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Federalismo cooperativo no arranjo institucional de água e esgoto: busca pelo sustentável e regionalmente equilibrado

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

MARIA TERESA CONTI VIEIRA

FEDERALISMO COOPERATIVO NO ARRANJO INSTITUCIONAL DO SANEAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO: BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL E REGIONALMENTE EQUILIBRADO

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FEDERALISMO COOPERATIVO NO ARRANJO INSTITUCIONAL DO SANEAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO: BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E

REGIONALMENTE EQUILIBRADO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire.

FORTALEZA

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Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

V716f Vieira, Maria Teresa Conti.

Federalismo cooperativo no arranjo institucional de água e esgoto : busca pelo desenvolvimento sustentável e regionalmente equilibrado / Maria Teresa Conti Vieira. – 2016.

63 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Profa. Dra. Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire.

1. Saneamento básico. 2. Água e esgoto. 3. Desenvolvimento econômico. 4. Desenvolvimento sustentável. 5. Arranjo institucional. I. Título.

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À minha professora orientadora, Geovana Cartaxo, que me ajudou neste processo e me fez perceber o saneamento como um problema muito mais central e articulado do que eu antes compreendia.

Aos meus chefes na Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, Ivo de Carvalho, Liliane Gondim e Gislene de Lima, que muito me ensinaram e me proporcionaram um ambiente de aprendizado extraordinário. Mas especialmente ao chefe e professor Álisson Melo, que me ensinou, me orientou, me supervisionou e foi sempre um grande amigo.

Ao professor Jair do Amaral Filho, que me orientou no Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais – GEDAI, que me encorajou a enfrentar o desafio do problema do saneamento. A todos os colegas do GEDAI, que me inspiraram a me dedicar à pesquisa.

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O serviço público de saneamento de água e esgoto é essencial para o desenvolvimento das comunidades, sendo a um tempo o objetivo do processo de desenvolvimento e seu fator determinante. As insuficiências na prestação desse serviço implicam agravamento da situação de subdesenvolvimento da comunidade afetada e, em um Estado federado, aprofundam as desigualdades regionais. O federalismo cooperativo, modelo que orienta o pacto brasileiro, deve estabelecer mecanismos de superar tais desigualdades. No Brasil, os serviços públicos, especialmente os de saneamento básico, estão devidamente munidos dos instrumentos jurídicos de promoção da cooperação. Tal ambiente legal, no entanto, é relativamente recente e faz-se oportuna uma avaliação da efetividade dos instrumentos sobre o atendimento do serviço. Este trabalho analisa o arranjo institucional da prestação do serviço de água e esgoto no Brasil para avaliar se os objetivos de desenvolvimento equilibrado, igualitário e sustentável, como determina o arcabouço legal pertinente, estão sendo atendidos, e qual o impacto dos instrumentos de cooperação federativa nesse sistema. Os resultados observados demonstraram que a evolução do sistema partiu da prestação municipalizada e desarticulada, que se provou insuficiente, passou por um grande esforço de regionalização da prestação com base nos Estados federados, nos anos 1970 e 1980 sob o PAEG e o PLANASA, que também se mostrou deficiente na universalização e no equilíbrio regional do desenvolvimento, e hoje se encaminha para um sistema de articulações e arranjos cooperativos com o objetivo de melhor atender às necessidades específicas de cada espaço, bem como sanar as distorções de níveis regionais de desenvolvimento. No entanto, a formação de uma estrutura com base na cooperação federativa encontra-se ainda em seus estágios iniciais, de internalização pelo setor dos instrumentos legais disponibilizados. A pesquisa realizada teve natureza exploratória e descritiva, apoiada no levantamento de dados disponíveis no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, bem como em pesquisa bibliográfica. Sobre os dados encontrados, verificou-se a hipótese expressa, formulada com base na legislação do setor, de que este se encaminha para um arranjo de cooperação entre os entes federados, a qual se mostrou parcialmente verdadeira. O processo formativo da cooperação federativa no serviço de água e esgoto no Brasil ainda não se completou.

Palavras-chave: Saneamento básico. Água e esgoto. Desenvolvimento econômico.

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The public service of water sanitation is crucial to the development of communities, acting at the same time as the goal of the development process and its determining factor. Shortcomings in the provision of this service worsen the situation of underdevelopment in the affected communities and, within a federation, deepen existing regional imbalances. Cooperative federalism, which is the model followed by the Brazilian federation, should establish mechanisms designed to override such imbalances. In Brazil, public services, especially sanitation ones, are properly equipped with legal instruments designed to foster cooperation. These are, however, relatively new and an evaluation of how effective these instruments have been is in order. It is the goal of this essay to analyze the institutional arrangement of the water sanitation service in Brazil, evaluating whether the goals of balanced, equal and sustainable development – as it has been defined in legislation – have been achieved, and what is the impact federative cooperation instruments have had on this system. Obtained results point to an evolution of the sector which has started out on municipality-based and isolated management system, which has proven insufficient, and underwent an effort towards regionalized state-based management, in the 1970s and 1980s, under the PAEG and PLANASA plans, which has also proven deficient in achieving either the universalization of the service or a regionally balanced development. Currently, the sector moves towards a system based on cooperative arrangements and articulations, aiming at better serving the specific needs of each region as well as at rectifying development level distortions between federate states. However, the formation of an institutional structure based on federal cooperation is still under process, currently internalizing the legal instruments recently made available. The research conducted was of exploratory and descriptive nature and was based on data available at the National Information System on Sanitation, as well as on literature on the subject. Once the data was established, the working hypothesis – which had been based on the legislation of the sector, namely, that sanitation is moving towards an arrangement of cooperation among the federate entities – was tested against them, proving partially true. The formative process of the cooperative arrangement of water sanitation services in Brazil is not yet complete.

Keywords: Water sanitation. Economic development. Sustainable development. Cooperative

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BNH Banco Nacional do Desenvolvimento

CEF Caixa Econômica Federal

CESB Companhia Estadual de Saneamento Básico

DAE Departamento de Água e Esgoto

DNOS Departamento Nacional de Obras de Saneamento

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FSESP Fundação Serviços de Saúde Pública

FUNASA Fundação Nacional da Saúde

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

LNSB Lei Nacional do Saneamento Básico

MCID Ministério das Cidades

OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

ODM Objetivos do Milênio

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PAEG Plano de Ação Econômica do Governo

PLANASA Plano Nacional de Saneamento

PNRH Política Nacional dos Recursos Hídricos

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgoto

SESP Serviço Especial de Saúde Pública

SNIS Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento

SNIS-AE Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de Água e Esgoto

SNIS-RS Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de Resíduos Sólidos

SNSA Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ... 11

2.1 Sustentabilidade ambiental ... 12

2.2 O aspecto social e o desenvolvimento humano ... 14

2.3 Condicionantes jurídicas do desenvolvimento ... 18

2.3.1 Constituição Federal ... 18

2.3.1 Normas de direito internacional ... 19

2.3.1 Desenvolvimento sustentável na Lei Nacional do Saneamento Básico... 20

3 SANEAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO ... 22

3.1 Relações entre saneamento e desenvolvimento ... 23

3.1.1 Saneamento nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU ... 23

3.1.2 Saneamento e IDH ... 27

3.1.2 Desenvolvimento igualitário e equilibrado ... 27

3.2 O problema do saneamento no Brasil ... 28

3.2.1 Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento ... 28

3.2.1.1 Abastecimento de água ... 30

3.2.1.2 Coleta de esgoto ... 31

3.2.1.3 Tratamento de esgoto ... 31

3.2.2 A performance regional dos índices de cobertura ... 32

4 EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO SETOR DE ÁGUA E ESGOTO ... 35

4.1 Antecedentes históricos do serviço de água e esgoto ... 35

4.1.1 Gestão municipalizada: DAEs e SAAEs ... 35

4.1.2 PLANASA e o modelo das companhias estaduais... 37

4.2 Constituição democrática de 1988 e federalismo cooperativo na prestação do serviço público de saneamento básico ... 41

