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A imunidade tributária do livro digital

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Academic year: 2018

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CURSO DE DIREITO

ANTONIO CARLOS MAXIMUS GASPAR

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO DIGITAL

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ANTONIO CARLOS MAXIMUS GASPAR

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO DIGITAL

Monografia submetida à Coordenação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

G249i Gaspar, Antônio Carlos Maximus.

A imunidade tributária do livro digital / Antônio Carlos Maximus Gaspar. – 2012. 54 f.: enc.; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2012.

Área de Concentração: Direito Tributário.

Orientação: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

1. Direito tributário - Brasil. 2. Imunidade tributária - Brasil. I. Machado Segundo, Hugo de Brito (orient.). II. Universidade Federal do Ceará - Graduação em Direito. III. Título.

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ANTONIO CARLOS MAXIMUS GASPAR

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO DIGITAL

Monografia jurídica submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/____/______

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (orientador)

Universidade Federal do Ceará

_________________________________________ Prof. Ms. Daniel Maia

Universidade Federal do Ceará

___________________________________________ Eric de Moraes e Dantas

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AGRADECIMENTOS

À D’us, por ter me mostrado o caminho naquele momento. À minha família.

À quem transformou o “eu” em “nós”. À minha avó, por la herencia cultural.

Aos meus amigos.

Ao La Peia, tanto pelas pessoas, quanto pelo seu significado.

Aos profissionais que conheci no 8º JECC de Fortaleza, onde estagiei por 2 anos e aprendi muito do que sei hoje.

Aos colegas da 14ª Vara Federal, apesar do pouco tempo, pude aprender muito. Aos modelos de correição, dedicação e profissionalismo que conheci.

Ao meu orientador, por ser um exemplo de professor em sala de aula.

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A impressão de clareza pode ser menos a expressão de uma boa compreensão do que uma falta de imaginação.

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RESUMO

O objetivo do presente estudo é verificar se a imunidade tributária insculpida no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal brasileira alcança o livro digital. Inicialmente um estudo é feito

para saber as origens do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. A seguir, realiza-se um estudo hermenêutico com o fito de saber a extensão da interpretação. Após, faz-se uma diferenciação entre o poder de tributar e a competência para tributar. Na sequencia, realiza-se um estudo acerca do que seja um livro para os propósitos da imunidade tributária.

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ABSTRACT

The goal of the present study is to verify if the tax immunity established on the article 150, VI, d, of the Federal Constituition of Brazil reaches the eletronic books. At first a historical

study is done to verify the origins of this institute in Brazilian Law. Then a research on hermeneutics is done in order to know the extension of interpretation. After that a difference between the Power to tax and tax competence is made. Following it a study on what is a book for the purpose of tax immunity on knowlegde is performed.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO... 11

2. IMUNIDADE... 13

2.1 Origem etimológica... 13

2.2 Evolução histórica... 13

2.3 A inserção da imunidade tributária sobre papéis destinado à impressão de jornais, periódicos e livros na Constituição de 1946... 15

3 HERMENÊUTICA ... 20

3.1 Uma nova interpretação da constituição... 27

4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO... 33

4.1 O poder de tributar ... 33

4.2 Limitações ao poder de tributar: as imunidades tributárias... 35

4.3 Imunidade x Isenção... 37

4.4 A imunidade tributária do livro... 39

4.5 O que é um livro para os fins da imunidade tributária do livro digital?... 40

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 50

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é a extensão da imunidade tributária conferida pela Constituição Federal em seu artigo 150, inciso VI, alínea d, aos livros digitais.

Conforme se verá, o objetivo da norma é garantir a liberdade de pensamento, expressão e a difusão da cultura. Contudo, ante o desenvolvimento tecnológico, ocorre há algum tempo certa insegurança jurídica, no sentido que há quem estenda a presente imunidade aos livros digitais, quando fazem uma interpretação extensiva e histórico-evolucionista, considerando o livro digital como o natural sucessor do livro de papel; e há aqueles que interpretando o artigo de maneira literal afirmam que o livro protegido é o de papel.

A relevância do trabalho se justifica pela crescente informatização da vida atual e pelo barateamento e popularização das tecnologias, que proporcionam a quase todos os estratos sociais a sua inserção no dito mundo virtual, de maneira que, havendo a imunização

dos livros digitais, será possível que mais pessoas tenham acesso fácil e rápido aos livros, além do que, o livro digital praticamente extingue a categoria dos livros raros, uma vez que a

tiragem de um livro digital é ilimitada.

A pesquisa caracteriza-se por ser do tipo documental e bibliográfica, havendo, assim, consulta a fontes legislativas e jurisprudenciais, bem como a doutrina, a artigos científicos e a revistas especializadas

Inicialmente analisaremos a origem histórica do instituto, passando pelo contexto em que foi criado e qual o seu objetivo àquela época.

Após analisaremos os diferentes métodos hermenêuticos, com o objetivo de verificar qual a melhor maneira de interpretar o dito dispositivo legal, haja vista que aqui procuramos estender a sua aplicação aos livros digitais.

Empós adentraremos na seara do direito tributário, quando estudaremos o poder de tributar e como ocorre o exercício da competência tributária. A seguir veremos qual a diferença que existe entre a imunidade e a isenção tributárias, sendo essa uma impossibilidade de instituição de tributo e esta uma faculdade exercida pelo ente competente quando do exercício da sua competência tributária.

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2 IMUNIDADE

2.1 Origem etimológica

Inicialmente, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca do vocábulo imunidade. De acordo com investigação feita por Bernardo Ribeiro de Moraes,

Na sua acepção etimológica a palavra “imunidade” vem do latim: immunitas, -tatis. Trata-se de um vocábulo que indica “negação de munus” (cargo, função ou encargo). O prefixo in oferece a sua verdadeira conotação (sem encargo, livre de encargos ou de munus). Imunitas, ou exonerado de munus, tem “imunidade” (munus público é aquilo que procede de autoridade pública, ou da lei, e obriga o indivíduo a certos encargos). Oferece, o vocábulo imunidade, em princípio, um privilégio concedido a alguma pessoa de não ser obrigada a determinado encargo ou ônus (liberação do munus). (MARTINS, 1998, p. 105)1

A esta informação poderíamos acrescentar a informação trazida por Regina Celi Pedrotti Vespero, segundo a qual,

A palavra imunidade, em sua acepção etimológica, vem do latim immunitas, immunitatis, com o ablativo immunitate, de onde veio ao português como immunidade, que a reforma ortográfica luso-brasileira reduziu a "imunidade". (VESPERO, 2000, p. 203)2.

Sendo assim, concluímos que em sede de Direito Tributário, imunidade significa que indivíduos, bens, coisas, fatos ou situações, por força de lei, não serão, nem poderão ser, atingidos pela tributação.

