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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Paula Francisco Salles

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Academic year: 2018

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Paula Francisco Salles

A Nova Comunicação do Corpo Cristão:

a transformação da imagem do corpo sagrado na mídia

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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A Nova Comunicação do Corpo Cristão:

a transformação da imagem do corpo sagrado na mídia

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob orientação da Prof.a Dr.a Helena Tania Katz.

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Banca Examinadora

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A ciência do bem, nem sempre é o bem da ciência! A religião do bem, nem sempre é o bem da religião.

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AGRADECIMENTOS

O agradecimento é uma memória de gratidão eternizada; deixo, então,

impressas as minhas aqui!

Muitos deveriam ser os nomes para compor esta página, mas ela não seria

suficiente. É bom saber que, nos momentos mais desafiantes, temos muitas

pessoas com quem contar:

A família, que nos lembra sempre o porquê das nossas escolhas de vida.

Amigos de tantos lugares distintos, colegas da Faculdade Paulista de Artes

que compartilham comigo o prazeroso exercício de estar em sala de aula.

Professores, funcionários e colegas do curso de Comunicação e Semiótica da

PUCSP - foram dois anos maravilhosos na companhia de vocês!

Todos os alunos que me ajudaram a percorrer o caminho desta pesquisa, em

especial, Laudicéia Santos, Edinéia Barjud e Aruan Nunes.

Estendo também estes agradecimentos a Letícia Biloto, por nos receber tão

bem em seu Ministério.

Minha orientadora, Prof. a. Dra. Helena Katz, a quem o título não comporta a

extensão da dedicação. Por me apresentar universos tão distantes e

provocadores e pela capacidade de unir abismos, a fim de que minhas

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Nas últimas décadas, evidencia-se em algumas comunidades cristãs um fenômeno bastante curioso, que tem se intensificado e diz respeito a uma profunda transformação na imagem do corpo dos cristãos evangélicos. A primeira hipótese propõe que o corpo deve ter adquirido permissão para existir nas igrejas cristãs através da dança e que os grupos de dança cristã proliferaram tanto que foi necessário importar o formato de festivais e mostras. A ela se agrega a subhipótese de que a dança é uma estratégia adaptativa do discurso puritano conservador em decorrência da cultura gospel e oriunda do neoliberalismo. Nesse contexto, tornou-se indispensável produzir imagens desse corpo para divulgação em diversas mídias. O objeto desta pesquisa é o papel da dança na transformação da imagem do corpo cristão protestante e como a divulgação dessa nova imagem, nas mídias altera os mecanismos de comunicação na igreja e na sociedade. De natureza teórico-prática, este estudo uniu revisão videográfica e pesquisa de campo, ao acompanhar o Grupo de Dança Gospel ―Livres para Dançar‖, o Ministério de Dança – da Igreja Renascer em Cristo de Osasco, o Festival de Dança Gospel ―Abba Dance – 2013‖ e o III Seminário ―Marcas de Dança – Alargando Tendas‖, realizado em Mauá. Uma coleta de material de divulgação foi realizada também com grupos de dança de outras igrejas protestantes, de modo a investigar possíveis singularidades identitárias dentro da diversidade desse ambiente. A revisão bibliográfica centrou-se, sobretudo, na Teoria Corpomídia KATZ & GREINER, que propõem o corpo em co-dependência com o ambiente para, com ela, ler a transformação da imagem do corpo cristão em curso. Uma vez que a imagem torna-se central para esta investigação, foi também convocado o estudo de DAMÁSIO sobre o conceito de imagem como sinônimo de mapeamento realizado pelo cérebro de padrões que estão fora dele. Para compreender o que aqui se identifica como ‗corpo cristão‘, colaboraram outros estudioso CUNHA; MENDONÇA; MENDONÇA & VELASQUES FILHO; GOMES; e ALVES. Finalmente para investigação da manifestação da dança nas igrejas evangélicas contribuíram COIMBRA; GUALBERTO.

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which has intensified and relates to a profound transformation in the image of the body of evangelical Christians. The first hypothesis proposes that the body must have acquired permission to exist in Christian churches through dance and the Christian dance groups proliferated so much that eventually there is a need to import the format of festivals and exhibitions. To this sums up a sub-hypothesis that dance is an adaptive strategy of Puritan conservative discourse, a result of gospel culture derived from neoliberalism. In this context, it has become essential to produce images of the body for dissemination in media outlets. The object of this research is the role of dance in transforming the image of the Christian Protestant body and the dissemination of the new image in the media and the changes in communication mechanisms in both church and society. This research, of theoretical and practical nature, joined both bibliographical and work on the field, watching the group Gospel Group Free to Dance, Gospel Group Free to Dance, Ministry of Dance of the Reborn in Christ Church from Osasco, Gospel Dance Festival Abba Dance 2013 and III Seminar Marks of the Dance Widening Tents, realized in Maua. A collection of promotional material was also gathered with dance groups from other Protestant churches in order to determine possible identity of the singularities within the diversity environment. The literature review focused mainly on Corpomídia Theory KATZ & GREINER, which proposes the body in co-dependence with the environment, and with it, read the body transformation undergone by the Christian body in progress. Once the image becomes central to this investigation, the study of DAMASIO on the concept of image as a synonym of mapping, done by the brain on patterns external to it. To understand what is here identified as ‗Christian body‘, collaborated CUNHA; GOMES; MENDONÇA; MENDONÇA & VELASQUES FILHO; and ALVES. Finally to investigate the expression of dance in evangelical churches contributed COIMBRA; and GUALBERTO.

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INTRODUÇÃO ... 9

CAPÍTULO 1 A MIDIATIZAÇÃO DO NOVO CORPO CRISTÃO PROTESTANTE NO BRASIL ... 15

1.1 As concepções de corpo no Cristianismo ... 18

1.2 O Protestantismo na América do Norte ... 22

1.3 O Protestantismo no Brasil ... 30

1.4 A explosão Gospel ... 35

1.5 O corpo nos discursos protestantes no Brasil ... 38

CAPÍTULO 2 NOVA IMAGEM DO CORPO CRISTÃO PROTESTANTE ... 45

2.1 O conceito de imagem... 47

2.2 A construção da imagem do corpo protestante no Brasil ... 49

2.3 Novos limites do corpo no Protestantismo ... 55

2.4 O artista Gospel como mediador ... 59

CAPÍTULO 3 A DANÇA MEDIANDO O LOUVOR E A ADORAÇÃO ... 85

3.1 a Dança na cultura Gospel ... 100

3.2 A mediação da Dança na tolerância religiosa ... 110

3.3 A mediação da Dança nas observações realizadas ... 114

3.4 Outras mediações ... 129

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 142

REFERÊNCIAS ... 153

ANEXO 1 – DIÁRIOS DE BORDO ... 165 ANEXO 2 – DVD DE AÚDIO

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INTRODUÇÃO

O corpo religioso é um vasto domínio de estudo, um campo ainda inculto que antropólogos, historiadores das representações e historiadores da arte começaram a explorar. Suas contribuições esclarecem as mudanças que se operam no curso dos séculos medievais e modernos; mas o corpo não estava realmente no centro de suas preocupações e, portanto, elas só o atingiram de maneira ocasional. A história de representações do corpo no universo religioso é hoje canteiro aberto e o essencial da tarefa está diante de nós (GÉLIS, 2008, p. 22).

A história do corpo requer recortes e delimitações. Pede uma atenção especial para os diferentes contextos comunicacionais, culturais, sociais, psicológicos, cognitivos e tantos outros que nos constituem. Faz-se necessário enxergar o corpo em diferentes vieses para dimensionar a sua complexidade, uma vez que tanto ele como o mundo no qual vive estão em profunda co-habitação e permanente transformação.

