XXVI ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI BRASÍLIA – DF
DIREITO DO TRABALHO E MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO III
RENATA ALBUQUERQUE LIMA
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Direito do trabalho e meio ambiente do trabalho III[Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Renata Albuquerque Lima; Rodrigo Garcia Schwarz - Florianópolis: CONPEDI,
2017.
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-427-3
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas
CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________
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Florianópolis – Santa Catarina – Brasil www.conpedi.org.br
Comunicação
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
DIREITO DO TRABALHO E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO III
Apresentação
Os artigos publicados foram apresentados no Grupo de Trabalho de Direito do Trabalho e
Meio Ambiente do Trabalho III, durante o XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI,
realizado em Brasília, entre os dias 19 a 21 de julho de 2017, em parceria com o Curso de
Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado, da UNB - Universidade de Brasília,
Universidade Católica de Brasília – UCB, Centro Universitário do Distrito Federal – UDF e
Instituto Brasiliense do Direito Público – IDP.
Os trabalhos apresentados abriram caminho para uma importante discussão em torno da
temática central – “DESIGUALDADES E DESENVOLVIMENTO: O papel do Direito nas
políticas públicas”. Referida temática apresenta os desafios que as diversas linhas de pesquisa
jurídica terão que enfrentar, bem como as abordagens tratadas em importante encontro.
Na presente coletânea encontram-se os resultados de pesquisas desenvolvidas em diversos
Programas de Mestrado e Doutorado do Brasil, com artigos rigorosamente selecionados, por
meio de avaliação por pares. Dessa forma, os 14 (quatorze) artigos, ora publicados, guardam
sintonia, direta ou indiretamente, com este palpitante ramo do Direito, que é o Direito do
Trabalho.
Com relação ao tema O emprego doméstico no Brasil e seus avanços legislativos: a EC n° 72
/2013 e LC n° 150/2015, tivemos o trabalho das professoras Camila Martinelli Sabongi e
Ana Cristina Alves de Paula. O mesmo faz uma análise crítica e fundamentada sobre as
mudanças legislativas mais recentes que ocorreram no âmbito do trabalho doméstico,
destacando a amplamente divulgada “PEC das domésticas” e a Lei Complementar nº 150.
Com o tema O dano existencial nas relações de emprego e sua autonomia, os professores
Kleber Henrique Saconato Afonso e Nelson Finotti Silva fizeram uma análise do dano
existencial, especificamente, quanto à sua configuração nas relações de emprego, tratando-se
o mesmo de uma espécie de dano extrapatrimonial, todavia, não devendo ser confundido com
o dano moral, em razão de sua autonomia.
Para abordar à temática da discriminação de gênero, tivemos o trabalho de Suzete da Silva
Reis com o tema Discriminação de gênero: reflexões sobre a necessária superação das
violação aos direitos fundamentais e aos preceitos constitucionais, tentando identificar as
causas da desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Já com relação ao artigo Políticas públicas para a maternidade: uma análise das licenças por
maternidade e paternidade à luz da igualdade e da sustentabilidade social, as autoras Erika do
Amaral Veras e Flavia de Paiva Medeiros de Oliveira tem por objetivo, em seus estudos,
proporcionar às mulheres condições de igualdade com o homem para o ingresso e
permanência no mercado de trabalho, bem como para garantir que as novas formas de
famílias possam exercer o direito à convivência com os filhos.
Analisando toda a conjuntura econômica e seus impactos do processo da globalização,
Wallace Leite Nogueira e Victor Hugo Tejerina Velázquez, com o artigo Os fatores
econômicos e a tecnologia no desemprego estrutural, fizeram um estudo jurídico e
sociológico da posição do trabalhador no mundo contemporâneo frente aos meios
tecnológicos. Ligando-se ao assunto tratado neste parágrafo, temos o trabalho de Beatriz
Vessoni de Mendonça e Adeneele Garcia Carneiro com o tema A formação e o
desenvolvimento do direito do trabalho na sociedade moderna.
O artigo, dos professores Marylad Medeiros Da Silva e Rogério Coutinho Beltrão com o
tema O caso dos homens placa e a violação da dignidade da pessoa humana, visa discorrer
sobre a proteção da dignidade do trabalhador quando da utilização de pessoas como objeto,
especificamente no caso dos Homens Placa.
Já o trabalho Aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação aos sindicatos: além dos limites
da literalidade para eficácia de um direito fundamental, de autoria de Joao Francisco da Mota
Junior, questiona a aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação (LAI) perante às entidades
sindicais, sobretudo, quanto aos recursos provenientes da contribuição sindical.
Com a temática de assédio moral, tivemos a pesquisa de Euseli dos Santos com o tema A
criminalização do assédio moral nas relações de trabalho. O mesmo fez uma análise da
legislação brasileira, em que tem evoluído no sentido de criminalizar o assédio moral, assim
como o assédio sexual, tramitando no Congresso Nacional 06 (seis) Projetos de Lei com essa
finalidade.
Em se tratando de trabalho escravo, tivemos dois artigos. O primeiro foi com o tema A
interpretação do conceito de trabalho análogo ao escravo no Brasil: o trabalho digno sob o
prisma da subjetividade e a consciência legal dos trabalhadores de Luciana Paula Conforti e o
com o tema Trabalho escravo contemporâneo, contexto e história: uma introdução ao caso
brasileiro, em que referido artigo tenta identificar as especificidades do trabalho escravo
contemporâneo no Brasil a partir de seu reconhecimento e de seu enfrentamento, valendo-se
do recurso à história.
No trabalho A flexibilização descendente da jornada de trabalho: uma afronta à Constituição
da Republica Federativa do Brasil de Rosanna Claudia Vetuschi D Eri, a autora analisa a
violação à Constituição Federal de 1988, dando-se uma visão humanizada do trabalho, na
perspectiva constitucional como alicerce à dignidade da pessoa humana, especificamente a
do empregado.
