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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo 2012

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PUC-SP

Pricila Gunutzmann

A Identidade do Poeta Contemporâneo

à luz do Sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PUC-SP

Pricila Gunutzmann

A Identidade do Poeta Contemporâneo

à luz do Sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social sob a orientação do Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa.

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Dedico este trabalho

À minha avó paterna, Maria Lopes Gunutzmann, que vive com a poética estalando em suas ações cotidianas. És fonte de ternura e inspiração em meu coração.

Ao meu avô materno, Oswaldo de Cicco, que sempre saboreou a vida por meio das palavras. Que a sensibilidade de seus poemas despertem fragmentos de emancipação. (in memorian)

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Paixão, inspiração, poética. Sem estes elementos esta dissertação não seria possível. E foram os encontros (e também os desencontros) que despertaram minha alma para construção deste estudo. O caminho foi longo, mas estive muito bem acompanhada. Muitos foram os abraços, os cuidados, os olhares e as poesias que passaram por minha pele e mudaram a minha alma, meu olhar, meu andar.

Agradeço, com todo meu coração, ao estimado Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa, por acreditar em meu projeto e tornar este período tão enriquecedor. Uma pessoa inspiradora, que vive o que teoriza e ensina e, por isso, tem todo o meu afeto.

Aos meus pais, Sonia Maria Gunutzmann e Vaudir Gunutzmann por sempre acreditarem em mim. Sem eles não haveria alegria no compartilhar deste título - amo vocês.

Ao querido Fabrício Carpinejar, que me ensinou que tempo é ternura, e delicadeza é assoviar com o coração. Seus vocábulos e ações iniciaram o despertar desta pesquisadora.

Ao querido Fábio Marques de Souza, pelas tardes regadas a cafés, reflexões e filosofias. Você mora no meu coração. Obrigada pela paciência e pela dedicação à nossa amizade.

À família que pude escolher: Alan Troccolli, Ana Luiza Veronese, Camila Pellegrino, Polyana Balducci e Renata Ramos Salu. Obrigada por todo amor, pelos incentivos, pelos abraços, pelos ouvidos. Vocês foram a base desta construção.

Às queridas amigas Maria Eduarda Torres, Vanilda Aparecida dos Santos, Silvia Ribeiro e Karina Fávaro por compartilharem ideias, angustias e coragem. A vocês que tanto me alegraram desejo toda felicidade do mundo!

À amada Tere Yadid Sztokbant por me proporcionar um autoconhecimento encorajador.

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estarem em minha banca de defesa e pelas valiosas reflexões e indicações feitas em minha qualificação.

Aos professores do programa de Psicologia Social: Profa. Dra. Bader Burihan Sawaia, Profa. Dra. Fúlvia Rosemberg, Prof. Dr. Raul Albino Pacheco Filho e Prof. Dr. Salvador Sandoval, que muito contribuíram para meu conhecimento intelectual.

A professora do Programa de Crítica Literária, Dra. Maria José, por incitar, por meio do conhecimento das teorias literárias, esta dissertação.

Aos colegas do NEPIM e do NEGRI, pela agradável convivência intelectual repleta de reflexões, questionamentos e ideias. Especialmente aos queridos Juracy Almeida e Alessandro Campos.

Àqueles que estiveram por todo este período de braços abertos, despertos, pacientes - fosse para enviar um texto, reler um parágrafo, contribuir com uma palavra amiga, uma crítica, um abraço: Adelchi Tiboni, André Cisi, Angela Patricia Felipe Gama, Carlos Ricardo Milen, Cristiane Mafessoni, Cristina Alves, Edson Ishida, Fábio Boiani, Fernanda Juvêncio, Jorge Ferreira, Karine Setervall, Márcia Oliveira Torres, Maria Angélica Bertozzo, Marieta Barbosa, Mário Gouvêa, Mauro Gonçalves, Nilson de Paiva, Orlando França Junior, Roberto Gomes, Sandra Monice, Sandra Paula Dias, Sérgio Manuel, Vânia Warwar Archanjo e Wellington Fernandes. Muito obrigada!

À toda minha alegre família: tios, tias, primos, primas, sobrinhos e sobrinhas pela inspiração e apoio. Aos meus irmãos Alexandre Gunutzmann e Vaudir Gunutzmann Júnior, pelo companheirismo.

À querida Marlene, secretária do programa, pela alegria em ajudar. Aos poetas participantes, que possuem histórias que não cessam de inspirar. Obrigada pela confiança, pela disposição e pelo interesse.

À todos aqueles que, na inviabilidade de nomear, estiveram ligados direta ou indiretamente à minha vida e contribuíram para realização desta pesquisa.

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“A arte não pode mudar o mundo, mas pode contribuir para a mudança da consciência e impulsos dos homens e mulheres que poderiam mudar o mundo.”

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sintagma identidade-metamorfose-emancipação. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, 2012.

Resumo

Esta dissertação busca investigar as metamorfoses da identidade do poeta contemporâneo e o sentido que estes atribuem a sua arte bem como os posicionamentos políticos percebidos em seu papel. Para isto, partimos da Psicologia Social, tendo como categoria central a identidade, vista a partir do sintagma identidade-metamorfose-emancipação, propondo entender o fenômeno não apenas no seu aspecto instrumental, mas em todo o contexto no qual o poeta contemporâneo está inserido. Por meio da análise da história de vida de dois poetas da atualidade, foi possível compreender os processos de transformação e emancipação da identidade humana nas sociedades contemporâneas, que se dá em contextos permeados pela dialética regulação/emancipação. O estudo em questão analisou o poeta enquanto sujeito contemporâneo, capaz de interpolar tempos e abrir rupturas para que seu leitor as preencha com as próprias vivências, proporcionando metamorfoses. Percorremos a construção do papel do poeta em nossa sociedade e suas diferentes personagens históricas: artista, político e guardião de metamorfoses, verificando suas relações com a atualidade. Deste modo, este trabalho buscou tecer reflexões acerca das diferentes possibilidades de emancipação na contemporaneidade bem como oferecer subsídios para discutir os sentidos da metamorfose e as identidades pós-convencionais.

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syntagma identity-metamorphosis-emancipation. Dissertation (Master in Social Psychology) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, 2012.

Abstract

This dissertation investigates the metamorphosis of the poet's contemporary identity and the meaning they attribute to their art as well as the perceived political positions in his role. For this, we start from the social psychology, with the main category of identity, seen from the syntagma identity-metamorphosis-emancipation, to understand the phenomenon not only in its instrumental aspect, but the whole context in which the contemporary poet is inserted. Through the analysis of the life story of two poets of today, it was possible to understand the processes of transformation and emancipation of human identity in contemporary societies, which occurs in contexts permeated by the dialectic regulation/emancipation. This study examined the poet as a contemporary subject, able to interpolate opening times and disruptions so their reader can fill it in with their own experiences, providing metamorphoses. We went through the construction of the role of the poet in our society and their different historical characters: artist, politician and guardian of metamorphoses, verifying its relations with the present. Thus, this study sought to weave reflections about the different possibilities of emancipation in contemporaneity as well as provide insight to discuss the meanings of metamorphosis and post-conventional identities.

Keywords: Poet, Literature, Identity, Social Psychology, Syntagma Identity-metamorphosis-emancipation.