Dada a vastidão que o interesse pelo corpo contempla, sobretudo agora, quando o corpo se transformou em assunto de tantas áreas do conhecimento e ocupa um espaço crescente em tantas mídias, esta dissertação escolhe se deter na pesquisa do corpo através da ótica da religião cristã, recortando nela o pensamento do protestantismo no Brasil. A escolha deste grupo específico ocorre porque desde o período da Reforma, no século XVI, na Europa, é ele, por meio das suas divergências com a soberania católica, que parece desencadear processos significativos na forma de reorganizar a relação entre corpo, religião e sociedade. Ao romper com os paradigmas católicos, o protestantismo cria, de imediato, outros discursos midiáticos, pautados nas interpretações das escrituras bíblicas pelo próprio fiel, mudando todo o universo imaginário em que estava imerso o cristão católico. Cabe ressaltar, no entanto, que o protestantismo, ao instaurar outros modelos de comunicação, faz emergir as transformações que estavam em processo no ambiente social e político no qual estava imerso o cristianismo católico na Europa.

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a de que o corpo parece ter adquirido permissão para existir nas igrejas como estratégia de conversão de novos fiéis, e que os grupos de dança cristã proliferaram tanto, que acabou sendo necessário importar o formato de festivais e mostras para o ambiente evangélico.

Considerada a abrangência da temática, optamos por fundamentação teórica capaz de olhar o corpo em suas múltiplas facetas e, para tal, elegemos a Teoria Corpomídia, de Helena Katz e Christine Greiner (2001, 2001, 2003, 2004, 2005, 2010). Foi modesto o uso desta teoria neste trabalho, diante do cabedal de conhecimento epistemológico que ela abarca, envolvendo perspectivas biológicas, psicológicas, culturais, semióticas, e algumas vertentes das ciências cognitivas – aqui elencadas apenas para termos uma ideia de sua amplitude. Ela estrutura a abordagem de corpo aqui desenvolvida justamente porque entende o corpo como um trânsito que nunca cessa do cruzamento de todas essas vertentes. Seu princípio básico é o de que o corpo não é algo pronto e acabado, pois vive em um permanente estado de transitoriedade, produzido pelo fluxo constante de trocas de informação com o ambiente. Corpo e ambiente existem em um processo co-evolutivo de adaptação contínua. Os acordos corpo-ambiente se configuram em tempo real, sendo o corpo entendido como mídia de si mesmo (corpomídia) e não como um corpo que processa a informação que está fora para depois devolvê-la ao mundo. No corpomídia, a informação se transforma em corpo e ele é sempre mídia desse processo.

O modelo de comunicação proposto pela Teoria Corpomídia difere do já conhecido input-processamento-output, pois o corpo não é visto como um recipiente no qual a informação é depositada para ser processada. A informação é transmitida pela contaminação mútua e ininterrupta entre ambiente e corpo. Colaboram para esta proposta os entendimentos de Lakoff & Johnson (1998, 1999) sobre o modo como conhecemos. Eles são aqui trazidos para nos fazer compreender os processos metafóricos que o corpo usa para se comunicar.

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panorama histórico, social e filosófico que, mesmo sem ser exaustivo, tem o propósito de situar o leitor não familiarizado com o ambiente evangélico.

Contudo, faltava-nos ainda conhecer em que momento os protestantismos no Brasil abriram frestas para um novo entendimento de corpo por onde a dança pudesse adentrar como estratégia de comunicação e, para tal, recorremos à importante contribuição de Magali Cunha (2004), doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, através de sua tese Vinho Novo em Odres Velhos: Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil, cujo detalhado estudo da cultura gospel, através de um fenômeno por ela denominado a explosão gospel, colaborou para a sustentação da hipótese desta investigação. A extensão e complexidade presente nos seus escritos também foi aqui modestamente utilizada.

Segundo Magali Cunha, a cultura gospel é um fenômeno desencadeado primordialmente pelas denominações neopentecostais que importaram valores do neoliberalismo e da globalização, configurados pela tríade música, consumo e entretenimento. Ela promoveu um novo comportamento no cristão evangélico, que acabou contaminando os protestantismos conservadores, o Protestantismo Histórico de Missão (PHM) e o Pentecostalismo Histórico de Missão, preocupados em não diminuir o número de fiéis das igrejas. A mudança de hábitos ocasionada pela cultura gospel desencadeou a convivência dualista entre padrões novos e conservadores de comportamento e deu novos rumos as estratégias de divulgação do discurso puritano.

É neste ambiente gerado pela cultura gospel, marcado pela transitoriedade de valores e propiciador de uma nova imagem de corpo cristão evangélico, que esta pesquisa se situa, atentando para a expansão da manifestação da dança nas igrejas de diferentes denominações, para a importação dos formatos de festivais, mostras, workshops e oficinas, e para seu recente alastramento em ambientes externos: nas ruas e nos ambientes específicos da dança não evangélica, como faculdades, escolas e festivais de dança.

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dois traços centrais do protestantismo conservador: a associação do ato de dançar com o ato sexual, e a associação com a aquisição de valores relacionados ao cristianismo católico (visto como deturpado) e com a cultura brasileira. Ao mesmo tempo, cabe observar que a divulgação nas mídias de uma igreja que dança a aproxima do imaginário cultural de um Brasil ―dançante‖.

Todavia na maioria das denominações a dança ainda é usada como pano de fundo, e obedecendo ao puritanismo conservador, valorizando hábitos provindos da cultura norte-americana, amplamente contaminada por estes princípios, pelo individualismo e sectarismo. O fato da cultura globalizada se forçar sobre as culturas locais não facilitou a aproximação das igrejas evangélicas com a cultura brasileira.

Uma vez que a imagem corporal é o referencial de comunicação no qual estamos nos pautando, foi necessária uma definição de imagem que dialogasse com as teorias aqui adotadas, e fosse capaz de responder às complexidades aqui envolvidas. Encontramos este apoio bibliográfico no neurocientista Antonio Damásio (2011), sobretudo no seu livro E o Cérebro Criou o Homem, no qual nos explica a formação da consciência, da mente e do self. Para Damásio, imagem é toda forma de mapeamento criado pelo cérebro daquilo que encontra fora dele. As imagens podem ser conscientes ou não, mas todas interferem no comportamento. As imagens conscientes garantem a sobrevivência do organismo vivo e são reguladas pelo princípio do valor biológico através da homeostase básica, que equilibra as trocas de informações com ambiente. O ser humano desenvolveu a homeostase cultural, que também age na preservação da vida do organismo, mas em nicho diferente e passa a abranger a busca deliberada do bem-estar.

Empregamos também uma bibliografia imprescindível para esta pesquisa, aquela produzida pelos próprios evangélicos que tratam do tema da inserção da dança nas igrejas. Dentre elas, escolhemos como condutores primordiais os livros das pesquisadoras Isabel Coimbra (2005) Louvai a Deus com Danças, da Igreja Batista de Alagoinha, por ser uma das referências desta prática entre as denominações das igrejas evangélicas, e de Carolina Gualberto (2007), Dança: o que estamos dançando? – por uma nova dança na igreja. Ambas traçam perspectivas complementares e também divergentes sobre a prática da dança nas denominações das igrejas evangélicas.

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perceber uma alteração no comportamento cristão evangélico, que passava a assumir a dança como forma de discurso. Foram eles que, trazendo materiais em vídeo, bibliografias e questionamentos que envolviam sua prática de dança no ambiente acadêmico e nas igrejas, nos permitiram nos aproximar de suas práticas. As experiências vividas em sala de aula, na Faculdade Paulista de Artes, durante catorze anos, complementaram a identificação do fenômeno em curso. Para configurá-la, foram realizados quatro estudos de caso distintos: o acompanhamento de ensaios e apresentação do Grupo Gospel Livres para Dançar de Susano, formado desde 2011 e dirigido por Laudicéia dos Santos; o acompanhamento de um ensaio e apresentação do Ministério de Dança Renascer em Cristo de Osasco, liderado por Letícia Biloto; a participação no Festival Gospel Abba Dance 2013, na Igreja Nossa Senhora Menina, na Mooca, em São Paulo; e a participação no III Seminário Marcas – Alargando Tendas em Mauá no ano de 2013.

