22º ENCONTRO DE CASAIS COM CRISTO PARÓQUIA SÃO PELEGRINO
PLANO DE DEUS E VONTADE DO PAI
Pai como aquele que manda e tem poder
Em Roma, o pai possuía um poder ilimitado e vitalício sobre todos os seus familiares e domésticos, o direito de vida e morte, sendo inclusive os filhos mais velhos submetidos à potestade paterna.
Em Israel, o pai podia dispor da vida de seus filhos.
Na cultura moderna, o pai representaria a restrição que destrói a liberdade e torna o ser humano impotente para realizar por si só a própria existência. O pai seria o olho implacável que julga e condena, paralisando toda a tentativa de construção de um mundo à medida do ser humano.
Atualmente, a figura do pai está em crise, tanto que se chegou a afirmar que nos tínhamos convertido numa sociedade sem pai.
Segundo a perspectiva psicanalítica estar privado do pai equivale a estar privado da própria espinha dorsal. Onde não há pai, aí não existe mais relação fraterna.
Desencadeia-se, então, a luta pela supremacia, pela expulsão do outro de um centro que deve ser ocupado de modo exclusivo.
Urge, por conseguinte, hoje, recuperar o significado autêntico da paternidade. Em termos teológicos, superar a crise da paternidade tem de ser necessário, sobremaneira através da recuperação do sentido e significado autênticos da paternidade de Deus.
Neste sentido, falar de Deus significa analisar como Deus estabeleceu relação com seu povo, pois desta relação emerge o sentido da paternidade. A paternidade de Deus designa a relação do povo com Deus, fundada na iniciativa livre e gratuita de Deus.
Deus é Pai, porque quer sê-lo por sua escolha, por puro gesto de amor.
Deus-Pai é amor.
Esta afirmação projeta a contemplação do mistério. Da história daquele que amou seu Filho e a nós.
Só o Pai pode provocar, deflagrar o evento do amor, porque só Ele pode começar, sem motivo, a amar. Deus ama desde sempre e para sempre. Sem ser necessitado ou causado ou motivado de fora, começou Ele no eterno a amar.
Ele ama e continuará a amar para sempre. O Pai é a eterna proveniência do amor. É Aquele que ama na absoluta liberdade desde sempre e para sempre. Deus é, assim, livre no amor. É o eterno Amante na mais pura gratuidade do amor.
O Deus amor é o Pai do Filho.
Ele é o puro manancial. É o gratuito extravasar do amor amante eterno. É a originária difusividade do eterno amor que faz do Pai Aquele que gera. É o Pai do Filho eterno.
Seu amor não é egoísta. Não é cativeiro e prisão do eu. Seu amor é amor fecundo.
Amando, Deus se distingue. Deus é amante e amado, Pai e Filho segundo a linguagem
cristã, na insondável unidade essencial do amor, na incancelável distinção daquele que amando gera e daquele que no amor é gerado. É princípio sem princípio.
A paternidade é propriedade do amor do Pai. Aquilo pelo qual a pessoa do Pai se distingue de todas as outras é a paternidade. Por isso, o nome próprio da pessoa do Pai é este nome de Pai, que significa paternidade. Deus é Pai: Deus é amor originário e originante. Na eternidade da sua vida, é amor não gerado e generante, fecundidade infinita do amor gratuito e eterno. Nesta distinção do Pai e do Filho na história do amor eterno se deixa contemplar a generosidade do verdadeiro amor. Seu sair de si para ir ao outro e retornar a si na comunhão do amor.
O Deus amor é comunhão no Espírito Santo.
O amor de Deus é eternamente fecundado e extravasa, por assim dizer, além do Filho.
Do amor que gera o Amado vem o amor. Amar é transcender o outro, não para amá-lo menos, mas amá-lo mais. Assim é o que o amor do Pai, fonte do amado, o Filho, é também fonte do terceiro amor, o Espírito Santo. O Pai, que gera o Filho, espira o Espírito Santo. O Espírito Santo é o vínculo real de amor, recebido e dado, distinto do Pai, enquanto é recebido pelo Filho e o do Filho, enquanto é dado pelo Pai.
O Pai, amante eterno, é fonte de Espírito Santo, tanto o amor unificante como também amor aberto e acolhedor. Por meio do Filho, no Espírito Santo, o Pai é a origem de todas as coisas, visíveis e invisíveis. Da única fonte eterna, princípio sem princípio, emana não só a vida eterna do amor dos Três, mas também mediante o ato da criação, a vida do tempo, o mundo e a sua história. No caráter de pura fonte e perfeita liberdade do amor, Deus é Pai de tudo e de todos. O seu amor fonte é livre e, por isso, libertador em relação à sua criatura. Quem cria na liberdade quer a liberdade. Quem dá gratuitamente quer forçosamente a gratuidade do dom.
