Introdução ao Direito
Fábio Perin Shecaira
fabioperin@direito.ufrj.br
fabioshecaira.wikispaces.com
Ponto 1: noções gerais de argumentação jurídica
Leitura: Shecaira/Struchiner, Caps. 1 e 2 Perguntas:
1. Qual é a diferença entre a argumentação prática e a argumentação teórica?
2. Qual é a diferença entre a argumentação institucional e a argumentação substantiva?
Noções gerais de argumentação jurídica
Argumentar é oferecer razões em defesa de uma conclusão...
Noções gerais de argumentação jurídica
Argumentação teórica: feita em defesa de conclusões teóricas.
Também chamadas conclusões descritivas ou factuais.
Ex: chove lá fora; morreram 6 milhões no Holocausto; o universo está em expansão.
Noções gerais de argumentação jurídica
Argumentação prática: feita em defesa de conclusões práticas.
Também chamadas prescritivas ou normativas.
Ex: é melhor levar um guarda-chuva; devemos reduzir as emissões de CO2; o racismo é deplorável
Noções gerais de argumentação jurídica
Nem toda conclusão é facilmente classificada…
Ex: houve em 1964 um golpe de estado; Madre Teresa foi uma mulher de muita fé.
Noções gerais de argumentação jurídica
AS – Argumentação prática aberta a considerações políticas, morais, sociais, econômicas.
Noções gerais de argumentação jurídica
A falta não deve ser marcada para que a torcida não fique irritada e violenta.
A falta não deve ser marcada porque o lance não foi violento e seria injusto punir o autor de uma jogada limpa.
Noções gerais de argumentação jurídica
AI – Argumentação prática em que se limita o uso de considerações substantivas por meio de regras e procedimentos estabelecidos em fontes dotadas de autoridade.
Noções gerais de argumentação jurídica
A falta deve ser marcada porque há uma regra que proíbe esse tipo de jogada no futebol.
A falta não deve ser marcada porque o lance já acabou e o juiz perdeu a oportunidade de apitar
Noções gerais de argumentação jurídica
Autor: O réu me deve 500 reais. Réu: Discordo do autor.
Autor: O réu me deve 500 reais porque realizamos um contrato válido de compra e venda, eu forneci o produto e o réu não pagou.
Réu: Reconheço que o autor forneceu o produto e que eu não paguei, mas não reconheço a validade do contrato.
Noções gerais de argumentação jurídica
Juiz: Autor, prove que vocês têm um contrato válido. Autor: Eis um documento assinado por nós dois.
Réu: Não reconheço a autenticidade deste documento.
Juiz (ao réu): Visto que o documento parece autêntico, prove que ele não é.
Noções gerais de argumentação jurídica
Autor: O laudo não serve como prova, pois eu tive conhecimento dele muito tarde no processo.
Noções gerais de argumentação jurídica
A argumentação jurídica é predominantemente institucional!
Esclarecimentos:
1. Predominantemente ≠ exclusivamente
Com base na lei,
decido que...
Por motivos
morais/políticos/
pessoais, decido
que...
Noções gerais de argumentação jurídica
Padronização de argumentos
Ex: Numa de suas aventuras, Sherlock Holmes encontra um velho chapéu de feltro. Embora não conheça o seu proprietário, Holmes
conta a Watson muita coisa a seu respeito – afirmando, por exemplo, que se trata de um intelectual. O Dr. Watson, como de hábito, pede que Holmes o esclareça.
Noções gerais de argumentação jurídica
À guisa de resposta, Holmes coloca o chapéu sobre a cabeça. O chapéu resvala pela sua testa até apoiar-se no seu nariz. “É uma questão de
volume”, diz Holmes. “Um homem com uma cabeça tão grande deve ter algo dentro dela”.
