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O TEXTO MIDIÁTICO EM SALA DE AULA: POSSIBILIDADES E LIMITES NO TRABALHO DE INTERPRETAÇÃO. Palavras-chave: informação; interpretação; texto midiático.

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Academic year: 2021

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Magda Regina Lourenço Cyrre1 (UNISINOS/UFRGS)

Resumo

Este estudo resulta de uma proposta de trabalho de interpretação de textos midiáticos com estudantes do Ensino Médio. Partimos do pressuposto de que os estudantes estão expostos a informações veiculadas pela internet. As empresas de mídia selecionam temas e constroem discursos informativos e a informação, moldada pela linguagem, é uma forma de interpretação. A materialidade linguística usada na construção da informação remete ao seu funcionamento e aos seus efeitos de sentido. O material selecionado para trabalhar a interpretação foi extraído de publicações online. Os pressupostos deste estudo filiam-se à Análise de Discurso (AD) pecheutiana. Buscamos com a AD construir um aporte teórico-metodológico que possibilite entender as práticas discursivas de formulação da notícia e trabalhar com particularidades dos enunciados, para isso, articulamos as noções de formação discursiva, sujeito e pré-construído. O objetivo geral é mostrar algumas possibilidades de atividades de interpretação do texto midiático. Os objetivos específicos são: demonstrar a aplicabilidade dos conhecimentos de AD para a interpretação com estudantes do ensino médio; verificar como o discurso midiático constrói sentidos e pode ser interpretado por estudantes, aplicando-se noções da AD. O presente estudo se justifica por propor uma leitura de textos midiáticos a qual verifica como o texto organiza em sua discursividade a materialidade histórica.

Palavras-chave: informação; interpretação; texto midiático.

SOBRE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para ler e interpretar o discurso midiático numa perspectiva discursiva é preciso considerá-lo como fazendo parte de uma determinada Formação Discursiva. Consideramos para este estudo a noção de FD dada por Pêcheux o qual conceitua Formação Discursiva (FD) como aquilo que numa formação ideológica dada determina o que pode e deve ser dito. Ou seja, numa sociedade, há relações de classes que implicam certas posições políticas e ideológicas que, por sua vez, incluem formações discursivas interatuantes, e que determinam o que pode e o que deve ser dito, considerando certas posições na conjuntura social. É através dessas FD (não estabelecidas de uma vez por todas) que se pode reconhecer, nos textos, o cruzamento de vários discursos. Ler, interpretar o discurso midiático é considerar a sua materialidade como portadora de efeitos de sentido para os sujeitos leitores dos textos. Mas,

1 É professora adjunto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e estudante do PPG – Letras da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em nível de doutorado sob orientação da Profª Drª Solange Mittmann.

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que sujeito é este? Considero o sujeito na teoria discursiva, assim como Pêcheux (1988, p.161) o qual afirma que “os indivíduos são interpelados em sujeitos de seu discurso, pelas formações discursivas que representam na linguagem, as formações ideológicas que lhes são correspondentes”. A interpelação ocorre pela identificação do sujeito com a formação discursiva na qual ele é constituído. Para a AD, o conceito de sujeito é bastante complexo, pois ele é apresentado como não-uno, ou seja, dividido, fragmentado; estritamente falando, a subjetividade se manifesta através de posições que podem ser detectadas no e pelo discurso. Em Pêcheux (1988, p.46), temos que: “a posição sujeito é apenas o efeito de uma regra que é ao mesmo tempo de polidez e de economia, regra esta inteiramente dependente do enunciado, onde se reabsorve logicamente”. A divisão do sujeito se materializa nas tomadas de posição frente aos saberes que estão inscritos na FD na qual se inscreve. A posição sujeito não é o sujeito concreto, nem o sujeito psicológico, é o sujeito determinado historicamente. Essas tomadas de posição representam o que Pêcheux denominou de bom sujeito e de mau sujeito. Ou seja, ocorre o discurso do bom sujeito quando há uma identificação plena do sujeito do discurso com a forma-sujeito da FD que afeta o sujeito; e ocorre o discurso do mau sujeito quando o sujeito do discurso se posiciona e se contrapõe à forma-sujeito e aos saberes que ela organiza no interior da Formação Discursiva (INDURSKY, 2007).

