitavelmente acabariam. O mesmo ocorre no caso das sequências infinitas que são necessárias para a fundação da análise real: eu não consigo obter uma regra de construção dos termos, pois em um certo momento a quantidade de giz acabaria, ou o espaço da lousa acabaria, entre outras coisas. Deste modo, uma sequência infinita, se o ponto de vista dos formalistas é levado às suas últimas consequências, tem a peculiar propriedade de ser constituída por três tipos de figuras diferentes:

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ISSN 2177-0417 - 179 - PPG-Fil - UFSCar figuras que já foram construídas;

figuras que ainda não foram construídas, mas que podem ser construídas; figuras que ainda não foram construídas, e nem podem ser construídas.

Os dois últimos tipos de figuras não são figuras tangíveis nem capazes de manipulação (não posso manipular um signo que ainda não foi escrito): não são, portanto, figuras. Ainda que pudéssemos, ex hipothesis, escrever todas as figuras possíveis de acordo com uma regra, ainda sim só poderíamos concluir algo delas após tê-las escrito. Falar sobre as propriedades de um objeto que ainda não existe e nem sabemos se virá a existir é transformar a ciência em fábulas. Nas palavras de Frege (1903, p. 130, tradução nossa):

(...) não poderíamos falar do -ésimo termo da sequência S adicionando 'caso ele venha a existir'? Sim, assim como do velho homem que mora na latitude de cem graus para o norte, caso ele exista. Pode-se produzir fábulas interessantíssimas sobre ele, mas elas não pertenceriam à ciência.

Dado que um condicional é sempre verdadeiro se o antecedente nunca é realizado, pode-se afirmar qualquer coisa como consequente. Do mesmo modo que poderíamos afirmar “Se o enésimo termo desta série fosse escrito, ele teria tais e tais propriedades”, poder-se-ia afirmar, com o mesmo direito, “Se Aristóteles fosse pai de Platão, então 2+2=5”. Deste modo, se os números são, de acordo com os formalistas, figuras tangíveis, e se necessitamos de infinitas figuras para construir os números reais, então só podemos ter certeza das propriedades de um número real particular após ter construídos todos os membros da série que constitui aquele número. Caso contrário, nunca teríamos certeza se as suas propriedades realmente são válidas.

Conclusão

A aritmética formalista falha na sua tentativa de fornecer uma explicação plausível para sequências infinitas, fundamentais para construir os números reais a partir de sequências de Cauchy. Isto é inevitável, já que as sequências infinitas possuem

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ISSN 2177-0417 - 180 - PPG-Fil - UFSCar infinitos termos, enquanto que a aritmética formalista só dispõe de um número finito de figuras à sua disposição.

Frege acusa os matemáticos formalistas de utilizarem estas teses apenas quando ameaçados por alguma pergunta metafísica ou epistemológica, do tipo: “O que é o número”, “A matemática trabalha com objetos abstratos?” ou “Como os objetos abstratos da matemática podem ser aplicados ao mundo concreto”? Afastadas tais questões, os formalistas acabam pressupondo a matemática significativa (inhaltliche), já que ela é essencial para trabalhar com coleções infinitas.

É claro que uma versão mais sofisticada de formalismo poderia recusar que os números são objetos tangíveis, e afirmar que a matemática trabalha com signos para objetos abstratos criados pela mente humana e que obedecem regras arbitrariamente escolhidas. O conceito obscuro de existência seria substituído, como quis Hilbert, pelo conceito logicamente claro de não contradição. Os ataques de Frege e também de Russell contra este outro tipo de formalismo (“postulacionismo”) são outros, porém este assunto está fora do escopo do presente trabalho.

Referências bibliográficas

FREGE, Gottlob. Grundgesetze der Arithmetik. Primeira edição. Jena: Verlag Hermann Pohle, Band I (1893); Band II (1903).

RUSSELL, Bertrand. Introduction to Mathematical Philosophy. Primeira edição. London: George Allen & Unwin, 1919.

142 Vale a pena lembrar a célebre frase de Russell (1919, p. 71) contra este tipo de formalismo: “The

method of 'postulating' what we want has many advantages; they are the same as the advantages of theft over honest toil”.

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