Para testar se realmente está havendo uma mudança no entendimento de corpo do cristão evangélico que dança, aplicamos um questionário para sessenta e cinco participantes do Festival Gospel Abba Dance, e com ele foi possível detectar possíveis tendências de identificação de tipos de imagem com as quais os bailarinos cristãos mais e menos se identificam. Foram realizadas observações, entrevistas e conversas buscando identificar de que maneira a dança se relaciona com as diferentes denominações de igrejas e fiéis e como ela interfere na construção da imagem do corpo cristão protestante. Identificamos diferenças cruciais na forma de manifestação da dança em diferentes igrejas. Nas mais conservadoras, esta manifestação não leva o nome de dança, mas de coreografia, o que produz implicações diferentes no entendimento de corpo e na reprodução do discurso puritano.

As imagens produzidas por este novo comportamento dos cristãos evangélicos na cultura gospel foi importante para demonstrar a transformação deste corpo em impressos como flyers e revistas, bem como nas imagens presentes em sites, blogs, redes sociais. Registros fotográficos feitos em campo ou doados pelos próprios pesquisados também foram utilizadas como indicativos da transformação do corpo evangélico nas mídias.

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O grupo de evangélicos que pesquisamos não foi restrito a uma única denominação, mesmo porque o ponto de partida desta pesquisa já caracterizava esta tendência. A maioria dos locais que observamos, com exceção da Igreja Renascer de Osasco, tinha caráter interdenominacional: Grupos Livres para Dançar e III Seminário Marcas, mas a maior parte das denominações com as quais trabalhamos são neopentecostais.

A dissertação está organizada em três capítulos. O primeiro capítulo esclarece as origens ideológicas do protestantismo puritano oriundo dos Estados Unidos, as denominações e transformações dos protestantismos no Brasil até o fenômeno da cultura gospel. Apresenta a Teoria Corpomídia e a sua relevância para entender as transformações do corpo cristão evangélico e introduz o fenômeno da cultura gospel. O segundo demonstra como se construiu a imagem de santidade do cristão evangélico e de que modo esta imagem é flexibilizada na cultura gospel através da música. Apresenta o conceito de imagem, a circulação da nova imagem do corpo cristão evangélico nas mídias e as consequências sociais e políticas deste fenômeno. O terceiro capítulo argumenta sobre o modo como se opera a transformação da imagem do corpo cristão evangélico mediado pela dança dentro e fora das igrejas, assim como as singularidades de cada uma das formas de suas manifestações. Apesar de ser um fenômeno em expansão, ainda é motivo de polêmica entre as denominações evangélicas. Nossas reflexões sobre o percurso percorrido estão nas considerações finais.

A hipótese de que há uma nova imagem de corpo cristão forjada também pela dança em circulação nas diversas mídias foi confirmada. A dança se mostra como uma estratégia, ao mesmo tempo polêmica e eficiente, de permanência do discurso puritano conservador, com processos de adaptação diferentes. De um lado, a dança pode ampliar a experiência religiosa do fiel dentro da igreja reorganizando percepções, sentidos e teologias, assim como, pode promover diálogos mais conciliadores com outros aspectos culturais, políticos e sociais. E a circulação de um corpo evangélico que dança em outros ambientes da arte, pode proporcionar à sociedade outros entendimentos do cristianismo e da pluralidade de protestantismos presentes no Brasil.

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CAPÍTULO 1 – A MIDIATIZAÇÃO DO NOVO CORPO CRISTÃO PROTESTANTE NO BRASIL

O corpo no cristianismo sempre apareceu como forte referência na mediação entre os fiéis e Deus, ora ressaltando a figura de Jesus como a encarnação do filho de Deus e considerando-o como o único modo de alcançá-lo (GÉLIS, 2008), ora ressaltando a figura do Espírito Santo, que não é representado por uma forma humana, (CONSENTINO, 2008; NICODEMUS, 2007). Alguns autores chegam a afirmar que o cristianismo é a única religião a enfocar o corpo em todos os seus aspectos físicos, inclusive o erótico: ―(...) o cristianismo é a única religião na qual Deus se inscreveu na história tomando forma humana‖ (GÉLIS, 2008, p.23).

Uma vez que o corpo, no cristianismo, é o foco de atenção, não é de se estranhar que seja sobre ele que se estabelecem relações que vão coadunar ou se confrontar com suas representações presentes em outros ambientes sociais.

No cristianismo protestante, entre os séculos XVI e XVII, a palavra falada pelo corpo parece haver se tornado a mídia mais potente para a construção de uma cultura do corpo. Uma vez que as imagens de pinturas e esculturas desaparecem das igrejas protestantes, o meio de comunicação que passa a substituí-las é o próprio corpo dos seus praticantes. A vestimenta do pastor, o tom de sua voz, a gestualidade empregada para transmitir os sermões e cantar os hinos – é todo esse conjunto de referências que passa a gerar a comunicação com os praticantes. Não pode ser esquecido o ambiente onde estes sermões eram realizados, pois é preciso lembrar que a igreja protestante passou a ter construções mais simples do que as igrejas católicas, sem tetos com abóbodas sofisticadas, sem paredes revestidas de ouro e de pinturas preciosas. Há um fato curioso sobre as igrejas protestantes, que também diz respeito ao corpo, porque talvez tenham sido elas as responsáveis por introduzir cadeiras nas igrejas para que os fiéis pudessem ouvir os sermões, que eram muito longos. Na Europa, a cadeira era um objeto da nobreza, somente reis e sacerdotes tinham assentos nos tronos.

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trazido aqui porque o entorno atua diretamente na transformação do corpo cristão, criando outra forma de midiatização, segundo o conceito de corpomídia (Katz e Greiner).

No conceito de corpomídia, o termo ‗mídia‘ não é entendido no viés habitual das Teorias da Comunicação que propagam o modelo input-processamento-output. O corpo não é um meio no qual a informação chega, é processada e depois é devolvida ao mundo. O corpo não é pensado como um recipiente onde as informações são depositadas e processadas para serem depois expressadas. O corpo vive dos acordos que realiza em tempo real com os entornos; esses acordos, que são sempre adaptativos, vão produzindo a configuração do corpo, que nunca para de se transformar.

A fim de examinar as transformações do corpo cristão protestante no Brasil, atentando para o universo de informações que interferem nestas mudanças escolhemos como fundamentação teórica a Teoria Corpomídia, (KATZ e GREINNER, 2001, 2003, 2004, 2005, 2008), uma teoria que, apoiada no cruzamento entre filosofia, psicologia, biologia, semiótica e algumas vertentes das ciências cognitivas, parte do princípio de que corpo e ambiente se relacionam em tempo real e através de processos co-evolutivos, um interferindo no outro. Ou seja, as mudanças que ocorrem no ambiente escorrem para o corpo e vice-versa. Isso é possível devido aos processos cognitivos do corpo que, via percepção, encontra as informações presentes no ambiente e as vai transformando em corpo. Esse corpo, transformado, continua a se relacionar com o ambiente, que também se transforma.

O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a ideia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação. (KATZ e GREINER, 2005, p.7).

É importante observar que a noção de corpo aqui empregada não se refere somente ao corpo humano, pois abriga todos os conjuntos de informação que se agrupam em uma dinâmica sistêmica que possa ser nomeada como corpo. Assim, trata também do corpo de uma montanha, de um animal, de um objeto, não importa.

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Deste modo, a história da formação do corpo cristão, bem como o modo como vem sendo representado em diferentes mídias, abrange princípios comunicacionais, cognitivos, psicológicos, teológicos, antropológicos, sociológicos e culturais que se relacionam e se interferem, produzindo mudanças significativas em cada uma destas perspectivas do conhecimento e, consequentemente, no entendimento de corpo.