2.2 Evolução histórica

A tributação de jornais, conforme nos ensina Ardant (1972), no século XIX, era bastante comum que o Estado cobrasse impostos, sobretudo dos jornais, com o escopo de impedir a difusão de idéias que se opusesse ao governo3. Contudo estas medidas

1 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A Imunidade tributária e seus novos aspectos. In: MARTINS, Ives Gandra da

Silva (coord.). Imunidades tributárias, n. 4, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998.

2 VESPERO, Regina Celi Pedrotti. A imunidade tributária do artigo 150, VI, "d" da Constituição Federal e o

denominado livro eletrônico (CD-Rom, DVD, disquete etc.). In:Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2000.Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista53/imunidade.htm>. Acesso em março de 2012. 3 No original de ARDANT, Gabriel. Histoire de l’impôt, livre II, XVIIIe au XVIIIe siècles, s.l., Libraire

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desagradaram à sociedade, pois esta era crítica no que concernente ao seu direito natural à informação.

Ardant (1972)4 e Baleeiro (1977)5 nos contam que na Inglaterra do século XIX havia um imposto sobre conhecimento (tax on the knowledge) incidente sobre jornais. Sendo

reduzido na reforma tributária de 1832, até ser suprimido por Gladstone em 1855.

Acerca da evolução histórica da tributação, como forma de impedir a livre circulação de idéias e informações, nos conta Sacha Calmon Navarro Coelho que,

A história do cerceamento imposto à liberdade de pensamento e de informação, nas mais distintas formas de exercício autoritário do poder, manifestou-se, ao longo dos tempos, através de duas técnicas diferentes:

a) por meio do controle exercido sobre o papel, insumo básico à impressão de livros, jornais e periódicos ou;

b) por meio da tributação desestimuladora, extrafiscal, destinada a encarecer o produto, reduzindo-lhe a circulação, de modo que impostos excessivos incidiam tanto sobre o papel, como ainda sobre a impressão, a divulgação e o anúncio. (COELHO, 2004, p. 211)6

Conforme nos conta Baleeiro (1997)7, na Europa do século XIX era bastante comum a tributação extrafiscal com o fito de reduzir a circulação, chegando a haver tributação incidente sobre anúncios, como ocorria na Inglaterra, em que cada anúncio, seja ele comercial ou popular, sofria tributação de 1 s. e 6. Na França, a tributação incidente sobre 100kg de papel destinado aos jornais era o dobro da incidente sobre a mesma massa de papel destinado a outras finalidades, situação que existiu entre 1871 e 1885. Anteriormente havia uma tributação na forma de selo sobre os jornais que durou até 1870, quando a lei foi suprimida.

principalmente daquelas que podiam inquietar o governo - impondo aos os jornais uma elevada taxa, o que provocou fortes críticas de uma respeitosa sociedade a respeito do direito natural à informação

4 No original de ARDANT, Gabriel. Histoire de l’impôt, livre II, XVIIIe au XVIIIe siècles, s.l., Libraire

Arthème Fayard: En Angleterre, après La reforme de 1832, Le droit de timbre sur lês journaux fut réduit (Il fut ramené a 1 penny par numéro en 1836); Il fut suprimmé en 1855. On notera que Gladstone fit abolir l’ímpôt inidrect sur Le papier, considere comme une ‘taxe de connaissance’. Na Inglaterra, depois da reforma de 1832, o imposto sobre os jornais foi reduzido (foi reduzido a 1 penny (centavo de Libra Esterlina) por número em 1836). Foi finalmente excluído em 1855. Percebe-se que Gladstone aboliu o imposto indireto sobre jornais, considerado como um 'imposto do conhecimento' (em tradução livre).

5 BALEEIRO, Aliomar. Imunidades e Isenções Tributárias. In:Revista de Direito Tributário n.1. 1977. p. 79:

“Curioso, na Inglaterra, até 1862, vigorou um imposto com o nome de tax on the knowledge, imposto sobre o conhecimento, sobre a informação, e que pesava sobre os jornais. Existia também na Áustria, na Turquia e em outros países. Pesava sobre a quantidade de papel que eles empregavam. Só foi extinto, se não me engano, pela campanha de um sujeito chamado Thompson, em 1862. De sorte que, por paradoxal e escandaloso que pareça, no Brasil, até essa época, havia mais liberdade de imprensa do que na Inglaterra. Diga-se isso para glória e honra do regime político que vigorava no Brasil naquele tempo, o regime parlamentarista; e da personalidade de D. Pedro II.”

6 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. DERZI, Misabel Abreu Machado. THEODORO JR., Humberto. Direito

Tributário Contemporâneo, 2ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004.

7 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de Tributar, 7ª Ed., edição revista e

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No Brasil do início do século XX, o controle era feito através da segunda técnica ensinada por Coelho, época em que incidia sobre o papel imposto de importação. Hallewell (1985)8 traz números interessantes para ilustrar essa oneração protecionista ao papel importado. De acordo com o autor, em 1808 havia uma alíquota de 24% sobre o valor do papel. Nos anos seguintes, ela variou dentro da faixa compreendida entre 10% e 30%.

Com a tarifa Rodrigues Alves, de 1896, os livros de encadernação normal eram taxados em $300 (trezentos réis) por cada quilograma, mais 10% do total. Os de encadernação de luxo eram taxados em 4$200 (quatro mil e duzentos réis) por quilograma, mais 10% em cima do valor obtido. Referida tarifa chegou a onerar o papel para escrever em $400 (quatrocentos réis) por quilograma, mais 48% de seu valor. O que, nas palavras do autor, representou um retrocesso à difusão da cultura no Brasil.

2.3 A inserção da imunidade tributária sobre papéis destinado à impressão de jornais, periódicos e livros na Constituição de 1946.

O preceito da imunidade tributária de jornais, periódicos e livros surgiu na Constituição de 1946, que em seu artigo 31, inciso V, alínea c, vedava à União, aos Estados e aos Municípios, lançar impostos sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.

Segundo Aliomar Baleeiro9, o objetivo da elaboração deste preceito era garantir a disseminação da cultura. Contudo, como sabemos, esse não era o único objetivo, com efeito, objetivava-se, também, evitar que os tributos servissem para obstar a propagação da informação, uma vez que a tributação incidiria como uma forma de censura, como nos explica Roque Antonio Carrazza10:

De fato, a expressa alusão ao papel de imprensa deve-se a razões puramente históricas: o Governo, durante todo o Estado Novo, impedia que os jornais de oposição recebessem papel de imprensa. Tal prática arbitrária inspirou o Constituinte de 1946 a proibir que as pessoas políticas tributassem, por via de imposto, o ‘papel destinado exclusivamente a impressão de jornais, periódicos e livros’ (art. 41, V, c).

8 HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. Tradução ao português de Maria da Penha

Villalobos e Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo, EDUSP, 1985. Disponível em:

<http://books.google.com.br/books?id=0b6ZYWrQtnsC&pg=PA223&lpg=PA223&dq=tarifa+rodrigues+alves& source=bl&ots=mWPkbne8dc&sig=3EpDffsGcq4HPKYSFfvsuP5GoVc&hl=pt-BR&sa=X&ei=R4WtT--vNYb00gHd0fCvDA&ved=0CGIQ6AEwAA#v=onepage&q&f=false>

9 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de Tributar, 7ª Ed., edição revista e

complementada à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº.10/1996 por DERZI, Misabel Abreu Machado, Rio de Janeiro, Forense, 1997.

