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POR UM POUCO MAIS DE LIBERDADE. de Rogério Ferro. Inspirado em "O Livro dos Espíritos"

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Academic year: 2021

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Inspirado em "O Livro dos Espíritos"

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EXT. RUA DA PRISÃO - DIA TOM DE DOCUMENTÁRIO.

ANTÔNIO, 62 anos, está em frente ao portão fechado de uma penitenciária, com uma malinha na mão. Ele olha as horas em seu relógio. Sua expressão não é feliz.

ANTÔNIO (V.O.)

25 anos... 25 anos preso e de repente... eu estou livre.

Antônio olha para os lados meio sem saber onde ir. Antônio tira do bolso e desdobra um papel. Dá uma olhada e guarda. Começa a andar.

CORTA PARA.

EXT. PONTO DE ÔNIBUS - DIA TOM DE DOCUMENTÁRIO.

Antônio espera ao lado de outras pessoas. Quando um ônibus para ele conversa com o motorista.

CORTA PARA.

INT. ÔNIBUS - DIA

TOM DE DOCUMENTÁRIO.

Antônio, sentado, observa as ruas pela janela. CRÉDITOS INICIAIS.

CORTA PARA.

EXT. RUAS DO CENTRO - DIA TOM DE DOCUMENTÁRIO.

(3)

Antônio anda um pouco assustado pelas ruas do centro da cidade.

Consulta sempre o pedaço de papel que está em seu bolso. Vez ou outra para pra pedir uma informação, mas as pessoas não são lá muito

simpáticas.

ANTÔNIO (V.O.)

Está tudo muito diferente. A vida parece mais apressada. As pessoas menos pacientes. Os rostos estão menos

amigáveis... Eu deveria estar feliz, estou pronto para voltar a sociedade...

Antônio tem dificuldades em atravessar algumas ruas. É quase atropelado por um motoqueiro que se desvia xingando.

ANTÔNIO (V.O.)

... Mas não sei se ela também está pronta para me aceitar...

Antônio passa por mendigos no caminho, e finalmente chega em frente a um prédio.

CORTA PARA.

INT. PRÉDIO / KITNET - ANOITECER

Antônio sobe pelo elevador. Anda pelo corredor procurando o número certo. Levanta um tapete e encontra uma chave, com a qual abre uma porta. Antônio entra nesta humilde casa que, pequena, está vazia, porém muio bem arrumada e limpa. Antônio parece mais feliz agora, apesar de cansado. Ele olha uma foto de uma mulher. A porta se abre, e a mesma mulher da foto, sua FILHA, 35 anos, entra.

FILHA

Oi pai!

ANTÔNIO Filha!

(4)

FILHA

E aí, tudo bem? Conseguiu achar fácil aqui ou deu muito trabalho?

ANTÔNIO

Não, não, foi tranquilo, tudo bem. Acabei de chegar também.

FILHA

Vem, vamos tomar um banho, o pai deve estar cansado. Enquanto isso eu preparo uma janta bem gostosa pra gente.

ANTÔNIO Ô minha filha...

CORTA PARA.

INT. KITNET - NOITE

A filha, timidamente feliz e sem conseguir agir muito naturalmente, prepara a janta e arruma sua cama, onde agora seu pai irá dormir.

ANTÔNIO (V.O.)

Minha filha é mesmo ótima. De respeito, trabalhadora... Ela até se casou quando eu estava... quando eu não estava por perto. Mas o marido morreu. Hoje... hoje ela parece que não se diverte mais, que se acostumou com isso. Mas acho que não tem muita opção também né...

CORTA PARA.

INT. KITNET - MANHÃ

Antônio acorda. O relógio ao lado da cama diz que é cedo. Levanta para tomar o café que já está posto. Sua filha, pronta para trabalhar, beija o pai e sai.

(5)

FILHA

Preciso ir que eu tô atrasada pai, mas qualquer coisa me liga, viu?

Antônio come seu café da manhã sem pressa. Limpa e arruma a cozinha. LENTA PASSAGEM TEMPORAL.

Escova os dentes. Troca de roupa. Já vestido, olha para o relógio. É cedo. Antônio tenta fazer o tempo passar. Folheia uma revista. Olha a janela de longe. Come alguma coisinha. O relógio na parede mostra que o tempo não passa. Assiste TV. Cochila sentado no sofá. Fica enrolando. No relógio de uma mesinha, não muito tempo se passou.

CORTA PARA.

INT. KITNET - NOITE

Antônio e a filha jantam, mas não têm muito assunto. ANTÔNIO

E como foi o seu dia filha?

FILHA

Bom. Normal, nada de mais... E o pai, saiu, fez alguma coisa?

ANTÔNIO

Não... (sem graça) Eu não tenho muita vontade de sair lá fora não, sabe?

FILHA

Hm. Mas não tem problema não... E não precisa ter pressa, viu? O pai só precisa de um pouco mais de tempo pra se adaptar de novo, só isso...