De acordo com Indursky (2007), a contra-identificação é um trabalho do sujeito do discurso sobre os dizeres e os sentidos que são próprios à FD que o afeta e, por conseguinte, se institui como forma de resistência à forma-sujeito e ao domínio de saberes que ela organiza. Esse domínio da dúvida que é instaurado seria responsável pelo surgimento das posições-sujeito no interior da Formação Discursiva e isso acarreta a heterogeneidade das FDs. Em artigo de 2008, Indurski comenta as duas modalidades de desdobramento da forma-sujeito (identificação e contra-identificação) e diz que Pêcheux acrescenta a “desidentificação” do sujeito, ou seja, uma tomada de posição não-subjetiva, que conduz ao trabalho de transformação-deslocamento da forma sujeito. Essa modalidade de desidentificação permite a Indurski (2008) tecer as seguintes observações: a) a modalidade desidentificação abre caminho para pensar que o sujeito não está condenado a manter-se para sempre identificado com o mesmo domínio de saber; b) quando o sujeito do discurso se desidentifica de uma determinada FD é porque inconscientemente ele já está identificado com outro domínio de saber; c) o movimento de desidentificação é da mesma natureza que o movimento de identificação e se dá entre inconsciente e ideologia. Trabalhar a leitura de textos midiáticos em sala de aula, entre tantas outras coisas é alertar ao estudante que ele não é o único sujeito interpretante. Antes de o discurso midiático ser processado e apresentado na

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internet, ele é interpretado por um sujeito jornalista que se identifica e/ou se desidentifica com uma determinada FD. Saber que a materialidade em análise está sujeita a essa via de mão dupla já muda o posicionamento de quem se expõe à opacidade do texto para interpretá-lo. Tanto o sujeito leitor como o sujeito jornalista ocupam lugares socialmente determinados que (re)ativaram determinados efeitos de sentido.

Os sujeitos são afetados pela memória. Em Pêcheux (2006), temos que: “„as coisas-a-saber‟ são jamais visíveis em desvio, como transcendentais históricos ou epistemes no sentido de Foucault, mas sempre tomadas em redes de memória dando lugar a filiações identificadoras e não a aprendizagens por interação (...)” (PECHEUX, 2006, p.54). Conforme nos lembra Orlandi (1988, p.22), é consenso em AD que, ao falarmos de memória, não é da memória cognitiva ou psicológica que estamos falando; também não é da memória documental ou institucional, o arquivo. Assim como Cazarin (2010, p.106), entendemos aqui neste trabalho que memória discursiva e interdiscurso não se confundem porque a “memória discursiva é lacunar e seletiva e sua mobilização, joga ou atua na posição sujeito (daí podermos falar em “efeito de memória”) enquanto que o interdiscurso é um espaço saturado de sentidos, pois nele tudo que está lá já produziu sentidos em espaços e tempos diversos.”

Ou seja, o interdiscurso funciona como exterioridade, como o “lugar” do Outro e permite que filiações históricas possam se organizar em memórias e as relações sociais em redes de significantes. Toda enunciação resulta, assim, de um efeito de sustentação no já dito.

Em Indursky (2007), tem-se que a formulação das modalidades de tomada de posição do sujeito é contemporânea da noção de interdiscurso, pois é o interdiscurso que contém os dizeres que não podem ser ditos no âmbito de uma dada FD. O funcionamento dessa noção no processo de interpretação pode ser explicado nas palavras de Cazarin (2010, p.108):

Talvez seja o caso de compreendermos que o interdiscurso fornece elementos para a reconstituição/restabelecimento da memória discursiva, que é da ordem do interdiscurso, mas que, para produzir sentidos, precisa ser mobilizada pela posição-sujeito. Mobilização essa que funcionaria, então, tanto como gesto de interpretação, quanto como categoria de análise, nos moldes do trabalho de Courtine (1981). Isso nos levaria a aceitar, como já sinalizamos, que a memória discursiva é lacunar (pois aí interfere a posição-sujeito que a mobiliza), ao passo que o interdiscurso é saturado de sentidos – tudo está lá (CAZARIN, 2010, p.108).

Ao buscarmos o(s) sentido(s) do acontecimento publicado na mídia, estaremos trabalhando com a historicidade do texto. Historicidade compreendida como constitutiva do próprio discurso: o texto organiza em sua discursividade a sua própria materialidade histórica.

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Esses conceitos devem ser trabalhados antes de partirmos para a análise do(s) sentido(s) do(s) material selecionado para análise, porque:

Se uma mesma palavra, expressão, proposição, etc., podem receber sentidos diferentes, todos igualmente “evidentes” conforme se refiram a esta ou aquela formação discursiva é porque [...] um palavra, expressão, proposição, não tem um sentido que lhe seria próprio vinculado a sua literalidade. [...] é necessário também admitir que palavras, expressões, proposições, literalmente diferentes podem, no interior de uma formação discursiva dada, “ter o mesmo sentido” (PÊCHEUX, 1988, p.161).