Assim, perante a “revolta contra o pai”, suposto prelúdio a uma “sociedade sem pais”, o anuncio de um Pai celeste, que ama na liberdade e que é livre no amor, é anúncio de um Deus que não esmaga o ser humano, que não lhe faz concorrência, que é verdadeiramente um Deus dos seres humanos, cuja glória é o ser humano vivendo na liberdade do amor.
Nesse sentido, não pode confessar Deus como Pai quem não respeita a liberdade dos filhos e filhas de Deus e não se empenha ao máximo pela libertação dos oprimidos.
Aquele que é origem não originada de toda a realidade não conhece as maneiras possessivas que escravizam. O seu ser princípio sem princípio é ao mesmo tempo a razão profunda da sua liberdade e da liberdade de suas criaturas.
Jesus revela o Pai
O evento da Páscoa revela a história de um Deus que é amor. Jesus se entregou à morte por amor dos pecadores em obediência ao Pai. Ele ressuscitou e mostrou-se vivo e efundiu sobre toda carne o Espírito recebido do Pai. O ser ativo do Filho, contudo, deve ser entendido em relação ao primado fontal do Pai. Sua existência é uma existência de “acolhida”, vivida a fazer a vontade do Pai.
A vida de Jesus é um serviço à vontade do Pai. O meu alimento é fazer a vontade do Pai. Ele não existe para si, mas para o Pai e para a humanidade a quem o Pai o enviou.
Não abre o caminho para si, abre-o para o Reino de Deus, pelo qual joga toda a sua vida. O Reino é a opção fundamental do Nazareno, a causa do seu viver e morrer.
Jesus viveu para o Pai. Morreu em obediência a Ele. Na cruz, por amor dos que estavam distantes, malditos e separados de Deus, ressurgiu acolhendo o dom do Pai, que depois efundiu sobre toda a carne. A obediência ao Pai, que é o maior do que eu, diz Jesus, revela o mistério da sua vida.
Jesus Cristo é o Filho amado. Jesus é o Filho de Deus, o Filho amado, o Unigênito. É a Palavra do Pai. É o verbo do Pai. O Filho é, portanto, Deus procedente do Pai. O Pai é Deus, mas não procedente do Filho. Jesus é o Filho do Pai e Deus procedente do Pai.
O que caracteriza o Filho pode, por conseguinte, ser identificado na filiação. Se no Pai reside a manancialidade do amor. No Filho é posta a receptividade do amor. O Filho é acolhimento puro. É eterna obediência do amor. Ele é o amado antes da criação do mundo no qual flui no tempo e na eternidade a vida divina, fonte da plenitude do Pai.
O amor eterno de Deus é unidade.
Se o amor de Deus é distinção, não menos é ele unidade. A história divina supera o distinto na infinita profundidade da comunhão trinitária. O Filho é consubstancial ao Pai defendeu e definiu o Concílio de Nicéia, em 325. O Filho é em tudo igual ao Pai, porque não começou nunca a nascer e nem cessa de nascer. O Filho é da mesma substância do Pai. O Filho de Deus é, por conseguinte, Filho por natureza, não por adoção.
O Pai não gerou o Filho por vontade ou necessidade, porque em Deus não há necessidade e a vontade não precede a sabedoria. “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). O eterno Amante e o eterno Amado são uma unidade do eterno amor. A unidade do amor é perene peregrinação do amor. É perene manancialidade e acolhida, saída e retorno, proveniência e vinda, distinção e comunhão. Esta perfeita unidade e co-eternidade do Filho e do Pai, precisamente por força da sua inexaurível vitalidade, não se exaure no jogo do seu amor. É a unidade aberta. É generoso amor dos dois. É unidade em si. É espaço para a distinção do Amado que se abre para outros no amor.
O Espírito procede do Pai e do Filho.
O Espírito é aquele que abre o mundo de Deus ao mundo dos seres humanos e a história humana à história trinitária. É o que une os dois mundos dos seres humanos e a história humana à história trinitária. É o que une os dois mundos e constitui a unidades dos seres humanos no amor do Pai e do Filho. O Espírito é o Espírito do Pai, mas é também o Espírito do Filho, não porque dele proceda, mas porque procede mediante Ele do Pai. Porquanto não há senão uma causa única, o Pai. Nesse sentido a teologia cristã só é possível a partir do Espírito Santo. O Filho só revela o Pai na glorificação, pelo Espírito. E a comunidade cristã só reconhece e proclama o homem Jesus como Filho de Deus após a ressurreição, pelo Espírito. Na sua morte e ressurreição, Jesus doa seu Espírito a quem nele crer. O que a Revelação nos diz esse
Espírito do Pai e do Filho, Espírito do Pai dado pelo Filho, torna-se Espírito no ser humano. Faz do ser humano seu templo. Inspira-o. Diviniza-o. Configura-o ao Filho e o faz Filho também, possibilitando-lhe então chamar Deus de Pai como Jesus chamava.