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Prólogo ...11

Introdução ...15

Objeto de pesquisa ...18

Metodologia e procedimentos ...21

Capítulo 1: Teorias - Identidade, poeta, contemporaneidade, sociedade e ofício. ...29

1.1 Identidade ...30

1.2 O poeta contemporâneo ...37

O perpetuar de um instante ...38

O ofício do poeta: Artista, político e guardião das metamorfoses ...40

1.3 Os conceitos ...54

Capítulo 2: Metamorfoses poéticas ... ...56

2.1 Análises dos poetas ...58

2.1.1 A história de Luiz – O poeta artista ...58

O menino-retardado que foi criado com ternura ...58

O adolescente-cruz-credo-isolado ...59

O pai-precoce-guardador-do-amor ...60

O poeta-artesão-que-descobre-em-si-o-outro ...61

O poeta-que-sempre-foi-poeta ...62

O poeta-artista-que-faz-da-poesia-um-gesto ...63

O jornalista-escritor-apresentador-lírico-poético ...64

O-poeta-que-serve-à-massa-o-biscoito-fino ...64

2.1.2 As múltiplas personagens de Luiz ...66

2.2 A história de João - O poeta militante ...69

O menino-insatisfeito-teimoso ...69

O jovem-palhaço-que-conhece-os-seus-limites ...70

O poeta-que-nunca-mais-deixou-de-enxergar ...71

O revisor-que-mantem-um-pé-no-sonho ...72

O poeta-guerreiro – Davi diante de Golias ...73

O poeta-artesão-que-escreve-acordado ...74

O poeta-incendiário-justiceiro ...76

O-poeta-que-serve-à-massa-o-biscoito-fino ...77

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Considerações finais: A metamorfose dos poetas - ou os poetas guardiães das

metamorfoses ...82

Referências Bibliográficas...87

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“Talvez nos encontraremos de novo, mas ali onde você me deixou não me achará novamente”.

B. Brecht

O interesse em compreender a construção da identidade do poeta e o sentido atribuído por ele a este ofício iniciou-se no final do segundo semestre de 2010, quando realizei um curso de criação de crônicas.

Com o surgimento deste interesse pelo literário, cursei a disciplina “Literatura e sociedade do espetáculo” no Programa de Estudos Pós-graduados em Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde as inquietações acerca da forma contemporânea de narrar e as questões imagéticas dos textos foram estimulando minha curiosidade de maneira a culminar nesta pesquisa.

A forma com que novas “portas” são abertas pelos literatos me convenceu e encorajou a trocar de verbo: mudar de núcleo e objeto de pesquisa, em um movimento arriscado, pois já havia percorrido um ano e meio de mestrado.

Este novo caminho teve lá seus percalços, suas dificuldades e suas dores, mas, todos os contatos - com os poetas, com a teoria, com os integrantes do NEPIM (Núcleo de Pesquisa em Identidade e Metamorfose) e com Antonio da Costa Ciampa, meu orientador - estimularam e ajudaram que florescessem os pares de vocábulos que aqui apresento.

Uma das alegrias que encontrei no caminho foi a de uma memória: quando estava apresentando meu trabalho no NEPIM recordei porque, dentro de todas as formas de arte, a poesia é que mais me emociona. Uma lembrança que estava guardada em minha infância: meu avô paterno escrevia poesias. Vivia delas. Passei parte de minha infância trocando ideias que iam e vinham pelos Correios em letra cursiva e enfeitada. Esta recordação, cheia de afeto, impulsionou ainda mais a realização desta pesquisa, trazendo sentido e coragem para continuar.

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(1987), Agamben (2009); Paz (1996); Berman (1986); Benjamin (1994); Pound (1977); Alvarez (2006); Perrone-Moysés (1998); Canetti (1990); e Marcuse (1977).

Esta pesquisa buscou compreender a construção da identidade do poeta na atualidade e sua possível busca por emancipação. Para isto, utilizamos a descrição da história de vida para análise da construção identitária do poeta com base no sintagma identidade-metamorfose-emancipação (CIAMPA, 2009 [1987]). Investigamos também a forma como o artista vem se relacionando com a sociedade e sua capacidade em agir como sujeito contemporâneo, a construção do papel do poeta em nossa sociedade e suas diferentes personagens históricas: artista, político e guardião de metamorfoses, examinando quais destas facetas os sujeitos desta pesquisa apresentam na constituição de suas personagens. Este estudo buscou compreender o papel político da arte da poesia em nossa sociedade.

A escolha dos entrevistados deu-se por meio do contato estabelecido com os escritores em eventos e redes sociais e obedeceu a três critérios: i) que estes sujeitos se dedicassem apenas a literatura (direta ou indiretamente); ii) que fossem reconhecidos pela crítica literária (prêmios, eventos ou críticas); iii) que fossem reconhecidos pela mídia.

As análises não focaram as obras dos sujeitos e sim suas histórias de vida. Assim, esta pesquisa passou a observar a construção das personagens vividas, repostas e abandonadas pelos escritores, a fim de apresentar quais as semelhanças entre os poetas contemporâneos estudados nesta pesquisa.

A arte mostrou-se necessária, mola propulsora das metamorfoses vividas pelos autores, que trouxeram alguns fragmentos de emancipação em suas vidas.

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Desejo que todos possam de alguma forma, quiçá por meio da arte, envolver-se em uma ciranda da reflexão. Aspiro que todos sejam convidados e aceitem esta roda que nos leva a um enredo de metamorfoses. Oxalá estas provoquem fragmentos de emancipação.

Boa leitura!

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O objetivo deste trabalho é compreender as identidades dos poetas contemporâneos - como processos permanentes de metamorfose - e o sentido que estes atribuem a sua condição enquanto artistas, bem como os posicionamentos políticos de seu papel, por meio do sintagma identidade-metarmorfose-emancipação.

O método utilizado para realização desta pesquisa foi o qualitativo, orientado pela entrevista não estruturada de narrativa de história de vida. Utilizamos também a coleta e análise de informações acerca dos sujeitos pesquisados difundidas pela mídia, pois, compreender a identidade de seres humanos como metamorfoses que buscam emancipação requer analisar os processos de formação e transformação da identidade humana nas sociedades contemporâneas, que se dá em contextos permeados pela dialética regulação/emancipação.

Esta investigação buscou descrever a história de vida e analisar a construção identitária do poeta com base na teoria da identidade de Ciampa (2009 [1987]), bem como compreender de que forma o artista se relaciona com a sociedade, distinguindo as consequências existentes para o mundo emocional do sujeito e para o meio social.

Dessa forma, adotamos a seguinte estrutura:

Iniciamos com a apresentação de definição do objeto de estudo e, sequencialmente a metolodologia e os procedimentos utilizados para esta pesquisa.

No capítulo 1, Teorias, nos dedicamos ao delineamento de termos como identidade, poeta, tempo, sociedade e ofício. Iniciamos com a apresentação das teorias que irão compor e fundamentar este trabalho em três etapas: na primeira, a explanação do sintagma identidade-metamorfose-emancipação; na segunda, a exposição de teorias acerca do poeta utilizando autores como Alvarez (2006), Perrone-Moisés (1998), Agamben (2009), Benjamin (1994) e Canetti (1990 [1985]); e na terceira, um breve apanhado dos conceitos que serão utilizados em nossas análises. O objetivo deste capítulo é, por meio da exposição das teorias, apresentar ao leitor os conceitos e argumentos que sustentarão nossas análises.

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fases: na primeira constam análises individuais dos sujeitos entrevistados e, na segunda, a discussão acerca das metamorfoses identitárias do poeta contemporâneo.

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Esta é uma pesquisa de psicologia social, cujo referencial teórico-metodológico é o da psicologia crítica, baseada, mais especificamente nas proposições Ciampa (2009 [1987]), que compreende identidade por meio do sintagma identidade-metamorfose-emancipação. Dessa forma, este trabalho é uma tentativa modesta de compreender a metamorfose da identidade do poeta e o sentido atribuído por ele a seu ofício.