(6)

INT. KITNET - NOITE Pai e filha dormem.

CORTA PARA.

INT. KITNET / CORREDOR - DIA

Antônio passa o dia novamente sozinho dentro de casa. Desta vez ele se aproxima da janela e observa a cidade em movimento. Os relógios da casa marcam as horas que sofrem para passar. Ele vai até a porta e a abre. Olha o corredor vazio. Ouve um barulho vindo do elevador e se assusta, voltando-se para dentro de casa e fechando a porta. Silêncio. Depois de um momento, com mais calma, Antônio abre novamente a porta e sai aos poucos pelo corredor. Ele anda, como se vencesse o próprio medo. De repente uma porta se abre e Antônio fica paralisado. Uma simpática SENHORA, 65 anos, sai de um dos apartamentos e encontra Antônio parado no corredor.

SENHORA Boa tarde.

ANTÔNIO Boa tarde.

SENHORA

O senhor deve ser o pai da Julia, do 507...

ANTÔNIO Sou sim...

SENHORA

Ah, a sua filha é um amor de pessoa... Meus parabéns, o senhor educou muito bem ela, viu?

ANTÔNIO (sem graça)

(7)

SENHORA

E faz tempo que o senhor chegou? Foi bem de viagem?

ANTÔNIO

Viagem?

SENHORA

Sim, sua filha comentou que o senhor vinha do interior...

ANTÔNIO

Ah sim, claro... Isso mesmo. Foi tudo bem, tudo bem...

SENHORA (lembrando-se)

Ai, que maravilha encontrar o senhor por aqui. A Julia me falou que o senhor é relojoeiro, será que o senhor podia dar uma olhadinha no meu relógio, eu não sei o que aconteceu...

ANTÔNIO

Ah, mas isso foi há muito tempo atrás... SENHORA

Só uma olhadinha, não custa nada... ANTÔNIO

(animado)

Claro, claro, se eu puder ajudar...

A senhora entra e volta com um rádio relógio eletrônico. Antônio olha o aparelho, mas não faz idéia do que fazer.

ANTÔNIO

Vixe... É que desses aqui... Faz muito tempo que eu não mexo mais com essas coisas, sabe?

(8)

SENHORA

Ah, mas olha melhor, as vezes, não sei, leva pra sua casa, depois o senhor me devolve.

ANTÔNIO

A senhora vai me desculpar, eu lamento muito...

A senhora muda de humor. Acha que Antônio está de má vontade e tira o aparelho das mãos dele.

SENHORA (decepcionada)

Deixa. Não tem problema não. Depois eu levo no conserto.

A senhora entra pra dentro de casa, deixando Antônio abandonado no corredor. Decepcionado consigo mesmo, ele volta lentamente para sua casa.

CORTA PARA.

INT. KITNET - NOITE

Antônio, desanimado, e a filha assistem TV em silêncio.

CORTA PARA.

INT. KITNET - NOITE Antônio e a filha dormem.

CORTA PARA.

INT. KITNET - DIA

Antônio está a janela vendo a cidade. O relógio mostra o tempo. De repente, lá embaixo, na entrada do prédio, sua filha chega em um carro.

(9)

Ela e a Senhora, dona do veículo, começam a tirar sacolas de compras de supermercado do porta-malas do carro. Antônio decide descer para ajudá-las.

CORTA PARA.

EXT. RUA DO PRÉDIO - DIA

A filha e a Senhora, tiram as compras do porta-malas. Antônio chega de dentro do prédio, empolgado.

ANTÔNIO Oi filha, deixa eu te ajudar.

FILHA

Pai? Imagina pai, não precisa não, pode deixar.

Antônio começa a pegar algumas sacolas, ignorando a filha e querendo ajudar.

FILHA

Calma pai, espera, essa daqui é da Dona Maria.

ANTÔNIO Tudo bem, eu levo também.

FILHA

Espera pai, cuidado com esse aqui, ta pesado...

ANTÔNIO

Não tem problema minha filha...

Antônio, empolgado demais, pega muitas sacolas de uma só vez e sai andando. Uma sacola se rasga, deixando cair coisas no chão. Antônio tenta recuperar elas mas se atrapalha e derruba outras coisas, também quebrando algumas, chamando a atenção dos transeuntes em volta.

FILHA

(10)

9.

Ao ouvir as advertências da filha, Antônio pára. Com as coisas todas no chão, se acalma percebendo o que acabara de fazer e espera pela filha, que recolhe tudo do chão.

FILHA

Deixa, deixa!

Frustrado, Antônio olha em volta e percebe que todas as pessoas que passavam por ali estão agora olhando para ele naquela situação.

ANTÔNIO (V.O.)

Esse olhar... As pessoas na prisão podem ter feito coisas horríveis, mas elas nunca me deram um olhar desse. Esse olhar, só com as pessoas aqui de fora...

CORTA PARA.