O Espírito é Dom. O amor unificante entre o amor Amante e o amor amado é em pessoa o dom do amor. É a abertura ao outro. O Espírito é o doador da vida. É a superabundância do amor divino, a plenitude transbordante, o êxtase de Deus, Deus como pura excelência, Deus como pura emanação.
De amor e de graça. É criador que cumula o coração dos fiéis. É o Paráclito que socorre e conforta. É o dom do Deus altíssimo. É a fonte viva, o fogo, o amor, a unção espiritual. É o dinamismo da abertura imanente do amor divino pelo qual do Pai, mediante o Filho, extravasa o amor no Espírito, refletindo, assim, o dinamismo da criação e da salvação, em que tudo é dado pelo Pai pelo Verbo no Espírito. O Espírito é irradiação do amor divino. É superabundância do amor, atingindo o outro em absoluta gratuidade. Não se detém ao que já existe. Ele chama do nada todas as coisas.
Não alcança quem é bom e belo. Ele torna bons e belos aqueles a quem alcança. A função do Espírito é, por conseguinte, reunir os seres humanos pelo Filho no Pai.
Como discernir e saber qual é o plano de Deus?
Não há fórmulas seguras e infalíveis, uma vez que se constitui de busca contínua.
É exercício de discernimento. Para tanto, é imprescindível, como cristãos, crescermos no exercício do discernimento. Discernir a vontade de Deus é uma atividade teologal.
É um contínuo aprendizado. Supõe uma educação para a liberdade. Supõe uma disposição para aprender a dispor-se para determinada tarefa. Fundamental e sinteticamente, podemos dizer que o discernimento é: uma atitude fundamental de liberdade: aprender a discernir é cultivar uma atitude fundamental de liberdade diante de todas as coisas. Tudo é transitório, passageiro, exceto Deus. Assim, aprender a discernir é investir nossas energias críticas no conhecimento dos nossos condicionamentos, para libertar-nos o máximo possível deles. Este é um processo contínuo de libertação das amarras. Quanto mais liberdade, mais pura é a atitude de discernimento; uma atitude de oração: outra condição importante para o discernimento é a atitude de oração. Aprender a discernir é criar uma postura fundamental de oração. Em termos teologais, significa pôr-se num espírito de fé, esperança e caridade. Fé significa depositar em Deus toda nossa firmeza, como último e absoluto fundamento de todas as coisas. Esperança é acreditar que este Deus é fiel e suas promessas não falham. Caridade é saber-se amado por Deus e entregar todo o nosso ser a Ele. Em termos éticos, significa situar-se diante da própria consciência e dos valores autônomos numa atitude de aceitação, de confiança e compromisso. Trata- se, no fundo, de criar uma visão de abertura às realidades maiores; uma atitude permanente de busca: discernir não é situar-se diante da vontade de Deus como algo já definido e feito, como uma coisa pronta que, uma vez percebida, não se tem nada mais a fazer que realizá-la, aconteça o que acontecer. Aprender a discernir é saber colocar-se numa atitude de busca que não termina nem mesmo depois de ter descoberto a vontade de Deus. É saber. É reconhecer-se na insegurança contínua de
quem está a dialogar com o Mistério e nunca tem certeza clara de sua transparência.
Implica estar em alerta, manter acesa a suspeita sobre si, que se concretiza toda vez que algum dado objetivo, algum acontecimento oferece elemento para repensar a própria posição. É também viver permanentemente na expectativa da novidade dos acontecimentos, sem definir-lhes, anteriormente, os significados, mas sim ir captando os que se vão dando e buscar concatená-los. É, portanto, criar uma atitude de vigilância para não misturar facilmente o que julgamos ser a vontade de Deus e as nossas projeções.
Os possíveis pilares do sonho conjunto.
Participação: o ser humano é inteligente e livre; não quer ser apenas beneficiário, mas participante do projeto coletivo. Só assim se faz sujeito da história;
Igualdade: resulta da participação de todos. Cada um é singular e diferente. Mas a participação impede que a diferença se transforme em desigualdade. É a igualdade na dignidade e no direito que sustenta a justiça social;
Diferença: deve ser respeitada e acolhida como manifestação das potencialidades das pessoas e das culturas e como riqueza nas formas de participação. São as diferenças que revelam a riqueza da única humanidade;
Comunhão: o ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros; é capaz de valores, de compaixão e solidariedade com os mais fracos e de diálogo com a natureza e com a divindade.
Pe. Paulo César Nodari Caxias do Sul, 23 de agosto de 2013.