10 CARRAZA, Roque Antonio. Importação de Bíblias em Fitas – sua imunidade – exegese do art. 150, VI, d, da

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Foi, na verdade, o festejado escritor baiano Jorge Amado, então deputado constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro, que – decerto por ter sentido na pele os rigores da censura getulista – teve a feliz idéia de propor, à Assembléia Nacional Constituinte, que fizesse inserir tal imunidade na Carta de 46. A salutar norma foi reproduzida, embora com outras palavras, na Constituição de 1967/69 e na atual (justamente em seu art. 150, VI, d).

Com a Emenda Constitucional nº. 18, de 1965, que dispunha sobre o sistema tributário nacional e dava outras providências, em seu artigo 2º, inciso IV, alínea d, vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar impostos sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros; ou seja, não houve alteração. Foi com fundamento nesta Emenda que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966) passou a regular o sistema tributário brasileiro.

Novidade foi introduzida com a promulgação da Constituição de 1967, que em seu artigo 20, inciso III, alínea d, vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar imposto não apenas ao o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, mas também aos livros, jornais e periódicos. Percebemos, então, o aumento do alcance da imunidade. Com efeito, a proibição de tributar livros e jornais é ampla e incondicionada.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior nos recorda que, com a inversão ocorrida – imunizou-se primeiramente os livros, os periódicos, os jornais e o papel destinado à sua impressão – os livros ganharam imunidade na sua totalidade:

Em primeiro lugar, é importante notar a evolução sofrida pelo dispositivo que, em 1946, dava destaque ao papel e, a partir de 1967, inverteu a ordem dos conceitos, imunizando primariamente o livro, os periódicos, os jornais e, então o papel destinado a sua impressão. Essa inversão traz conseqüências importantes. O fato de haver ainda destaque para o ‘papel destinado a sua impressão’ não deve nos enganar quanto à proteção primária do próprio livro, jornal ou periódico, que se tornam assim imunes na sua integralidade.

Interpretação distinta possui Regina Celi Pedrotti Vespero. Segundo a autora, em sua análise histórica da evolução da imunidade do livro, originalmente o papel é que é imune, tal imunidade foi estendida aos livros, periódicos e jornais apenas por razões políticas e econômicas11:

Não restam dúvidas, portanto, que a origem da imunidade prevista no dispositivo constitucional foi o papel. E papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, livros e periódicos, evidenciados, à época, por motivos de ordem política e econômica.

11 VESPERO, Regina Celi Pedrotti. A imunidade tributária do artigo 150, VI, "d" da Constituição Federal e o

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Veja-se que nunca foi colocada em discussão a finalidade da imunidade, ou seja, quais os princípios fundamentais que estariam sendo preservados, restando nítido o seu caráter axiológico. Ora, se evolução houve, naturalmente foi para abranger as obras finais, laboradas com base no produto imune, qual seja, o papel.

Há também que ser ressaltado que o papel utilizado para esses fins sempre foi parcialmente importado, quer em maior quantidade, como outrora, quer em menor, como atualmente, o que encarece o produto acabado.

Para comprovar essa assertiva, transcrevemos abaixo "Carta ao leitor", veiculada na Revista VEJA, onde pode ser verificada essa realidade:

"Papel e tintas mais caros VEJA está chegando às bancas nesta semana com um pequeno aumento no preço de capa, que passa para 4 reais, 5% acima do anterior, 3,80 reais. A mudança deve-se à valorização do dólar nas últimas semanas. A revista se viu obrigada a alterar seu preço porque uma parte substancial de seus custos industriais está associada à cotação do dólar. Tanto o papel quanto as tintas utilizadas na impressão da revista são importados. Cada edição de VEJA, com cerca de 1,2 milhão de exemplares semanais, consome 490 toneladas de papel e 18 toneladas de tinta. Isso corresponde ao peso de três Boeing 747. Desde que o real começou a se desvalorizar, há duas semanas, comprar essas matérias-primas no exterior ficou muito mais caro." (grifei)

Não há dúvida, pois, que por motivos políticos e/ou econômicos o móvel da imunidade é e sempre foi o papel, naturalmente com a destinação específica.

Mais adiante, a autora, ao citar Aliomar Baleeiro – quando este fala que, quando a Constituição não distingue, o interprete não pode distinguir – a autora atualiza a fala do renomado jurista acrescentando as mídias digitais que estavam em evidência à época em que escreveu seu artigo, mas que hoje já se tornam obsoletas, como forma de comprovar que a imunidade prevista na Carta da República não alcança as mídias digitais:

Tanto é assim que Aliomar Baleeiro, já àquela época (1977), afirmou: "A Constituição não distingue nem pode o intérprete distinguir os processos tecnológicos de elaboração dos livros, jornais e periódicos, embora os vincule ao papel como elemento material de seu fabrico. Isso exclui, pareceu-nos, os outros processos de comunicações do pensamento, como a radiodifusão, a TV, os aparelhos de ampliação de som, a cinematografia etc., que não têm por veículo o papel." (grifei) E podemos, atualmente, complementar: livros eletrônicos, CD-ROMs, DVDs, disquetes etc.

Também corrobora este entendimento, o fato de a Constituição Federal de 1988 somente prescrever os veículos de mídia escrita (livros, jornais, periódicos) ao papel ou material a ele assimilável no processo de impressão. Nenhum outro. Note-se, ademais, que os novos veículos de transmissão e difusão de pensamentos, conhecimentos e informações, com seus suportes distintos do papel, já eram contemporâneos da elaboração da Carta Magna promulgada em 5.10.1988, e não foram por ela contemplados.

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posteriores. Em momento oportuno discutiremos acerca dos diferentes formatos de difusão do livro.

A Emenda Constitucional nº. 1 de 17 de outubro de 1969, que deu nova redação a alguns dispositivos da Constituição de 1967, não alterou significativamente o dispositivo anterior. Com efeito, a vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir imposto sobre o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão passou a estar disposta no artigo 19, inciso III, alínea d.

A atual Constituição manteve esta vedação de instituir imposto sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, em seu artigo 150, inciso VI, alínea d. Segundo Misabel Abreu Machado Derzi, historicamente, tanto no Brasil como no exterior, imprimir um livro, um jornal ou um periódico era condição sine qua non para o exercício da

liberdade de expressão. De maneira que esta seria a justificativa pela qual a Constituição de 1988 acolheu apenas um insumo, qual seja o papel. Entretanto, desde a Constituição de 1946, a orientação sempre foi no sentido de proteger o papel para viabilizar a liberdade de idéias e a expressão dos diferentes tipos de pensamento e opiniões, com o objetivo de evitar que ocorressem a tributação extrafiscal desestimuladora e até censuradora.