Já no trabalho A discriminação na relação pré-contratual de trabalho sofrida pelos egressos
do sistema prisional e seus reflexos no Direito Constitucional de Wagner Camilo Miranda e
Leandro de Assis Moreira, faz-se uma reflexão sobre a necessidade de implementar novas
políticas públicas através das ações afirmativas aos egressos para combater a prática
discriminatória ilícita e negativa na fase pré-contratual de trabalho.
E, por último, na pesquisa A degeneração como álibi para o não reconhecimento da doença
ocupacional, de Elsa Cristine Bevian, faz-se uma análise do conceito de doença degenerativa,
previsto no § 1º, alínea a, do art. 20 da Lei 8213/91, como excludente da consideração como
doença do trabalho, afastando o nexo causal entre a patologia e o trabalho.
Agradecemos a todos os pesquisadores da presente obra pela sua inestimável colaboração,
desejamos uma ótima e proveitosa leitura!
Coordenadores:
Prof. Dr. Rodrigo Garcia Schwarz (Unoesc)
1 Euseli dos Santos Advogado militante em Uberaba(MG). Especialista em Direito do Trabalho. Pós graduado
em Direito do Trabalho. Mestrando em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto(UNAERP)
1
A CRIMINALIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
THE CRIMINALIZATION OF MORAL HARASSMENT IN WORK RELATIONS
Euseli dos Santos
1Resumo
Entender o assédio moral como prática criminosa é tarefa complexa, que demanda a análise
da definição e elementos caracterizadores da conduta abusiva, bem como da necessidade de
caracterizá-la em um único delito, com definição legal própria, haja vista os diferentes tipos
penais já existentes em nosso ordenamento jurídico capazes de absorver as ações relativas ao
assédio moral, tais como os crimes de calúnia e ameaça. A legislação brasileira tem evoluído
no sentido de criminalizar o assédio moral, assim como o assédio sexual, sendo que já
tramitam no Congresso Nacional 06 (seis) Projetos de Lei com essa finalidade.
Palavras-chave: Assédio, Moral, Relações de trabalho, Criminalização
Abstract/Resumen/Résumé
Understanding bullying as a criminal practice is a complex task, which requires the analysis
of the definition and characteristic elements of abusive conduct, as well as the need to
characterize it as a single offense, with its own legal definition, given the different existing
criminal types in our legal system able to absorb the actions related to bullying, such as the
crimes of libel and threat. Brazilian law has evolved to criminalize bullying, and sexual
harassment, and now in the National Congress six (06) Bills for this purpose.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Bullying, Work relationship. criminalization
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o escopo discutir a criminalização do assédio moral no
ambiente de trabalho, por meio da análise de sua definição e características, bem como da
legislação que envolve o tema e os julgados mais recentes dos Tribunais pátrios.
É certo que o assédio moral no trabalho não é um fato isolado qualquer, ele se baseia
na repetição ao longo do tempo, de práticas vexatórias e constrangedoras, explicitando a
degradação deliberada das condições de trabalho num contexto de crise econômica e social que
levam ao desemprego e aumento da concorrência no ambiente de trabalho.
A prática abusiva em apreço tem sido cada vez mais discutida pela sociedade e
Casas Legislativas de nosso país, além de ser veementemente combatida pela Justiça
Trabalhista, que tem determinado a reparação pecuniária por eventuais danos morais e materiais
dela decorrentes.
Este estudo demonstra que a conduta de importunar um colega no ambiente de
trabalho não é ato exclusivo do empregador, mas ação individualizada, dolosa e que produz
resultados nefastos à vítima, podendo, em casos extremos, levá-la a perturbações emocionais
severas e até ao suicídio. É ato comissivo, portanto, a exigir um agente consciente para a sua
prática, não obstante possa resultar em ato omissivo do empregador que o tolera ou permite.
Pretende-se, ainda, discorrer sobre as propostas de criminalização do assédio moral,
que tem por escopo impor medida punitiva na esfera criminal para o agente causador do dano,
sem deixar de lado a análise sobre a possibilidade de enquadramento do assédio moral em
crimes já descritos no Código Penal brasileiro.
Enfim, a discussão sobre a inclusão do assédio moral no Código Penal e suas
consequências é imprescindível para que as relações de trabalho adquiram a estabilidade
necessária para o crescimento do país, sem que seja recorrente a praxe de maltratar o trabalhador
que tanto contribui para o desenvolvimento de toda conjuntura econômica brasileira.
1 DEFINIÇÃO, ELEMENTOS CARACTERIZADORES E TIPOLOGIA
O assédio moral encontra diversas definições na literatura relacionada ao assunto e
pode ser observado nas relações familiares, políticas e sociais. Contudo, este trabalho tem o
condão de analisar o assédio moral sob a ótica das relações laborais e, portanto, se restringirá a
tentativa de compreensão do fenômeno no ambiente de trabalho.
Segundo Sthepan (2013, p. 21) “(...) entende-se como assédio moral a conduta
abusiva e frequente que expõe a vítima a situações constrangedoras e humilhantes que atentem
contra a sua dignidade, provocando a degradação do meio ambiente de trabalho”.
Em que pese as diversas conceituações do assédio moral no ambiente de trabalho,
todas trazem em seu bojo a existência de relação laboral entre ofensor e ofendido, bem como
afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma reiterada e por extenso lapso
temporal, desestabilizando a vítima emocional e/ou fisicamente.