INT. KITNET - DIA

Antônio está sozinho mais uma vez. O apartamento parece cada vez menor e opressor. Antônio está sentado, parado, sem o que fazer, olhando o nada. Sua expressão é deprimida.

ANTÔNIO (V.O.) (cont’d)

... Por que eu não me sinto livre? Por 25 anos minha tarefa foi ficar trancado em uma cela ao lado dos piores homens que existem. E foi lá que eu fiz os meus melhores amigos. Porque lá a gente se ajudava, a gente entendia o sofrimento do outro... enquanto o grande dia não vinha. O dia em que a gente conquistasse a nossa liberdade... Acontece que, na prisão, depois de tanto tempo, esse grande dia vira aquelas coisas que você acha que nunca vai acontecer com você. Você se acostuma tanto com a prisão que chega num ponto que você não quer mais sair de lá. Sair pra que?

(11)

O que é que a gente vai conseguir lá fora? (pausa) A pior prisão é essa que fica aqui do lado de fora. E eu já não tenho mais forças pra aguentar tudo isso. Estou com mais de 60 anos, e o mundo hoje não parece com nada o mundo de 84, aliás parece que só piorou... E se minha filha acha que está velha para se casar de novo e refazer a vida dela, imagina eu...

CORTA PARA.

INT. KITNET - NOITE

Antônio e sua filha estão deitados. Ela dorme, mas Antônio permanece com os olhos abertos olhando o nada, da mesma maneira.

ANTÔNIO (V.O.) (cont’d)

... A esta altura da vida, depois de tudo o que eu passei, eu não tenho nada, não quero nada e nem sonho com mais nada também. (pausa) Minha filha querida, você é uma moça linda. Não merece um velho como eu que já não serve mais pra nada atrapalhando a sua vida...

CORTA PARA.

INT. KITNET - DIA

Antônio está sozinho, sentado a mesa, escrevendo uma carta. No papel é possível ler tudo o que Antônio vem dizendo em V.O. ao longo do filme. Agora, ele escreve ao mesmo tempo em que fala.

ANTÔNIO (V.O.) (cont’d)

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Antônio termina de escrever. Dobra o papel e o guarda em um envelope que deixa sobre a mesa.

Ele se levanta. Anda em direção a janela aberta. ANTÔNIO (V.O.) (cont’d)

Perdão senhor. Perdão.

CAM SUBJETIVA. Antônio sobe no beiral da janela. Olha para baixo. Olha para o céu. Respira. Olha para dentro, em direção a porta. Volta e olha de novo o horizonte por um momento.

Fecha os olhos. Solta uma mão. SOM DE UMA MULHER GRITANDO. Antônio se segura novamente. Ele olha para a porta atento para ver se ouve mais alguma coisa. Antônio respira pensativo sem saber o que fazer. Meio contrariado, acaba descendo do beiral, indo até a porta e saindo no corredor para averiguar.

CORTA PARA.

INT. CORREDOR - DIA

Antônio olha para os dois lados do corredor e nada vê. De repente a porta de um dos apartamentos se abre e uma pessoa sai ao corredor. É Dona Maria, a Senhora. Ela está aflita e com a mão enfaixada com um pano de prato.

SENHORA

Seu Antônio, o senhor caiu do céu, só o senhor pode me ajudar!

Antônio, interrompido e pego totalmente de surpresa, não reage. Dona Maria, então, puxa Antônio para seu apartamento.

SENHORA Vem cá Seu Antônio!

(13)

INT. KITNET DA SENHORA - DIA

O piso do apartamento está todo sujo e inundado de sopa por uma grande panela derrubada no chão. No fogão há pelo menos 3 outros panelões iguais cozinhando.

SENHORA

Eu tô com essa panela enorme de sopa no fogo e preciso que alguém olhe pra mim...

ANTÔNIO

Mas o que a senhora fez na mão? SENHORA

Então Seu Antônio, eu me queimei... preciso descer até a farmácia agora...

ANTÔNIO Deixa eu dar uma olhada...

SENHORA

Não Seu Antônio, isso aqui não é nada, a panela é mais importante, eu preciso que o senhor olhe a sopa pra mim, por favor Seu Antônio...

ANTÔNIO (animado)

Claro, claro! Pode deixar que eu cuido de tudo aqui. Não precisa se preocupar. Vai tranquila, pode confiar!

FADE OUT. EXT. RUAS DO CENTRO - NOITE

TOM DE DOCUMENTÁRIO.

Um carro estaciona perto de um grupo de mendigos. É um grupo de solidariedade a moradores de rua.

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No meio deste grupo está a Senhora Dona Maria com a mão

devidamente enfaixada, Júlia e Antônio, que parece feliz. Eles ajudam o grupo a servir sopa e destribuir cobertores. Os moradores de rua ficam animados. Antônio, mais do que satisfeito e agora com um brilho no olhar, se sente realizado e útil.

Referências

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