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O SENTIDO DE SER PESSOA

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Academic year: 2022

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O SENTIDO DE SER PESSOA

Antonio Carlos Santoro Filho

Santoro@direitoefilosofia.com

Entendemos que o ser da pessoa é o seu próprio viver1, na medida em que a existência pressupõe um contínuo vir-a-ser, um transformar-se, que flui mediante o

1 A respeito do tema remetemos o leitor ao nosso artigo O Ser e a Vida Humana, disponível no site

“Visão do Ser”: http://direitoefil.dominiotemporario.com/doc/O_SER_E_A_VIDA_HUMANA.pdf.

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exercício da liberdade, da realização de escolhas, e da concretização – e controle - da vontade própria.

Se o ser da pessoa, entendida como a totalidade constituída por corpo e espírito nesta existência é seu viver, a busca do sentido desse ser, obviamente, encontra congruência com o sentido da vida humana.

Há algum sentido para a vida humana? Existe no viver algo que o transcenda, que vá além da própria manutenção da existência do indivíduo, ou apenas caminhamos, de forma errante, para a morte?

Qualquer um que não esteja mergulhado em pensamentos depressivos ou imerso em uma crise existencial, ou, por outro lado, que não enxergue nas pessoas apenas autômatos absolutamente determinados - seja por seus genes, instintos ou condicionamentos sociais -, verá ou procurará ver no viver da pessoa algo que suplante a mera presença neste tempo e espaço, um significado que vá além do simplesmente existir.

De fato, as rochas, as plantas e os animais também existem, mas são incapazes de procurar e enxergar em suas existências algum sentido que os ultrapasse. Mesmo aos animais de maior complexidade, basta-lhes “estar ali”, na natureza, no pleno exercício de seus instintos, especialmente os da preservação da espécie e da sobrevivência.

Arcângelo R. Buzzi observa com propriedade: “Os corpos que se movem, as árvores que crescem e os animais que se reproduzem não sabem nada de si nem da obra que estão fazendo! Todo esse realizar-se da natureza aparece e desaparece na ignorância absoluta

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de si próprio. Sua facticidade nos leva a pensar que estão na governança de uma superior sabedoria a eles desconhecida”.2

Com a pessoa, no entanto, o panorama é absolutamente distinto: o apenas “estar ali”, ainda que preservados os objetivos dos instintos supramencionados, não satisfaz e coloca em risco o viver. Os preocupantes índices de suicídio entre jovens em países desenvolvidos, com alto grau de educação e plena satisfação das necessidades básicas das pessoas, muitas vezes revelados em pesquisas, estão aí para demonstrar que a vida humana não se reduz a “pão e circo”; o mesmo se pode dizer em relação à crise existencial cada vez mais verificada em pessoas que, externamente, apresentam-se ou são vistas como bem-sucedidas, especialmente nos aspectos econômico e profissional. O que falta a essas pessoas? A resposta somente pode ser uma: um sentido para a vida, pois na sua ausência a pessoa não se reconhece em sua realidade e intui, de forma confusa, “quem deveria ter sido” – um alguém diferente -, embora pareça não perceber que a perda de si mesmo decorre do exercício da própria liberdade, e que o resgate de seu verdadeiro “ser” é de sua única responsabilidade.3

Mas no quê consiste esse sentido? Existirá realmente, ou será apenas mais uma ilusão?

A conceituação do sentido da vida humana constitui um problema de difícil solução porque, na realidade, não há um sentido geral, válido para todas as pessoas;

além disso, o sentido da própria vida não é algo que possa ser dado por outrem ao indivíduo – embora conselhos, orientações e mesmo algumas terapias, evidentemente,

2 A Identidade Humana, p. 22.

3 MARÍAS, Julián. Persona, p. 72.

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possam ajudar nessa revelação e na remoção de obstáculos -, mas que somente por ele mesmo pode ser descoberto.

O sentido, portanto, em termos gerais, é algo que orienta a vida de cada pessoa de modo distinto em relação às demais, que confere coerência e estrutura à vida humana, uma ponte que une o passado, o presente e aponta para o futuro. Mas orienta ou deveria orientar para quê? Para o que todos buscam, isto é, um estado contínuo e mais ou menos perene de felicidade, de realização, sentimento que pode ser conhecido e demonstrado empiricamente e que não se confunde com a mera alegria fugaz. Assim, apesar de cada vida humana possuir no sentido uma característica que a diferencia das outras pessoas (singularidade), todos os sentidos têm por orientação o mesmo objetivo, um caráter universal: a felicidade, ainda que em situações infelizes; que a pessoa possa afirmar, apesar de todos os problemas da vida: “eu sou feliz, dei à minha jornada o meu melhor, tive e tenho, mesmo com todos os obstáculos que me foram apresentados, uma vida feliz”. Carente de sentido o viver perde os seus alicerces, a sua estrutura, e atingir-se a felicidade e o sentimento de realização pessoal torna-se uma tarefa impossível.