Noções gerais de argumentação jurídica
Padronização do argumento de Holmes:
1. Há um chapéu grande que tem algum dono
2. Donos de chapéus grandes têm cabeça grande 3. Pessoas com cabeça grande têm cérebro grande 4. Pessoas com cérebro grande são intelectuais
Logo,
Noções gerais de argumentação jurídica
1 a 4 são “premissas”
Noções gerais de argumentação jurídica
Silogismo jurídico
Premissa maior (norma geral) Premissa menor (fato(s))
Logo,
Noções gerais de argumentação jurídica
Quem dirige sob a influência do álcool deve ser punido João dirigiu sob a influência do álcool
Logo,
Noções gerais de argumentação jurídica
Quem dirige sob a influência do álcool deve ser punido João dirigiu sob a influência da maconha
Logo,
Noções gerais de argumentação jurídica
Maclennan v. Maclennan (1958)O divórcio é permitido em caso de adultério
A Sra. Maclennan engravidou artificialmente sem o consentimento do Sr. Maclennan
Logo,
0. Era a intenção do legislador conceder o direito de divórcio em todo caso de traição da confiança
conjugal. Logo,
1. O divórcio é permitido em caso de gravidez artificial sem consentimento
2. Sra. Maclennan engravidou artificialmente sem consentimento do marido
Logo,
Ponto 2: Fontes do direito
Leitura: Dimoulis, Cap. 9 Perguntas:
1. Qual é a diferença entre uma fonte formal e uma fonte material do direito?
2. Quais são as principais fontes formais do direito brasileiro?
Fontes do direito
Recordando...
AI – Argumentação em que se limita o uso de considerações
substantivas por meio de regras e procedimentos estabelecidos em
Fontes do direito
Fonte do direito = aquilo que dá origem a normas jurídicas
Fontes do direito
Fontes materiais são aqueles fatores (históricos, sociais, econômicos) que explicam a existência de uma dada norma jurídica.
Fontes do direito
Fontes formais são os documentos que a comunidade jurídica usa no seu discurso oficial para mostrar que uma dada norma é válida.
Fontes do direito
“As normas brasileiras sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo resultaram da pressão social pelo reconhecimento dos interesses da comunidade LGBT.”
“As normas sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo são válidas porque foram afirmadas por uma decisão do STF.”
As normas que reconhecem a legalidade da união civil entre pessoas do
mesmo sexo foi estabelecida por uma
decisão do STF!
As normas sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo resultaram da pressão social pelo
reconhecimento dos interesses da comunidade LGBT
Fontes do direito
Fontes escritas: lei, jurisprudência, doutrina
Fontes não escritas: costumes, princípios gerais do direito, vontade dos particulares*
Fontes do direito
Fontes diretas: leis, costumes, princípios, vontade dos particulares
Fontes indiretas: jurisprudência e doutrina
Dúvida:
Fontes do direito
Lei:
Documento escrito em linguagem geral e abstrata, criado por meio de decisão de autoridades estatais de acordo com um procedimento
fixado em normas superiores, com o objetivo de regular a organização da sociedade.
Fontes do direito
Jurisprudência:
Uma decisão judicial (um “precedente”) ou uma série de decisões judiciais tomadas no passado sobre o mesmo assunto.
Fontes do direito
Fontes do direito
(a) documento escrito (b) em linguagem geral e abstrata (c) criado por
meio de uma decisão de autoridades estatais com o objetivo de regular a organização da sociedade (d) de acordo com um procedimento fixado
Fontes do direito
Costumes
Práticas sociais bem estabelecidas e conside-radas obrigatórias.
Fontes do direito
LINDB Art. 4º, “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
Fontes do direito
CC, Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Art. 445. [...]
§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios
ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais...
Fontes do direito
Princípios gerais do direito.
Normas aceitas pela comunidade jurídica, embora não necessariamente registradas na lei ou na jurisprudência.
Fontes do direito
Sweet vs. Parsley (1970)Lei de Drogas Perigosas, 1965, seção 5: “Se uma pessoa – (a) em sendo ocupante de qualquer local, permite que tal local seja usado para o
fumo de maconha, ou para o seu comércio...; ou (b) está envolvida com a administração de qualquer local usado para tais propósitos, deve ser culpada por infração a esta Lei.”