Neste sentido, Oliveira da Silva (2012, p. 34) esclarece que
o assédio moral vem a ser a submissão do trabalhador a situações humilhantes, vexaminosas e constrangedoras, de maneira reiterada e prolongada, durante a jornada de trabalho ou mesmo fora dela, mas sempre em razão das funções exercidas pela vítima. Não significa que a conduta assediadora se relacione necessariamente com alusões ou indicações ao trabalho, pois geralmente o foco da violência é qualquer ponto da vítima que possa determinar uma desestabilização desta com o ambiente de trabalho, facilitando as condutas tendentes a desqualificá-la, não só como profissional, mas também como ser humano, atingindo os componentes de sua dignidade e degradando sua autoestima.
Para Santos (2009, p. 160) “(...) o assédio moral na órbita da relação de trabalho
configura-se por uma perene exposição do trabalhador a circunstâncias vexatórias,
constrangedoras e humilhantes durante o horário de trabalho”.
Destoa-se dos conceitos supracitados a seguinte definição de assédio moral na
relação trabalhista
O cerne do assédio moral é a intenção sustentada pelo empregador de ridicularizar o trabalhador, expondo-o de maneira sutil, repetitiva e prolongada a situações humilhantes e constrangedoras, não necessariamente vexatórias diante de terceiros, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, situações estas provocadas com a finalidade de lhe subtrair a autoestima e diminuir seu prestígio profissional, na tentativa de aniquilá-lo e/ou levá-lo a desistir do emprego. (DE LIMA; PEREIRA, 2009, p. 40)
Esta concepção esbarra em um ponto controverso: a figura do ofensor. Segundo De
Lima e Pereira (2009), para a configuração do assédio moral necessária a atuação do
empregador, como sujeito ativo.
Ocorre que o assédio moral no ambiente de trabalho não está restrito a relação de
subordinação existente entre empregador e empregado, podendo ser verificado também entre
colegas hierarquicamente nivelados, de forma que o conceito supramencionado parece bastante
limitado do ponto de vista doutrinário.
Silva Neto (2012, p. 116) bem conceituou a expressão assédio moral ao aduzir que
O assédio moral no trabalho pode ser praticado por uma pessoa ou por um grupo de trabalhadores que, pelos motivos mais variados (aparência física, opção sexual), ou mesmo sem motivação aparente, passam sistematicamente a alvejar determinado(s) integrante(s) do corpo funcional da empresa, humilhando-o(s) e provocando insidiosa redução da autoestima
.
É o entendimento dos Tribunais brasileiros:
INDENIZAÇÃO - ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO - OFENSA À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DO TRABALHADOR - PERTINÊNCIA. O assédio moral no trabalho, segundo Marie-France Hirigoeyen, é "toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho". (A violência perversa do cotidiano, p.22). (TRT-15 - RO: 1226 SP 001226/2012, Relator: JOSÉ ANTONIO PANCOTTI, Data de Publicação: 20/01/2012)
DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL NÃO CONFIGURADO. O assédio moral no trabalho se enquadra em uma das espécies de dano moral e consiste na prática reiterada de conduta abusiva pelo empregador, diretamente ou por meio de seus prepostos ou empregados, que traduz uma atitude ostensiva de perseguição ao empregado, repetindo-se no tempo, de tal modo que possa acarretar danos às condições físicas e psíquicas, afetando a autoestima do empregado. Recurso não provido. (TRT-1 - RO: 00011497220115010008 RJ, Relator: Relator, Data de Julgamento: 07/03/2016, Terceira Turma, Data de Publicação: 22/03/2016)
Para que o assédio moral se caracterize, nos dizeres de Sthepan (2013, p. 22),
“existem três elementos essenciais (...), sendo eles: elementos pessoais, objetivo e
organizacional”.
Os elementos pessoais dizem respeito as figuras dos sujeitos ativos e passivo, bem
como da intenção da conduta abusiva. O sujeito ativo ser o próprio empregado em relação a um
colega, hipótese em que será denominado como assédio moral horizontal, não havendo que se
falar em relação de subordinação entre ofensor e ofendido. Todavia, o empregado também
aparece como possível sujeito ativo da conduta abusiva quando a direciona ao empregador,
tratando-se, neste caso, de assédio moral vertical ascendente.
Ressalte-se que a figura do empregador como sujeito passivo dos casos de assédio
moral é a mais comum, sendo o chefe o responsável pela prática da conduta abusiva em 90%
(noventa por cento) das ocorrências, hipótese de assédio moral vertical descendente. Veja:
Figura 1 - Fonte: Tese de Doutorado "Assédio Moral: a violência sutil" - PUC/SP - 20052
Também aparece como sujeito ativo do assédio moral no ambiente de trabalho o
empregador aliado ao empregado, numa relação de cumplicidade em desfavor de um terceiro
colega, seja ele hierarquicamente superior ou não, sendo estes casos denominados assédio moral
misto ou combinado.
Por fim, não se pode desprezar a possibilidade da pessoa do preposto ou do terceiro
atuar como assediador, conforme entendimento exarado por Sthepan (2013, p. 25), situação em
que o empregador responderá objetivamente pela conduta do assediador. Sobre assédio moral
praticado por terceiro ou preposto, afirma Cláudia Coutinho Stephan (2013, p. 174-175)
No Brasil, o art. 933 do Código Civil vigente adotou a teoria objetiva para esta espécie de ilícito, na medida em que o dano praticado por empregado ou preposto no exercício do trabalho é respondido pelo empregador, independentemente da culpa, bastando que o ato ilícito seja provado e que exista nexo da causalidade. Esta disposição é de grande relevância para apreciação da responsabilidade civil decorrente de dano moral no trabalho, responsabilizando-se o empregador por ato praticado por seu empregado, preposto, serviçal quando consumado o assédio.