Cada um, pois, fazendo uso de suas capacidades de reflexão e consciência, deve buscar, escolher e colher – ainda que, repita-se, com auxílio de terceiras pessoas -, na sua própria vida, os objetivos e sentidos que a tornarão mais próxima da plenitude – felicidade. O sentido da vida, desse modo, é o resultado do exercício, por um lado, da liberdade, de uma “opção fundamental”4, e, por outro, do autoconhecimento; ou, dito de

4 Ao referir-me à opção fundamental o faço com apoio em Marciano Vidal, para quem tal opção se trata de um “projeto geral de vida” por meio do qual os atos da pessoa ganham sentido. A opção fundamental sustenta toda a estrutura da personalidade da pessoa e confere a orientação predominante de seu ser, traduz o caráter distintivo de seu agir e serve de suporte ao sentido radical que a pessoa dá à sua vida e ao seu existir (Moral de Opção Fundamental e Atitudes, pp. 143 e 159).

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outra forma, mas na essência o mesmo: somos nós que descobrimos e damos sentido às nossas vidas e os únicos que podemos fazer, de nós mesmos, pessoas felizes.5

O sentido, além de possibilitar a felicidade, torna as ações e atividades humanas mais leves e prazerosas, de forma a produzir um círculo virtuoso que permite o crescimento individual – e, por conseqüência, coletivo. Ao descobrir ou conferir um sentido a meus atos encontro a felicidade em realizá-los e, ao realizá-los, atinjo aquele sentido que buscava e, por isso, ganho em felicidade.

Se o sentido da vida está orientado para a conquista do máximo possível de felicidade, não se confundindo com a alegria passageira ou meros estados de euforia, e se a sua descoberta é um exercício de autoconhecimento e de liberdade, evidentemente o seu substrato está em uma camada mais profunda da vida, que não é atingida pelo mero gozo hedonista ou pelas relações superficiais, baseadas numa aparência idealizada ou em “atributos” que se procura impor às “massas”.

O consumo, os bens materiais e o prazer integram a vida e alguns deles até lhe são indispensáveis, mas não são a vida. Se me limito a consumir bens, a ganhar dinheiro para ter cada vez mais posses e a tentar viver apenas com a finalidade de obter prazer em todas as minhas ações, sem que nada mais e ninguém me preocupe, poderei ter

“sucesso” e até ser “invejado”, mas, certamente, cairei em um vazio existencial que me levará ou à loucura, ou ao vício, ou ao suicídio ou, ainda, à completa insensibilidade e

5 A mesma orientação é encontrada no pensamento de Renold Blank: “Quem faz o sentido é a própria pessoa. É ela, num ato consciente da vontade, que pode dar sentido à sua vida, e esse ato da vontade é o passo para superar qualquer absurdidade de qualquer destino” (Encontrar sentido na vida: propostas filosóficas, p. 12). E prossegue este autor, na mesma obra: “O homem alcança o seu sentido à medida que se torna capaz de agir em liberdade, sem ser determinado pelos instintos ou pelo meio ambiente” (p.

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perda de humanidade.6 Logo, nada mais verdadeiro que o adágio popular de que “o dinheiro não traz felicidade”, pois, embora um mínimo de bens materiais seja indispensável a uma vida digna, o seu excesso não representa qualquer garantia de uma vida feliz, bastando, para se chegar a esta conclusão, a observação de que os psiquiatras e psicólogos mais renomados, que cobram altíssimos honorários por seus relevantes serviços, possuem cada vez maior número de pacientes ou clientes que não padecem de doenças mentais de causas endógenas.

O sentido da vida que leva à felicidade, portanto, não pode ser orientado – exclusivamente – ao material e aos prazeres materiais – do corpo -, mas necessita daquele ou daqueles amores – verdadeiros – pertencentes ao espírito humano: amor a uma pessoa, à família, ao trabalho, à arte, à justiça, etc.; amor que seja virtuoso e, pois, construtivo a algo – ou alguém - e que possibilite, com a sua “nutrição”, o crescimento e evolução da pessoa enquanto ser que não é apenas corporal, mas também espiritual.