4.2.1 Ambiente legal da cooperação federativa nos serviços públicos ... 43

5 ARRANJO INSTITUCIONAL DO SANEAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO NO BRASIL ... 46

5.1 Prestadores municipais ... 47

5.2 Prestadores estaduais ... 48

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5.4.1 Órgãos e autarquias municipais ... 51

5.4.2 Empresas públicas e sociedades de economia mista ... 51

5.4.3 Modalidades de participação de empresas privadas ... 53

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1 INTRODUÇÃO

O serviço de saneamento de água e esgoto é essencial para a qualidade de vida e a dignidade das pessoas. Por um lado, trata-se de um benefício substantivo na vida das pessoas, um que se tem razão para valorizar por si mesmo, um fim, antes de um meio, do processo de desenvolvimento. Por outro lado, o saneamento básico é o maior responsável pela promoção da saúde pública, possibilitando que as pessoas tenham saúde e tempo disponível suficientes para estudar e trabalhar. Nesse sentido, o saneamento tem impacto sobre os fatores do desenvolvimento econômico: força de trabalho e pesquisa e desenvolvimento. Por sua vez, o desenvolvimento econômico gera crescimento de riqueza, que é reinvestida no setor do saneamento, produzindo um círculo virtuoso de desenvolvimento.

No Brasil, entretanto, esse mecanismo encontra-se imperfeitamente estruturado. Em uma análise da performance da prestação do serviço de água e esgoto, uma das características mais marcantes é a desigualdade no desenvolvimento do setor, que apresenta atendimento satisfatório ou quase nas regiões e Estados já tradicionalmente dotados de maiores vantagens e níveis alarmantes de insuficiência de atendimento nas regiões mais pobres. Dado o caráter instrumental do saneamento para o desenvolvimento, tal desigualdade contribui para agravar a distorção entre os níveis de desenvolvimento de cada região.

Ocorre, no entanto, que o pacto federativo brasileiro é juridicamente pautado pelo princípio da solidariedade e condicionado pela necessidade de reduzir as desigualdades sociais e regionais no avanço do desenvolvimento nacional. A situação, portanto, de desigualdade flagrante é inaceitável do ponto de vista jurídico e medidas devem ser tomadas para reverter esse quadro.

No atual momento político do estado brasileiro, a cooperação entre os entes federados é o caminho apontado para aprimorar o setor do saneamento de água e esgoto. Alguns instrumentos estão disponíveis no ordenamento para operacionalizar essa cooperação, mas o setor ainda não conseguiu internalizá-los completamente. Este trabalho propõe a análise do arranjo institucional do serviço de saneamento para observar como se estrutura, hoje, a relação entre atores e funções do sistema, e verificar o quanto a proposta legal de cooperação federativa tem impactado esse serviço.

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momento de reorganização institucional em direção a um arranjo orientado pela cooperação federativa, estruturado em relações de convênios e consórcios, como sugere a legislação relevante para o setor hoje em vigor. De fato, nem sempre aquilo que é estabelecido em nível deontológico pelas normas jurídicas alcança concretizar-se na realidade, frequentemente demandando um tempo de ajuste. Confrontar a realidade com os objetivos colocados em normas programáticas é um exercício oportuno, inclusive para determinar as intervenções que se fazem necessárias.

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2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Qualquer discussão que envolva o tema de desenvolvimento econômico precisa atravessar uma fase preparatória em que se defina o entendimento adotado de desenvolvimento. Esse problema é objeto de todo um ramo da economia, que vem tratando de analisá-lo por quase um século. Quando a questão surgiu, a discussão concentrava-se em encontrar maneiras de promover o desenvolvimento, que seria mensurado com indicadores econômicos tais como produto interno, renda interna, taxa de investimento, com os quais se procurava verificar em termos agregados o aumento da riqueza dentro de um país. Com o passar do tempo e a sofisticação da área de estudo, a discussão passou a incluir a questão da definição de desenvolvimento.

Tal mudança justifica-se pela observação de fenômenos tais como o existente no Brasil, em que o aumento da riqueza do país não afetou drasticamente a vida dos cidadãos.1 Seria adequado chamar de desenvolvimento um crescimento econômico que não implica melhoria na qualidade de vida das pessoas, ou que mantém-se apropriado por uma parcela reduzida da população?

A riqueza do mundo vem crescendo, nas últimas décadas, de forma expressiva. O Brasil é um país que vem apresentando crescimento acelerado, tendo-se destacado e integrado o bloco das economias emergentes com potencial de modificar as relações econômicas internacionais no futuro próximo. Ao mesmo tempo, o discurso dos analistas econômicos na mídia dá a entender que não basta crescer, mas que é preciso quebrar a cada ano recordes de taxas de crescimento. Em algum momento é preciso perguntar-se se é necessário ainda mais desenvolvimento econômico.

Passa a compor a discussão o objetivo dos esforços de desenvolvimento, o ganho para a sociedade e para os indivíduos, o custo do crescimento em termos de recursos naturais, a possibilidade de desenvolver a qualidade de vida sem depender de crescimento de produção (e consequentemente consumo). Nessa discussão surgiram conceitos tais como desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentável, utilizados na análise proposta neste trabalho.

1 No ranking de volume de PIB do Banco Mundial, publicado em out. 2016 e referente ao ano de 2015, o Brasil

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Figura 1 – PIB2 mundial ao longo do tempo, 1960 a 2015

Fonte: World Bank (2016)

“Desenvolvimento sustentável”, entretanto, é um conceito plástico, adotado com diferentes finalidades, por diferentes áreas do conhecimento e até por discursos políticos díspares, sendo oportuno apresentar, portanto, o conceito de desenvolvimento sustentável que se aplica à presente análise.

Trata-se de um conceito construído com base em fundamentos jurídicos, que nem sempre é satisfatoriamente completo para as necessidade da análise e nem sempre ajusta-se às posições políticas a que se afilia o agente que adota o termo. Como conceito jurídico, também é insatisfatoriamente aberto e indefinido. De qualquer forma, fornece uma orientação sobre o sentido adotado para a discussão da interação entre o desenvolvimento, o saneamento e o federalismo cooperativo aqui exposta.

2.1 Sustentabilidade ambiental

O desenvolvimento sustentável tem um aspecto econômico, um aspecto social e um aspecto ambiental. O aspecto econômico é o crescimento da riqueza, verificável pelos indicadores de PIB, taxa de industrialização, investimento agregado etc.

2 PIB, Produto Interno Bruto, ou GDP, Gross Domestic Product, em inglês, é um indicador econômico agregado

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O aspecto ambiental é o mais celebrado, e sua definição está muito ligada à ideia de responsabilidade intergeracional. A ideia é que a produção consome recursos ambientais e o crescimento da produção consome tais recursos a taxas que impedem o ambiente de se recuperar e recompor as reservas necessárias à qualidade de vida das gerações futuras. Ou ainda, são consumidos recursos ambientais não renováveis sem o desenvolvimento de alternativas econômicas que possam garantir às gerações futuras um ambiente econômico saudável.