Compreendemos que a literatura mostra que existem relações intensas, complexas e não lineares entre ficção e realidade. Ela é um combustível poderoso de alargamento do real, passando a ter um papel social relevante na construção de subjetividades. Possui um potencial na vida social que é insubstituível, singular. São os literatos que abrem as “portas” para novos mundos, ampliando a visão tradicional. É na literatura que a vida social passa a se tornar invenção, surpresa e, por isso, deixa de ser repetição.

É por meio da fala literária que se pode viajar por novas perspectivas, nutrir esperanças e ascender a reflexão, buscando não soluções, mas novos questionamentos. Conforme nos apresenta Coelho (1998, p. II): “A síntese poética constitui a materialidade do trabalho efetivado no sentido da sedimentação e superação da experiência de ruptura que as forças produtivas e suas contradições estabelecem.”

Assim sendo, temos como objetivo compreender a construção da identidade do poeta na atualidade e sua possível busca por emancipação, que acreditamos ser a mola propulsora da voz que auxilia nossa sociedade em suas reflexões.

Neste intento, esta investigação descreve a história de vida e analisa a formação identitária do poeta com base no sintagma identidade-metamorfose-emancipação (CIAMPA, 2009 [1987]), buscando compreender de que forma o artista se relaciona com a sociedade atual.

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A investigação percorre, brevemente, a construção do papel do poeta em nossa sociedade e suas diferentes personagens históricas: artista, político e guardião de metamorfoses, verificando suas relações com a atualidade. Para isto, utilizamos as teorias de Pound (1977); Alvarez (2006); Perrone-Moysés (1998); Canetti (1990); Benjamin (1994) e Marcuse (1977).

Nosso objeto integra-se à linha de pesquisa de estudos de identidade realizados à luz da teoria da psicologia social crítica - mais precisamente a teoria de Jürgen Habermas (1983) e também da teoria de identidade de Ciampa (2009 [1987]) - do Núcleo de Pesquisas de Identidade-Metamorfose (NEPIM), vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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“O sonhador já escuta os sons da palavra escrita.”

Gaston Bachelard

Este item tem por objetivo expor a metodologia utilizada e também o caminho percorrido para realização das entrevistas e análises que serão apresentadas. Aproveitaremos para fazer a apresentação dos sujeitos que participaram desta pesquisa.

Entrevista de história de vida

O método utilizado para realização desta pesquisa foi o qualitativo, orientado pela entrevista não estruturada de narrativa de história de vida. Utilizamos também a coleta e análise de informações difundidas pela mídia acerca dos sujeitos pesquisados, tais como entrevistas fornecidas a jornais, revistas, televisão e rádio, para complementação do estudo.

A pesquisa em questão é orientada pelo sintagma identidade-metamorfose-emancipação e empenha-se na exploração das conexões entre os processos identitários do poeta contemporâneo.

De acordo com Ciampa (2009 [1987]) identidade é metamorfose, e este trabalho aspira compreender a experiência dos sujeitos que buscam a emancipação. Assim, se faz necessário analisar a formação e transformação da identidade humana, em contextos em que a dialética da regulação-emancipação estão presentes.

Considerando a sociedade como um processo emergente de uma realidade social que é estruturada em termos de sentido, por meio de um método fenomenológico, busca-se compreender os sentidos do processo identitário que ocorre por intermédio dos nexos que os sujeitos estabelecem. (CIAMPA, 2009 [1987]; HABERMAS; 1983).

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O sujeito é narrador de seu tempo e espaço, uma vez que relata o sentido dos fatos de sua vida, de acordo com suas categorias de valores e seus códigos temporais contextuais contemporâneos (BRIOSCHI e TRIGO, 1989).

Utilizando o padrão de entrevista não-estruturada, em que se solicita ao sujeito que conte sua história de vida livremente, a forma de narrativa é estabelecida pelo próprio sujeito. Ao solicitar ao sujeito que seja narrador de sua própria história o colocamos em uma situação de protagonismo e exercício de autonomia. O sujeito da narrativa mostra-se como autor e personagem, em episódios repletos de sentidos.

O método é focado em como o indivíduo cria, interpreta e transforma seu mundo. É por intermédio de sua interpretação e confissão sobre o cotidiano vivido que compreendemos o sujeito e seu entorno. (BURREL & MORGAN, 1979).

A entrevista possibilita relações dialéticas e prioriza elementos mutáveis, como a narrativa, o discurso, a memória e a subjetividade como fontes de dados, fornecendo múltiplas versões e informações sobre o mesmo tema. Isto propicia ao pesquisador tecer a interação social aliada a fatos corroborados junto ao objeto pesquisado. Uma história pessoal é também uma narrativa de ações descontínuas, na qual o ato de recordar é visto como uma forma de realizar escolhas, rememorar fatos vividos e atribuir razões a eles.

O acesso a essa história de vida torna o pesquisador interlocutor deste processo. Ele se aproxima, prudentemente, da interpretação de mundo do sujeito e da dialética das relações estabelecidas consigo mesmo, com o outro e com a sociedade.

A história oral é uma forma de entender que é com os olhos do presente que vemos o passado. Assim, o uso da memória pelo entrevistado denuncia certos aspectos que devem ser levados em consideração na interpretação:

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movem os atores e os personagens deste grande drama

ininterrupto – sempre mal decifrado – que é a História humana

(ALBERTI, 2004, p. 13).

A leitura que o sujeito faz a respeito do como viveu, do que é e do que quer vir a ser é presente na fala do sujeito e, os ouvidos do pesquisador – que não são neutros, mas posicionados –, buscarão o reconhecimento dos sentidos que estão presentes na narrativa (ANTUNES, 2010).

Este método possibilita a observação da relação dialética entre o indivíduo e seu entorno social, permitindo conhecer o processo a partir do que é específico ao sujeito e do que é manifestação social.

As metodologias biográficas de pesquisa tem um caráter interventivo, pois produzem sentido tanto para o pesquisador quanto para o sujeito. A construção deste “saber em participação” precipita transformações de ordem social e política (SILVA & BARROS, 2007).

Diante disto, vemos que a metodologia qualitativa da história de vida oferece recursos científicos para compreensão do processo identitário.

Caminhos da pesquisa - Entrevistando Poetas

Por meio da análise da narrativa dos sujeitos, buscamos compreender as histórias de vida dos poetas selecionados e ilustrar como ocorre a metamorfose identitária e investigar seu sentido emancipatório (ou não). Investigamos também o sentido social da poesia na visão dos entrevistados.

Por isso, nos interessamos pelos projetos de vida que estão sendo construídos, e as personagens existentes no passado e presente. A seleção dos sujeitos aconteceu por meio de escolha intencional a partir de uma pesquisa realizada pela autora em grupos literários e na mídia.

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Um dos sujeitos, aqui nomeado Luís1, é o terceiro de quatro filhos, nasceu no sul do país, é filho de poetas, cresceu entre metáforas, e teve sérios problemas de aprendizagem, sendo considerado, por meio de laudo médico da época, como retardo psicomotor e hipotonia. Hoje, já ganhou prêmios (incluindo Jabutis) e é um dos autores mais solicitados da mídia.

O outro, que chamaremos de João2, nasceu no interior do nordeste do

Brasil, em uma família de nove irmãos, apesar da mãe sempre incentivar e exigir estudo, ninguém lia. Teve seu primeiro contato com a literatura por meio de um poema, de Manuel Bandeira, que estava no livro de estudos de seu irmão mais velho. Hoje, após diversas superações está sempre com a agenda repleta de compromissos. Também é ganhador de diversos prêmios (incluindo também Jabutis) e atualmente, resolveu não mais participar de premiações por que deseja dedicar-se a outras experiências.

Ambos possuem grande atuação na capital paulistana, sendo que Luiz vem à esta capital por conta de um trabalho e João é morador desta cidade. Apesar do baixo número de sujeitos entrevistados, salientamos que os mesmos possuem alta representatividade, pois as diferenças pessoais são bem marcadas, e histórias de vida muito distintas.