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Darum führt die Gerechtigkeit, die in der einen Hand die Wagschale hält, mit welcher sie das Recht abwägt, in der andern das Schwert, mit dem sie es behauptet. Das Schwert ohne die Wage ist nackte Gewalt, die Wage ohne das Schwert die Ohnmacht des Rechts.

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3 HERMENÊUTICA

A Hermenêutica é um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação. Acredita-se que o termo deriva do nome do deus da mitologia grega Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os antigos gregos atribuíam a origem da linguagem e da escrita e é considerado o patrono da comunicação e do entendimento humano. Provavelmente este termo originalmente exprimia a compreensão e a exposição de uma sentença "dos deuses", a qual precisa de uma interpretação para ser apreendida corretamente. Assim posto, percebe-se a sua indispensabilidade ao Direito, principalmente quando se trata de interpretar a Constituição, que é a base do nosso ordenamento jurídico.

Segundo Carlos Maximiliano12:

É a hermenêutica que contém regras bem ordenadas que fixam os critérios e princípios que deverão nortear a interpretação. Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar, mas não esgota o campo de interpretação jurídica por ser apenas um instrumento para sua realização.

Por meio da hermenêutica constitucional se procura descobrir o verdadeiro conteúdo e alcance das normas constitucionais, mas também a efetivação e a harmonização dos preceitos ali encartados, isso ocorre porque as normas constitucionais estão carregadas de teor político, ideológico e cultural que não podem ser desprezados quando da sua interpretação, o que segundo Paulo Bonavides (2005, p. 435) é uma operação de lógica, de caráter técnico mediante a qual se investiga o significado exato de uma norma jurídica nem sempre precisa ou clara13.

Friedrich Carl von Savigny definiu os métodos clássicos de interpretação, sendo estes aperfeiçoados ao longo dos anos, quais sejam, o gramatical ou literal, o sistemático, o histórico-evolutivo, o lógico e o teleológico. Inicialmente estes métodos foram pensados para o Direito Civil, contudo, terminaram por ser utilizados também para os demais ramos do Direito, inclusive, para a interpretação das normas constitucionais14.

De forma bastante sintética é possível afirmar que o método gramatical ou literal busca interpretar as normas a partir do significado dos vocábulos que a exprime, estando assim restrito a literalidade do texto legal; o método lógico é aquele em que se busca desvendar o sentido das expressões do direito, em que se aplicam o conjunto das regras tradicionais e precisas da lógica formal; o método sistemático, por sua vez, analisa a lei em

12 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Revista Forense, 1999 (1924) 13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005

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conjunto com os diplomas legais que compõem o ordenamento jurídico, observando, atentamente, suas relações com os demais princípios e normas; o método histórico-evolutivo procura interpretar a lei a partir da vontade do legislador histórico, investigando as condições subjetivas e objetivas que envolveram a produção da norma e analisando a sua evolução; enquanto que o método teleológico dispõe que a norma deve ser aplicada de modo a atender a sua finalidade e o seu espírito.

Contudo, como explica o jurista Paulo Bonavides, tais os métodos acabaram se revelando insuficientes quando da análise das Constituições, principalmente, após o fracasso do positivismo e do Estado Liberal, no qual se buscou, prioritariamente, a manutenção da ordem estabelecida, de um Direito Constitucional sólido, fechado e estável, carregado de cientificidade, de técnica e de juridicidade, em detrimento de um direito filosófico, ideológico e político.15

Quando os métodos tradicionais foram idealizados por Savigny no século XIX, a hermenêutica, inclusive a constitucional, tinha como fim, reconhecer, a vontade da norma jurídica, cabendo ao seu intérprete apenas o dever de revelar a sua vontade já posta. Inexistia, assim, uma preocupação, como atualmente há, em sopesar valores, princípios e bens jurídicos, justificável apenas parcialmente, uma vez que a esse tempo, as Constituições não pretendiam regular tudo.

Tendo em vista o Estado Liberal e o positivismo estes métodos se apresentavam como adequados, haja vista que, desprezando a análise de qualquer fator extraconstitucional, acabavam impedindo que fossem formalizadas câmbios de qualquer natureza ideológica, daí a origem de um Direito Constitucional que era alheio às mudanças sociais.

Neste contexto de concepções formalistas é que surgiram as Constituições como atualmente conhecemos, que, ao procurar tratar todos os aspectos da realidade social posta, acabam sendo prolixas e acauteladoras de valores.

Nesse sentido, colacionamos o entendimento de Uadi Lammêgo Bulos16:

Certamente, a resposta não poderá ser dada pela simples soma da premissa maior com a premissa menor. Claro que o mero silogismo será insuficiente para solver o conflito.

A única saída para o caso seria a optimização de princípios, permitindo ao juiz para o campo da exegese aberta e construtiva, ponderando valores e interesses, argumentando com racionalidade e bom-senso.

Ora, nas constituições contemporâneas é preciso o intérprete ir além, investigando as entrelinhas da lex legum, pois o mero ato de revelar o conteúdo preexistente da

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norma constitucional, sem qualquer criatividade, nem sempre é capaz de realizar, finalisticamente, a vontade de cartas constitucionais prolixas, confusas, repetitivas e enormes, como a brasileira de 1988.

A priori o intérprete busca, atualmente, transformar uma regra geral e abstrata, e assim, plurissemântica, em uma norma jurídica particular e concreta, o que só será possível quando da análise do caso concreto. Desta maneira, os fatos e as mudanças ocorridas na sociedade são essenciais para delimitar a abrangência e o significado da norma jurídica, de forma que isso acabou por demonstrar o quão insuficientes são os métodos clássicos, uma vez que a subsunção do fato à norma não tem como resultado uma sentença, esta só será obtida à luz da análise da realidade social, por meio de um método construtivista que apresente a melhor solução para o caso concreto.

Nesse sentido temos as palavras de Inocêncio Mártires Coelho (2009):

Sob essa perspectiva, torna-se manifesto o caráter monogenético dos fatos sociais, enquanto fatores determinantes da criação e constante regeneração dos modelos jurídicos, um trabalho de ajustamento e atualização que é levado a cabo pelos operadores do direito precisamente para revalidar esses modelos e, por essa forma, preservar a sua força normativa.

Além dos dois aspectos anteriormente analisados, há outros dois que possuem relevante importância ao se interpretar normas constitucionais. Estes aspectos são: a superioridade hierárquica das normas, e o instrumento ao qual tais normas estão vinculadas e aderidas, no presente caso, a Constituição.

O primeiro aspecto elencado é de essencial importância para o presente estudo, haja vista que todos os conflitos de interesse e todas as normas do ordenamento jurídico devem ser analisados e interpretados à luz dos princípios e valores constitucionais, o que alguns doutrinadores chegam a chamar de totalitarismo da constituição.