A língua é a mesma para todos, mas o acontecimento noticiado na mídia é cada vez único. Do ponto de vista do discurso, o modo de produção de sentido é um elemento crucial, e o que se produz é associado a espaços de discursos já construídos. Em vista disso, é de suma importância as noções de interdiscurso e de memória discursiva já que o objeto discursivo não é fechado: tem relação com outros discursos. Além disso, o interdiscurso é submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que caracteriza o complexo das formações ideológicas (PÊCHEUX, 1988, p.162).

O jornalista ao elaborar o texto midiático, inconscientemente, reativa a memória do dizer com a formulação de alguns enunciados e não de outros, com isso, traz à tona sentidos já existentes no âmbito do interdiscurso. Ao apresentar o texto midiático como um acontecimento, os enunciados publicados retornam como um saber já-dito que é (re)atualizado e (re)significado, pois foram formulados em outro lugar e em outro cenário discursivo. Os conflitos subjetivos que nascem dessas diferenças discursivas são sempre o resultado de conflitos sociais coletivos determinados pela hegemonia política ou pelo poder capitalista enraizado na sociedade. A forma como a textualidade se deixa comprometer com esse tipo de hegemonia é localizada no que Pêcheux (1988) chama intradiscurso - ou o discurso que opera sobre si próprio - que se caracteriza por possuir dois traços distintivos: o pré-construído, traço identificado em qualquer formação discursiva e semelhante a, ou funcionando como, um pré-conceito histórico que é do conhecimento geral, e a articulação, aquilo que permite a um sujeito constituir-se como tal em relação àquilo com que o seu próprio discurso se constrói. Nesse sentido, o interdiscurso funciona como o lugar do outro, como espaço de latência de sentidos. Nesse processo, convivem os campos da história, da língua e do inconsciente sem fronteiras fixas, e o papel do sujeito-jornalista que - duplamente afetado (pelo inconsciente e pela ideologia) - é produzir gestos de interpretação marcados pela projeção imaginária que ele faz de si, do outro e do lugar social em que está inscrito, embora

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isso possa ocorrer de forma inconsciente. Pode-se dizer que é uma via de mão dupla, pois a interpretação do sujeito-leitor do texto midiático também é afetada pela historicidade e pela ideologia já que recupera do interdiscurso, por meio da mobilização da memória discursiva, apenas alguns enunciados e não outros para incorporar ao seu discurso. Tem-se no gesto de leitura “o efeito do interdiscurso sob a forma do não dito que aí emerge, como discurso outro, discurso de um outro ou discurso do Outro” (PÊCHEUX, 2006, p. 53).

Tanto a produção da leitura/interpretação do discurso midiático, quanto o processo de escrita desse discurso constituem-se em práticas sociais que mobilizam o interdiscurso e a memória discursiva que conduzem o sujeito-leitor e o sujeito-jornalista, sujeitos históricos, a inscreverem-se em uma disputa de interpretações. Do ponto de vista do discurso, o modo de produção de sentido é um elemento crucial, e o que se produz é associado a espaços de discursos já construídos.

PROPOSTA DE TRABALHO COM LEITURA E INTERPRETAÇÂO

Para trabalhar com a leitura e a interpretação, partimos do pressuposto de que os sentidos do texto on line são em relação à (aos leitores e ao contexto sócio-histórico dos sujeitos envolvidos). Em sua última publicação em vida, Pêcheux (20062) afirma que a língua é estrutura e acontecimento. Em vista disso, como trabalhar com a leitura e a interpretação, se os sujeitos leitores fazem parte desse processo e estão expostos à opacidade das palavras que não são transparentes e nem evidentes? A nossa proposta é partir da estrutura dos textos midiáticos, revelada pela materialidade empregada em sua organização e analisar o seu discurso. No 3º ano do Ensino Médio, cabe ao professor de Língua Portuguesa – em algumas escolas - a tarefa de revisar os conteúdos gramaticais trabalhados com os estudantes ao longo do Ensino Fundamental e Médio com o objetivo de prepará-lo para o vestibular. Deixando de lado essa história de preparar para o vestibular, pois considero que isso faz parte de outra questão em que não há tempo para discussão nesse espaço, quero dizer que o professor pode trabalhar a revisão dos conteúdos clássicos gramaticais por meio da leitura e da interpretação em sala de aula amparando-se nos pressupostos da AD. O professor, quando tem conhecimentos sobre a AD, pode estender esses conhecimentos para os estudantes. As gramáticas de Língua Portuguesa - normalmente adotadas pela escola - priorizam o ensino da função de determinadas classes gramaticais. O que propomos é ultrapassar o estudo clássico da função de determinados elementos textuais e chegar ao seu funcionamento. Isso pode ser