Afinal – já nos ensinava Santo Agostinho -, “se a nossa [alma] permitir que dominem os sentidos corporais, torna-se de algum modo semelhante aos irracionais”.7 O máximo de

“personalidade”, lembra-nos Julián Marías, corresponde às relações em que o decisivo é o amor como tal, originado nas pessoas, com vínculos nascidos da livre eleição realizada a partir do amor.8

6 Antoine de Saint-Exupéry, do alto de sua sabedoria com simplicidade, bem sintetizava que: “Na verdade, quem luta apenas na esperança de bens materiais não colhe nada que valha a pena viver” (Terra dos Homens, p. 43). Ainda sobre este tema, adverte-nos Basarab Nicolescu: “A cisão entre o espaço interior e o espaço exterior de um ser humano pode trazer um esclarecimento interessante a este gênero de processo. Quando o espaço interno se reduz a nada, o espaço externo pode tornar-se monstruoso” (O Manifesto da Transdisciplinaridade, 3ª ed., p. 105).

7 Sobre a Potencialidade da Alma, p. 130.

8 Persona, p. 108.

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O sentido verdadeiro da vida, desse modo, necessariamente passa pela prática contínua das virtudes9, especialmente a verdade10: ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros é o caminho que, pela experiência comum, conforme incontáveis exemplos que todos podem verificar - mas que muitos, entretanto, insistem em simplesmente não enxergar -, revela-se único para a felicidade.

Se, por exemplo, por comodidade, para evitar qualquer espécie de confrontos ou dificuldades, aceito que meus pais a mim imponham uma profissão que é de seu gosto e abandono a minha “vocação” – ou a procura por uma vocação real -, certamente aquele trabalho, que me foi imposto, não terá para mim sentido algum e será incapaz de me orientar na busca pela felicidade; será, ao contrário, um foco gerador de infelicidade. Da mesma maneira, se busco em alguém para união matrimonial não o amor, mas uma situação patrimonial ou social “vantajosa”, este meu “tratar o outro como coisa” acabará por tornar a mim mesmo uma “coisa”, na medida em que suprimida a possibilidade de um relacionamento intersubjetivo verdadeiro; se em meus filhos procuro o “sucesso” ou realizações de que não fui capaz, não poderei com eles estabelecer um relacionamento baseado no amor paternal, e o meu falso interesse pela sua felicidade - que, em verdade, tem por único fim a minha própria satisfação presunçosa, egoísta e vaidosa -, será causador de insatisfações mútuas e de infelicidades, por carecer também de um sentido

9 Pois as virtudes – afirma Fernando Savater – “são favoráveis à vida. Os vícios são, no fundo, debilidades”. (Os Sete Pecados Capitais, p. 19). Jiddu Krishnamurti, por sua vez, observa que a virtude é algo essencial, pois dá liberdade. “É apenas na virtude que podemos fazer descobertas, que podemos viver, não no cultivo da virtude, que produz respeitabilidade, mas na compreensão e na liberdade” (A primeira e última liberdade, p. 54).

10 Aqui nos referimos à verdade moral, citada por Marcel Conche (O Fundamento da Moral, pp. 1 e 3), aquela maneira objetivamente justa de se comportar, uma determinada maneira de agir que deve por todos ser observada.

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verdadeiro. Sempre que tratar o outro como coisa, e não como alguém, portador de consciência, sentimentos, vontade e liberdade, serei incapaz de estabelecer com a

“pessoa-coisa” um relacionamento fundado na verdade. Se às coisas não dirigimos os nossos sentimentos – amor -, delas não podemos esperar, pela ausência de subjetividade, amor algum. Assim, ao coisificar pessoas eu acabo por também me coisificar e diminuir como pessoa. 11

Este pensamento pode ser reduzido ao seguinte axioma: trate o outro, e a si mesmo, em todas as suas ações, sempre como pessoa, e jamais como coisa. A observância desta regra de conduta, que embora pareça evidente aos ouvidos de qualquer um, é de complexa concretização no cotidiano, implica um “valor agregado”

em todos os setores de nossas vidas. Se vejo ou procuro ver no outro sempre um alguém, e não algo, terei dado o primeiro e mais importante passo para o estabelecimento de relacionamentos verdadeiros e para respeitar a dignidade humana, minha própria e das demais pessoas.