O segundo aspecto concerne o formalismo das constituições atuais, tendo em vista que as normas são ditas constitucionais em decorrência do seu instrumento (constitucionalidade formal) e não mais do seu conteúdo (constitucionalismo material) hoje. Disso resulta que muitas normas que deveriam ser regulamentadas pela legislação infraconstitucional, acabaram por ser inseridas no texto constitucional por que o legislador constitucional original assim o quis.

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distintos. Nas palavras de Paulo Bonavides17, embora a Carta Magna não seja merecedora de uma técnica interpretativa com meios e regras próprios, alheios aos demais ramos do Direito, o interprete da Constituição não pode negar o teor político e ideológico dessas normas, porque tais valores permeiam e fundamentam todo o ordenamento jurídico.

Para o renomado jurista cearense, em matéria constitucional é muito difícil, senão impossível, estabelecer critérios absolutos de interpretação, assim se exige do intérprete a utilização dos mais variados métodos hermenêuticos. Entretanto, quando é necessário determinar o verdadeiro alcance das normas constitucionais que encerram em seu texto valores, não deve o intérprete se limitar ao estudo da letra fria da lei, devendo analisar a norma à luz da realidade social e da unidade constitucional, para que não seja frustrado o fim último dessa norma, como bem ensina Paulo Bonavides18:

Cumpre recusar ou invalidar por molestas toda a interpretação literal tendente a apoucar ou frustrar a importância atribuída àqueles fundamentos espirituais da realidade constitucional. Fazer o contrário seria, segundo Story, destruir o espírito e aviltar a letra da Constituição.

Desta maneira, é majoritário o entendimento de que as normas constitucionais são desprovidas de um sentido uno, preexistente e objetivo para todas as situações ou fatos, não cabendo, assim, ao intérprete, a reles função de desvendar a norma, mas sim de lhe dar vida, privilegiando a supremacia axiológica e material da Constituição, por meio de uma interpretação construtivista.

Sobre este tema, assim se manifestou o doutrinador Luis Roberto Barroso19:

A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em um desprezo ou abandono dos métodos clássicos - o subsuntivo, fundado na aplicação da regra - nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução dos casos concretos. Relevantes, mas nem sempre suficientes.

Tendo em vista que a Constituição Federal de 1988, seguindo as outras Constituições do século XX, é rígida, fica o intérprete obrigado a atualizar a norma, quando for interpretá-la, sob pena de paralisar o sistema, que, do contrário, não mais poderia alcançar com êxito o seu objetivo, qual seja, ser a estrutura normativa básica da sociedade, de forma abrangente e duradoura.

Para Rafael Caiado Amaral20:

17 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005 18

Id. Ibid.

(24)

As Constituições são feitas para perdurarem indefinidamente no tempo. Para tanto, são construídas, em sua grande totalidade, por termos imperfeitos, incompletos que comportam a dinâmica social. Assim, o sistema constitucional não é caracterizado por ser cerrado ou auto-suficiente, mas ao contrário, aberto ao mundo da vida, dinâmico, sujeito a evoluções que o permita acompanhar as mudanças nos projetos e valores vigentes na sociedade.

Desta maneira, para acompanhar as mudanças é necessária essa atualização constitucional, justamente para dar estabilidade ao nosso sistema e para que a própria constituição possa perdurar, senão seria preciso que o constituinte derivado desse início a uma série de processos para adequar a nossa norma fundamental à nossa realidade, o que invariavelmente acarretaria em, nas palavras de Rafael Caiado Amaral21, resultados políticos e jurídicos nem sempre seguros, previsíveis e desejáveis para a vida em sociedade:

A abertura semântica e estrutural não é, segundo Wilson Antônio Steinmetz, defeito das disposições constitucionais, mas virtude, porque decorre da natureza da Constituição como ordenamento marco, como norma fundamental, como sistema normativo aberto de princípios e regras, e da finalidade da Constituição, que é a de ser uma estrutura normativa básica da sociedade com eficácia abrangente e duradoura. É a abertura da Constituição que permite a mutação constitucional, evitando o processo constituinte originário e derivado permanente, com resultados políticos e jurídicos nem sempre seguros, previsíveis e desejáveis para a vida social

Sendo assim, as novas técnicas interpretativas acabam por possibilitar, nas palavras de Paulo Bonavides, uma rápida adequação histórica dos textos aos imperativos tácitos da mudança constitucional, sem violência ao espírito do ordenamento jurídico fundamental, privilegiando assim conteúdo das normas constitucionais, em detrimento dos seus aspectos formais22.

Anteriormente falamos que através da interpretação das normas insculpidas em nosso ordenamento jurídico se procura descobrir o real significado e alcance das normas jurídicas e que, para que isso seja alcançado, o aplicador do direito enfrenta dois problemas: um de ordem material e outro de ordem cronológica; isso acontece, uma vez que o intérprete, ao aplicar o direito, deverá adequar a norma geral e abstrata em uma norma particular e concreta.

A pesquisa dessa norma singular que vai ser aplicada ao caso concreto, ocasionalmente, traz novo sentido para a norma promulgada pelo legislador, uma vez que a atividade interpretativa leva em consideração não a vontade estática do legislador, mas os fatos sociais vigente à época da aplicação da lei, os quais não poderiam ter sido previstos pelo

20 AMARAL, Rafael Caiado. Breve ensaio acerca da hermenêutica constitucional de Peter Häberle. Disponível

em: <http://ojs.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/44/21>. Acesso em: 12 de abril de 2012 21

Id. Ibid.

(25)

legislador histórico, seja pelos fatos ainda não existirem, ou por estarem restritos a apenas um meio sem relevância para a sociedade etc; na lição de Inocêncio Mártires Coelho23:

O que a experiência demonstra é que tudo isso ocorre de maneira necessária, não apenas em decorrência da insuprimível distância entre a generalidade/abstração das normas e a especificidade/concretude das situações da vida, mas também em razão das constantes alterações no prisma histórico-social de aplicação do direito, transformações que ampliam aquela distância, suscitando problemas de justiça material, que o juiz do caso está obrigado a resolver prontamente, até porque não pode aguardar- retirar-se-, as sempre demoradas respostas do legislador.

Em outras palavras, para que a finalidade precípua do ordenamento jurídico seja alcançada e a justiça material seja buscada, é preciso que o aplicador do direito atualize o sentido das normas jurídicas para que estas possam acompanhar as constantes mudanças sociais.

O mecanismo de atualização da norma jurídica, em maior ou menor grau, é valida para todas as normas do nosso ordenamento jurídico, não importando a posição hierárquica no sistema legal. Contudo, essa situação, por assim dizer, amolda-se de maneira mais clara e relevante nas normas constitucionais, sobretudo, em face do documento que as vinculam, qual seja, a Constituição Federal.

A nossa Carta Magna é classificada como rígida, o que significa que qualquer alteração da Constituição que pretenda ser levada a cabo deve respeitar um procedimento muito mais rigoroso e complexo do que aquele necessário para a alteração de uma norma infraconstitucional pelo legislador ordinário, sendo manifesta, portanto, a impossibilidade de o poder legislativo acompanhar, na velocidade necessária, as mudanças sociais.