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feito, a partir da leitura de determinados textos da mídia, do recorte de sequências discursivas e da observação de como certos elementos gramaticais funcionam na estrutura e como esses elementos interferem na produção de efeitos de sentido. Para exemplificar a nossa proposta, trouxemos como objeto de estudo um material retirado da Revista Mundo Estranho, acessado via internet:

O ÁLCOOL ATRAPALHA OU AJUDA NA TRANSA? por Jairo Bouer*

Existe um mito de que bebida alcoólica e sexo fazem uma boa dupla. Mas, na maioria das vezes, isso não passa de lenda. Em geral, acontece exatamente o contrário: beber demais atrapalha o desempenho sexual das pessoas. Vamos aos fatos. Doses baixas de álcool têm, inicialmente, efeito estimulante: a pessoa se sente mais desinibida, deixa de lado a timidez e consegue chegar mais em outras pessoas. Ou seja, o poder da "cantada" fica mais forte.

Mas não se engane, esse é um efeito transitório, que pode passar rapidamente se novas doses de bebida forem consumidas. A partir daí o álcool começa a mostrar sua verdadeira vocação: ele é um potente depressor do funcionamento do sistema nervoso central. Quem bebe demais pode ficar com reflexos lentos, voz arrastada, sonolência e comportamentos impróprios.

Na hora do sexo não podia ser diferente! Quem passa da conta fica sem capacidade adequada de avaliar situações. Assim, a pessoa facilmente pode levar "gato por lebre", escolhendo parceiras com quem não ficaria normalmente. Além disso, fica mais difícil alcançar e manter uma ereção e o beberrão ainda pode passar horas sem conseguir chegar "lá". Com as mulheres também há uma piora na resposta sexual: excitação, lubrificação, prazer e orgasmo ficam prejudicados. Isso sem contar que aumenta o risco de não usar camisinha e de não conseguir lembrar o que aconteceu na noite anterior...

Se, por um lado, a aproximação talvez fique mais fácil com o álcool, por outro, há uma chance muito maior de o desempenho sexual desapontar. E de que vale ter a(o) parceira(o) mais bonita(o) do mundo se, na hora H, não se consegue mostrar serviço?

* Médico psiquiatra e estudioso da sexualidade humana. Referência

BOUER, Jairo. O álcool atrapalha ou ajuda na transa? Revista Mundo Estranho. Ed. Abril. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-alcool-atrapalha-ou-ajuda-na-transa> Acesso em: 28.05.2012

Proponho começar o trabalho de leitura e de interpretação por meio da análise da materialidade linguística empregada para estruturar sintaticamente os dois primeiros períodos do texto. Vamos partir da análise dos dois primeiros períodos do texto que, por uma questão

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de filiação teórica, passaremos a nos referir como sequências discursivas e, posteriormente, estenderemos a análise a outras sequências discursivas do material em estudo.

a) O funcionamento do operador argumentativo “mas”.

Nas gramáticas tradicionais, temos que o “mas” exerce a função de articulador de oposição. Porém, no texto midiático em estudo, como o “mas” pode ser lido? Ele aparece em duas sequências discursivas que forram recortadas do texto midiático e são apresentadas logo a seguir. O questionamento que fazemos é: será que o “mas” funciona da mesma forma nas duas Sequências discursivas (Sds)?

Sd 1- Existe um mito de que bebida alcoólica e sexo fazem uma boa dupla. Mas, na maioria das vezes, isso não passa de lenda.

Sd 2- Doses baixas de álcool têm, inicialmente, efeito estimulante: a pessoa se sente mais desinibida, deixa de lado a timidez e consegue chegar mais em outras pessoas. Ou seja, o poder da "cantada" fica mais forte. Mas não se engane, esse é um efeito transitório, que pode passar rapidamente se novas doses de bebida forem consumidas.