Os sujeitos passivos do assédio moral podem ser representados por quaisquer dos
agentes acima mencionados (empregado, empregador, terceiros e/ou prepostos), a medida que
se altere sua posição no âmbito da relação considerada abusiva, passando a receber as ofensas
e não a proferi-las.
2 Disponível em: < http://assedio-moral-no-trabalho.blogspot.com.br/2013/05/raio-x-da-violencia-oral.html> Acesso em 12 set. 2016 às 20:59 h.
Outro elemento pessoal seria a intencionalidade da conduta abusiva, sendo que esta
característica ainda é bastante polêmica na doutrina, pois são muitos os entendimentos no
sentido de que ela é dispensável na configuração do assédio moral.
(...) considera-se que o dolo do assediador pode ser utilizado como forma de dosimetria da sanção imposta, mas não como elemento indispensável para a caracterização do assédio moral. Ademais, levando-se em consideração que na grande maioria dos casos a vítima do assédio moral é o trabalhador, a atribuição do elemento subjetivo ao assédio moral simboliza o desvirtuamento de foco e finalidades do Direito do Trabalho, que tem como princípio basilar a proteção ao hipossuficiente, tutelando a integridade física e moral dos trabalhadores (STHEPAN, 2013, p. 28).
Pacheco (2007, p. 113-114) afirma que
É possível libertar o conceito de assédio moral de um animus specialis, em que o agente passivo teria de fazer a terrível prova da vontade consciente do agente ativo, isto é, de que tais comportamentos vexatórios se destinam à realização de um fim, porque tais atos, só por si, constituem uma ofensa à integridade moral do sujeito passivo.
Neste toar, a exigência de dolo (intenção) para a configuração do assédio moral não
é razoável, pois o que se recrimina é a conduta abusiva do agente e sua repercussão sobre a
vítima, sendo que os danos potenciais das condutas abusivas independem da caracterização da
vontade do assediador em causar o prejuízo, seja ele exclusivamente de ordem moral e/ou
material.
Também há de se convir que a prova do assédio moral, por si só, é complexa e exigir
da vítima que comprove a intenção do agente causador somente se prestaria a dificultar sua
punição e/ou reparação, motivo pelo qual, discorda-se da posição da nobre autora, entendendo
não ser crível que a intencionalidade da conduta seja fator determinante na caracterização do
assédio moral.
Outra importante característica do assédio moral é o elemento objetivo, nos ditames
de Cláudia Coutinho Sthepan, é a “reiteração da conduta assediante potencialmente lesiva”
(STHEPAN, 2013, p. 29).
A ausência de abusos repetitivos e desencadeados ao longo do tempo não configura
assédio moral. Silva (2012, p. 37) esclarece
Primeiramente devemos ter foco que o assédio moral não se caracteriza por eventuais ofensas ou atitudes levianas isoladas por parte do superior. Muito mais do que isto, o assédio moral somente estará presente quando a conduta ofensiva estiver revestida de continuidade e por tempo prolongado, de forma que desponte como um verdadeiro modus vivendi do assediador em relação à vítima, caracterizando um processo específico de agressões psicológicas. Deve estar caracterizada a habitualidade da conduta ofensiva dirigida à vítima. Caso contrário, teremos meras ofensas esparsas,
mas que não possuem o potencial evidenciador do assédio moral.
Neste sentido, De Lima e Pereira (2009, p. 39) menciona em sua obra algumas
condutas que se diferenciam do assédio moral, principalmente, por não se tratarem de atitudes
notórias, ostensivas e desveladas
Além do simples conflito laboral, hoje resta pacificada a diferenciação entre assédio e a ocorrência de estresse profissional, de gestões simplesmente injuriosas, da agressão pontual, de más condições de trabalho e das próprias imposições profissionais.
Assim, resta clara a necessidade de ação prolongada, de exposição constante, com
reiterados ataques, não configurando assédio moral a situação vexatória esporádica ou
ocasional.
A necessidade de reiteração da conduta abusiva é destaque na jurisprudência pátria,
que tem exarado entendimento no sentido de o assédio moral não se confunde com outros
conflitos esporádicos:
ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O assédio moral no ambiente de trabalho caracteriza-se, de regra, pela prática sistemática e reiterada de atos hostis e abusivos por parte do empregador, ou de preposto seu, em face de um determinado trabalhador, com o objetivo específico de atingir sua integridade e dignidade física e/ou psicológica. (TRT-5 - RECORD: 1186004220075050463 BA 0118600-42.2007.5.05.0463 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 02/12/2011)
RECURSO ORDINÁRIO. ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. INDEVIDA. Para que se configure o assédio moral é mister a prática reiterada de atos pelo empregador, que afetem a vítima em seu estado psicológico, com escopo de sua exclusão ou redução no ambiente de trabalho. No caso dos autos, não há prova de ato do reclamado capaz de configurar conduta lesiva à moral da trabalhadora e ensejadora de indenização, ônus que incumbia à parte autora, à luz do artigo 818 da CLT e 333, I, do Código de Processo Civil. (TRT-1 - RO: 00106497720145010067 RJ, Relator: RELATOR, Data de Julgamento: 17/02/2016, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/03/2016)
ASSÉDIO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. (...) Não se confunde com outros conflitos que são esporádicos ou mesmo com más condições de trabalho, pois o assédio moral pressupõe o comportamento (ação ou omissão) por um período prolongado, premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima. Se a hipótese dos autos revela violência psicológica intensa sobre o empregado, prolongada no tempo, que acabou por ocasionar, intencionalmente, dano psíquico (depressão e síndrome do pânico), marginalizando-o no ambiente de trabalho, procede a indenização por dano moral advindo do assédio em questão. (TRT-RO-01292-2003-057-03-00-3, 2ª T., Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros, DJ 11.08.2004)
ASSÉDIO MORAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. Para a caracterização do assédio moral é imprescindível a existência de dois elementos: conduta ofensiva e de forma reiterada. O assédio moral pressupõe uma prática de perseguição constante à vítima, de forma que lhe cause um sentimento de desqualificação, incapacidade e despreparo frente ao trabalho. Cria-se, no ambiente de trabalho, um terror psicológico capaz de incutir no empregado uma sensação de descrédito de si próprio, levando-o ao isolamento e ao comprometimento de sua saúde física e mental. No caso em apreço, não tendo o reclamante comprovado o alegado assédio moral, incabível a indenização pretendida. (TRT-3 - RO: 01611201300703006 0001611-07.2013.5.03.0007, Relator: Rosemary de O.Pires, Decima Turma, Data de Publicação: 30/08/2016)
Enfim, para caracterização do assédio moral imperioso a existência do elemento
organizacional que, conforme Sthepan (2013, p. 35)
demonstra a necessidade do assédio moral interferir no meio ambiente de trabalho, bastando que os atos de assediador causem degradação das condições de trabalho, não sendo imperiosa a prova direta do dano, uma vez que a mera existência do assédio moral configura a conduta abusiva e o dano moral é um dano in re ipsa.