Nesta pesquisa, enfatizaremos os aspectos que interferem na transformação ocorrida no corpo cristão protestante no Brasil e no ambiente em que ocorre esse processo evolutivo. Lembrando que a palavra evolução aqui será lida no viés da Teoria Corpomídia, cabe sublinhar que ela nada tem a ver com a noção de progresso, pois é sinônimo de transformação. O progresso tem direção, é vetorial, e carrega o compromisso da superação, do sucesso, da acumulação crescente e hierárquica, enquanto a evolução é cega, vai acontecendo pela combinação entre seleção e adaptação, sem qualquer vinculação com a vitória do mais forte ou do melhor. Infelizmente, essa diferenciação entre progresso e evolução não é muito clara para a maioria, pois a proposta darwiniana1 é pouco lida, mas muito atacada.

A Teoria Corpomidia torna-se imprescindível para a reflexão que aqui se propõe sobre o corpo cristão, justamente porque entende a complexidade de cruzamentos pela qual o corpo é formado e, principalmente, por considerar o corpo como um estado transitório, em permanente transformação por conta das suas trocas incessantes com o ambiente. Sendo um estado e não algo pronto, definido e bem delineado, o corpo pode ser lido como poroso, plástico, permanentemente adaptativo. Interessa-nos atentar para os ambientes nos quais se forma o corpo cristão, bem como os ambientes formados por este corpo, lembrando que o imaginário também faz parte desse processo de co-evolução entre corpo e ambiente.

É neste cenário de transição do corpo protestante brasileiro que esta pesquisa se inscreve, impulsionada pelos novos comportamentos surgidos, dentre os quais um tem chamado a atenção: a multiplicação dos grupos de dança cristãos. Trata-se de um fenômeno de proporções espantosas, que aqui será proposto com a hipótese de ser uma nova forma de midiatização, adotada por igrejas de distintas denominações, por conta de sua grande potência comunicacional. Essa potência tem no corpo o seu grande aliado e a mudança nos modos de apresentar esse novo corpo religioso à sociedade é o eixo condutor de uma evangelização sutil, bem como, um outro modo de manifestação ideológica sobre o cristão evangélico, de

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enorme força porque opera com uma mudança no entendimento do corpo na religião. E para a construção desse outro entendimento de corpo, é a dança o eixo central que serve como absolvidora de sua carga historicamente presente de ‗agente do pecado‘. Ironicamente, a mesma religião que, no passado, convidava os fiéis a sentarem, ou a assentarem os sentidos, hoje parece convidá-los a deixar os sentidos aflorarem.

As mudanças nas imagens produzidas sobre o corpo nestes ambientes são indícios de um novo relacionamento entre o dentro e fora das igrejas protestantes; por isso, é necessário olhar para tal fenômeno recorrendo a uma epistemologia que não retire o corpo da complexidade dos processos de comunicação presentes na cultura.

Se o corpo pode ser tomado como índice das mudanças em curso da sociedade, torna-se necessário compreender como se dá este processo. Por que o corpo pode ser lido como sinal do seu entorno? De que modo o entorno se torna corpo? (KATZ, 2008, p. 69).

1.1As concepções de corpo no Cristianismo

As concepções de corpo do cristianismo instauraram hábitos e comportamentos que se espalharam por muitas regiões da Europa durante muitos séculos. Ora o corpo do cristão era dignificado - ressaltando a imagem do corpo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado -, ora era desprezado, quando a ele era atribuída a imagem do ser humano pecador.

Isto ocorre devido a uma diferença radical no entendimento de corpo no cristianismo. O cristianismo foi forjado por duas correntes culturais: o judaísmo e a filosofia grega. A religião judaica, ao contrário da filosofia grega, não concebia o dualismo entre corpo e alma, pois corpo e espírito fazem parte de uma mesma constituição. Espírito e corpo não estavam dissociados, representando uma unidade em que não havia relevância de um em relação ao outro. Coimbra (2000) e Flaibam (2002) afirmam que, no vocabulário judaico, havia uma palavra para representar esta unidade: ‗basar‘, que significa ‗carne‘ - sempre associada com o sentido de corpo vivo e nunca com o de um cadáver. Flaibam (2002) traz ainda outras duas palavras judaicas que confirmam esta concepção de unidade: ‗nefesh‘ e ‗rûah‘, ambas correspondentes a espírito.

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relacionada a um corpo ou ao próprio indivíduo vivo. Não se pode, portanto, dizer que o homem ‗possui uma nefesh‘, ele antes é nefesh. (...). A palavra rûah (...) corresponde em muitos pontos de seu significado a nefesh. Seu sentido principal é ‗exalar‘, ‗soprar‘. Em sentido translato significa ou ‗respiração‘ e ‗vento‘ ou também ‗espírito‘ e ‗sentido‘. Seria completamente errôneo tomar esta palavra como expressão duma oposição no homem entre ‗carne‘ e ‗espírito‘. É antes expressão da relação dinâmica entre Deus e o homem. (...). Em resumo, vemos que a análise da conceituação da antropologia hebraica não acusa uma divisão dualista do homem, mas, ao contrário, conforme mostram os fatos, o homem é apresentado como um todo e considerado unidade em cada um dos três conceitos analisados e não como parcelas separadas do homem (FLAIBAM 2002, p.18 – nota de rodapé).

O dualismo entre corpo e alma é herdado da filosofia grega. As interpretações das epístolas do apóstolo Paulo de Tarso e das leituras do filósofo Santo Agostinho, aliadas às influências do estoicismo da filosofia grega, neoplatonismo, gnosticismo e maniqueísmo, contribuíram para evidenciar o dualismo entre carne (corpo) e espírito. (COIMBRA, 2005, GÉLIS, 2010, GOMES, 2006, MAMI, 2003). Segundo Antonio Gomes2 (2006), pesquisador

em estudos da religião, este cristianismo pautava-se na concepção de Paulo de que o espírito estaria para as origens celestes e o corpo, para as fraquezas do pecado. Esta dualidade também esteve presente nas imagens difundidas na pintura iconográfica, esculturas, imagens de santos e em relíquias, como o santo sudário (GÉLIS, 2010, GOMES, 2006, MAMI, 2003).

As explicações de mundo praticadas no período do Renascimento instauraram propostas divergentes no modo de relação entre fiéis e o sagrado. No Cristianismo, isso fica evidente com o rompimento entre os cristianismos católico e protestante.

A Reforma Religiosa do Século XVI, considerada a face religiosa do renascimento, privilegiou a leitura dos clássicos: As Sagradas Escrituras do Velho e do Novo Testamento, alçados pelos reformadores à categoria de Palavra de Deus, o registro seletivo dos atos de Deus na História do seu povo, portanto, a única regra de fé e prática. Em última instância, os reformadores Martinho Lutero e João Calvino elegeram São Paulo e Santo Agostinho como divisor de águas para a solução dos problemas teológicos, e, mormente, àqueles relacionados ao corpo e à sexualidade. (GOMES, 2006, p. 12)

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Segundo Antonio Gomes (2006), Lutero e Calvino foram as duas correntes de referência dos protestantes. Ambos consideraram as ideias de Paulo e Santo Agostinho como pressupostos para a solução dos problemas teológicos, sobretudo das questões referentes ao corpo, e ambos se apóiam na I Epístola de Paulo aos Coríntios, que considera o corpo a morada de Deus. ―Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus? ... e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos?3 (I Cor. 6: 19)

As interpretações de cada um deles são bem distintas e abrem diferentes perspectivas na relação entre corpo, religião e sociedade. Lutero parece dar ênfase aos princípios do judaísmo e não vê conflito entre corpo e espírito, concebendo ambos como unos e indivisíveis da mesma natureza humana, sendo as duas faces de uma mesma realidade. Para Lutero, Deus havia santificado o corpo através do Espírito de Cristo e, deste modo, o corpo não deveria sofrer penitências, pois nelas Cristo estaria sendo afrontado. Em seus escritos, Lutero aborda as questões do corpo e da sexualidade. Uma de suas afirmações é a de que sexo e pecado original não estariam relacionados, isto é, não existiria uma correlação entre a sexualidade e a culpabilidade humana original (GOMES, 2006).