Com efeito, ao lermos o artigo 60 da carta Magna, constatamos que o procedimento para que a Constituição seja emendada requer inicialmente uma proposta, que poderá ser apresentada por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; ou pelo Presidente da República; ou por mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Após essa fase inicial, ela será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Restando-se evidente a impossibilidade do legislativo de acompanhar as mudanças sociais.

Outrossim, deve-se considerar que as normas constitucionais, por sua superioridade hierárquica e axiológica, servem de base para a interpretação do sistema legal,

23 COELHO, Inocêncio Mártires. MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

(26)

de tal forma que a sua atualização pelo poder judiciário se mostra crucial para a manutenção da efetividade do todo o ordenamento jurídico.

Destaque-se que ao passo em que o direito regula a sociedade, ele deve ser harmônico com ela, sob pena de perder sua efetividade, uma vez que não conseguirá proteger os valores de seu tempo e regulamentar os seus fatos.

Ante da impossibilidade do Poder Legislativo de acompanhar as rápidas mudanças vividas pela sociedade, cabe ao Poder Judiciário, aplicador do direito e seu intérprete por excelência, modernizar o ordenamento a partir dos novos fatos sociais, assegurando, assim, a efetividade ao direito.

É com as seguintes palavras que Inocêncio Mártires Coelho24 ensina:

Por tudo isso, torna-se evidente que incumbe essencialmente aos intérpretes-aplicadores – e não aos legisladores – encontrar as primeiras respostas para os novos problemas sociais, uma tarefa da qual só poderão desincumbir-se a tempo e modo se forem capazes de olhar para o futuro e trilhar caminhos ainda não demarcados; se tiverem a coragem de enfrentar a opinião dominante, em vez de se resignarem a seguir a jurisprudência estabelecida; se, finalmente se dispuserem a assumir o ônus redobrado de combater idéias cristalizadas, até porque, via de regra, longe de traduzirem verdadeiros consensos, essas falsas unanimidades não passam de preconceitos coletivos, frutos de argumentos de autoridade, que sabidamente esterilizam o pensamento e impedem vôos mais arrojados. Encaradas sob essa ótica, portanto, as transformações sociais – usualmente apontadas como fenômenos externos ou alheios à vida dos enunciados jurídicos – deixam de ser vistas como corrosiva revolta dos fatos contra os códigos para se converterem, positivamente, em fatores de atualização daqueles enunciados e dessa forma de regeneração da sua força normativa.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Luis Roberto Barroso, que ao tratar a respeito da hermenêutica constitucional assevera que o aplicador do direito ao interpretar a norma constitucional deve, sob a luz das mudanças sociais, procurar o fundamento da norma, através da chamada interpretação evolutiva por ele conceituada como sendo um processo de atualização da norma, veja-se:

A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto constitucional. Consiste ela na atribuição de novos conteúdo para à norma constitucional, sem modificação de seu teor literal, em razão das mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente do constituinte25.

Paulo Bonavides nos conta que essa modalidade de interpretação é extremamente difundida nos Estados Unidos da América do Norte e busca, dentre outras coisas, a preservação dos valores que formam a base do nosso ordenamento jurídico, ao passo em que

24 COELHO, Inocêncio Mártires. MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 4 ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

(27)

mantém os conceitos e os institutos existentes, tornando desnecessária a edição de emendas constitucionais que, muitas vezes, desorganizam o subsistema posto26.

Luís Roberto Barroso leciona que um processo de atualização da Carta Magna conforme o descrito, a partir dos fatos sociais, é de suma importância em países como o Brasil, que já passou por constantes reformas constitucionais casuísticas que suprimem a autonomia do judiciário e causam instabilidades jurídicas27. Portanto essa interpretação evolutiva é crucial, tendo em vista que mantém a efeticácia da nossa Constituição, através da sua atualização e, por conseguinte, assegura a longevidade da nossa Carta Política e uma maior segurança jurídica para o nosso ordenamento.

3.1 Uma nova interpretação da constituição.

O que se convencionou chamar de novos métodos e princípios hermenêuticos é o resultado da necessidade de se interpretar as constituições que surgiram ao longo do século XX, que, além de serem rígidas e prolixas, são, em sua maioria, promulgadas, escritas, formais, dogmáticas, dirigentes e garantistas.

Nessas Cartas, termos imperfeitos e incompletos passam ao longo de seus textos, o que, dando ao ordenamento uma abertura semântica e estrutural, as permitem serem as conformações normativas celulares das sociedades, uma vez que podem regulamentar o surgimento das mudanças sociais vividas.

Vejamos as imprescindíveis palavras de Konrad Hesse28 acerca deste tema:

[...] deve a Constituição, enfim, ficar imperfeita e incompleta, porque a vida que ela que ordenar, é a vida histórica e, por causa disso, está sujeita a alterações históricas. Essa alterabilidadde caracteriza, em medida especial as condições de vida reguladas pela Constituição. Por isso, o Direito Constitucional, só em medida limitada e só pelo preço de modificações constitucionais freqüentes, deixa-se especificar, tornar evidente e calculável de antemão. Se a Constituição deve possibilitar o vencimento da multiplicidade de situações problemáticas que se transformam historicamente, então seu conteúdo deve ficar necessariamente “aberto para dentro do tempo”.

Essa abertura e amplitude da Constituição naturalmente não significa dissolução em uma dinâmica total, na qual a Constituição não estaria em condições de dar à vida da coletividade apoio dirigente. A Constituição deixa não só aberto, senão ela também determina com obrigatoriedade o que não deve ficar aberto.

Luis Roberto Barroso afirma que29:

26 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005

27 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição.7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009 28 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís

(28)

Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um. A identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina de pré-compreensão.

Do apresentado, conclui-se que a interpretação é, antes de tudo, um fenômeno histórico, motivo pelo qual a Constituição deverá ser interpretada sempre, como nos ensina Uadi Lamêgo Bulos, em conformidade com acontecimentos sociais, históricos, religiosos e econômicos, presente num determinado momento30.

Essa mudança de padrão interpretativo fez surgir o que alguns doutrinadores convencionaram chamar de “novos métodos hermenêuticos constitucionais, o que, consoante o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos, compõem, apenas, uma re-análise dos métodos clássicos, com o escopo de “capacitá-los” às exigências interpretativas das constituições contemporâneas, que devem ser compreendidas sob a ótica das suas normas-princípios, não cabendo ao intérprete obstar a sua extensão e a sua finalidade, sob pena de corromper o sistema em voga31.

Malgrado a relevância desses chamados novos métodos hermêuticos para a interpretação constitucional, quais sejam, tópico-problemático, hermenêutico-concretizador, cinentífico-espiritual, normativo-estruturante e da comparação constitucional; para o caso em apreço, é mais oportuno a análise dos princípios de interpretação constitucional, que, apesar de destituídos de qualquer força normativa, como é possível imaginar por conta de sua denominação, eles possuem grande relevância prática para a pré-compreensão do conteúdo das normas constitucionais pelo intérprete.