Silva (2011, p. 100-101) esclarece que
Neste contexto, alguns autores e parte minoritária da jurisprudência sustentam que para caracterização do assédio moral é imperiosa a presença do relevante dano psíquico em relação à vítima. Para esta corrente, somente pode ser aventada a ocorrência do assédio moral se processo provocou na vítima um dano psíquico juridicamente relevante. Não obstante, discordamos desse posicionamento e aderimos à linha de entendimento professada por Alice Monteiro de Barros, afirmando ser o assédio moral um evento de natureza formal, devendo ser definido pelo comportamento do agressor e não pela existência de um resultado danoso.
Ora, em sendo o dano moral presumido, ou seja, independente da comprovação do
abalo psicológico sofrido pela vítima, não se justifica, para a caracterização do assédio moral,
a prova do dano, mas sim a demonstração da conduta do ofensor, causando degeneração do
ambiente de trabalho.
ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO EMPREGADOR. Nas relações de trabalho, o assédio moral configura-se como conduta abusiva do empregador ou de seus prepostos, mediante a qual fica exposto o obreiro, de forma reiterada, a situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, as quais atentam contra a sua dignidade e integridade psíquica. Resulta em danos materiais ou extrapatrimoniais (dano moral), sendo que este independe de prova, haja vista ser presumível. Desse modo, para provar a conduta ilícita do empregador que caracterize assédio moral, é necessário a presença dos três elementos essenciais para a sua configuração - o dano, o nexo causal entre este e a conduta abusiva do empregador, e o elemento anímico (o dolo). (TRT-5 - RecOrd: 00016534220135050511 BA 0001653-42.2013.5.05.0511, Relator: EDILTON MEIRELES, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 23/02/2016)
Assim sendo, o presente estudo filia-se a concepção de que para a caracterização
do assédio moral necessária a presença dos seguintes elementos: sujeitos ativo e passivo
(empregado, empregador, terceiro e/ou preposto), conduta abusiva permanente e repetitiva e
desgaste das condições de trabalho, independente da prova do dano ocasionado.
O assédio moral pode ser classificado, conforme já anteriormente mencionado,
como
(...) descendente (que vem dos superiores hierárquicos), horizontal (que vem de colegas) e ascendente (que se dirige dos subordinados a um superior) e misto (que reúne assédio moral descendente e horizontal, concomitantemente). (DE LIMA; PEREIRA, 2009, p.43)
Tal classificação também é comumente utilizada pelos Tribunais pátrios:
ASSÉDIO MORAL VERTICAL ASCENDENTE E HORIZONTAL. INÉRCIA DA EMPREGADORA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR OS DANOS MORAIS SOFRIDOS PELO EMPREGADO ASSEDIADO. Caracteriza o assédio moral o comportamento dos prepostos ou colegas de trabalho que exponha o empregado a reiteradas situações constrangedoras, humilhantes ou abusivas, causando degradação do ambiente laboral e aviltamento à dignidade da pessoa humana. Com efeito, também pode ocorrer o assédio moral de subordinado para superior (assédio vertical ascendente) ou de pessoas que estão no mesmo grau de hierarquia, como um colega de trabalho (assédio moral horizontal). O comportamento do preposto da ré, que
figurou tanto como subordinado e, posteriormente, como colega de trabalho da reclamante, no sentido de expor os trabalhadores de todo um setor a reiteradas situações constrangedoras não elimina o assédio individual também à autora, coordenadora do setor atingido. A reclamante, além de sofrer agressão psicológica a ela diretamente direcionada, via-se, diante da injustificável inércia da ré em barrar o assediador, sem meios de reagir e responder a seus demais subordinados quanto a essa intolerável situação, que tornava insuportável a ela o exercício das funções de coordenadora, diante da grave instabilidade no ambiente de trabalho provocada pelo comportamento agressivo de determinado empregado, o que também colocava em xeque sua própria posição de superioridade hierárquica inerente ao cargo ocupado. Nessa hipótese, resta configurada a obrigação da reclamada indenizar a autora pelos danos morais sofridos, conforme artigos 186, 187, 927 e 932, III, do Código Civil. (TRT-3 - RO: 02104201114203003 0002104-35.2011.5.03.0142, Relator: Sebastiao Geraldo de Oliveira, Segunda Turma, Data de Publicação: 06/02/2013 – 05/02/2013. DEJT. Página 96. Boletim: Sim.)
Portanto, resta superada a tese de que somente o empregador pode tornar-se sujeito
passivo do assédio moral, podendo este ser identificado em todas as esferas das relações de
trabalho.