A questão da qualidade do meio ambiente como um fim em si mesmo também compõe o conceito de sustentabilidade ambiental. A exploração dos bens ambientais a taxas crescentes para sustentar o crescimento econômico progressivo provoca a degradação do meio ambiente a tal ponto que pode privar as gerações futuras do gozo do um ambiente saudável, bonito, interessante, próprio ao lazer, promotor de bem-estar, assim como nós o encontramos (em parte) no nosso tempo de vida. O meio ambiente tem várias funções nas vidas das pessoas e das sociedades que não são dotadas de valor econômico, mas que tem um valor em si mesmas. Trata-se de uma vantagem que nós temos razão para valorizar por si mesma, e não pelo benefício que sua exploração pode trazer.

Com a publicação do documento Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, um dos textos adotados pela Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida em português como ECO-92, a ONU reconhece como a sustentabilidade como preocupação central sobre o desenvolvimento. Tal preocupação é um fenômeno que se inicia com a Conferência de Estolcomo de 1972, sob um ambiente científico influenciado pelo livro The limits to growth, preparado pelo Clube de Roma e publicado naquele ano, sobre os limites do crescimento econômico pelo ponto de vista dos recursos naturais como fator da produção. As teorias expostas em The limits to growth tiveram grande impacto na comunidade econômica e foram comentadas, bem como criticadas, por diferentes economistas da época.

Celso Furtado discutiu o problema em O mito do desenvolvimento, publicado em 1974. Em resumo, explica Furtado (1974, p. 19) que um sistema econômico, suponha uma economia nacional, não pode suprir autonomamente todas as necessidades de recursos naturais de sua produção; é necessário, para isso, a abertura do sistema, incluindo-o na economia internacional de forma a obter os recursos de que necessita dos demais países. A fronteira externa do sistema, com tal abertura, passa a ser vista como ilimitada.

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efetivamente a realizar-se, “se as atuais formas de vida dos povos ricos chegam efetivamente a universalizar-se?” (FURTADO, 1974, p. 19) A resposta oferecida pelo estudo do Clube de Roma é direta: o colapso do sistema econômico mundial em consequência da pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente.

Trata-se de uma projeção catastrófica e, segundo Furtado, alarmista. O sistema econômico mundial, em razão principalmente da divisão internacional do trabalho e da estrutura centro-periferia, na opinião do economista brasileiro, tem freios que impedem a realização daquela projeção e que agravam, no processo, o subdesenvolvimento das economias periféricas. Uma projeção em que todas as economias se tornassem centrais é, para Furtado, impossível.

A preocupação com a capacidade do sistema econômico mundial de manter o nível de crescimento da produtividade sem provocar colapso econômico e ambiental, levantada pelo Clube de Roma, espalhou-se pela comunidade acadêmica e alcançou a atenção da ONU. Em 1983, é criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ligada à Assembleia Geral, nos termos do art. 22 da Carta das Nações,3 para debater o problema.

O relatório final produzido pela Comissão é conhecido como Relatório Brundtland, e introduz o conceito de sustentabilidade como responsabilidade intergeracional: o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades. Tal conceito é formalmente expresso na Declaração do Rio (UNITED NATIONS, 1992), no Princípio 3: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras.” É essa concepção de desenvolvimento sustentável vem sendo trabalhada pela ONU nas últimas décadas, e que é adotada por grande parte dos atores no atual cenário do desenvolvimento.

2.2 O aspecto social e o desenvolvimento humano

O aspecto social do desenvolvimento está ligado às mesmas ideias que orientam a noção de estado social, segundo a qual o Estado tem uma responsabilidade de fornecer níveis mínimos de renda, alimentação, saúde, educação etc., que são compreendidos como direitos políticos dos cidadãos (BOBBIO; METTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 416). O Estado social, na explicação de Bobbio (id., p. 401), é uma resposta da estrutura de Estado burguês liberal às demandas

3ONU. Carta das nações unidas. São Francisco, 1945. Art. 22: “A Assembleia Geral poderá estabelecer os órgãos

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proletárias do séc. XIX, representando a participação de cidadãos de todos os níveis sociais na distribuição de poder e de riquezas.

No problema do desenvolvimento, a questão da participação da riqueza é a questão da distribuição do crescimento obtido. Os índices de crescimento econômico ainda utilizados, embora hoje criticamente, expressam a performance agregada da economia, mas não é raro ver uma determinada sociedade aumentar os níveis de produção e renda agregadas sem se notar o enriquecimento do local: grande parte da população mantém baixos níveis de escolarização, ou a segurança alimentar ainda é instável, ou, grande e visível evidência dos níveis de riqueza das comunidades, não há saneamento de água e esgoto ou este é insuficiente.

A Declaração do Direito ao Desenvolvimento, publicada pela ONU em 1986 apresenta, em seu preâmbulo, a seguinte definição de desenvolvimento: “o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes”.

Observe-se que nessa concepção social, o desenvolvimento não é restrito ao crescimento econômico, mas compreendido como um processo multidimensional, “econômico, social, cultural e político”. Este ponto de vista aproxima-se da concepção de Amartya Sen de desenvolvimento como liberdade (SEN, 2010).

As liberdades, na tese desse economista, têm tanto um papel instrumental no desenvolvimento – como “meio conducente” ao desenvolvimento – quanto um papel constitutivo do desenvolvimento. Para Sen, “o papel constitutivo relaciona-se à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana” (SEN, 2010, p. 55); trata-se de liberdades como as de evitar a fome e a morte precoce, de saber ler e calcular, de ter participação política e liberdade de expressão. Essas são liberdades que as pessoas têm motivos para valorizar per se, não exclusivamente como meios para algum outro fim.

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das liberdades no desenvolvimento é reconhecido no texto do artigo 1º, §1º, que afirma que no desenvolvimento os direitos humanos e as liberdades fundamentais podem ser “desfrutados”:

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, para ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES..., 1986, art. 1º, §1º)

Na tese de Sen, como as liberdades são também constitutivas do desenvolvimento, a análise do processo de desenvolvimento deve levá-las em consideração, ao invés de limitar-se a índices como o PNB e a taxa de industrialização (SEN, 2010, p. 55). O desenvolvimento, naquele momento, já não é mais concebido como o mesmo que crescimento econômico, mas como processo multidimensional. A Declaração do Direito ao Desenvolvimento insiste, ao longo do texto, na expressão “desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Um aspecto da concepção de desenvolvimento da Declaração de 1986 que vale a pena ressaltar é que, desde o surgimento esse texto, “a pessoa humana é o sujeito central do processo de desenvolvimento” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES..., 1986, art. 2º, §1º). Esse dispositivo não apenas estabelece que a preocupação do desenvolvimento é com a pessoa humana, o indivíduo, em oposição à preocupação com o mercado, mas estabelece a pessoa humana como sujeito do processo de desenvolvimento. O sujeito do processo é aquele que age a mudança, como se pode ver em outras passagens da mesma Declaração, que detém a responsabilidade pelo desenvolvimento (art. 2º, §2º). É a um tempo o beneficiário final do desenvolvimento e sua força motriz, em coerência com teoria de Amartya Sen que discute os dois papéis da liberdade no desenvolvimento.