Estes sujeitos foram escolhidos porque acreditamos que representem, cada qual a sua maneira, poetas contemporâneos, uma vez que estão sempre à frente de eventos literários e possuem uma arte disposta a criar lacunas que, se preenchidas pela sensibilidade e vivencia do leitor, podem possibilitar metamorfoses com forte sentido emancipatório.

Na história de vida destes poetas fica evidente o processo de metamorfose com fragmentos de emancipação vivenciados pelos autores. Para o desenvolvimento da pesquisa foram realizadas entrevistas de história de vida. A pergunta inicial era: “Como você se tornou quem você é?” A partir de então, o sujeito foi ouvido e, em algumas situações, novos questionamentos foram realizados.

1 Os nomes foram trocados a fim de garantir a confidencialidade dos dados dos sujeitos

conforme TCLE apresentado ao Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em maio de 2012.

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No tratamento dado às histórias de vida dos poetas, coletadas via entrevista oral, realizamos o ordenamento cronológico, explorando as metamorfoses da identidade, as personagens que foram representadas, negadas, criadas e também as relações sociais nas quais estão inseridos.

Apresentando os Poetas

“Só uso a palavra para compor meus silêncios”.

Manuel Bandeira

Luiz – o poeta artista

Jornalista, escritor e poeta, filho de pai e mãe literatos Luiz é o terceiro de quatro filhos. Criou um novo nome, quando estreou poeticamente.Tem trinta e nove anos, é jornalista e mestre em literatura brasileira. Por ser de uma família de escritores, o autor diz “não podia fugir de meu legado”. Pai de dois filhos está no terceiro casamento.

Diagnosticado como retardo psicomotor e hipotonia aos cinco anos de idade, o laudo pregava que a criança, na época com dez anos, tinha idade mental de cinco anos e por isso não seria alfabetizado, Luis contou com a persistência vitoriosa da mãe em ensina-lo a ler e escrever por meio de poesias. O jovem colecionava apelidos maldosos em sua infância e adolescência e por isso, não era muito popular.

Luis conta que sua vida só mudou quando aprendeu a rir de si mesmo e da estranheza que causava: “meu vocabulário foi sendo enriquecido porque, como eu não conseguia falar todas as palavras, precisava de sinônimos...”.

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Suas vendas são bastante significativas, em média, dez mil exemplares a cada coletânea de crônicas e cinco mil para as de poesia. Para Luiz, o poeta não deve ser recalcado ou reprimido. Ele deve estar interessado em ser legível, pois, “bonito é ser compreendido e não perder o mistério”.

João – o poeta militante

Caçula de catorze irmãos, dos quais nove vingaram, João nasceu no interior de Pernambuco, e teve o estalo de se tornar escritor quando já morava em uma das capitais do nordeste ao ler um poema de Manuel Bandeira no livro escolar de um irmão. “Soube que queria ser poeta aos nove anos, com o

poema “O Bicho”, de Manuel Bandeira.”

João pediu uma obra dele de presente e confessa: "Quando soube que

Bandeira era nordestino como eu vi que eu podia me tornar alguém como ele”.

Em uma casa onde pouco se lia, o pai de João insistia que o filho era muito “aluado”, mas a mãe sempre comprava livros para ele.

Começou a trabalhar como office-boy, depois escriturário e por fim revisor. Mudou para São Paulo aos vinte e quatro anos de idade. Morou de favor na casa de um amigo na zona leste da cidade "Ele dividia comigo até o que não tinha", emociona-se. Rapidamente conseguiu trabalho em sua área (de revisor) em uma agência de publicidade, mas sempre manteve o foco em seu sonho: “para cada anuncio de iogurte que eu revisava, escrevia um conto,

é o que chamo de manter um pé no sonho”. João tem o curso de letras incompleto.

Assim, paralelamente conciliava sua carreira de escritor. Publicou nove livros, e ganhou o Jabuti. Com o passar do tempo, João pode começar a viver só de literatura (direta e indiretamente), pois a agenda de compromissos literários estava tomando todo o ano, o que o impedia de continuar como revisor: “isso tem apenas cinco anos... se você for ver, tem toda uma trajetória”; “e antes de tudo, o poeta é um teimoso”.

João confessa: “sou escritor por absoluta incompetência para ser

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Para João, a literatura e as demais artes têm papel fundamental na vida das pessoas, pois desperta para mundo a nossa volta, e por isso ela precisa estar bem difundida “não gosto dessa pompa que a literatura as vezes tem, gosto do quintal, do terreiro. Por isso admiro os saraus da periferia”.

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Capítulo 1:

Teorias - Identidade, poeta, contemporaneidade,

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1.1 Identidade

“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as

pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando."

Guimarães Rosa

Esta pesquisa parte de uma abordagem psicossocial e tem a identidade como categoria central de análise. Utilizamos a perspectiva teórica desenvolvida por Antonio da Costa Ciampa (2009 [1987]) em que identidade é compreendida como metamorfose, na qual a construção permanente do “ser” ao longo de sua vida tem relação dialética com fatores biológicos, psíquicos e sociais. É uma totalidade em permanente transformação em busca de emancipação:

Identidade é movimento, é desenvolvimento do concreto. Identidade é metamorfose. É sermos o Um e o Outro, para que cheguemos a ser Um, numa infindável transformação (CIAMPA, 2009 [1987], p. 126).

Para o autor, a identidade humana ocorre nas relações entre os indivíduos dentro de um contexto social e histórico determinado. Não é apenas influenciada pelo social, mas constitutivamente social, definida pela relação do indivíduo com a sociedade e em suas ações em diferentes contextos da vida.

Assim, a identidade constitui-se como uma experiência onde a presença do outro é condição de possibilidade para a constituição e afirmação da identidade enquanto singularidade; é uma forma sócio-histórica de individualidade.

Do ponto de vista de Ciampa (op.cit.), somos, todos nós, as personagens de uma história que nós mesmos criamos, fazendo-nos autores e personagens ao mesmo tempo. O autor é personagem da história:

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Para Ciampa (op.cit), diferença e igualdade constituem uma primeira noção de identidade - o nome mostra a relação de igualdade e diferença existente na identidade: iguais no sobrenome, que indica que somos idênticos àqueles que pertencem a nossa família; e diferentes no prenome, que nos separa de nossos familiares.

A igualdade encontra-se na história social compartilhada pela família, grupo social, localização geográfica, condições econômicas, culturais, entre outras. Já a diferença é a singularidade, a transformação da significação social em sentido pessoal que acontece por meio da atividade e da concretização de personagens.

Identidade é a articulação tanto entre diferença e igualdade como entre objetividade e subjetividade, pois sem essa unidade, o indivíduo possui um desejo que não se concretiza e finalidade sem realização.

O que a pessoa concretiza e vive corresponde à objetividade da identidade, já as personagens possíveis, o “vir-a-ser”, constituem a subjetividade da identidade (CIAMPA, 2009 [1987]).

Identidade humana é construção, reconstrução e desconstrução constantes, no dia a dia do convívio social, na multiplicidade das experiências vividas. Identidade é metamorfose humana.

Implica numa multiplicidade de papéis, bem como um universo de personagens existentes e também possíveis – que podem ser criadas pelo indivíduo. Identidade é ação, é verbo: “a manifestação do ser é sempre uma atividade” (CIAMPA, 2009 [1987], p. 138) e as personagens são a forma empírica pela qual a identidade se manifesta no mundo; implica sempre em um ator desempenhando um papel social.

A identidade é expressa por meio de várias personagens, sendo que a articulação dessas personagens é a expressão do “eu”. Assim, não vivemos sem personagens, pois sempre nos apresentamos como “representantes de si mesmo” perante os outros.