As relações familiares e de amizade, para que sejam conservadas e incrementadas, devem guardar um respeito recíproco à condição de pessoa do outro, não podendo ser baseadas em sentimentos ou intenções de posse ou propriedade; o trabalho deve ser visto não apenas como algo a ser desempenhado em determinado período do dia, mas como um exercício e uma produção que têm uma finalidade relevante para a

11 Ao reverso: “Quanto mais se empenha em dar espaço à humanidade do outro, tanto mais se cresce na própria humanidade. A experiência cotidiana confirma isso, mostrando que um pai, uma mãe, uma esposa, um marido, um professor, um amigo, um soldado, etc., são muito mais satisfeitos e felizes e, portanto, se consideram mais realizados, quanto maior são os sacrifícios e as renúncias que souberem enfrentar e suportar por amor dos filhos, do cônjuge, dos amigos, dos pobres, da pátria” (MONDIN, Battista. Definição Filosófica da Pessoa Humana, p. 31).

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comunidade de seres humanos – e todos os trabalhos, dos mais complexos aos mais simples, encerram este fim12 – e também para mim mesmo e minha família - ainda que seja somente a nossa própria subsistência, o que, convenhamos, se não é tudo, também não é pouco; na vida social há de se assumir uma responsabilidade solidária pelos problemas e mazelas enfrentados e participar das escolhas e soluções.

O sentido da vida e a felicidade, portanto, não têm atalhos: é preciso, para alcançá-los, percorrer as estradas do amor e da verdade e abandonar, o máximo possível, os caminhos do não-verdadeiro, do fútil e do gozo hedonista. Aqui encontramos a beleza e a dificuldade do viver humano, a diferença entre o ser e o não-ser da pessoa, entre uma vida dotada de sentido e de felicidade e um “viver estéril”, centrado em si mesmo e incapaz de gerar algo que suplante a sua própria existência.

Como somos humanos, e não seres de uma espiritualidade mais evoluída, mais próxima do Divino – de cuja existência podemos cogitar, ter fé, mas que não podemos e nem queremos neste artigo provar -, o abandono completo dos prazeres fúteis é para nós

12 Encarar o trabalho a partir deste prisma, de seu real valor, com a compreensão de seu sentido humano, além de proporcionar a sua valorização por todos os que dele se beneficiam – a comunidade -, implica um melhor desempenho, por um lado, e maior satisfação em sua realização, por outro. Realmente, o trabalho do lixeiro, por exemplo, não é o “lixo”, mas a “limpeza pública” e o estabelecimento de condições para a saúde pública e vida em comum; o engenheiro não se limita a projetar e acompanhar a construção de obras, mas edifica “prédios” nos quais as pessoas trabalharão, estudarão ou residirão; o mesmo pode ser dito em relação aos pedreiros, mestres de obras e serventes; o médico não trata apenas de “órgãos” ou da “saúde”, abstrações que na verdade não existem isoladamente, eis que compõem a totalidade, mas de pessoas que padecem de males que podem ser excluídos ou minorados. Bem por isso, afirma Antoine Saint-Exupéry: “Queremos ser libertados. O que dá uma enxadada no chão quer saber o sentido dessa enxadada. E a enxada do forçado, que humilha o forçado, não é a mesma enxada do lavrador, que exalta o lavrador. A prisão não está onde se trabalha com a enxada. Não há o horror material. A prisão está onde no trabalho da enxada não tem sentido, não ligam quem o faz à comunidade dos homens” (Terra dos Homens, p. 133).

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- ou ao menos para a maior parcela de nós, na qual este que lhes escreve certamente se inclui –, neste momento, absoluta, embora não eternamente, irrealizável. O virtuosismo é um objetivo, mas também um caminho repleto de obstáculos, provas e bifurcações, cujas razões não entendemos. Por vezes tomamos a via errada e devemos retornar e retomar a caminhada de um ponto anterior. O importante, no entanto, é reconhecer, com verdade e amor, os erros cometidos, “não perder o foco” e buscar um contínuo aprimoramento do próprio ser. Tomar consciência de que é extremamente imperfeito13 – e não apenas, com a falsa modéstia daqueles que se consideram “eleitos” por pertencer a determinado grupo, corrente de pensamento ou religião, manifestar uma imperfeição pessoal na qual não se crê, com o fim de, com ar de superioridade, julgar e doutrinar moralmente os outros - e permanecer vigilante é o primeiro passo para corrigir os equívocos praticados, ou ao menos para não os cometer novamente, e para uma longínqua, porém possível futura perfeição ou maior proximidade da perfeição do nosso ser espiritual. Procurar a perfeição e realizar da melhor maneira que nos é possível tudo o que fazemos é a via para se atingir, um dia, o que procuramos. 14

Minha esposa sempre me diz que seu maior objetivo na vida é morrer “melhor”

do que nasceu.