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Para dar ênfase ao entendimento de que o desenvolvimento dos países deve ser medido não pela performance agregada da economia, mas pela qualidade de vida das pessoas que o habitam e suas capacidades, foi criado o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é avaliado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse índice considera três dimensões: longevidade e saúde, escolarização e um padrão de vida decente.4

A longevidade é medida pela expectativa de vida ao nascer. A escolarização, pela média de anos de escolarização das pessoas acima de 25 anos e pelos anos de escolarização que a pessoa tem expectativa de receber ao nascer. Por fim, o padrão de vida é medido pela renda nacional5per capita.

Figura 2 – Dimensões, indicadores e índices do IDH

Fonte: UNDP (2015)

O IDH é uma criação importante no sentido em que indica mudança de paradigma na compreensão do sistema internacional do que significa desenvolvimento. No entanto, como índice, ele é reconhecidamente simplista e limitado, no sentido que não leva em conta aspectos importantes do desenvolvimento compreendido como liberdades pessoais, tais como desigualdade social, desigualdade de gênero, pobreza ou segurança. O PNUD tenta compensar essa dificuldade com a medição paralela de indicadores relativos a esses critérios, gerando os índices Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade, Índice de Desenvolvimento de Gênero, Índice de Desigualdade de Gênero e Índice Multidimensional de Pobreza.

4Tradução livre dos termos originais em inglês na página do PNUD (www.undp.org): “a long healthy life”, “knowledge” e “a decent standard of living”. A página do PNUD-Brasil não estava disponível.

5 Renda Interna Bruta, RIB, ou GDI, Gross Domestic Income, em inglês, é um indicador econômico agregado que

tem igualdade com o PIB, mas que mede a riqueza não pela ótica da produção, mas da remuneração dos fatores de produção (força de trabalho, terra, máquinas, equipamentos, tecnologia, capital financeiro) utilizados no processo produtivo dos bens e produtos.

O IDH é medido não pela Renda Interna, mas pela Renda Nacional (GNI, Gross National Income). A diferença

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2.3 Condicionantes jurídicas do desenvolvimento

O problema do desenvolvimento é largamente debatido nas ciências econômicas, sujeitos a diversas teorias e objetivos de análise. No momento, no entanto, que ele passa a configurar-se como objetivo do Estado e a ser foco de políticas públicas, ele é apreendido pela dimensão jurídica e passa a ser objeto de normas jurídicas que balizam a formação daquelas políticas públicas.

2.3.1 Constituição Federal

Assim, algumas ações orientadas para a promoção de desenvolvimento podem ser contrárias à disciplina legal relevante, justificando sua alteração, encerramento ou anulação, conforme o caso. Isto não apenas para ações do governo, mas também potencialmente para ações dos agentes privados. Tal é o que se conclui da parte final do art. 174, caput, da Constituição6, que determina, quanto ao planejamento realizado pelo Estado, que será indicativo das ações do setor privado. Assim, a ação do agente privado que desvie substancialmente do planejamento econômico nacional será contrária ao ordenamento.7

O tipo de desenvolvimento desejado pela República Federativa do Brasil está expresso nos objetivos fundamentais colocados pelo art. 3º da Constituição Federal. É preciso conjugar o inciso II, que dispõe como objetivo fundamental “garantir o desenvolvimento nacional”, com o inciso III, para concluir que o desenvolvimento que aqui se objetiva é aquele que promove a redução das desigualdades sociais e regionais.

Essa norma é repetida no artigo que trata da ordem econômica (CF, art. 170), no inciso VII, que dispõe como princípio desta a “redução das desigualdades regionais e sociais”, e no art. 174, §1º, que fala em “desenvolvimento regional equilibrado” e dispõe que seu planejamento será orientado por diretrizes a serem fixadas por lei. O objetivo do desenvolvimento regionalmente equilibrado será determinante do modelo de federalismo brasileiro, caracterizado pela cooperação entre os entes federativos, como adiante se discutirá.

Por sua vez, a sustentabilidade ambiental do desenvolvimento brasileiro é inferida do inciso VI do art. 170, que dispõe como princípio da ordem econômica a proteção do meio

6CF, art. 174: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá na forma da lei as

funções de fiscalização, incentivo e planejamento, este sendo determinante para o setor público e indicativo para

o setor privado.”

7 Note-se que uma ação de tal qualidade acabaria por afrontar alguma norma legal estabelecida, por exemplo, a

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ambiente. A conjugação deste dispositivo com o caput do art. 225 permite concluir que a Constituição de 1988 se afilia à noção de responsabilidade intergeracional8 sobre os recursos ambientais, econômicos e extraeconômicos, na perseguição do desenvolvimento econômico.

2.3.1 Normas de direito internacional

Não são apenas as normas domésticas que condicionam o desenvolvimento econômico, mas normas de direito internacional também têm aqui um papel importante. Os aspectos econômico e ambiental do desenvolvimento operam interrelações com o sistema internacional. A qualidade ambiental de um determinado país influi em processos ambientais globais, especialmente na questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. Já o crescimento econômico opera com ações como a captação de investimentos estrangeiros e a transferência de fatores tais como tecnologia e força de trabalho, sob normas internacionalmente colocadas para evitar abusos de poder econômico e coordenar esforços para o crescimento conjunto.

As normas de direito internacional que disciplinam as questões ambientais são com frequência normas de soft law. Esse tipo normativo opõe-se às normas de jus cogens e diferenciam-se por duas características. Em primeiro lugar, elas derivam de acordos de caráter político e não têm efeito vinculante, portanto, não produzem efeitos jurídicos a não ser de forma indireta ou secundária. Em segundo lugar, são normas que têm caráter programático, uma vez que se faz necessária posterior normatização para produzirem efeitos jurídicos e sujeitarem-se aos mecanismos tradicionais e vinculantes de resolução de conflitos (FITZMAURICE; ELIAS, 2005).

A soft law, no entanto, é capaz de alcançar resultados negociados com baixo custo para os atores envolvidos, que não precisam ceder em soberania, e possibilita que temas complexos possam ser abordados no sistema internacional sem a necessidade de longas e potencialmente infrutíferas negociações, cujo nível de detalhes pode inviabilizar a normatização por meio de tratado (ABBOT; SNIDAL, 2000). Dessa forma, tópicos que normalmente ficariam fora da pauta de discussão no ambiente internacional podem ser trabalhadas multilateralmente.

Ocorre que disposições estabelecidas em soft law migram para tratados mais específicos, entre um número de Estados mais restrito, e, com o tempo, para disposições

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multilaterais cogentes, a hard law. Também ocorre de elas influenciarem a ordem doméstica dos Estados (ABBOT; SNIDAL, 2000).9

Como integrante dos organismos internacionais que produzem tais normas de soft law, e como participante ativo do sistema internacional, o Brasil deve observar as disposições não cogentes no momento de elaborar novas normas em assuntos que tenham sido objeto de disciplina internacional. As novas leis, políticas públicas e arranjos institucionais devem sempre ter em mente as diretrizes apontadas pelas soft law internacionais produzidas com participação, ainda que indireta, do Brasil.

2.3.1 Desenvolvimento sustentável na Lei Nacional do Saneamento Básico

Algumas normas condicionam a concepção jurídica de desenvolvimento sustentável especificamente para o setor do saneamento básico, tendo sido colocadas pela Lei Nacional do Saneamento Básico (LNSB), a Lei 11.445/07. O Capítulo IX da mencionada Lei (arts. 48 e ss.) estabelece a Política Federal de Saneamento Básico, que afetam as ações que cabem à União nas competências administrativas comuns e legislativas concorrentes estabelecidas pelos arts. 23 e 24 da Constituição Federal.