Segundo Luis Roberto Barroso, os princípios de interpretação constitucional, que atualmente são adotados tanto por doutrina e jurisprudência, constituem, premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do interprete, a solução concreta da questão posta32.

Para Barroso são sete os princípios instrumentais de interpretação da constituição: da supremacia constitucional, da presunção de constitucionalidade das leis ou atos do poder público, da interpretação conforme a constituição, da unidade da constituição, da razoabilidade e da proporcionalidade e o da efetividade.

30 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 31Id. Ibid.

(29)

O princípio da supremacia da Constituição, anteriormente abordado, diz respeito à superioridade hierárquica da Constituição em relação a todos os demais instrumentos legais do ordenamento jurídico, ou seja, todos os demais códices legais devem estar em conformidade com as disposições contidas na Constituição, que regulamenta tanto o modo de produção dessas normas, quanto o seu conteúdo.

O princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do poder público age como um fator de limitação do Poder Judiciário, assegurando a harmonia e a independência dos poderes, tendo em vista que, ao prescrever sobre os direitos e deveres do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, a constituição incumbe a todos, no âmbito de sua atuação, o dever de interpretar a norma constitucional, de modo que a declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo pelo Judiciário, por meio da sua Corte Suprema, deve constituir ultima ratio.

O princípio da interpretação conforme a constituição, que resulta da conjugação dos dois princípios acima enunciados, também é considerada uma técnica de interpretação constitucional, que são, segundo Bulos, ferramentas que auxiliam o intérprete na tarefa de descobrir o significado e as conexões de sentido das normas supremas do Estado33.

O princípio da unidade da constituição ou princípio da unidade hermenêutico-normativo da constituição, dispõe que há uma unidade do texto constitucional, de tal sorte que não há qualquer hierarquia entre as suas normas, assim o intérprete, quando da análise do caso concreto, deve harmonizar as normas constitucionais que tutelam valores, interesses e bens jurídicos contrários, ampliando ou reduzindo o alcance dessas normas. Vejamos como magnificamente ilustrou Rodrigo Eustáquio Ferreira34:

Este é talvez o mais relevante dos princípios da moderna hermenêutica constitucional. Isso porque esse princípio decorre diretamente do postulado do legislador racional, que proclama que a obra do legislador – e, portanto, do legislador constituinte – é uma obra perfeita, coerente, sem lacunas. Esse postulado – e porque não dizer ficção, já que os legisladores são homens, e, portanto, falíveis – cria a figura de um legislador ideal: singular, justo, consciente, coerente, preciso e operativo. Sua obra, assim como ele, não comporta lacunas, contradições ou redundâncias, e é capaz de, ela mesma, oferecer soluções para os problemas decorrentes de sua interpretação, soluções aquelas advindas do interior do próprio sistema.

Assim, a Constituição é capaz de estender seus preceitos a todas as relações sociais, regulando-as de forma coerente (já que não há conflitos reais em suas normas). Da

33 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

34 FERREIRA, Rodrigo Eustáquio. Os princípios e métodos da Moderna Hermenêutica Constitucional (MHC).

(30)

mesma forma, não há normas sobrando na Constituição, devendo o intérprete delimitar o âmbito de incidência de cada uma, harmonizando-as, ao invés de desconsiderar qualquer uma delas.

O que se expôs acima é exatamente o conteúdo do princípio da unidade da constituição. Esse princípio predica que a Lei Magna deve ser interpretada como um todo interconectado, preservando-se os valores e decisões fundamentais nela expressos. Dentre estes valores pode-se apontar, principalmente, aqueles elencados nos seus artigos 1º a 4º, que enunciam os fundamentos e os objetivos da República, no âmbito interno, bem como os princípios norteadores de sua atuação no âmbito internacional.

Não permite este princípio, por exemplo, que se faça uma interpretação do Capítulo constitucional relativo ao Sistema Tributário Nacional de forma desvinculada dos Títulos relativos aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais ou à ordem econômica e financeira ou social, por exemplo. Todas as normas contidas nesses Títulos têm a mesma importância e se completam para revelar ao intérprete o que pretenderam os representantes do povo, reunidos em Assembléia Constituinte, ao fundarem a Republica Federativa do Brasil. Reafirma-se, assim, a lição do jusfilósofo alemão Rudolf Stammler, que, há décadas, já afirmava que quem aplica um artigo do Código, aplica o Código todo.

O princípio da razoabilidade ou postulado da razoabilidade estabelece a busca de interpretações mais justas porque adequadas, necessárias e proporcionais, para servir na solução do conflito entre princípios, ajudando o intérprete no sopesamento de bens e interesses. Esse princípio subdivide-se em três: adequação, que é a utilidade entre meios e fins; necessidade, busca restringir ao mínimo os direitos fundamentais; e proporcionalidade, que é a relação entre o custo e o benefício.

Finalmente, há o princípio da efetividade, segundo o qual o interprete, quando do estudo da norma constitucional, deverá extrair-lhe o maior conteúdo possível, sobretudo quando se tratar da interpretação de normas que versem sobre os direitos humanos, de maneira que seja assegurada a sua eficácia social, fazendo sobressair os valores nelas inscritos, procurando, assim, uma realização prática dessas normas.

Nas palavras de Eustáquio Ferreira35:

[...] Uma vez reconhecido que as normas constitucionais são dotadas de normatividade (ainda que mínima), cumpre ao intérprete expandir e densificar ao máximo essa normatividade, especialmente se a norma interpretada disser respeito a direitos e garantias fundamentais.

Num caso concreto, contudo, a potencialização de uma garantia do contribuinte pode acarretar, na mesma medida, na constrição de um direito da Fazenda, por exemplo. Ocorre que, como a Constituição foi erigida, principalmente, como instrumento orientador e limitador da atuação do Estado (tanto que o poder pertence ao povo – artigo 1º, parágrafo único da Lei Maior) e de promoção dos indivíduos (v.g. artigos 1º a 4º da Constituição, que enunciam os fundamentos e objetivos da República, e que em sua quase integralidade estabelecem normas que favorecem as pessoas

35 FERREIRA, Rodrigo Eustáquio. Os princípios e métodos da Moderna Hermenêutica Constitucional (MHC).

(31)

naturais), inegável que interpretação constitucional deve sempre priorizar os cidadãos (e o contribuinte). Afinal, interpretações constitucionais que desconsideram direitos e garantias individuais sob a justificativa do "interesse público" nada mais fazem que lesar o próprio interesse público, já que este, em sua essência, nada mais é do que o conjunto dos interesses que os indivíduos têm quando considerados na qualidade de membros da sociedade.