2 POSITIVAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
O assédio moral tem sido veementemente discutido pela sociedade brasileira,
reflexo disso é a legislação já produzida no país para regulamentar o tema.
(...) O ordenamento jurídico pátrio é um dos mais incrementados do mundo, apresentando uma série de leis específicas tendentes a responsabilizar o assediador moral, basicamente no âmbito dos Estados e Municípios, em relação aos funcionários públicos. No entanto, nossa legislação geral também oferece normas protetoras que podem ser utilizadas pelas vítimas do assédio moral, tanto nas áreas trabalhistas e civil quanto na área criminal, possibilitando a responsabilização concreta do assediador e das empresas ou entidades que se mostrem omissas em relação a atos de psicorterror laboral perpetrados por seus funcionários. (SILVA, 2012, p. 171-172)
No âmbito municipal, vários municípios brasileiros já contam com lei contra o
assédio moral, dentre eles Americana/SP, Amparo/SP, Campinas/SP, Cruzeiro/SP,
Guararema/SP, Guaratinguetá/SP, Guarulhos/SP, Iracemápolis/SP, Jaboticabal/SP, São José dos
Campos/SP, São Paulo/SP, Ribeirão Pires/SP, Cascavel/PR, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS,
Reserva do Iguaçu/RS, São Gabriel do Sul/RS, Natal/RN, São Gabriel do Oeste/MS,
Sidrolândia/MS e Vitória/ES
3.
No Estado de Minas Gerais, somente os Municípios de Contagem, Divinópolis, Juiz
de Fora e Sete Lagoas possuem normas contra o assédio moral. Contudo, o Estado aprovou a
Lei Complementar n. 117 de 11/01/2011 que tem como objeto a prevenção e punição do assédio
moral na Administração Pública em âmbito estadual.
Saliente-se que citada legislação refere-se à prática do assédio moral na
3 Fonte: www.assediomoral.org Acesso em 13/09/2016 às 16:11 hs.
Administração Pública, pelos agentes públicos, de forma que não pode ser aplicada ao setor
privado, ainda carente de leis específicas para o tratamento do assédio moral.
Também tramitam no Congresso Nacional alguns Projetos de Lei que referem-se,
direta ou indiretamente, ao assédio moral. São eles: PL 7.202/2010 e anexos (alteram a
legislação previdenciária), PL 6.757/2010 e anexos (alteram a legislação trabalhista) e PL
4.742/2001 e anexos (alteram a legislação penal).
Saliente-se que os Projetos de Lei relativos à tipificação penal do assédio moral
serão analisados mais detidamente a seguir, pois possuem estreita correlação com o objeto deste
estudo.
Não se pode olvidar, ainda, que o assédio moral encontra tutela jurídica em normas
genéricas que, apesar de não tratarem especificamente sobre o tema, podem ser aplicadas a
problemática que o envolve.
A Constituição Federal, em seu art. 1º, incisos III e IV, fornece a base da tutela constitucional em relação ao assédio moral no ambiente de trabalho, em virtude de considerar como fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Este, sem duvida, é o alicerce sobre o qual se constrói todo o arcabouço jurídico relacionado à proteção contra o assédio moral. (SILVA, 2012, p. 174)
A partir destas premissas, a Constituição Federal pode ser aplicada, em diversos
pontos, a questões afetas ao assédio moral, por exemplo, os artigos 5º, V e X, 6º e 7º.
O tema também encontra guarida no Código Civil brasileiro, implicando na
obrigatoriedade de reparação civil dos danos causados à vítima, conforme aduz Silva (2012, p.
179-183)
1. O art. 186 define o ato ilícito, inclusive quando o dano provocado for exclusivamente moral:
(...)
2. O art. 187 versa sobre a extensão do conceito de ato ilícito: (...)
3. O art. 389 faz previsão da responsabilidade civil contratual, que segundo Sérgio Cavalieri Filho está relacionada à violação de um dever jurídico que tem “como fonte de uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato...”:
(...)
4. O art. 422 consagra o Princípio da Eticidade em relação aos contratos, tendo como supedâneo os Princípios da Probidade e Boa-Fé:
(...)
5. O art. 927 introduz a obrigação de reparação do dano produzido pelo ato ilícito, ressalvando, inclusive, em seu parágrafo único, a responsabilidade objetiva:
(...)
6. O inc. III do art. 932 e art. 933 estabelecem a responsabilidade do empregador pelos atos praticados por seus respectivos empregados, no exercício do trabalho ou em razão deste. Estes dispositivos apresentam uma especial relevância em relação à responsabilidade civil pelos danos provocados pelo processo de assédio moral, visto que destina a responsabilidade civil objetiva em relação ao empregador. Assim, ainda que não tenha conhecimento dos fatos, caso um dos integrantes da equipe de trabalho esteja implementando um processo de assédio moral (agindo este com culpa, por óbvio), será o empregador responsável pela reparação civil dos danos oriundos do
fenômeno. Logo, a vítima poderá ajuizar ação indenizatória contra o empregador, em função do disposto nos referidos artigos. O Enunciado da Súmula nº 341 do STF corrobora o teor do art. 933 do Código Civil, nos seguintes termos: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
(...)
7. Art. 934 faz previsão acerca do direito de regresso, direcionado àquele que sustentou a reparação de um dano gerado a partir de conduta de terceiros. Assim, na hipótese de assédio moral, provando o empregador que não contribuiu (por ação ou omissão) com a prática do psicoterror, poderá pleitear junto ao assediador a reparação do que desembolsou a título de indenização à vítima: (...)