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Portanto, identidade é o que estou-sendo ao mesmo tempo em que é aquilo que me nega naquilo que também sou sem-estar-sendo, na medida em que sempre compareço como representante de mim mesmo perante os outros - e também o outro perante mim.

É uma intricada rede de representações, em que cada personagem reflete tantas outras, todos instituintes do processo identitário, o que impossibilita estabelecer um fundamento originário de cada uma delas. Cada indivíduo possui múltiplas personagens que ora se conservam, ora se transformam, ora se sucedem, e indicam “modos de produção de identidade”.

cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida. Uma vida que nem sempre-é-vivida, no emaranhado das relações sociais (CIAMPA, 2009 [1987], p. 127).

Entretanto, há o perigo de que a personagem se transforme em um fetiche, que “vai explicar a quase impossibilidade de um indivíduo atingir a condição de ser-para-si e vai ocultar a verdadeira natureza da identidade como metamorfose” (CIAMPA, 2009 [1987], p.140).

Como exemplifica o autor:

Severino é lavrador, mas já não lavra: a personagem Severino-lavrador torna-se algo como poder sobre indivíduo, mantendo e reproduzindo sua identidade mesmo que ele esteja envolvido

em outra atividade (CIAMPA, 2009 [1987], p. 139).

O fetichismo da personagem oculta a verdadeira natureza da identidade como metamorfose e gera o que será chamado de identidade do mito. Aqui aparece o caráter produtivo da identidade, de sua produção como mercadoria: ela se faz aparecer. E tal como ocorre nas mercadorias, a personagem fetichizada é reforçada em seu comparecimento pela forma de valor social que, como ressalta o pesquisador, força os indivíduos a reproduzirem-se como réplicas de si mesmo, a fim de preservar interesses estabelecidos, situações convenientes, que são interesses do capital - e não do ser humano que acaba um ator preso a mesmice imposta.

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como identidade pressuposta) seja transformada em pura determinidade ou infinita reposição, dando aparência de não metamorfose. Acerca disso, Ciampa (2009 [1987]) propõe dois movimentos caracterizados como mesmice e mesmidade.

No que se refere ao movimento de mesmice, o autor explica que é um fenômeno decorrente da reposição da identidade que pode se dar como consciente busca de estabilidade ou inconsciente compulsão a repetição. Nesse caso, a identidade é pressuposta como “dada” permanentemente e não como reposição de uma identidade que foi um dia posta. Deste modo, o fetiche da personagem é percebido como um aprisionamento no mundo da mesmice.

Entretanto, conforme Almeida (2005) é possível um movimento positivo da mesmice. Este ocorre quando a reposição expressa necessidades e formas de lidar com o mundo para representar resistência; ser base para a alteridade do indivíduo. Em um estudo realizado pelos autores Lima & Gonçalves Neto (2011) verificou-se na história de vida de Maria o movimento de mesmice onde a reposição da Maria-cuidadora-que-fala-confronta-e-esclarece era uma forma de resistência ético-político que gerou um salto qualitativo, uma alterização, uma mesmidade de aprender e ser.

A mesmidade é caracterizada como um movimento de negação da negação da identidade pressuposta. É a expressão de um outro “outro” que também sou eu e possibilita a formulação de projetos de identidade cujos conteúdos não estão previamente definidos. Um movimento onde o homem apropria-se do mundo de maneira ativa, em um sentido emancipatório. (CIAMPA, 2009 [1987]).

Desta forma, o indivíduo apreende o mundo objetivo por meio da significação que ocorre na atribuição de sentidos que ele faz à realidade objetiva: constrói sua história, traça caminhos e muda sua rota; altera sua predestinação por meio de suas atitudes junto aos outros.

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As pressuposições teóricas de Ciampa (op. cit.) aproximam-se da teoria de Habermas, que compreende o sujeito a partir da intersubjetividade, da chamada guinada linguística. Este filósofo teoriza o conceito de “emancipação”, ligado à “razão comunicativa” e as “identidades pós-convencionais” – e assim, propõe uma sociedade com menos opressão e exploração assinalada por estas identidades.

Habermas (1990) constrói, a partir da compreensão do movimento linguístico responsável pela socialização e individualização e do “eu reflexivo” presentes na teoria de George Mead, uma concepção da gênese comunicativa do Eu autônomo e reflexivo.

Para o filosofo, a autonomia é vista como fazendo parte – não de forma automática – de um processo de socialização mediado pela linguagem, levando à construção de uma história de vida que é consciente de si. A identidade se desenvolve simultaneamente, no médium de alcançar entendimento com outros e também consigo mesmo acerca da sua própria história por meio da autodeterminação e autorealização que pressupõe uma identidade do Eu de índole não convencional.

Assim, o conceito de identidade pós-convencional desenvolvido por Habermas (1983) retrata um “eu” capaz de criticar e transformar práticas e instituições consideradas legítimas socialmente. Entretanto, este “eu” deve ser entendido como constituído intersubjetivamente por meio de uma relação com outros em uma comunidade, pois o indivíduo que realiza sua identidade não se desvincula da sociedade.

Somente na medida em que nós crescemos dentro desse contexto social é possível que nós nos constituímos como atores individuais responsáveis; na internalização de controles sociais, desenvolvemos para nós mesmos, separado dos outros, a capacidade ou de seguir ou de violar as expectativas que são consideradas legitimas (HABERMAS, 1983, p. 122).

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atribuída, também deixa de representar uma personagem fetichizada, podendo então experimentar sua identidade pós-convencional.

Deste modo, na concepção de Ciampa (op. cit.), vemos que a alterização se concretiza na mesmidade de pensar e agir, ser-para-si, expressão do outro “outro” que também sou eu.

Ser-para-si é buscar a unidade da subjetividade e objetividade. Nele, o agir se torna uma atividade fim, relacionando o desejo e a finalidade pela prática transformadora de si e do mundo. Assim, o sujeito sai da mesmice, e caminha em direção à autonomia e à mesmidade, e na sequência para a emancipação. O movimento autodeterminado possibilita sair da reposição e buscar o outro “outro”, aquele que queremos ser, superando as identidades pressupostas que nos são atribuídas.

Entretanto, esta identidade autodeterminada do ser-para-si e não ser-feito-pelo-outro também necessitará de reconhecimento social, de forma que ser autor da própria vida, deve ser percebido como co-autor social.

Como acrescenta Habermas:

No entanto, também esta formação da identidade [pós-convencional] pode apenas ser pensada como socialmente constituída [intersubjetivamente, e não num solipsismo]; por isso, tem de ser estabilizada em condições pelo menos antecipadas de reconhecimento mútuo (HABERMAS, 2010, p.

246, apud LIMA & GONÇALVES NETO, 2011, p. 38).

Na perspectiva de Ciampa (op. cit.), identidade é uma questão tanto teórica quanto política, sua compreensão leva em consideração os fragmentos de emancipação e opressão, alinhando-se assim a tradição da teoria crítica da sociedade, que utiliza o conceito de reflexividade para decidir de que modo cada interesse promove autonomia, ou seja, pode levar à emancipação.

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Porém, os fragmentos de emancipação só podem ser percebidos posteriormente, uma vez que um novo conteúdo identitário, por si só, não a garante. É por meio do processo pelo qual este novo conteúdo identitário do Ego é reconhecido pelo alter que esse sentido pessoal se firma como significado socialmente compartilhado, que possibilitará o desenvolvimento de uma nova rede intersubjetiva em que as relações são transformadas pelo reconhecimento recíproco dos sujeitos.

A teoria de Ciampa (op. cit.) evidencia que a identidade deve ser compreendida como metamorfose humana, luta por reconhecimento, mesmo em uma sociedade que tende a reduzir a identidade a personagens fetichizadas que negam sua totalidade em favor do dominante capitalismo.