Afinal, o Judiciário ainda é tido como a última esperança de milhares de cidadãos que vêem seus direitos constitucionais serem lesados diariamente, não raro pelo próprio legislativo que deveria agir, ao menos em teoria, em nome destes mesmos cidadãos. Mas seria alguém capaz de negar que, na atualidade, especialmente quando são discutidos assuntos técnicos e complexos (como boa parte dos assuntos tributários), a "maioria parlamentar" que aprova as leis é, na verdade, uma minoria intelectual com forte influência e poder políticos, capaz de persuadir os demais parlamentares leigos? Esse fenômeno foi percebido por Donald P. Kommers, quando afirmou que "a democracia não é mais representativa, pois a maioria parlamentar pode legislar de forma tão arbitrária quanto a minoria. Ela se tornou uma democracia constitucional, na qual a atuação das cortes constitucionais é de suma relevância para garantir as minorias" (KOMMERS apud BALEEIRO, 2005, p. 37). Na mesma linha, Ronald Dworkin leciona:

A teoria constitucional na qual nosso governo se apoia não é uma simples teoria majoritária. A Constituição e, particularmente, os direitos fundamentais são feitos para proteger cidadãos individuais e grupos contra certas decisões que a maioria dos cidadãos pode querer tomar, mesmo quando essa maioria age em nome daquilo que é considerado o geral ou o interesse comum (DWORKIN apud BALEEIRO, 2005, p. 37).

Luis Roberto Barroso36 possui interessante lição acerca desse princípio, que é de fundamental importância para o presente trabalho:

[...] Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre dever ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem da não-auto-aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador.

Assim, como expôs Uadi Bulos37, verificamos que a função do interprete é dar vida às normas constitucionais, procurando sempre soluções que privilegiem, acima de tudo, a sua finalidade, através do desenvolvimento de um raciocínio crítico e global da constituição.

(32)
(33)

4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO LIVRO.

Como já vimos, a imunidade tributária do livro está positivada no texto Constitucional em seu artigo 150, I, d. Dentro da organização sistemática da Carta Magna,

esta imunidade se encontra inserida na seção II do Capítulo VI, chamada de Das Limitações do Poder de Tributar, de forma que antes de analisarmos a imunidade do livro digital,

devemos tecer algumas considerações acerca do Poder de Tributar, bem como diferenciar imunidade de isenção tributária.

4.1 O PODER DE TRIBUTAR

Originalmente o poder de tributar se constituía de uma relação de poder entre vencedor e vencido. Nos dias de hoje o que hoje existe é uma relação jurídica entre duas partes, sendo uma delas o Estado. O Estado, no exercício de sua soberania, institui o tributo como uma forma de se prover dos recursos de que necessita, como nos ensina Hugo de Brito Machado38:

Como se sabe, O Estado é entidade soberana. No plano internacional representa a nação em suas relações com outras nações. No plano interno tem o poder de governar todos os indivíduos que se encontrem no seu território. Caracteriza-se a soberania como a vontade superior às vontades individuais, como um poder que não se reconhece superior.

No exercício de sua soberania, o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta.

[...] Sua origem remota foi a imposição de vencedor sobre vencido.

Assim, atualmente a instituição do tributo se faz por meio de regras e não mais pela vontade de um. Neste mesmo sentido temos a lição de Roque Antonio Carrazza, para quem a expressão poder tributário não pode ser aplicada ao Brasil de hoje, tendo em vista as

disposições contidas na CF/88 que limitam este “poder”. Para o autor, poder tributário tem

um sentido de absoluto, incontrastável; devendo, assim, ser utilizada a expressão competência tributária, que dá a idéia de algo regrado, disciplinado pelo Direito.39

Vejamos a diferenciação que é feita por Carazza para os termos: poder tributário e competência tributária:

38 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

(34)

De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui em nosso país, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico constitucional). A competência tributária é determinada pelas normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que – estas, sim – prevêem as concretas obrigações tributárias

Em boa técnica, não se deve dizer que as pessoas políticas têm, no Brasil, poder tributário. Poder Tributário tinha a Assembléia Nacional Constituinte, que era soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário, retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a mesma Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal.40

Desta maneira, somente é possível criar tributos conforme a competência tributária outorgada pela Constituição Federal aos entes federados. Entretanto esta outorga não é feita indiscriminadamente, na verdade ela é feita com a observância aos valores que ela considera como relevantes. É assim que leciona Luciano Amaro41:

Essa outorga de competência, obviamente, não é sem fronteiras. Além de buscar uma demarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada ente político, com a partilha da competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais.

Ainda sobre a competência tributária, apresentamos a definição de Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual, é uma das partes das prerrogativas de estabelecer leis de que são investidas as pessoas políticas, sintetizadas na possibilidade de produzir normas jurídicas sobre tributos através de lei. Vejamos42:

Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo.

Por força do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), a ponência de normas jurídicas inaugurais no sistema há de ser feita, exclusivamente, por intermédio de lei, compreendido este vocábulo no seu sentido lato. Em qualquer segmento da conduta social, regulada pelo direito, é a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos que criam direitos e deveres correlatos.

No plexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde que contemple o próprio fenômeno da incidência até daquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de providências, circundando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a

40 CARAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ª Ed. São Paulo: Malheiros,

2010

41 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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realização concreta dos direitos subjetivos de que é o titular o sujeito ativo, bem como dos deveres cometidos ao sujeito passivo.

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.

Diante do exposto, temos que é a partir dos comandos constitucionais que é possível legislar em matéria tributária, observando-se também as competências por ela outorgadas, de forma que é vedado a criação de leis versando sobre matéria tributária se não por ente competente, mas não se olvidando dos limites constitucionalmente estabelecidos.

4.2 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR: AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Como vimos, cada pessoa jurídica de direito público tem a sua competência tributária estipulada por lei, contudo o exercício desta prerrogativa não é absoluto, haja vista que o Direito impõe limitações à competência tributária43.

Para Machado44, limitação ao poder de tributar é:

Em sentido amplo [...] toda e qualquer restrição imposta pelo sistema jurídico às entidades dotadas desse poder. Aliás, toda atribuição de competência implica necessariamente limitação. A descrição da competência atribuída, seu desenho, estabelece os seus limites. Em sentido restrito, entende-se como limitações ao poder de tributar o conjunto de regras estabelecidas pela Constituição Federal, em seus arts. 150 a 152, nas quais residem princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, a saber:

a) legalidade (art. 150, I); b) isonomia (art. 150, II);

c) irretroatividade (art. 150, III, “a”); d) anterioridade (art. 150, III, “b”); e) proibição de confisco (art. 150, IV); f) liberdade de tráfego (art. 150, V); g) imunidades (art. 150, VI);

h) outras limitações (art. 151 e 152).

Neste mesmo diapasão temos Paulo de Barros Carvalho que, em consonância a Machado, ensina que toda atribuição de competência ainda que versada em termos positivos e categóricos, importa uma limitação45.

Luciano Amaro, dissertando acerca das competências tributárias e os limites ao poder de tributar nos conta que46:

43 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 44

Id. ibid.

Referências

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17 Manual de direito constitucional, p.211. 18 As entidades religiosas e as imunidades constitucionais, p.23.. isso, o Estado brasileiro é incontendivelmente laico, respeita todas

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