Entre as diretrizes das ações federais no saneamento dispostas no art. 48 da LNSB, algumas ajudam a compor o conceito de desenvolvimento aqui elaborado. O aspecto social do desenvolvimento é o mais contemplado: as ações que objetivam à equidade social têm prioridade (inc. I), os indicadores de desenvolvimento social devem ser levados em conta no planejamento e avaliação das ações de saneamento básico (inc. IV) e integram as diretrizes a melhoria da qualidade de vida e a saúde pública (inc. V).

O aspecto ambiental é contemplado no inciso II, que determina que a aplicação dos recursos financeiros deve ser orientada de modo a promover o desenvolvimento sustentável (remetendo à concepção, já apontada, da conjugação do caput do art. 225 da CF com o inciso VI do art. 170), além da inclusão da melhoria das condições ambientais no inciso V.

9 Neste sentido, a concepção de desenvolvimento sustentável veiculada pela ONU impactou a constituição de

diversos Estados ao longo do tempo. Além da nossa, com o dispositivo do art. 225, entre outros exemplos possíveis, outros Estados internalizaram dispositivos de soft law por meio da constituição. Pouco tempo depois da Conferência de Estolcomo, de 1972, verificou-se a positivação do meio ambiente saudável como direito

fundamental nas constituições ibéricas. O texto maior português de 1976 previu, em seu artigo 67: “Todos têm

direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” O espanhol

inseriu, em 1978, o seguinte dispositivo do art. 45: “Todos têm o direito de desfrutar de um meio ambiente

(23)

A condicionante do desenvolvimento regionalmente equilibrado, determinante do modelo cooperativo do federalismo brasileiro, foi contemplada no inciso VI, que estabelece como diretriz da política federal de saneamento básico a “colaboração para o desenvolvimento urbano e regional”, e no inciso I, que estabelece prioridade para as ações voltadas à equidade, não só social, mas também “territorial”.10

Também nos objetivos do Plano Federal (art. 49) se encontram normas que disciplinam o tipo de desenvolvimento buscado. A redução das desigualdades regionais é mencionada no inciso I, a promoção da salubridade ambiental e proteção ao meio ambiente, nos incisos V e X, e a preocupação com o aspecto social está dispersa em várias normas, que mencionam a população de baixa renda, os indígenas e as populações rurais e de núcleos urbanos isolados expressamente.

Assim, é possível concluir pela escolha, no Brasil, de um conceito jurídico de desenvolvimento que contempla o social e a sustentabilidade ambiental, além do econômico, e centralmente preocupado com o equilíbrio regional. A busca por esse tipo de desenvolvimento depende da articulação de uma multiplicidade de ações governamentais. Entre os requisitos para o avanço desse projeto de desenvolvimento está a expansão e a melhoria do serviço de saneamento básico. Considerando-se, entretanto, a interdependência entre as políticas públicas dos setores de saneamento básico, dos recursos hídricos, do desenvolvimento local e regional e da saúde pública, a articulação entre essas políticas exige um grande esforço de cooperação entre os entes federados (CUNHA, 2011, p. 8).

10Dizer “equidade territorial no acesso ao saneamento básico” não é o mesmo que dizer “equidade regional”,

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3 SANEAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO

A princípio, o conceito de saneamento não é um conceito jurídico (JUSTEN FILHO, 2005, p. 1411), mas um que foi apropriado pelo direito em vista da necessidade de organizar as políticas públicas em torno do tema por meio de instrumentos legais. Trata-se de uma série de ações com o objetivo de proporcionar a higiene do meio ambiente humano, com o afastamento de lixo e dejetos e o acesso a água limpa (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016), para a promoção de valores como saúde, bem-estar e dignidade da pessoa humana.

No Brasil, o conceito jurídico de saneamento está expresso na Lei Nacional do Saneamento Básico (Lei 11.445/07), no art. 3o, I, e reúne os “serviços, infraestruturas e instalações operacionais” de quatro espécies de atividades: a) abastecimento de água potável, b) esgotamento sanitário, c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e d) drenagem e manejo de águas pluviais. Essas atividades foram reunidas em um único conceito para possibilitar o planejamento articulado dos serviços de saneamento, de forma a alcançar maior eficiência e efetividade em sua prestação.

Nos documentos internacionais sobre saneamento, o conceito aparece sempre ligado à ideia de esgotamento sanitário. A questão da água é frequentemente discutida lado a lado com o problema do saneamento, mas trata-se de dois problemas diferentes – com implicações econômicas e regulatórias diferentes –, embora intimamente relacionados.12

O saneamento é uma questão estreitamente ligada ao problema do desenvolvimento, seja este entendido como crescimento econômico, desenvolvimento humano ou desenvolvimento ambientalmente sustentável. Dentro da questão da sustentabilidade, o problema do saneamento é um que vai surgir em qualquer orientação teórica que se adote: da economia verde ao bem-viver, é necessário ampliar e melhorar o saneamento para se alcançar os objetivos de sustentabilidade colocados.

A relação entre saneamento e desenvolvimento como qualidade de vida é fácil de ser deduzida, especialmente pela experiência direta que as pessoas têm da presença e da ausência de água limpa encanada, esgotamento sanitário adequado e tratamento de efluentes. Sabe-se, ademais, que a água limpa e a remoção dos dejetos e efluentes da vizinhança imediata implicam melhoras nos níveis gerais de saúde; que a disponibilidade de água limpa é um fator relevante

11“Em primeiro lugar, é relevante observar que a expressão ‘saneamento básico’ não foi produzida pela técnica

jurídica. Foi cunhada no âmbito do conhecimento científico para indicar um conjunto de fatores e circunstâncias

inerentes e indispensáveis à existência saudável.”

12 Também no ordenamento doméstico separam-se os setores dos recursos hídricos e do saneamento básico,

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para a produtividade econômica; que o tratamento adequado dos efluentes é importante para manter a sadia qualidade do meio ambiente equilibrado (ORGANIZATION FOR ECONOMIC..., 201113).

Ressalte-se que as vantagens obtidas com a melhoria no serviço de saneamento de água e esgoto nem sempre são mensuráveis, o que pode gerar distorções na percepção da relação entre saneamento e desenvolvimento: “Os benefícios provavelmente são subestimados de forma sistemática devido ao grande número de benefícios não econômicos, que são de difícil quantificação mas de grande valor aos indivíduos interessados em termos de dignidade, status social, higiene e bem-estar.” (ORGANIZATION FOR ECONOMIC..., 2011, p. 16)14 Por isso é importante que não sejam perdidos de vista o princípio da dignidade humana, que orienta nosso ordenamento doméstico, e a noção de desenvolvimento como aumento das liberdades substantivas dos indivíduos, como colocado pela teoria do desenvolvimento de Amartya Sen.

3.1 Relações entre saneamento e desenvolvimento

3.1.1 Saneamento nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU

O saneamento foi incluído nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, estabelecidos pela Agenda 2030, que desenvolve sobre a proposta do anterior dos Objetivos do Milênio (ODM). Tratam-se de documentos produzido pela Assembleia Geral da ONU para estabelecer diretrizes que orientem o processo de desenvolvimento entre os países membros. Os ODM estabeleciam oito objetivos que abrigavam uma série de metas a serem alcançadas até 2015, e os ODS elaboraram sobre essa experiência, estabelecendo 17 objetivos e suas respectivas metas a serem alcançadas até 2030.