Atualmente, a fragmentação da sociedade contemporânea vem sobrecarregando com exigências conflituosas as identidades convencionais, o que, em alguns casos, pode levar a desintegração destas identidades. Este fenômeno pode também possibilitar a emancipação do sujeito, caso tenha construído uma identidade pós-convencional. Isto ocorre quando o sujeito visualiza uma integração projetada numa comunidade maior.

Por meio da teoria de identidade apresentada, acreditamos que seja possível compreender a formação da identidade do poeta com sua criatividade e sensibilidade, capazes de promover a constituição de sua individualidade, marcada pela reflexão social a partir do sentido que atribuem ao ofício de ser poeta.

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1.2 O poeta contemporâneo

“A obra de arte representa a realidade,ao mesmo tempo em que a denuncia”.

Hebert Marcuse

Nesta pesquisa, compartilhamos a concepção de Habermas (2000) que compreende modernidade como um projeto inacabado, à espera de revitalização - o que seria possível por meio da ação comunicativa3.

Para o autor, a palavra “moderno” sempre serviu para marcar a consciência de um momento de transição entre o antigo e o novo. O termo surgiu e ressurgiu exatamente durante os períodos em que se formava a consciência de uma nova época por meio de renovada relação com os antigos. Partindo deste conceito, o pesquisador acredita que ainda não alcançamos novas formações de consciência e por isso permanecemos na modernidade.

Neste trabalho, não consideraremos o fatiar do tempo em épocas como modernidade, pós-modernidade e outros. O termo contemporaneidade será empreendido como característica de alguns sujeitos em, sensivelmente, captar o instante que vivem, carregarem o arcaico e transcender, conforme abordaremos nos próximo parágrafos.

Sendo assim, esta pesquisa, não se interessa em determinar o período de produção ou vida do escritor, e sim a estética de sua arte e seus impactos pessoais, políticos e sociais.

A seguir trataremos do termo contemporâneo e suas características, que nos auxiliara na compreensão das identidades dos poetas selecionados para esta pesquisa.

3

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O perpetuar de um instante

Consideramos como contemporâneo o sujeito capaz de captar o instante em que vive de maneira fugaz, transcendente a sua época. Segundo Paz (1996), a superação dos tempos só é possível por meio do leitor que, compactuando com o escritor, consagra este instante e dá origem a um “tempo arquetípico”, que pode ser manifestado não apenas na poesia e literatura, mas em todas as artes.

Apoiado em uma concepção grega do tempo considerado essencialmente circular, Agamben (2005) apresenta suas pressuposições teóricas sobre o contemporâneo. Para o filósofo, o sujeito contemporâneo é deslocado e anacrônico, capaz, mais do que outros, de perceber e apreender o seu tempo. É aquele capaz de interpolar os tempos, ir além, ser sempre atual, independente do ano em que nasceu – suas obras tendem à eternidade da modernidade (AGAMBEN, 2009).

O contemporâneo possui uma relação singular com o tempo: adere a ele, e, no mesmo momento, toma distância numa dissociação e anacronismo. Mantém fixo seu olhar no momento para perceber nele não as luzes, mas o escuro. A contemporaneidade está no tempo obscuro. Ser moderno significa ter coragem de perceber no escuro de sua época uma luz que, dirigida a nós, se distancia infinitamente. Ou ainda: “ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar” (AGAMBEN, 2009, p. 65).

O autor salienta que só pode ser contemporâneo aquele que percebe no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico. Isto porque arcaico significa arké - da origem - e esta não está situada apenas em um passado cronológico. Ela não cessa de operar no contemporâneo.

As concepções de Benjamin (1994) alinham-se às de Agamben (2009), pois para o autor a tradição é a fonte inesgotável de saber. Sabedoria do tempo que não é condicionada por ele e que não está à mercê dele. Tradição que corresponde a uma forma de temporalização histórica, uma unidade do presente, que contém o futuro e o passado. Um agora que por meio da rememoração pode mudar o curso da história.

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sensibilidade e suas experiências acontecem no presente, contudo, a arte não mostra o presente sem mostrar o passado:

O que se tornou forma na obra de arte já aconteceu: é recordado, re-apresentado. A mimese traduz a realidade para a memória. Nesta recordação, a arte reconheceu o que é e o que podia ser dentro e fora das condições sociais (MARCUSE, 1997, p.74)

Berman (1986) aponta a modernidade como um tipo de experiência vital - de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida, compartilhada por homens e mulheres hoje, em todo o mundo. É o encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao seu redor — mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que se tem, o que se sabe, e o que se é. A atmosfera de agitação e turbulência, aturdimento psíquico e embriaguez, expansão das possibilidades de experiência, destruição das barreiras morais e dos compromissos pessoais, auto-expansão, fantasmas na rua e na alma dão origem à sensibilidade moderna.

A experiência ambiental da modernidade tende a anular todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como apresentou Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. (BERMAN, 1986, p.17).

Por estas concepções evidencia-se a importância de poetas e escritores contemporâneos em nossa sociedade, uma vez que estes possibilitam “o cruzar e interpolar os tempos”, criando, transformando e até mesmo “costurando” as experiências de diferentes períodos. Permitem irmos além do que somos, partilhando experiências e difundindo conhecimentos.

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Embora os poetas contemporâneos, cotados como inovadores, só possam ser assim denominados após o longo passar dos tempos, trazemos este conceito à nossa pesquisa, no intento de analisar e investigar o sentido de ser poeta para os escritores da atualidade que selecionamos. Nos interessamos pelo sentido que os escritores dão ao ofício do poeta e como alinham a transformação e interpolação dos tempos, de forma a ir além e levar seus leitores mais adiante.

Partiremos agora para aspectos históricos do poeta e alguns de seus ofícios.

O ofício do poeta: Artista, político e guardião das metamorfoses

Em um fragmento parcial da história da literatura, Alvarez (2006) conta que o romantismo foi uma súbita e violenta explosão de emoções, entusiasmos e introspecções que irrompeu na segunda metade do século XVIII e destruiu a crença clássica na ordem, na razão, na simetria e na serenidade, abrindo caminho para o chamado culto da personalidade, o escritor era admirado por sua instintiva e extraordinária capacidade para imaginação criativa. Para os românticos, o mundo significava uma natureza não-domesticada, em que os poetas eram “legisladores não-reconhecidos”, cuja liberdade artística era parte do movimento político que fazia a sociedade estremecer.

Assim, com a Revolução Francesa, o romantismo se baseava na ideia de liberdade – de sentir, reagir e de criar modos pessoais e imprevisíveis distanciando-se das certezas estabelecidas e seguindo as experiências subjetivas.

Nas primeiras décadas do século XX, pessoas “avançadas” do meio literário formaram a convicção de morte do romantismo e inauguraram um novo período de classicismo, que envolvia inteligência, impessoalidade, lucidez, controle. Em outras palavras, o modernismo era uma reação a autocomplacência e a displicência do romantismo, chegando com um estilo mais vigoroso e severo, formando o chamado Novo Criticismo.

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distinguir entre escrever bem e escrever mal, e o estilo passou a ter grande importância, elevando os padrões dos discursos literários.

Os novos críticos agiam como se o ensaio crítico fosse uma obra de arte equivalente, se não superior, à obra que o estimulava. Acreditavam também que a cultura tomara o lugar da religião e da literatura.

Por quase dois séculos, a literatura de países sempre espremidos entre potencias hostis de dominação, deixava de ser uma atividade marginal, de entretenimento, e se tornavam uma criptopolítica. Todas as discussões políticas ocorreram em romances e poemas, pois, não havia políticos, mas havia escritores: “A censura é a mãe da metáfora” (BORGES apud Alvarez, 2006, p. 108).