A Consolidação das Leis do Trabalho, do mesmo modo, possui em seu texto
dispositivos que auxiliam na prevenção e punição à prática do assédio moral, como exemplo,
transcreve-se o artigo 483:
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Apesar de a legislação brasileira ter avançado bastante, ainda há muito que se fazer
para que o assédio moral torne-se cada vez mais distante das relações de trabalho e que, acaso
seja detectado, receba a punição adequada ao caso concreto.
3 TIPIFICAÇÃO PENAL DO ASSÉDIO MORAL
Não obstante a diversidade normativa que trata do assédio moral no país, sua
tipificação penal ainda não se efetivou em nosso ordenamento jurídico.
Tramitam no Congresso Nacional, ao menos, 06 (seis) Projetos de Lei que
pretendem a criminalização do assédio moral. O primeiro deles foi o PL 4.742 de 2001 que
objetivou a inclusão do artigo 146-A no Código Penal Brasileiro com a seguinte redação:
Art. 146-A. Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a
auto-estima (sic), a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.
Percebe-se falha na tipificação do assédio moral no PL 4.742/2001, pois o texto
define apenas o “servidor público ou empregado” como sujeitos passivos do delito, o que não
reflete, em sua completude, a essência do assédio moral que, como já mencionado no presente
estudo, pode apresentar outros autores (empregador, colegas de trabalho ou preposto).
Ao PL 4.742/2001 foram anexados, para tramitação conjunta, outros Projetos de
Lei que tratam da criminalização do assédio moral, quais sejam, PL 4.960, PL 5.887 e PL 5.971
todos de 2001, PL 3.368 de 2015 e 5.503 de 2016.
O mais recente deles, PL 5.503 de 2016, prevê o acréscimo do artigo 216-B ao
Código Penal brasileiro coma seguinte redação:
Art. 216-B. Considera-se assédio moral toda ação, gesto, determinação ou palavra, praticada de forma constante por agente, servidor público, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima ou a autodeterminação de outrem no seu local de trabalho. Pena – reclusão, de um a três anos e multa.
Da análise dos Projetos de Lei retromencionados, extraem-se algumas conclusões
interessantes. A primeira delas refere-se ao espaço onde seria inserido o delito de assédio moral
no Código Penal Brasileiro. Na maioria dos Projetos de Lei, o crime de assédio moral estaria
previsto no Capítulo referente aos “Crimes contra a Liberdade Individual”, mais
especificamente, na Seção que trata dos “Crimes contra a Liberdade Pessoal” próximo ao crime
de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
Somente o Projeto de Lei 5.971 de 2001 insere o delito de assédio moral no Título
que trata dos “Crimes contra a Organização do Trabalho” após o delito intitulado “Frustração
de direito assegurado por lei trabalhista”.
Também merece relevo o fato de que a pena prevista para o crime de assédio moral
nos Projetos de Lei em comento é de detenção, com exceção do último PL apresentado (5.503
de 2016) no qual está prevista a pena de reclusão, mais gravosa que os demais.
Jorge Luiz de Oliveira da Silva (SILVA, 2012, p. 234-235) tece amarga crítica as
propostas normativas de criminalização do assédio moral em tramitação:
Muito embora a versão final tenha estruturado melhor a descrição do tipo penal, a redação ainda não atinge os objetivos propostos, quais sejam sancionar todas as modalidades de assédio moral praticado nas relações de trabalho e serviços, implantando uma política de desestímulo a práticas inerentes a tal fenômeno. Primeiramente, a descrição do tipo penal continua imprecisa, apresentando um “tipo aberto”, o que é indispensável em se tratando de normas penais incriminadoras, pois afronta o Princípio da Taxatividade das Leis Penais. Numa segunda crítica, considera-se lamentável a limitação imposta pelo projeto em relação a outra modalidades de assédio moral, uma vez que a redação final somente se refere ao tipo vertical, omitindo-se em relação as demais modalidades (horizontal, ascendente e praticado por terceiros). Muito embora o maior percentual de assédio moral no ambiente de
trabalho esteja relacionado ao tipo vertical, as outras modalidades do fenômeno não poderiam ter sido descartadas na formação do tipo penal, pois integram a realidade do problema e também são merecedoras de políticas legais de prevenção e repressão. Assim, o projeto, ao incorporar no tipo penal a elementar “em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral”, descartou o assédio moral horizontal (impulsionado por aqueles que se encontram em numa posição funcional ou laboral equivalente à da vítima), o assédio moral ascendente (aquele praticado pelo subordinado contra o superior) e assédio moral praticado por terceiros (fruto da relação do consumidor, paciente ou destinatários dos serviços públicos com o profissional em sua atividade laboral).
Ressalte-se que o PL 4.742/2001 processa-se há mais de 15 (quinze) anos e não há
sinais de que será aprovado, haja vista as controvérsias que envolvem o tema.
Mesmo diante da ausência de tipificação penal do assédio moral no ordenamento
jurídico pátrio, a responsabilização penal da conduta abusiva não está descartada, dependendo,
todavia, das ações praticadas pelo ofensor no processo e suas conseqüências (SILVA, 2012).
Sthepan (2013, p. 175) argumenta que
É possível que, mesmo inexistindo tipificação penal específica sobre assédio moral, incorre o assediante em algumas figuras previstas no Código Penal, que devem ser invocadas, objetivando a cumulação da ação penal com a ação civil indenizatória, como acontece nos crimes contra a honra, insculpidos nos arts. 146 a 149; induzimento ao suicídio, disposto no art. 122; lesão corporal e homicídio, previstos nos arts. 129 e 121; ou quando incidir em perigo de vida e da saúde, conforme disposto nos arts. 130 a 136 do Código Penal brasileiro.
O artigo 132 do Código Penal talvez seja o mais abrangente e, portanto, quando a
conduta não puder ser enquadrada em um tipo penal mais específico, poderá ser aplicado na
responsabilização criminal do assediador.