13 “Investment in water supply and sanitation services (WSS) typically generates a number of economic,

environmental and social benefits. Access to clean drinking water and sanitation reduces health risks and frees-up time for education and other productive activities, as well as increases the productivity of the labour force. Safe disposal of wastewaters helps to improve the quality of surface waters with benefits for the environment (e.g. functioning of eco-systems; biodiversity), as well as for economic sectors that depend on water as a resource (e.g. fishing, agriculture, tourism).

The benefits of water and sanitation remain insufficiently documented, however, resulting in low political priority for water issues and in sub-optimal levels of investment in water infrastructure. Where numbers are available (e.g. for health benefits), their reliability can be a matter of debate between experts. More generally, information about the benefits of water and sanitation are usually hidden in various technical documents, where they remain invisible to key decision makers in Ministries of Finance and Economy. This report draws together and summarises existing information on the benefits of investing in water and sanitation services and presents this information in a format that is informative for policy makers.” (ORGANIZATION FOR ECONOMIC..., 2011, p. 14)

14 “Benefits are probably systematically under-estimated due to a number of non-economic benefits that are

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Os objetivos e as metas dispostos pelo documento da Agenda 2030 são normas jurídicas de soft law. Como se discutiu na seção 2 deste trabalho, as normas de soft law têm característica programática e não são diretamente aplicáveis. A finalidade dessas normas é fazer com que os países, dentro de suas órbitas ou em tratados cogentes, estabeleçam outras normas, estas de aplicabilidade imediata, que tenham como orientação os objetivos aqui estipulados.

O sexto ODS estabelece como objetivo da Agenda “assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos”15 (UNITED NATIONS, 2016) e é desdobrado nas seguintes metas:

6.1 Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo a água potável e segura para todos.

6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade. 6.3 Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente.

6.4 Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água.

6.5 Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça, conforme apropriado.

6.6 Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.

6.a Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento, incluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de efluentes, a reciclagem e as tecnologias de reúso.

6.b Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento. (UNITED NATIONS..., 2016)

A primeira meta é sobre o direito humano de acesso à água e a necessidade de garantir-se tal direito a todas as pessoas, com o uso da expressão “acesso universal e equitativo”. Hoje, como se sabe, as pessoas que têm obstruído o acesso à água estão principalmente em situação de pobreza (PURVIS, 2015). É objetivo da ONU garantir que a pobreza não prive as pessoas da liberdade básica do acesso à água.

A meta 6.2 dispõe sobre o saneamento mínimo, que é a presença de banheiros acessíveis. Trata-se de uma bandeira muito cara à ONU, que estabeleceu parcerias com outras organizações, uma vez que a inexistência de instalações sanitárias domésticas gera problemas de diversos tipos. As pessoas recorrem à defecação a céu aberto, o que se torna um problema considerável de higiene, causando o disseminação de doenças mas também atingindo

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diretamente a dignidade das pessoas e a qualidade de suas vidas. Outro problema identificado é o ataque a que se expõem as mulheres e meninas quando procuram privacidade em locais afastados ou escondidos na ausência de banheiros. Também se expõe a situação de insegurança todas as pessoas que à noite precisam caminhar para encontrar um banheiro. (WORLD BANK, 2016b)

A meta 6.3 está relacionada à relação entre o saneamento e os recursos hídricos, estipulando a necessidade de aumentar o tratamento das águas residuais captadas pelo esgotamento sanitário. De fato, mesmo quando há coleta de esgotamento sanitário, isto não significa que os efluentes serão tratados antes de serem despejados de volta no sistema ambiental (vejam-se os dados sobre coleta e tratamento de esgoto na segunda parte desta seção). Isto causa problemas como o encarecimento do tratamento das águas captadas no sistema para abastecimento de água potável, com a diminuição de disponibilidade de água limpa para consumo e para atividades produtivas (ORGANIZATION FOR ECONOMIC..., 2011), além de potenciais problemas de saúde para humanos, outros animais e demais elementos da biota.

Quanto às metas 6.4 e 6.5, estas estão relacionadas aos recursos hídricos. A 6.4 trata sobre a relação entre a retirada de água do sistema e a disponibilidade que este apresenta, objetivando a exploração sustentável desse recursos. A finalidade aqui é lidar com a escassez de água e reduzir, substancialmente, o número de pessoas que enfrentam os problemas dela derivados. A proposta do texto é que tal finalidade seja obtida por meio da melhoria da eficiência no uso da água: prevenção de desperdícios e redução do volume de água utilizado em cada atividade.

Já a meta 6.5 lida com a necessidade da gestão integrada de recursos hídricos. Os corpos d’água não são limitados à jurisdição de cada ente político, mas estendem-se através de fronteiras, inclusive internacionais. Não apenas isto, mas a água tem funções ecológicas que refletem no sistema global como um todo, não se limitando o impacto à área onde o corpo d’água afetado se localiza.

No Brasil, a gestão integrada dos recursos hídricos é uma concepção que já foi incorporada. A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), estabelecida pela Lei 9.433/97, determina que o gerenciamento dos recursos hídricos tem base nas bacias hidrográficas, por comitês articulados nacionalmente, de forma que o planejamento seja integrado entre as diversas bacias.

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entendimentos entres pessoas políticas que concorrem no uso de águas, de forma a evitar futuros conflitos e cooperar para o uso racional do recurso.

A meta 6.6 é a única que trata do valor da água para o ambiente independente do interesse direto humano. A finalidade é a proteção dos ecossistemas que dependem da água, bem como a restauração daqueles que já se encontram danificados. Sendo norma programática, visa à criação de políticas que instrumentalizem tais ações nos países e entre eles.

A meta 6.a trata da cooperação internacional nas práticas que contribuem para a consecução das metas materiais estabelecidas nos itens 6.1 a 6.6: coleta de água, dessalinização, eficiência, tratamento de efluentes, reciclagem e reúso.

Por sua vez, a meta 6.b discute a participação democrática das comunidades diretamente interessadas. O ordenamento brasileiro tem normas parecidas, cujo objetivo é incluir as comunidades, ou a sociedade civil, no processo decisório das políticas públicas bem como nos mecanismos de controle da água e do saneamento. Por exemplo, o art. 1º, inc. VI, da Lei 9.433/97 estabelece como um dos fundamentos do PNRH que “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”. A participação democrática também está presente na Lei das Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, a Lei 11.445/07, que prevê mecanismos de controle social dos serviços:

Art. 3º, III – controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico.

A inclusão da sociedade e das comunidades diretamente interessadas no processo decisório aproxima os tomadores de decisão das informações sobre necessidades e especificidades locais, municiando o processo de informações mais completas, o que aumenta as chances de efetividade das ações e da alocação dos recursos.

(29)

3.1.2 Saneamento e IDH

O Índice de Desenvolvimento Humano, como já foi discutido na seção anterior, tem entre um de suas dimensões a longevidade e a saúde das pessoas. Tal dimensão é mensurada pelo índice expectativa de vida ao nascer, que é profundamente afetada pela expansão do saneamento mínimo, que diminuem a frequência de doenças facilmente evitadas, como a diarreia, que causa uma mortalidade mundial ainda maior que a AIDS ou a malária. O aumento de investimento em saneamento também diminui a ocorrência de doenças que têm mosquitos como vetores, como a dengue, um problema bastante relevante no Brasil (WORLD HEALTH ORGANIZATION; STOKHOLME INTERNATIONAL WATER ..., 2005).