Já a teologia calvinista, influenciada pela concepção de Santo Agostinho, acredita na soberania de Deus sobre todas as coisas, e em um homem criado à sua imagem e semelhança que carregaria, portanto, a centelha divina dos atributos de Deus. Esse homem estaria ligado a esta condição espiritual, moral e ética, ainda que a sua natureza humana se encontre decaída (GOMES, 2006).

(...) Calvino formulou a doutrina da predestinação, segundo a qual Deus escolheu, antes da fundação do mundo, alguns homens para a salvação eterna e outros para a danação. O homem predestinado para a vida eterna é livre para fazer a vontade de Deus. Esta servidão voluntária é o sinal e o pressuposto da eleição... Nesta condição de eleito de Deus, o corpo humano transforma-se no templo do Espírito Santo. No entanto, ao postular o corpo como morada de Deus, a teologia calvinista, longe de resolver o problema do corpo, cria para o cristão um paradoxo ainda maior: como resolver o conflito gerado pelos instintos de um corpo naturalmente animal com a necessidade de preservar este corpo como morada de Deus? Só resta ao cristão calvinista a saída pela ética da via negativa: O corpo torna-se a clausura do cristão, o seu deserto é o mundo, seu corpo, a sua cela (GOMES, 2006, p. 14).

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Segundo Antonio Gomes (2006), esta teria sido a maior forma de repressão engendrada pela humanidade, pois o cristão calvinista transforma o seu corpo num mosteiro. Para provar a sua condição de eleito de Deus, deveria abster-se de todas as formas de prazeres do mundo – condição para dedicar-se às causas de Deus. O cristão calvinista é chamado por Cristo através da palavra de Mateus (11: 28), ―Vinde a mim‖, para que renuncie o mundo, e é novamente levado ao mundo pela palavra de Marcos (16: 15), ―Ide e Pregai‖. O corpo, visto como templo de Deus, deveria ser santificado. ―Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós4‖ (I Cor. 3: 17).

O movimento protestante calvinista é levado para Genebra, Escócia, e chega à Inglaterra no século XVII, e lá, devido a questões políticas, toma uma forma extremamente radical: o puritanismo. O puritanismo tinha como princípio converter as pessoas ao cristianismo como forma de se livrarem das ―maldades‖ do mundo, pregando o abandono do mundo em nome de uma servidão a Deus. Na Inglaterra, esta versão do protestantismo entrou em confronto com a igreja anglicana, fazendo com que seus adeptos imigrassem para sua nova colônia na América, os Estados Unidos (GOMES, 2006; MENDONÇA 2002).

Os primeiros grupos de protestantes no Brasil são oriundos do período da Reforma na Europa, entre os séculos XVI e XVII, adeptos das ideias de Martinho Lutero e João Calvino, e dos anglicanos que surgem na Inglaterra. Segundo Antônio Gomes (2006), o pastor e teólogo Boanerges Ribeiro e o pastor e doutor em sociologia do protestantismo Antonio Gouvêa Mendonça afirmam que o Brasil foi constituído pelos protestantismos históricos (luteranos, presbiterianos, anglicanos e congregacionais).

Porém, é entre o final do século XIX e início do século XX, que o Brasil recebe a influência protestante que mais impactou a cultural local e que reverbera até os dias atuais: o protestantismo puritano americano, a que Antonio Gomes atribuiu a importação de modelos de comportamento que passaram a caracterizar o fiel protestante em nosso país.

Este protestantismo de raiz missionária norte-americana é hegemônico na constituição do protestantismo brasileiro. E em solo pátrio produziu uma religião formal, legalista, tristonha, depressiva, cuja maior característica é a importação de paradigmas comportamentais do modelo cultural dos Estados Unidos. The way of life torna-se o paradigma do ideal a ser atingido pelo crente (como é reconhecido o protestante no Brasil) e produz como consequência aqueles comportamentos estereotipados, como por exemplo, a ética da via negativa, quando o crente se torna conhecido exatamente pela lista de coisas que ele não faz: não bebe, não fuma, não dança, não joga etc. E o ódio e rejeição, quase que absoluta, a todas as expressões da

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cultura brasileira, como observado por Antonio Mendonça e Prócoro Velasques Filho (In Mendonça e Velasques Filho, 1990). E a total condenação de toda e qualquer expressão corporal nos cultos e fora destes e, particularmente, o anátema daqueles aspectos ligados ao corpo e a sexualidade brasileira como a sensualidade, o erotismo, o chamego e xodó (GOMES, 2006, p. 17).

1.2 O Protestantismo na América do Norte

Nos Estados Unidos, o protestantismo histórico passou por diversos períodos de transformação, que envolveram tanto princípios teológicos como princípios sociais e políticos. Mendonça (1995 e 2008), Mendonça &Velasques (2002) afirmam que o protestantismo americano foi a base de sua civilização, ou seja, não é possível compreender o pensamento social norte-americano sem compreender os princípios teológicos que o envolvem e vice-versa.

Uma vez que nesta dissertação nos interessa buscar compreender a transformação do corpo sagrado protestante no Brasil na sua relação com as mídias através do conceito de corpomídia (Katz e Greiner), é necessário que tracemos alguns esboços da cultura norte-americana para que nos auxiliem a compreendê-lo melhor.

Os Estados Unidos (também chamado, na ocasião, de Nova Inglaterra) foi o ambiente propício para que os protestantes, congregacionistas e presbiterianos, grupos formados pelos puritanos fugidos das perseguições políticas e religiosas na Europa, mais especificamente em Genebra, Escócia e, principalmente, Inglaterra, pudessem desenvolver suas ideias de uma religião libertária, democrática e independente do Estado. Foi nos Estados Unidos que se originaram as igrejas denominacionais, que identificavam uma forma de organização teológica em que as particularidades de cada igreja eram respeitadas, mas mantinham em comum um protestantismo firmado nas ideias calvinistas.

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A influência calvinista trouxe ainda uma mudança significativa no modo de realizar os sermões, que afetou de forma especial o protestantismo puritano, pois uma das razões pelas quais este grupo se opôs à igreja anglicana na Inglaterra foi a tolerância à manutenção de formas ritualísticas e da tradição litúrgica na realização dos cultos. O protestantismo norte-americano aboliu todo ritual e forma litúrgica, inclusive o vestuário do sacerdote. O sermão protestante foi simplificado para enfatizar a pregação, o discurso como forma de comunicação. Esta ênfase no discurso teológico exigiu que os pastores fossem muito bem preparados intelectualmente e a formação destes pastores acabou dando origem a escolas e, posteriormente, universidades. Harward, por exemplo, nasce assim. A pregação deveria garantir que os membros da sociedade aderissem à religião, porém, caso isso não ocorresse, a própria sociedade deveria levar o indivíduo a realizar esta escolha.

Deste modo, o puritanismo influenciou a vida civil e social dos Estados Unidos. O puritanismo foi, segundo Mendonça (1995), o produto típico entre o pensamento religioso e político. Constitui-se como um protestantismo capaz de se adaptar às várias correntes teológicas protestantes em diferentes períodos, caracterizando um modo de ser religioso que acabou deixando marcas em toda a civilização norte-americana, e por todas as áreas de sua influência missionária.

(...) O sistema de governo eclesiástico dos calvinistas puritanos foi muito importante para a expansão do protestantismo, uma vez que sua estrutura era facilmente ajustável a outras situações político-sociais. Isso a história se encarregou de mostrar. Mas o que mais impressionou no puritanismo foi a sua visão de mundo e a sua maneira de viver nele, seu asceticismo austero e sua piedade bíblica. (MENDONÇA, 1995, p.43)

A guerra de independência com a Inglaterra, o crescimento das ideias iluministas dando ênfase à racionalidade, e um desânimo dos fiéis diante da ortodoxia calvinista sobre a soberania absoluta de Deus (pois alcançar a perfeição tornava-se algo muito distante), trouxe um enfraquecimento do sentimento religioso no país; isto gerou um movimento conhecido como o despertamento, os revivals (movimentos de reavivamento), que Antônio Mendonça definiu como a evolução do pensamento religioso protestante, pois era necessário que o pensamento religioso se modificasse para atender às novas demandas da sociedade.