Fontes do direito
Doutrina
Escritos acadêmicos sobre o direito (livros, artigos científicos, comentários à legislação etc.)
Fontes do direito
Obs: Acúmulo de fontes
A lei, a jurisprudência e a
doutrina, juntas,
confirmam o meu
julgamento!
Ponto 3: Leis e sua interpretação
Leitura: Dimoulis, Cap. 8
Perguntas:
1. Quais são os diferentes métodos que podem ser usados na interpretação das leis?
2. Alguns desses métodos são mais institucionais que outros?
“Quem dorme na estação de trem deve ser expulso”
> Quem dorme na estação de trem deve ser expulso. > Quem usa a estação de trem como abrigo deve ser expulso.
Interpretação de leis
Definição de interpretação de Dimoulis
1ª parte:
"Trata-se de um processo de atribuição de sentido aos enunciados normativos jurídicos (textos de
Interpretação de leis
2ª parte:
"A finalidade da interpretação jurídica é constatar a
vontade do autor da norma, tal como foi fixada em
Interpretação de leis
Classificação tradicional dos métodos de interpretação:
1. Gramatical (textual ou literal) 2. Sistemático (lógico)
3. Teleológico subjetivo (histórico) 4. Teleológico objetivo
Interpretação de leis
Método gramatical:
Aplica o sentido literal do texto.
Exs:
“É proibida a entrada de cães no restaurante” “É proibido derramar sangue nas ruas”
Interpretação de leis
Método sistemático:
Não considera os dispositivos legais
individualmente, mas em conjunto, presumindo-se que são harmônicos entre si.
Interpretação de leis
Ex:
“O valor da indenização deverá ser aquele que o
tribunal considere justo tendo sempre em conta
a perda sofrida pelo demandante em
consequência da demissão, na medida em que
essa perda seja atribuível à ação adotada pelo
empregador”
Interpretação de leis
Método teleológico subjetivo:
Busca evidências dos fins reais do legislador histórico.
(Onde? Nos debates parlamentares, nos comentários dos juristas da época etc.)
Interpretação de leis
Método teleológico objetivo:
Busca identificar os “fins sociais” do texto.
(os fins que o legislador teria se legislasse hoje e
Interpretação de leis
Ex:
“O valor da indenização deverá ser aquele que o tribunal considere justo tendo sempre em conta a
perda sofrida pelo demandante em consequência
da demissão, na medida em que essa perda seja atribuível à ação adotada pelo empregador”
Interpretação de leis
Dois possíveis argumentos:
> Os parlamentares tinham preocupações
patrimoniais; só isso é mencionado nos
trabalhos preparatórios.
> Se “perda” for entendida em sentido
amplo, isso permitirá punições desmesuradas
de empregadores e ninguém poderia pensar
que o legislador quisesse isso.
Interpretação de leis
Interpretação de leis
“Quem dorme na estação deve ser expulso”
> Quem dorme na estação deve ser expulso
> Apenas quem usa a estação como abrigo deve ser
expulso
Revisão
1. Método gramatical (textual ou literal) 2. Método sistemático (lógico)
3. Método teleológico subjetivo (histórico) 4. Método teleológico objetivo
Ponto 4: Antinomias (conflitos entre normas)
Leitura: Dimoulis, Cap. 11
Perguntas:
1. Qual é a diferença entre um conflito real e um conflito aparente entre normas?
Conflitos entre normas
Conflitos reais (CR) x conflitos aparentes (CA)
CRs geram um genuíno problema para o operador do direito
.
Conflitos entre normas
CR – condições:
(i) normas incompatíveis entre si (ii) normas em vigor
(iii) normas do mesmo sistema jurídico
Conflitos entre normas
Incompatibilidade – três casos: > N1 obriga C e N2 proíbe C
> N1 obriga C e N2 permite não-C > N1 proíbe C e N2 permite C
Conflitos entre normas
O que significa dizer que uma conduta é permitida? Duas situações possíveis.
Conflitos entre normas
(1) A conduta está expressamente permitida.
CF, Art 5º, XVI, “todos podem reunir-se
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização...”