O problema do saneamento mínimo no Brasil está relacionado ao problema da necessidade de universalização do serviço. Metade da população brasileira continua vivendo sem acesso a serviços de coleta de esgoto (dados na segunda parte desta seção) e uma parcela ainda não têm acesso ao abastecimento de água potável, aumentando para essas comunidades as chances de infecção por doenças veiculadas pela água.

A liberdade substantiva que significa o acesso à água também afeta a dimensão escolarização do IDH, uma vez que libera tempo para frequentar a escola, especialmente para meninas, a quem tradicionalmente cabem os cuidados da casa. O impacto da boa saúde no aproveitamento e na frequência escolar também deve ser levado em conta (WORLD HEALTH ORGANIZATION; STOKHOLME INTERNATIONAL WATER..., 2005).

Por sua vez, a expansão do nível educacional das comunidades causa impacto nos níveis coletivos de saúde, atuando na consciência sanitária comunitária, conceito que remete a

“cuidados individuais que são amplamente associados à educação da população [a qual] exerce grande influência sobre os hábitos de higiene” (LIMA; MARQUES, 2012, p. 10).

3.1.2 Desenvolvimento igualitário e equilibrado

A relação mútua entre educação e saneamento é apenas uma das expressões das interdependências envolvidas num processo de desenvolvimento completo, que ultrapassa o crescimento econômico. As ações voltadas à promoção do desenvolvimento devem, portanto, observar as relações intersetorialidade, como anotam Lima e Marques (2012, p. 8):

A universalização do saneamento no Brasil pressupõe uma visão sistêmica e integradora de alguns princípios básicos das coletividades, envolvendo a discussão da intersetorialidade entre as ações de saneamento, saúde, educação, recursos hídricos,

meio ambiente e infraestrutura urbana. (…) Tais relações são envoltas em

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entre as referidas áreas, estando intrínseca a este processo a necessidade da redução das desigualdades regionais e socioeconômicas vigentes.

A ampliação do serviço de saneamento com vistas à universalização de sua prestação está, como se vê, necessariamente ligado à ideia de distributividade e justiça social. Pode-se observar que, no Brasil, os domicílios das pessoas que não têm acesso ou que têm acesso prejudicado ao saneamento encontram-se predominantemente em áreas rurais isoladas, municípios de pequeno porte e baixo desenvolvimento humano, ou, nas grandes cidades, nas periferias e áreas de urbanização informal e precária. A desigualdade no acesso está assim representada não só pelo local de moradia, mas pela desigualdade em níveis de renda e escolarização, com o nível, enfim, de desenvolvimento local (LIMA; MARQUES, 2012, p.8).

Em vista das desigualdades de renda, escolarização e nível de bem-estar entre as pessoas que têm e que não têm acesso ao saneamento, pode-se afirmar, finalmente, que o problema do saneamento é um problema de desigualdade. Buscar a universalização do acesso é perseguir um desenvolvimento que aja na redistribuição da riqueza por meio de investimentos do Estado (e de parceiros privados) na melhoria da qualidade de vida das pessoas mais pobres. Insista-se na norma expressa no art. 3o da Constituição Federal que determina que o tipo de desenvolvimento que constitui objetivo da República é o que promove a redução das desigualdades sociais e regionais.

3.2 O problema do saneamento no Brasil

Esclarecido o papel do saneamento no desenvolvimento, resta discutir porque a insistente necessidade de ampliação e melhoria do sistema: porque é que o próprio setor do saneamento precisa se desenvolver? É preciso ter claro quais são as falhas que o serviço apresenta para saber quais são os critérios que devem orientar o avanço do setor.

Neste particular, o foco de análise estará no saneamento nacional. O objetivo do presente trabalho é entender como a cooperação do modelo federativo brasileiro na prestação do serviço público de saneamento de água e esgoto é conducente ao desenvolvimento, compreendido dentro dos parâmetros já anteriormente discutidos. Assim, são as particularidades do serviço no Brasil que devem ser trazidas à discussão.

3.2.1 Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento

(31)

Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), pertencente ao Ministério das Cidades (MCID).

As informações sistematizadas pelo SNIS encontram-se consolidadas desde 1995, e são separadas dois sistemas, um para os dados do saneamento de água e esgoto (SNIS-AE) e outro para os do saneamento de resíduos sólidos (SNIS-RS). Trata-se de informações detalhadas sobre a abrangência da cobertura, indicadores financeiros – tais como receita, despesa, perdas, serviços da dívida – e informações institucionais, como a natureza jurídica do prestador, nacionalmente coletadas.

As informações são disponibilizadas na internet, ao acesso de todos. Tal transparência é um requisito de exercício democrático do controle dos serviços públicos e da atuação do Estado e da defesa do meio ambiente.

A cada ano, com a publicação das informações consolidadas pelo SNIS, o Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), capta e analisa os dados disponibilizados, produzindo um série de estudos sobre o saneamento básico no Brasil. As informações, assim tratadas, ficam muito mais fáceis de serem apreendidas e utilizadas pelo público em geral.

Em 2016, o SNIS publicou a consolidação dos dados referentes a 2014. O Instituto Trata Brasil analisou os dados divulgados e publicou o documento Ranking do saneamento 2016. Esse estudo, além de descrever a metodologia de análise aplicada aos dados (desenvolvida em parceria com diversas instituições, como o Ministério das Cidades e associações e sindicatos do setor de saneamento), analisa sistematicamente os indicadores, divididos em indicadores de cobertura e indicadores de eficiência, e ranqueia os 10 piores e 20 melhores prestadores de água e esgoto no Brasil. O ranking do Trata Brasil oferece ainda comparações de dados relativos a cada uma das cinco regiões do país, possibilitando avaliar se o desenvolvimento do setor tem se dado de forma regionalmente equilibrada, como exige o art. 3º, II e III, da Constituição Federal.

(32)

Todos os dados apresentados a seguir foram retirados do relatório citado (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016).

3.2.1.1 Abastecimento de água

O indicador abastecimento de água descreve a taxa de cobertura do serviço de abastecimento de água potável encanada nos municípios analisados, indicando a porcentagem da população atendida. Divide-se em dois índices: o abastecimento total e o abastecimento urbano. Os indicadores de abastecimento urbano costumam ser maiores porque a cobertura do serviço é prejudicada na zona rural pela baixa densidade populacional característica da área. A expansão do sistema de saneamento de água nessas regiões apresenta custos mais altos por morador e acaba apresentando índices menores de cobertura. Famílias sem serviço de água encanada, em alguns lugares, podem estar sendo abastecidas por poços artesianos (MARQUES; LIMA, 2012).

Para dar uma ideia dos níveis de cobertura da atendimento de água no Brasil, colocamos lado a lado as taxas médias das 20 melhores e das 10 piores ranqueadas do estudo do Instituto Trata Brasil. O número indicado refere-se à porcentagem da população atendida pelo serviço no município.

Tabela 1 – Cobertura total e cobertura urbana do abastecimento de água no Brasil

Grupo dos 20 melhores

Grupo dos 10 piores

Total 99,32% 72,18%

Urbano 99,85% 74,04%

Fonte: elaborado pela autora com dados do Instituto Trata Brasil (2016)

A média nacional do atendimento de abastecimento total de água é 83% da população, de acordo com o SNIS 2014, com dados publicados em 2016.

O dado mais importante a respeito do abastecimento de água é que, em termos de cobertura total, urbana e rural, a conclusão do Instituto Trata Brasil é que o serviço tem um bom nível de adequação e a maioria dos municípios encontra-se próximo da universalização do serviço.