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reavivamentos foram conduzidos por líderes intelectuais e proliferaram dentro de escolas e, posteriormente, universidades. Estes líderes davam uma ênfase liberal e formalista na interpretação bíblica.

Por volta de 1802, os protestantes presbiterianos e metodistas dão início a despertamentos realizados em acampamentos, em barracas, passando a realizar estudos bíblicos fora das cidades. Mais tarde, estas tornaram-se uma nova maneira de evangelização, podendo estes acampamentos ser comparados aos retiros espirituais atuais. O apelo emocional para a conversão das pessoas era uma característica destes acampamentos. No entanto, as manifestações tornaram-se intensas e violentas, afastando os presbiterianos destas experiências de avivamento, por considerarem que haviam perdido o controle sobre estas manifestações. Metodistas e batistas, que não se opunham a estas formas de manifestação, assumiram estes acampamentos e, aos poucos, vão modificando a experiência religiosa, pois acreditavam que a escolha pela salvação de Deus poderia ser feita pelo próprio indivíduo, através de Jesus ou pela obra do Espirito Santo, ao contrário do que pregava o calvinismo, que enfatizava a soberania de Deus sobre todas as coisas, inclusive sobre as escolhas dos eleitos.

O protestantismo metodista originado na Inglaterra foi formado através da apropriação de três diferentes movimentos protestantes, que tinham um discurso em comum: o arminismo, o puritanismo inglês em reação à Reforma anglicana feita pela Rainha Elizabeth I, ambos provenientes do calvinismo, e, por último, o pietismo, um movimento de reação à ortodoxia luterana.

Em linhas gerais, estes protestantismos enfatizavam a condição da liberdade de escolha do ser humano sobre o seu destino moral e espiritual, e a busca da perfeição cristã, através de uma vida com Cristo. A escolha da salvação e a busca pela perfeição implicavam na mudança de hábitos e comportamentos que pudessem evidenciar o cristão, deste modo ele deveria se afastar de quase tudo que pertencia ao mundo, pois este mundo estava repleto de pecados.

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evangelistas ou exortadores eclesiásticos (...) (VESLASQUES FILHO, 2002, p. 96 In: MENDONÇA & VELASQUES FILHO)

O século XIX foi marcado pela expansão do território dos Estados Unidos, mudanças de ordem políticas e econômicas envolvendo muitos conflitos armados, o que acarretou uma mudança significativa no panorama religioso do país. Os novos territórios conquistados geravam a necessidade de que sua ocupação fosse feita. No entanto, os membros das igrejas tradicionais protestantes, presbiterianos e congregacionais, que já se encontravam instalados em território norte-americano, não poderiam realizar esta função, pois estas correntes avivalistas possuíam normas bastante rígidas para a formação teológica de seus pastores, mantendo uma interpretação conservadora, acadêmica e elitista da Bíblia, que os impediu de seguir com a marcha colonizadora (VESLASQUES FILHO; In: MENDONÇA & VELASQUES FILHO, 2002). O grupo protestante que assumiu esta missão de ocupação territorial foi o dos metodistas.

(...) os metodistas, por suas peculiaridades, conseguiam se adaptar as condições sociais da ―fronteira‖. Os metodistas estavam habituados à prática religiosa informal, a realizar suas reuniões ao ―ar livre‖, com seus pregadores leigos e itinerantes e sua teologia simples e emotiva. Desse modo a igreja metodista estava sempre na linha de frente, era a primeira a chegar, pois não exigia lugares sagrados, nem ministros formados e nem aparato litúrgico. Os acampamentos, nas clareiras da floresta, eram lugares para seus pastores cavaleiros realizarem cultos e prédicas. As outras denominações, como os presbiterianos por exemplo, mais formalistas, ajustavam-se com certa dificuldade a essas novas condições e por isso ficaram mais ou menos na esteira dos metodistas, que cresceram extraordinariamente. Fator importante, ainda, eram as diferenças teológicas entre metodistas e os demais de origem calvinista. (MENDONÇA, 1995, p.55)

Antonio Mendonça (1995) e Mendonça & Prócoro Veslasques Filho (2002) afirmam que é uma tarefa bastante complexa definir uma tipologia de cada movimento avivalista, pois cada um deles possuía uma teoria, uma teologia próprias e um contexto cultural histórico específico. Porém, de modo geral, é possível reconhecer em todos eles um traço característico: o voluntarismo, a ênfase na capacidade do homem de realizar coisas e de se aperfeiçoar. A doutrina da soberania de Deus sobre todas as coisas é substituída pela doutrina do amor. Deus ama a todos e, por isso, concede a todos a possibilidade de escolha para a sua salvação. Estes princípios definem, para Antônio Mendonça (1995), o espírito do protestantismo norte-americano, pautado no individualismo e no desempenho.

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passa também a compor o discurso teológico, utilizando, inclusive, as ideias evolucionistas. Para os norte-americanos, uma sociedade ideal seria uma sociedade cristianizada e os povos de língua anglo-saxônica e, de modo especial, os norte-americanos, foram considerados os escolhidos para realizar esta missão. A teoria evolucionista, interpretada de forma eqivocada como sinônimo de melhora da espécie, justificava o domínio dos norte-americanos sobre os outros povos.

Construída sobre o tripé religião – moralidade – educação, a sociedade norte-americana confiou a si a realização do Reino de Deus aqui na Terra e, para realizá-lo, era importante que seus cidadãos estivessem intelectual e moralmente preparados para poder formar uma sociedade justa e cristianizada. Este sentimento gerou uma cooperação mútua entre as diferentes igrejas protestantes, ainda que cada qual mantivesse as suas particularidades. Foram criadas leis que restringiam o uso do álcool, dos jogos de azar, do tabagismo, bem como o fechamento dos estabelecimentos aos domingos.

A atividade missionária impulsionou o setor da educação, com o propósito de preparar adequadamente os cidadãos que iriam exercer a missão divina no mundo. Paralelamente às escolas e universidades que mantinham uma formação teológica rígida, foram criados institutos e associações de formação que pudessem propagar um modo de vida protestante. As escolas dominicais foram criadas neste contexto. Antônio Mendonça irá caracterizar este movimento do avivalismo, de atividade missionária leiga, como subproduto da Bondade Desinteressada. O crescimento econômico e político dos Estados Unidos passou a ser considerado como um benefício a todos os outros povos, uma vez que este era o povo escolhido para salvar a humanidade.

Buscava-se um modelo de sociedade, e a certeza de tê-lo encontrado estava na mente da maioria, assim como a convicção de que esse modelo servia, no espí rito do evangelho, para ser compartilhado com todas as nações para que se abreviasse a vinda do Reino de Deus. O ideal do milênio surge no fim de um processo de construção social de que todos deviam participar no mundo inteiro e sob a inspiração e a liderança americana. (MENDONÇA, 1995, p. 62)

O ideal do milênio era justamente construir uma sociedade perfeita, ou seja, cristã, econômica e politicamente estabelecida associada ao final do milênio e a segunda vinda de Cristo.

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sociais promoveriam uma melhora na cidade e nas pessoas e isto deixaria a terra em condições de receber a segunda vinda de Jesus Cristo e estabelecer o Reino de Deus após o final do milênio. Os pré-milenaristas, ao contrário, acreditavam que Jesus Cristo viria antes do final do milênio para julgar a terra e achavam que a sociedade estava se encaminhando para o fim dos tempos, unindo-se a uma visão apocalíptica, e que era preciso se converter para salvar suas almas e poder usufruir de um mundo melhor.

Embora as duas correntes de milenaristas enfatizem as missões, Mendonça (1995) chama a atenção que cada uma delas usará estratégias diferentes e a compreensão das mesmas se distinguirá na atuação missionária fora de seu país. A pós-milenarista, como acreditava na melhora das condições sociais para a segunda vinda de Cristo, usaria como estratégia a educação, criando condições para que o Reino de Deus pudesse ser instaurado aqui na Terra; e os pré-milenaristas, preocupados em salvar as almas para antes do julgamento final, usariam como estratégia a criação de discipulados, de seguidores de Cristo, enfatizando uma visão prioritariamente religiosa.