13 Julián Marías ressalta que a pessoa é essencialmente imperfeita no sentido literal e etimológico da palavra, na medida em que – poderíamos dizer – seu ser está, durante a vida, “inacabado”, se fazendo sempre, em perpétua inconclusão. “À pessoa humana [em virtude do devir a que está sujeito o seu ser]

pertence um caráter penúltimo, utópico, constitutivamente deficiente, indigente, carente” (Persona, p.

92). Por isso a pessoa é sempre “retificável”, pois seu caráter “não concluído” inclui a possibilidade de

“renascer” (Idem, p. 106).

14 Por isso já ensinava o filósofo chinês Lao Tzu: “Somente a consciência do erro é a perfeição. O Sábio é perfeito por ter consciência do erro. E assim é desprovido do erro” (Tao Te Ching, p. 71). Como não há, entretanto, alguém que seja humano e, também, “sábio” em caráter absoluto, a incursão em erro nos parece algo atrelado à própria condição humana.

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Esta afirmação, que a uma primeira análise pode causar alguma estranheza, uma vez que nada pode parecer “melhor” ou mais inocente que um bebê, contém um projeto ambicioso, que por qualquer ângulo, se realizado, leva a um aprimoramento do ser.

Aqueles que acreditam em vidas passadas e em erros pretéritos a resgatar – o que é o caso dela -, tendem a buscar, nesta “nova” vida, a correção daqueles equívocos e, de certa forma, a compensação dos danos outrora causados. Para se aferir a melhora do espírito, no entanto, indispensável é a comparação do ser que era antes de nascer com aquele que nasceu e novamente morreu. Evidentemente que isto não é de plano verificável – nem mesmo no íntimo de cada um -, de forma que, para um projeto filosófico não sectário – pois não fundado na premissa ou dogma de sucessivas encarnações -, a ausência de parâmetros um mínimo seguros impede a admissão deste critério para a avaliação da evolução espiritual da pessoa.

Mas a afirmação pode ser interpretada por um prisma distinto, à “maneira de um contador”, o que encontra adequação ao nosso projeto, que se destina a estudar o ser da pessoa, desta pessoa que vive, e seus atributos: quando nascemos, embora tenhamos, sem dúvida, algumas tendências e predisposições genéticas – e cremos também espirituais -, ao menos nesta vida, se não fizemos mal a ninguém, também não fizemos bem. Estamos, portanto, com nossa “contabilidade zerada”, somente cabendo a nós mesmos, de acordo com as nossas capacidades e liberdade, a escolha de nosso destino.

Se ao final desta vida o mal que cometi for inferior ao bem que pratiquei, serei, ao menos sob este segundo ângulo, alguém melhor do que nasci.

Evidentemente que esta “conta” não é matemática, de forma que não quero dizer, por exemplo, que alguém que salvou a vida de dez pessoas tenha se tornado melhor do que nasceu porque matou “apenas” nove. Os “créditos” e “débitos”, quando

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pretendemos tratar de aprimoramento do espírito humano, não comportam um cálculo aritmético, pois envolvem questões de valor, dos contextos vividos, de verdade e amor, a si mesmo e ao próximo.

Assim, por este segundo ângulo, nós mesmos, em nosso íntimo, se abandonarmos, por um lado, a autopiedade e o orgulho de “estarmos sempre certos”, ou, por outro, o complexo de inferioridade e sentimentos de culpa por fatos que não são de nossa responsabilidade, podemos fazer esta “conta”, a avaliação de nossos erros e acertos, um “balanço” de nossas vidas e de nosso ser. Portanto, mesmo que haja um

“Julgamento Final”, conforme preconizado pelas Escrituras, nós podemos e devemos nos antecipar e sermos, para o nosso próprio aperfeiçoamento, os juízes de nós mesmos, de nossos atos e nossas vidas.

Para concluir, basta dizer que o sentido do ser, para mim, constitui a orientação que a pessoa confere ao próprio viver, dirigida à obtenção da maior felicidade e realização possível, o que não se confunde, entretanto, com os prazeres fúteis, passageiros e corporais, mas representa algo mais profundo e perene da vida. E, nesta busca, os instrumentos imprescindíveis são a verdade, o amor, a intenção de fazer o bem e de atingir a perfeição, os quais levam, se observados, a um aperfeiçoamento do espírito humano, seja no que se refere a uma eventual essência prévia, se existente, seja em relação a esta vida que vivemos como estas pessoas que ora somos.

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