O indicador médio dos municípios é de 93,27% e a mediana, 97,81%. Isto indica que, no geral, os municípios considerados possuem níveis de atendimento superiores à média brasileira total, que, de acordo com o SNIS 2014, é de 83%. (...)

(33)

estudo se encontra próximo da universalização do serviço. (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016, p. 40-41)

3.2.1.2 Coleta de esgoto

O indicador de coleta de esgoto descreve a taxa de cobertura do serviço nos municípios, indicando a porcentagem da população atendida. O esgoto que não é coletado pode estar recebendo soluções individuais, tal como despejo em fossa séptica (MARQUES; LIMA, 2012). No entanto, parte expressiva desse esgoto está sendo lançado diretamente nos corpos d’água.

Tabela 2 – Cobertura total e cobertura urbana da coleta de esgoto no Brasil

Grupo dos 20 melhores

Grupo dos 10 piores

Total 96,86% 19,20%

Urbano 98,16% 19,74%

Fonte: elaborado pela autora com dados do Instituto Trata Brasil (2016)

Nota-se que o indicador de coleta de esgoto apresenta discrepância bem maior entre os grupos do que o abastecimento de água. O baixo valor das taxas de coleta de esgoto é extremamente preocupante, uma vez que o despejo de águas poluídas diretamente nos corpos d’água representa um impacto negativo enorme na vida das pessoas e na conservação da qualidade dos corpos d’água e do meio ambiente.

A média nacional total, de acordo com o SNIS 2014, é de apenas 49,6%. Metade de todo o esgoto produzido no Brasil não chega a passar pelo sistema de saneamento.

3.2.1.3 Tratamento de esgoto

Há um segundo indicador de abrangência de serviço de esgotamento sanitário, que é o de tratamento do esgoto. Isto porque nem todo esgoto que é coletado pelo sistema de saneamento passa por tratamento antes de ser despejado novamente no ambiente.

(34)

de 0,8, o que significa que uma relação entre esgoto tratado e água consumida acima de 80% é considerada adequada.

Tabela 3 – Volume do esgoto coletado que passa por tratamento no Brasil

Grupo dos 20 melhores

Grupo dos 10 piores

Esgoto

tratado 88,05% 10,44%

Fonte: elaborado pela autora com dados do Instituto Trata Brasil (2016)

Novamente, a disparidade da cobertura entre os municípios melhores colocados e os que sofrem os piores índices de atendimento é excessiva. A média nacional não é menos preocupante, encontrando-se no valor de 40,8%. Isto significa que, mesmo considerando a taxa de retorno, um volume da ordem de metade de toda a água tratada distribuída no país retorna ao ambiente sem ter passado por qualquer tratamento.

3.2.2 A performance regional dos índices de cobertura

A análise dos melhores e piores municípios do saneamento no Brasil realizada no Ranking do saneamento 2016, além dos índices de cobertura acima detalhados, leva em conta índices melhora da cobertura, de eficiência e de níveis de investimento. A metodologia de avaliação do Trata Brasil chega a uma lista com os vinte melhores prestadores e os 10 piores a cada ano, em um universo dos 100 maiores municípios do Brasil em termos de população.

Dos vinte melhores ranqueados, 15 são da região Sudeste e os outros cinco, do Paraná, a região mais rica do país. Nesses Municípios, o atendimento médio de abastecimento de água passa de 99% da população e o de esgoto, chega a quase 97%. O volume de esgoto tratado está acima do nível de taxa de retorno (que é de 0,8, como acima exposto), chegando a 88% de toda a água distribuída.

(35)

Figura 3 – 20 melhores do ranking do saneamento 2016

Fonte: Instituto Trata Brasil, 2016, p. 84.

A diferença é bastante alarmante e a distribuição geográfica dos melhores e piores sugere que existe uma diferença de desenvolvimento do próprio setor do saneamento entre as regiões. A disparidade entre a cobertura nas regiões leva a concluir pela disparidade no desenvolvimento regional econômico e humano, dadas as relações apresentadas na subseção anterior.

Figura 4 – Os 10 piores do ranking do saneamento

Fonte: Instituto Trata Brasil, 2016, p. 87.

(36)

Sul gozando de melhores níveis de atendimento e as regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte apresentando taxas de desempenho distantes.

No que tange ao atendimento por rede de esgotos e fossas sépticas ligada à rede, ressaltam-se amplos diferenciais regionais de cobertura, com destaque positivo para a Região Sudeste, que apresenta 90% da cobertura. A Região Sul possui aproximadamente 65% de atendimento por rede coletora e fossa séptica ligada à rede, que somados ao atendimento por fossa séptica não ligada à rede, resultam em aproximadamente 85% de coleta adequada. As regiões Nordeste e Centro-Oeste, por sua vez, possuem cerca de 50% de seus domicílios atendidos por rede coletora e fossa séptica ligada à rede, mas a primeira região leva vantagem em relação à segunda, no que concerne ao atendimento por fossa séptica não ligada à rede (22% contra 9%). A Região Norte apresenta menos de 20% de seus domicílios urbanos atendidos por rede coletora e fossa séptica ligada à rede, mas, em compensação, é a região onde a cobertura por fossa séptica não ligada à rede de esgotos é mais proeminente, atingindo mais de 50% desses domicílios.

(37)

4 EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO SETOR DE ÁGUA E ESGOTO

O arranjo institucional da prestação do serviço de saneamento de água e esgoto no Brasil é tornado especialmente complexo pela multiplicidade de entes federados responsáveis pelo setor, existindo prestadores municipais e prestadores estaduais de diferentes naturezas.

4.1 Antecedentes históricos do serviço de água e esgoto

A realização de serviços de saneamento inicia-se com a chegada da família real ao Brasil, no início do século XIX, e coincide com o processo de formação das cidades brasileiras. Antes disso, o abastecimento de água, feito por meio de coleta em bicas, e a remoção de lixo eram realizadas de maneira particular, pelas famílias. Com o adensamento populacional que caracteriza a formação das cidades, algumas obras de abastecimento mínimo de água para a população começam a ser realizadas (GROTTI, 2011, p. 16).

O fluxo migratório de trabalhadores ocorrido no final do séc. XIX provocou grande adensamento das cidades. Nesse momento, o Estado começa a ocupar-se das questões de saneamento, concedendo à iniciativa privada, geralmente inglesa, a execução do serviço de abastecimento de água. A exceção foi o Rio de Janeiro, onde organizou-se um sistema público de abastecimento (GROTTI, 2011, p. 17).

Observa-se, assim, que a prestação do serviço de saneamento origina-se no âmbito dos municípios, até pela característica urbana do problema, e o setor começa a desenvolver-se institucionalmente a partir desse plano.

4.1.1 Gestão municipalizada: DAEs e SAAEs

Com o período de guerras na Europa e o escasseamento de recursos de investimento estrangeiro, ocorre a superação da influência estrangeira sobre a execução dos serviços públicos, tomando o Estado para si a execução dos serviços. Os municípios começam a apresentar dificuldades na realização de investimento para atender à demanda da população crescente e a União decide, então, intervir. O saneamento era visto como um problema de saúde pública e a interferência da União justificava-se para o financiamento, o planejamento e a expansão do saneamento para lugares fora da área de interesse das companhias prestadoras.

Imagem

Figura 1  –  PIB 2  mundial ao longo do tempo, 1960 a 2015
Figura 2  –  Dimensões, indicadores e índices do IDH
Figura 3  –  20 melhores do ranking do saneamento 2016
Figura 5 - Formas de prestação de serviços públicos
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