Outras questões de ordem políticas causaram cismas entre as denominações das igrejas protestantes, dentre as quais se destaca a questão da escravatura. Para algumas igrejas, bem como para seus líderes, este era um assunto no qual a igreja não deveria se posicionar.

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O puritanismo americano é formado neste amálgama de protestantismos, primeiramente fortalecido pela intelectualidade, disciplina e rigor na interpretação da palavra da Bíblia dos protestantismos congregacionistas e presbiterianos das raízes da Reforma. Depois, ele se deixa permear pelo pietismo e pela visão apocalíptica do protestantismo metodista, que enfatiza uma mudança radical de comportamento; e, posteriormente, introduz também as ideias progressistas e evolucionistas do iluminismo, buscando uma argumentação racionalista da teologia. O mesmo puritanismo, responsável por uma abertura democrática na estruturação da igreja nos Estados Unidos, se mostra extremamente conservador na formulação de paradigmas entre religião e sociedade.

(...) Fato interessante é o paradoxo do puritanismo que na Inglaterra, lutava por liberdade religiosa e política, vindo buscar na América o espaço da vida que almejava. Aqui tende a se tornar exclusivista e só cede mediante, o poder de ideias que não eram tão novas e das quais eles, os puritanos, de certo modo, tinham sido portadores. Parece que esta ambiguidade esta no cerne do protestantismo: ao mesmo tempo que conduz ideias libertárias e proclama o livre exame, tende a enrijecer-se no dogmatismo. (MENDONÇA, 1995, p.54)

O próprio Mendonça (1995) conclui que a presença do puritanismo, desde o início da colonização, antes e depois da independência norte-americana, consegue traduzir um pensamento teológico protestante e, acrescento, também social, antropológico e cognitivo construído naquele país. Ele se transformava de modo eficiente, segundo as necessidades emergentes de cada contexto histórico e social, tornando-se um puritanismo disposto a valorizar um protestantismo humanista, igualitarista e pragmático, e se deixou reformular pelo racionalismo, introduzindo os princípios progressistas e evolucionistas.

Desse modo, é bastante compreensível a centralidade teológica no ser humano como agente moral e livre, no Cristo crucificado (o Deus homem arrasta e vence as próprias condições humanas), na religião ética e na fé racional e experimental (MENDONÇA, 1995, p.58)

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Nesta capacidade de modulação própria do puritanismo norte-americano, de acordo com as novas demandas sociais e teológicas, o protestantismo se separa em duas grandes correntes: o protestantismo tradicional ou histórico, oriundo da Reforma, que nos Estados Unidos foi representado majoritariamente pelos congregacionistas e presbiterianos; e a corrente pentecostalista, que é fruto de um segundo movimento de reavivamento ocorrido no final do século XIX, quando os Estados Unidos passava por profundas transformações sociais.

A diferença fundamental entre uma corrente e outra está na abordagem teológica, que mudará radicalmente a forma de comunicação e terá como consequência uma mudança na organização corpórea. O protestantismo tradicional ou histórico preocupava-se intensamente com a formação intelectual dos seus ministros e, consequentemente, com a racionalidade da interpretação bíblica. E a corrente pentecostalista preocupava-se com a conversão do fiel através de uma experiência individual com Deus, e a maior estratégia para que esta experiência ocorresse era o apelo emocional. Segundo Antônio Mendonça (2002), o movimento pentecostalista inicia-se formalmente nos Estados Unidos a partir da ênfase na santificação do fiel. Vale lembrar que a palavra ‗pentecostal‘ vem de ‗pentecostes‘, que significa a passagem bíblica descrita em Atos dos Apóstolos, na qual ocorre o fenômeno da glossolalia (os apóstolos falaram em diversas línguas, devido à manifestação do Espírito Santo).

O movimento pentecostalista passou a considerar a conversão do fiel quando este recebesse o segundo batismo, ou seja, quando recebesse o batismo no Espírito Santo, e o sinal de que este segundo batismo havia ocorrido era justamente a ocorrência do fenômeno de glossolalia. É essencial lembrar, no entanto, que o movimento pentecostalista, mesmo quando se inicia nos Estados Unidos, já é extremamente plural e diversificado, pois se trata de uma experiência pessoal de religião, que gerou novas denominações de igrejas e novos seguidores. Antônio Mendonça (2008) ressalta também que o pentecostalismo foi um movimento que teve origem entre as camadas sociais marginalizadas da sociedade norte-americana, entre negros, mulheres e estrangeiros, pois através da sua linguagem simples e menos formalista, tornava-se mais acessível a esta população. Neste grupo, também começou a surgir a ênfase no estado de êxtase, ou seja, no estado de consciência alterada, que, diferente de outras religiões, não caracterizava o cristianismo.

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aspectos culturais, que também irão reverberar de modo relevante na inserção do protestantismo no Brasil.

1.3 O Protestantismo no Brasil

Como já foi citado anteriormente, apesar do Brasil ter recebido o protestantismo da Reforma, é essencialmente o protestantismo puritano e, mais especificamente, o pentecostalismo e todo este universo no qual ele é formado, que irá interferir de maneira significativa na organização teológica, cultural e corporal do nosso país. Por esta razão, um pouco do seu percurso histórico foi aqui narrado.

No início da colonização brasileira, entre os anos de 1550 e 1555, alguns países europeus tentaram fixar aqui os princípios da teologia protestante, mas a soberania da igreja católica e a luta pelo domínio político no país tornaram-nas frustradas. Dentre tais iniciativas, a mais significativa foi a holandesa (1630-1654), realizada em Pernambuco.

Somente no final do século XIX, quando as ideias iluministas e liberais começaram a se espalhar pela Europa e também pela América do Norte, é que o protestantismo encontrou uma fresta para adentrar no nosso país. A cultura anglo-saxônica passou a ser considerada como sinônimo de crescimento econômico, político e científico. A elite intelectual brasileira estava descontente com a centralização do poder da igreja católica, considerando a sua interferência no Estado como opositora da modernidade. Esta oposição de posturas gerou, inclusive, um conflito entre o Estado e a igreja católica, que foi considerada antiliberal e antiprogressista.

Num dado momento, portanto, houve na história brasileira um vácuo religioso: de um lado, um Estado em busca de uma religião civil aberta para a modernidade e, de outro, uma Igreja que, à beira de perder suas prerrogativas históricas, volta-se para si mesma no intento de reforçar-se institucionalmente, mas nos marcos do conservadorismo. No meio, de um espaço aberto a quem quisesse entrar. Foi nesse espaço que o protestantismo penetrou. (MENDONÇA, 2002 p.72 In MENDONÇA & VELASQUES FILHO)

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se estabelecer no território brasileiro. Países europeus, como a Inglaterra e a Alemanha, os primeiros a organizarem suas igrejas no Brasil, não estavam muito preocupados em propagar sua teologia. Os ingleses visavam ampliar o mercado para seus produtos, sendo sua prática religiosa meramente um destes componentes; os alemães, satisfeitos com a prática de sua religião apenas entre seus descendentes, estavam a procura de um novo espaço de vida. Nenhum deles era movido com a finalidade de propagar sua religião na nova sociedade em que se encontravam.

Os Estados Unidos, ao contrário, imbuídos do desejo de trazer o Reino de Deus sobre a Terra e acreditando serem o povo escolhido para cristianizar o povo pagão, tinham uma pretensão maior: interferir na cultura do país no qual se instalariam. Esta tarefa dirigida pelos movimentos missionários que, de início, eram financiados pelas instituições teológicas do próprio país e, posteriormente, ganharam também um viés independente, com iniciativas individuais desligadas das denominações das igrejas atuando na tarefa de evangelização.

As missões dividiram-se em duas frentes de atuação: a educação e a evangelização. A educação missionária foi bem aceita pela elite brasileira, que a considerou mais eficiente que a jesuíta. Porém, apesar da adesão aos conteúdos e à metodologia de ensino das missões protestantes, a adoção da religião protestante foi incipiente. Os missionários perceberam que a população mais pobre era mais permeável ao protestantismo e passaram a atuar na sua catequização.