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
Isto por que o assédio moral atinge à saúde, física e/ou mental, da vítima. Curioso
é o fato de que os Projetos de Lei que pretendem a criminalização do assédio moral possuem
pena correlata ao crime descrito no apontado artigo.
Também os crimes previstos no Título dos “Crimes contra a Organização do
Trabalho” possuem amarração lógica com o assédio moral, podendo em sua grande parte ser
aplicados à espécie.
É fato que não há, dentre os tipos penais em relevo, um único que se amolde a todos
os casos de assédio moral, pois sua responsabilização sem previsão expressa na lei penal
dependerá das ações adotadas pelo sujeito ativo, por exemplo,
(...) trabalhador que sofra de uma cardiopatia cujo assediador tenha conhecimento e este prossiga na perseguição desenfreada caracterizadora do psicoterror laboral. É possível enquadrá-lo nas penas do art. 121 do Código Penal, senão por dolo direto, ao menos por dolo eventual. Da mesma forma é possível atribuir responsabilidade ao assediador pelo crime capitulado do art. 122 do Código Penal, qual seja o auxílio,
induzimento ou instigação ao suicídio. Na hipótese da vítima ser uma gestante, sendo esta uma situação de conhecimento do algoz, pode ele ser responsabilizado penalmente pelas modalidades de aborto previstas nos arts. 125 e 127 do CP (SILVA, 2012. p. 192).
A seguir, exemplos de possíveis tipificações penais do assédio moral no ambiente
de trabalho, extraídos da análise jurisprudencial relativa ao tema.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. PRESSUPOSTOS PELA REDAÇÃO DA CLT VIGENTE NA DATA DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO E ANTERIOR À LEI Nº 13.015/2014. ASSÉDIO MORAL. PRESSÃO PSICOLÓGICA. OFENSA À HONRA E À DIGNIDADE DO EMPREGADO. DANO MORAL. A fundamentação utilizada pelo Regional, de que a prova testemunhal confirmou a conduta reiterada danosa do superior hierárquico, que chamava o autor da reclamação trabalhista de burro e lesado perante outras pessoas, justifica o reconhecimento do assédio moral, ante a ofensa à honra, à dignidade e à integridade psicológica. Por outro lado, inviável o recurso extraordinário, pois entendimento no sentido pretendido pela agravante implica o revolvimento de fatos e provas, obstaculizado pela Súmula 126, TST. Agravo de instrumento não provido. (TST - AIRR: 5888720145030137Data de Julgamento: 27/05/2015, Data de Publicação: DEJT 05/06/2015)
DANO MORAL. IMITAÇÕES E APELIDOS PEJORATIVOS. ATENTADO À DIGNIDADE. INDENIZAÇAO DEVIDA. Confirmando a prova dos autos, a adoção pela reclamada, de forma injuriosa de gestão, valendo-se de reiterada prática de constrangimento moral imposto por superiora hierárquica (mobbing vertical descendente, ou simplesmente bossing), é de se reformar decisão que indeferiu à obreira indenização por dano moral decorrente da degradação do ambiente laboral, com manifesto atentado à dignidade das trabalhadoras e da reclamante em particular. Não se pode considerar "normal" que chefes imediatos humilhem seus subordinados, tanto mais quando passadas as ofensas em público. Os epítetos pejorativos dirigidos pela gerente à reclamante, como macaco, dentuça, atrapalhada, burra e cabeça de tomate, entre outros, além da imitação de um símio relacionando-o à empregada, têm notória feição vexatória, preconceituosa e discriminatória,de que resulta o dever de indenizar. Recurso da autora a que se dá provimento, no particular. (TRT-2 - RECORD: 691200803702002 SP 00691-2008-037-02-00-2, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, Data de Julgamento: 31/03/2009, 4ª TURMA, Data de Publicação: 17/04/2009)
Nos casos supracitados, houve ofensa à honra do empregado, motivo pelo qual
caberia ao assediador a imputação do delito tipificado como difamação, previsto no artigo 139
do Código Penal, com pena de detenção que varia de três meses a um ano e multa.
Já o julgado abaixo reproduzido poderia enquadrar-se no crime delineado no artigo
132 do Código Penal (perigo para a vida ou saúde de outrem) de modo que o autor do delito
estaria sujeito a pena de detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais
grave.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE DOENÇA EQUIPARADA A ACIDENTE DO TRABALHO - DEPRESSÃO. ASSÉDIO MORAL. EXISTÊNCIA DE CULPA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA RECLAMADA. Trata-se de pedido de indenização por danos morais, fundada em doença equiparada a acidente do trabalho, episódio depressivo em face de tratamento humilhante dispensado à autora e a outros empregados no local de trabalho durante o período em que esteve subordinada à supervisora Lisane Veiga. Conforme consta da fundamentação do acórdão recorrido, o juiz registrou que "a prova pericial comprova
a existência de nexo causal entre o inapropriado tratamento no ambiente de trabalho e a moléstia desenvolvida durante o contrato, sendo evidentes os danos morais decorrentes da doença equiparada a acidente do trabalho". O Tribunal a quo, instância exauriente para análise de fatos e provas, com base em laudo pericial que diagnosticou quadro depressivo moderado e na prova oral colhida, assentou que "a doença ocupacional tem como concausa o ambiente laboral excessivamente humilhante, estressante, prejudicial à saúde". E além disso, concluiu que "o nexo de causalidade e a culpa da reclamada restam configurados, a última por meio da atitude da supervisora contratada" . Com efeito, considerando o contexto fático probatório consignado nos autos, acerca da doença adquirida pela reclamante, o dano moral dela emergente e o nexo causal entre o dano e o tratamento humilhante dispensado à reclamante, não há como afastar o direito à indenização. (...) Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 376008520075040030, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15/04/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2015)