Conflitos entre normas
(2) A conduta não está permitida
expressamente...
... mas acaba sendo permitida por uma
norma geral que converte em permitido o
que não é proibido.
Conflitos entre normas
(iv) normas com mesmo âmbito de validade temporal
espacial pessoal material
É proibido fumar das cinco às sete É permitido fumar das sete às nove É proibido fumar na sala de cinema É permitido fumar na sala de espera Aos adultos é permitido fumar
Aos menores não é permitido fumar É proibido fumar charutos
Conflitos entre normas
CA: suposto conflito, não satisfaz pelo menos uma das condições i – iv.
Conflitos entre normas
Critérios para a solução de CRs
1. Critério hierárquico – lex superior derogat legi
inferiori
O conflito é resolvido a favor da norma que tem origem na fonte superior.
Conflitos entre normas
Observação:
Conflitos entre normas
2. Critério cronológico (lex posterior derogat legi
priori)
O conflito é resolvido a favor da norma mais
nova.
Conflitos entre normas
3. Critério da especialidade (lex specialis derogat
legi generali)
O conflito é resolvido a favor da norma mais específica.
Conflitos entre normas
Os diferentes critérios também podem entrar em conflito:
Norma superior geral vs. norma inferior especial
Norma superior antiga vs. norma inferior mais
nova
EA, Art. 7º “São direitos do advogado:
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com
instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar”
CPP, Art. 295 “Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial [...] quando sujeitos a prisão antes de
condenação definitiva:
VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;
§ 1º A prisão especial [...] consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.”
HC 109213 / SP - SÃO PAULO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 28/08/2012
Conflitos entre normas
E quando não há critério estabelecido para a solução de um conflito?
Ex:
Conflito entre normas constitucionais simul-taneamente promulgadas.
Revisão
> Conflitos entre normas
> Conflitos aparentes x conflitos reais
(normas incompatíveis, em vigor no mesmo sistema e com mesmo âmbito de validade)
> Critérios para a solução de CRs
Ponto 5: Precedentes
Leitura : Shecaira/Struchiner, cap. 5
Pergunta:
1. Qual é a diferença entre um precedente vinculante e um precedente persuasivo?
Precedentes
stare decisis et non quieta movere
Ou simplesmente: stare decisis
=> Onde vale o stare decisis, decisões judiciais são vinculantes
Precedentes
Diferentes tipos de precedente:
A) Quanto à força:
1. Precedente vinculante 2. Precedente persuasivo
Precedentes
B) Quando à “direção”: 1. Precedente vertical 2. Precedente horizontal
Precedentes
Muitas decisões judiciais são longas e complexas.
(Silogismo jurídico – revisão)
Quem dirige sob a influência do álcool deve ser punido João dirigiu sob a influência do álcool
Logo,
Silogismo jurídico - revisão
Maclennan v. Maclennan (1958)O divórcio é permitido em caso de adultério
A Sra. Maclennan engravidou artificialmente sem o consentimento do Sr. Maclennan
Logo,
0. Era a intenção do legislador conceder o direito de divórcio em todo caso de traição da confiança
conjugal. Logo,
1. O divórcio é permitido em caso de gravidez artificial sem consentimento
2. Sra. Maclennan engravidou artificialmente sem consentimento do marido
Logo,
Precedentes
Vincula a norma geral que funciona como
premissa maior do silogismo judicial...
Precedentes
Riggs v Palmer (1889)
Ninguém pode se beneficiar do próprio ato
ilícito
Palmer matou seu avô pela herança
Logo,
Precedentes
Casos em que a ratio não é clara:
> O órgão judicial não constrói um silogismo completo
> Em um órgão colegiado que admite votos
Precedentes
Regra geral para a determinação da ratio nesses casos:
Vale a norma mais estreita entre as opções plausíveis.
Precedentes
---Palmer matou seu avô pela herança Logo,
Precedentes
Candidatos:
> Niguém pode se beneficiar do próprio ato ilícito > O herdeiro que trai o testador não pode receber a herança