Em 1948, quando houve o predomínio comunista no Leste Europeu, os poetas acabaram se tornando uma oposição clandestina, testemunhas de acusações, divulgadores de denúncias. Neste momento, o que estava em questão era a sobrevivência dos valores humanos comuns (sanidade, decência, respeito) num mar de corrupção e hipocrisia.

A linguagem, por trás da cortina de ferro, era a principal arma de luta contra a “estupidez codificada” apontada por Holub, em que estilo e moralismo estavam entrelaçados refletindo a maneira como se comportava e também pensava. De acordo com Alvarez (2006), para Holub, autenticidade significava escrever poemas sobre a vida cotidiana, mas de modo informal e sem histeria, porque, num mundo de hipocrisia política, entre os valores privados e a vida privada mesmo infeliz, eram eles que mantinham a sanidade das pessoas, e era trabalho do poeta lembrar seus leitores que eram parte da humanidade e de seus problemas.

Para Alvarez (op. cit.), o neoclassicismo era um ideal frágil num momento em que cada avanço mais esclarecido era contrabalanceado por loucas ações de irracionalidade e barbárie. De acordo com o autor, diante de tamanha devastação, com os campos de concentração, “ficou cada vez mais difícil acreditar na supremacia da ordem e na afável razão” (ALVAREZ, 2006, p. 113).

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Entre 1950 e 1960, os escritores beat se rebelam contra a vaidade excessiva e o conformismo do novo criticismo, em nome da espontaneidade, da espiritualidade. Para Alvarez: “É impossível superestimar o antiintelectualismo da geração beat. Eram os que nada sabiam contra os que sabiam tudo” (2006, p. 120).

Os escritores beat, relata o pesquisador, estavam falando sério quando discursavam acerca da “contracultura” e suas razões para isto eram políticas, havia um processo de rebaixamento artístico e intelectual.

Para o autor, embora os escritores beat tenham sido de pouca importância na história da literatura, convivemos hoje com as consequências estéticas de suas excentricidades, a poesia foi transformada em um entretenimento leve e feliz e o autor é um showman cuja principal obra de arte é ele mesmo.

Os poetas chamados extremistas foram aqueles que transformaram a arte em uma atividade de alto risco, como pular de pára-quedas, em que a vida e a obra dos autores se completavam mutuamente, muitas vezes, tragicamente. Apesar dos elevados princípios estéticos, eles se dispunham a enfrentar seus demônios e criavam sua arte a partir das lesões sofridas:

É absolutamente equivocado acreditar que a arte extremista, ou qualquer outra, tem de ser justificada ou sustentada por uma vida extremista, ou que a experiência do artista no limite mais extremo do intolerável é, de um modo qualquer, um substituto da criatividade (ALVAREZ, 2006, p. 138).

O autor afirma que grandes poemas trágicos podem ser iniciados por minúsculas irritações, desde que o mundo secreto e íntimo do poeta seja suficientemente rico e acessível: “porque ele ama e compreende qualquer meio que utilize (...) e deseja explorar suas possibilidades e fazer dele algo perfeito” (ALVAREZ, 2006, p. 138).

Na sociedade moderna, a linguagem literária recupera seu sentido como arte da linguagem que exige técnica. O resultado não depende apenas da inspiração, mas de um método que precisa ser aprendido e desenvolvido, para, a partir de então, ser reinventado e novo (PERRONE-MOISÉS, 1988).

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existentes, uma vez que está comprometida com a emancipação da subjetividade e objetividade, sendo um veículo de reconhecimento e acusação, empenhada na percepção do mundo que aliena os indivíduos da sua existência e atuação funcionais na sociedade. Para o autor, a arte “comunica verdades não comunicáveis noutra linguagem; contradiz”. (MARCUSE, 1977, p. 22).

A forma estética revela dimensões da realidade interditas e reprimidas que são aspectos da libertação. É a estética que chama o destino pelo nome, sendo capaz de reconhecer os indivíduos e denunciar a ideologia existente, trazendo um pouco de liberdade e realização no meio da servidão:

A dissociação do processo de produção tornou-se um refúgio e um ponto de mira a partir do qual é possível denunciar a realidade estabelecida através da dominação (MARCUSE, 1977, p 29).

Assim, “a arte é necessária para que o homem se torne capaz de

conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da

magia que lhe é inerente” (FISCHER, 1971, p. 20).

Adorno acredita que a desvalorização da técnica como mero formalismo ou prejudicial lirismo expressivo é qualificada como “irracionalismo de beócio”. Segundo ele:

A compreensão da arte aumenta com a da fatura técnica [...] o ofício torna a arte comensurável à consciência porque pode ser

aprendida”. “Na arte o limiar entre o artesanato e a técnica não

é, como na produção material, uma rigorosa qualificação dos processos incompatível com os fins qualitativos, porque ela implica uma livre disposição pelos meios da consciência.

(ADORNO, apud PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 156).

Marcuse (1977) assinala que uma obra de arte (literária ou não) pode ser considerada inovadora se sua estética representar, no destino dos indivíduos, forças de rebeldia, rompendo com a realidade social, abrindo os horizontes da mudança:

O escritor não pode tomar simplesmente “um lugar entre o

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radicalização da consciência significa tornar o material explícito e consciente, bem como a discrepância ideológica entre o

escritor e “o povo” em vez de a obscurecer e camuflar. A arte

revolucionária pode realmente tornar-se “o inimigo do povo”.

(MARCUSE, 1977, p. 44-45).

Ou seja, a arte pode aliar-se ao povo se homens e mulheres - imersos no capitalismo - desaprenderem estes conceitos e experimentarem a dimensão da mudança qualitativa, reivindicando a sua subjetividade e interioridade.

Assim, em algumas situações, como complementa Rilke (2009), é necessário que o poeta,

Alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranquilo diante deles, sem perturbá-los com as suas dúvidas nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender. Procure constituir com eles algum tipo de comunhão simples e fiel, que não precise ser alterada à medida que o senhor mesmo se modifica cada vez mais. Ame neles a vida em uma outra forma e seja indulgente com pessoas mais velhas que temem a solidão na qual o senhor tem confiança (p. 48).

Contudo, como esclarece Fischer: “Em todo poeta existe uma certa nostalgia de uma linguagem mágica, original.” (FISCHER, 1971, p 35). É necessário libertar a subjetividade da história intima dos leitores, “a história particular dos seus encontros, paixões, alegrias e tristezas - experiências que não se baseiam necessariamente na sua situação de classe e que nem sequer são compreensíveis a partir dessa perspectiva.” (MARCUSE, 1977, p. 18).

Assim, quando um escritor se entrega ao seu trabalho, o leitor reconhece e age de acordo,

com uma nova abordagem do mundo e uma sensação de ser o mesmo de sempre e ao mesmo tempo estar vivo de uma maneira completamente nova. Mas o frescor está todo na execução, e nada tem a ver com a personalidade e performance (ALVAREZ, 2006, p. 148).

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Contudo, a novidade e juventude decorrem do que considera função social da literatura:

A literatura não existe no vácuo. Os escritores, como tais, tem uma função social definida, exatamente proporcional a sua competência como escritores. Essa é sua principal utilidade. Todas as demais são relativas e temporárias, e podem ser avaliadas de acordo com o ponto de vista particular de cada um [...] Mas há uma base suscetível de avaliação que é independente de todas as questões de ponto de vista. [...] Os bons escritores são aqueles que mantêm a linguagem eficiente. Quer dizer, que mantêm a sua precisão, a sua clareza. Não importa se o bom escritor quer ser útil ou se o mau escritor quer fazer mal. A linguagem é o principal meio de comunicação humana. Se o sistema nervoso de um animal não transmite sensações e estímulos, o animal se atrofia. Se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai. (POUND, 1977, p. 36)

À luz da teoria da informação, a novidade é produção de informação nova, que o escritor obtém ao contrariar ou modificar o código. Muitas vezes a inovação é encontrada no escritor do passado, uma vez que é a leitura nova que discerne essa novidade. E ela é quase uma obrigação para o escritor moderno. Eliot apresenta: “devemos deixar a questão de saber se eles (os contemporâneos) são grandes, ao único tribunal que pode decidir: o tempo”. (ELIOT apud PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 173).