Segundo Antônio Mendonça, in MENDONÇA &VELASQUES FILHO (2002), essa é uma das razões do não protestantismo da sociedade brasileira:

(...) Os pobres que se converteram, apropriando-se da ética puritana que lhes serviu de mola propulsora, ascenderam à classe média em formação e perderam a força evangelizadora; a elite, recebendo as influências do pragmatismo capitalista protestante, assumiu o discurso capitalista e a respectiva ética, mas não a religião. (MENDONÇA, 2002, p. 75)

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valorizava a experiência individual com Deus; para alcançar esta conversão, o recurso utilizado era o apelo emocional, seguido por uma mudança radical do comportamento do cristão que visava o seu aperfeiçoamento através da ―santificação‖.

As instituições financiadoras das missões optaram por priorizar o modelo de conversão individual como forma de modificar a cultura no Brasil e, como consequência, Antônio Mendonça (1995, 2002, 2008) afirma que este protestantismo foi criado baseado no desempenho individualista.

O atual protestantismo brasileiro, de origem missionária, ainda é conversionista. O individualismo conversionista produz ética também individualista, altamente excludente, não só do ambiente cultural, mas capaz de romper os laços familiares mais íntimos (MENDONÇA, 2002).

As rupturas entre as igrejas protestantes acabou por gerar espaço para outras maneiras de viver a experiência cristã de corpo. Estas rupturas dão origens a denominações que, aos olhos de um leigo parecem não se diferenciar, mesmo cada uma delas propondo entendimentos específicos da religião cristã, que interferem de formas distintas nos discursos midiáticos, no imaginário, e na relação com a sociedade.

No Brasil, todos estes segmentos do protestantismo foram confrontados com a diversificada cultura local, mesclada pelas referências culturais de negros e índios sobre as quais a monarquia católica portuguesa imprimiu seu domínio político e ideológico com as bases do cristianismo católico.

Cabe ressaltar que em qualquer período do cristianismo, a Igreja é incapaz de exercer sobre o corpo do fiel cristão e as imagens a ele associadas, uma soberania absoluta de seus valores. Todavia, ao longo da história, a Igreja viu-se obrigada a estabelecer acordos com outros imaginários de corpo presente na sociedade.

(...) Portanto, o ser humano é feito de heranças que o magistério5 nem

sempre leva em conta, ou até mesmo rejeita e combate, quando as práticas lhe parecem duvidosas. Mas essas heranças, a Igreja não pode descartá-las todas; aliás, teria ela os meios para isso?(GÉLIS, 2010, p. 21)

A impossibilidade da Igreja conseguir impor sua concepção de corpo também pode ser lida à luz da Teoria Corpomídia (KATZ e GREINER), que nos lembra que os sistemas vivos

5 Segundo do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, magistério é uma “Autoridade doutrinal, moral e

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se mantêm nas trocas permanentes que realizam com os ambientes, trocas que vão transformando ambos.

As relações entre o corpo e o ambiente se dão por processos co-evolutivos que produzem uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado e emocionais. Embora corpo e ambiente estejam envolvidos em fluxos permanentes de informação, há uma taxa de preservação que garante a unidade e a sobrevivência dos organismos e de cada ser vivo em meio à transformação constante que caracteriza os sistemas vivos. Mas o que importa ressaltar é a implicação do corpo no ambiente, que cancela a possiblidade de entendimento do mundo como um objeto aguardando um observador. Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: (...) E como o fluxo não estanca, o corpo vive no estado do sempre presente, o que impede a noção do corpo recipiente. (GREINER e KATZ, 2005 p. 7)

As vertentes do protestantismo puritano americano aqui descritas interferem de modo diferenciado no Brasil, seja pelo discurso utilizado por cada uma delas, que fará sentido para uma ou outra camada social, seja pela linguagem midiática utilizada, seja pelo período histórico em que opera.

De modo geral, Antonio Mendonça, (1995, 2002, 2008) afirma que o protestantismo de raízes missionárias, histórico ou tradicional, tem um discurso que serve mais aos interesses da classe burguesa e que suas ramificações, que darão origens a uma multiplicidade de igrejas pentecostais, propõem uma estrutura mais permeável, que podem acolher as classes menos favorecidas.

Foi necessário estabelecer todas essas diferenciações para que o leitor possa acompanhar nossa reflexão sobre as transformações do corpo protestante brasileiro na mídia, atentando para a mudança que vem ocorrendo no seu modo de articular um discurso que se torna ideológico, no qual a linguagem da dança tem grande importância. Sendo este o foco, não nos caberá detalhar de modo abrangente como, quando e quais foram os grupos protestantes que se instalaram aqui. Apresentamos, no entanto, um quadro sucinto, proposto pela pesquisadora da cultura gospel Magali Cunha6 (2004), em sua tese de doutorado Vinho Novo em Odres Velhos – um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário

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brasileiro. Juntamente com a descrição já realizada neste capítulo, ele fortalece a nossa hipótese e colabora para explicitar a complexidade nela envolvida.

a) Protestantismo Histórico de Migração: que tem raízes na reforma do XVI chegou ao Brasil com o fluxo migratório estabelecido a partir do século XIX, sem preocupações missionárias conversionistas. É representadas pela igrejas, Luterana, Anglicanas e Reformada;

b) Protestantismo Histórico de Missão (PHM), também originado da Reforma do século XVI veio para o Brasil trazido por missionários norte – americanos no século XIX. Corresponde as igrejas Congregacional, Presbiterianas, Metodista, Batista e Episcopal;

c) Pentecostalismo Histórico, assim chamado por suas raízes nas confissões históricas da Reforma, veio para o Brasil no século XX com objetivo missionário. É caracterizado pela doutrina do Espírito Santo, ou seja, pela condição que os adeptos devem assumir de um segundo batismo, o batismo do Espírito Santo, caracterizado pela glossolalia (o falar em línguas estranhas). Composto pelas Igrejas Assembléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e o Evangelho Quadrangular;

d) Protestantismo de Renovação ou Carismático, que surgiu a partir de expurgos e divisões nas chamadas ―igrejas históricas‖, em especial na década de 60, caracterizada por posturas influenciadas pela doutrina pentecostal. Mantém vínculos com a tradição da Reforma e com a estrutura de suas denominações de origem. É formado pelas Igrejas Metodista, Wesleyana, Presbiteriana Renovada, e Batista de Renovação entre outras;

e) Pentecostalismo Independenteque, sem raízes históricas na Reforma do século XVI, surgiu (e surge ainda hoje) de divisões teológicas ou políticas nas ―denominações históricas‖ a partir da segunda metade do século XX. Tem como especificidades sua composição em torno de uma ―liderança carismática‖, a pregação da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, a prática constante dos exorcismos e curas milagrosas e o rompimento com o ascetismo pentecostal histórico. Sua enumeração é dificílima dada a profusão constante de novas igrejas: entre outras, Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa da Benção e Universal do Reino de Deus.

f) Pentecostalismo Independente de Renovação que apareceu no final do século XX e ganha força no início do século XXI. Possui as características do Pentecostalismo Independente (alguns autores tratam este grupo de igrejas integrado ao outro) mas diferem dele por terem como público-alvo as classes médias e a juventude, estruturando seu modo de ser para alcança-los. Esse modo de ser atenua a ênfase no exorcismo e nos milagres e ressalta a prosperidade e a guerra espiritual. Grupo de Igrejas composto pela Renascer em Cristo, Comunidades (Evangélicas, da Graça), Sara nossa Terra e Bola de Neve, outras. (CUNHA, 2004, p.17)

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FIGURA 2.1 – Flyer distribuído na Marcha para Jesus
FIGURA 2.2 – Flyer distribuído na Marcha para Jesus
FIGURA 2.3 – Marcha para Jesus - 2013
FIGURA 2.4 – Banda Gospel Oficina G3 13
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