A ambição da literatura moderna é de que esta arte atinja o maior número de pessoas, sem perda de qualidade intrínseca: seu objetivo é que “a massa coma o biscoito fino que fabricam” como queria Oswald de Andrade (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 157).

A profissão de poeta é muito difícil, exigente, pois “é carregada de grandes convenções e não deixa quase nenhum espaço para uma concepção pessoal de suas tarefas” (RILKE, 2009, p. 49).

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Porém, para este autor, o poeta é antes de tudo o guardião das metamorfoses tanto no sentido de se apropriar da herança literária da humanidade (que já é rica em metamorfoses) quanto no sentido de, em pleno mundo da especialização e produtividade, manter abertas as vias de acesso entre os homens, sendo capazes de se transformar em qualquer um - mesmo no mais ínfimo, no mais ingênuo, no mais impotente.

Só pela metamorfose (no sentido extremo em que essa palavra é usada aqui) seria possível sentir o que um homem é por trás de suas palavras: não haveria outra forma de apreender a verdadeira consistência daquilo que nele vive (CANETTI, 1990. p.282).

Conforme Habermas, algumas obras carregam em si o papel de guardador e intérprete: devem guardar elementos, mas também estarem abertas às mudanças contemporâneas, apesar de hoje a arte ser produto da era da reprodutibilidade técnica, como denominada por Benjamin (1994). Este período, se refere à arte que reproduzida, pode voltar à população (em um sentido positivo), mas ao mesmo tempo pode, diante da modernidade capitalista, tornar-se massificação sem conseguir a verdadeira aura da obra (irreprodutível).

Por meio de seu valor estético e para além dele é que os escritores críticos-modernos têm sentido a necessidade de ampliar a literatura para além da função estética já que esta arte tem um conhecimento de mundo, autoconhecimento e um valor de crítica com implicações e efeitos no contexto social. Conforme Eliot:

é isso que eu considero a função social da poesia, no sentido mais largo: que ela afeta, na proporção de sua excelência e vigor, a fala, a sensibilidade da nação como um todo (ELIOT

apud PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 165).

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literatura deve ampliar nossa percepção do mundo, de afinar a fruição psíquica do leitor. Outros, munidos de uma teleologia hegeliana-marxista, veem na obra seu valor político revolucionário. Sollers aliava diretamente transgressão poética e subversão política, revolução de linguagem. Já Butor, afirmava que modificar o mundo, na ficção, provoca no leitor o desejo de modificações no mundo real para torná-lo cada vez melhor:

a linguagem bancária é hoje uma espécie de câncer, de vírus: precisamos achar anticorpos, vacinas. É a poesia que nos

fortalece”; “precisamos de um novo estado das letras e das

línguas para chegar a uma verdadeira melhora de nossos

problemas econômicos e políticos (BUTOR apud

PERRONE-MOISÉS, 1988, p. 166).

As declarações de Eliot, complementam:

Os poetas importantes serão aqueles que ensinarão as pessoas a falar e, em todas as gerações as pessoas precisam ser ensinadas a falar: a função do poeta em cada momento é a de fazer o povo inarticulado articular e como o povo inarticulado está quase sempre resmungando, transformando a fala em jargão, o de seus ancestrais ou dos editores de jornal, a nova linguagem nunca é aprendida sem uma certa resistência e mesmo ressentimento. (...) e essa purificação da linguagem não é tanto um progresso, como um retorno

perpétuo ao real (ELIOT apud PERRONE-MOISÉS, 1998, p.

155).

A nossa atual sociedade é composta pelo “transitório, o fugitivo” que deve ser captado com avidez infantil. Como a vida moderna é intensa e fugaz, o homem deixa de perceber esta intensidade; assim, o papel do poeta deve abranger a modernidade:

Para maior parte de nós, sobretudo para os homens de negócios, aos olhos dos quais a natureza não existe, a não ser nas relações de utilidade com o seus negócios, o fantástico real da vida está singularmente embotado, o papel do poeta é captar essa intensidade e torná-la visível aos seus concidadãos

(BAUDELARIE, apud PERRONE-MOISES, 1998, p.156).

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experiência que possui relação direta com a tradição. Sendo assim, sábio é o indivíduo que não só acolhe a experiência viva da tradição como também a comunica. Sabedoria esta, que como observa Tiburi (2000), não é apenas “um conteúdo subjetivo ou objetivo, mas também uma forma de relação com o mundo ou o outro, inimiga da pressa e do imediatismo. Por isso, é o elemento presente na narração, a qual envolve a compreensão das camadas mais escondidas do existir (p.90)”.

Porém, atualmente a experiência humana, geradora de sabedoria, é apenas uma vivência, “aquilo que restou após a aniquilação do espaço para a experiência, quando o indivíduo, alienado de sua condição de sujeito, tornou-se um solitário em meio ao mundo criado pelo capitalismo” (TIBURI, 2000, p. 88). O ritmo apressado, as novas formas de narrativa e a transformação do modo de produção artesanal para o modo de produção industrial, retiraram o indivíduo do universo da tradição. A narração necessita de elementos da tradição que não se dão ao homem moderno (BENJAMIN, 1994).

Benjamin (1994) assinala que a força dos novos meios de comunicação e produção capitalista ocasionou o enfraquecimento do narrar e acentuou ainda mais o declínio da experiência na sociedade moderna. O surgimento de gêneros narrativos como a informação jornalística também influenciaram a sociedade atual a interessar-se pelo mais fácil e imediato. Com a morte do narrador, a experiência corre o risco de extinguir-se, uma vez que estamos diante da escassez de experiências coletivas comunicáveis e plenas de sentido.

O indivíduo moderno é mudo, não tem nada a contar, pois é pobre de experiência. Vivências como a guerra, foram desprovidas de sentido. As histórias que não podem ser narradas não podem ser comunicadas, e então, nenhum sentido pode ser retirado delas. Ou seja, está desaparecendo de nossa atualidade a “faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN, 1994, p.197).

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As qualidades radicais da arte são baseadas nas dimensões que transcendem a sua determinação social e se emancipam, criando um mundo em que a subversão da experiência própria da arte se torna possível: “o mundo formado pela arte é reconhecido como uma realidade suprimida e distorcida na realidade existente” (MARCUSE, 1977, p.20).

Como ensina Rilke:

Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, reclame de si mesmo, diga para si mesmo que não é poeta o bastante para evocar suas riquezas, pois para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum ambiente pobre, insignificante (RILKE, 2009, p. 26).

A transcendência da realidade imediata destrói a objetividade reificada das relações sociais estabelecidas e abre uma nova dimensão da experiência: o renascimento da subjetividade rebelde. Assim, na base da sublimação estética, tem lugar uma dessublimação na percepção dos indivíduos – nos seus sentimentos, juízos, pensamentos; uma invalidação das normas, necessidades e valores dominantes. Com todas as suas características afirmativo-ideológicas, a arte permanece uma força dissidente. (MARCUSE, 1977, p. 21).

Após a apresentação dos diversos períodos e personagens existentes para o ofício do poeta, bem como as discussões acerca das possibilidades de emancipação do sujeito, acreditamos que seja necessária a apresentação da relação leitor e poeta.

Sociedade e criatividade: o leitor e o poeta

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