Na sequência discursiva 1 (Sd1), o sujeito que ocupa a posição de jornalista traz o conhecimento pré-construído de que existe um saber arraigado na sociedade de que sexo e álcool fazem uma boa dupla. No entanto, este conhecimento pré-construído é apresentado para o leitor como sendo um mito. Convocamos os estudantes a acionarem memória e no melhor estilo brainstorm para recuperar os sentidos possíveis para mito. Entre tantas outras possibilidades que poderiam ser acionadas do interdiscurso, é possível recuperar pela memória discursiva que mito é: “uma narrativa fantasiosa, simbólica, às vezes, com elementos sobrenaturais, transmitida pela tradição oral de um povo, e que retrata sua visão de mundo e de aspectos da natureza humana; uma crença popular ou tradição que se desenvolve sobre alguém ou algo; um acontecimento ou fato extraordinário, incomum, com frequência exagerado e distorcido pela imaginação popular ou pelos meios de comunicação; uma personalidade de destaque nos meios artísticos, esportivos, culturais etc., cuja atuação, trabalho etc. são reconhecidos e reverenciados pelo público; pessoa ou coisa que não tem existência real ou passível de ser provada; representação idealizada de uma época passada ou futura da humanidade; verdade, valor moral, conceito etc. inquestionável para um grupo social; ou ainda, uma noção falsa ou infundada.”

Pela materialidade linguística usada para simbolizar o pré-construído que bebida alcoólica e sexo fazem uma boa dupla é possível perceber que o sujeito discursivo do texto midiático O álcool atrapalha ou ajuda na transa? Representa uma FD que considera a dupla álcool e sexo inadequada. É possível perceber qual a resposta à pergunta título do texto. O seu

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discurso se identifica com uma FD que considera que o álcool atrapalha ma hora da “transa”. Em vista disso, articular o próximo enunciado com “mas” soa estranho porque: Mas, na maioria das vezes, isso não passa de lenda segue com a mesma orientação discursiva, argumentativa. Isso pode ser evidenciado se acionarmos a memória discursiva e recortarmos do interdiscurso o que pode ser uma “lenda”. Lenda e mito são apresentados como mobilizando a memória discursiva e recortando do interdiscurso as mesmas possibilidades de efeitos de sentido. Por esse olhar, o “mas” não funciona como um operador opositivo no discurso desse sujeito. Ele não pode ser interpretado como articulando duas orações adversativas. O “mas” articula duas orações que representam a mesma FD e a mesma posição sujeito. O mas até pode ter na gramática tradicional a função de articulador de adversidade, no entanto, aqui, ele representa a articulação de saberes que argumentam em uma mesma direção e representa uma mesma posição sujeito: um saber adiciona-se ao outro. É assim que uma interpretação filiada a AD pode ler a sequência discursiva 1 (Sd1).

Vejamos agora a sequência discursiva 2 (Sd2):

Sd 2- Doses baixas de álcool têm, inicialmente, efeito estimulante: a pessoa se sente mais desinibida, deixa de lado a timidez e consegue chegar mais em outras pessoas. Ou seja, o poder da "cantada" fica mais forte. Mas não se engane, esse é um efeito transitório, que pode passar rapidamente se novas doses de bebida forem consumidas.

Nesta sequência discursiva, o “mas” funciona como um operador discursivo de oposição, pois articula posições sujeito diversas. Primeiramente, afirma que o álcool ajuda, depois que é por pouco tempo. Sendo assim, aqui temos uma leitura do “mas” que pode ser interpretada como o preconizado pelas gramáticas tradicionais. Aqui há uma coincidência entre a função do “mas” e o seu funcionamento no discurso da mídia. Ambos convergem para a articulação de posições sujeito antagônicas. Ou seja, se em um primeiro momento há uma posição sujeito que defende o uso de álcool como estimulante, logo depois há a articulação de outra posição sujeito pelo articulador “mas” em que defende uma posição de que o efeito do álcool é efêmero e pouco duradouro. Com isso, o “mas” pode ser lido discursivamente como um articulador de posições opositivas, antagônicas, que recupera possibilidades de ler os efeitos do álcool que estão em circulação em nossa sociedade.

O discurso midiático representado pelo texto O álcool atrapalha ou ajuda na transa? poderia ainda ser trabalhado e analisado sob o olhar discursivo por muitas ou formas. Poderíamos trabalhar o funcionamento: das aspas no texto, dos adjetivos, dos advérbios, do se condicional, dos modalizadores verbais, dos tempos verbais, das orações adverbiais, da pontuação,... e, com isso, ler e interpretar o texto sob as lentes da AD. No entanto, devido ao

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pouco período de tempo disponível, fica a continuação desse olhar discursivo como sugestão de trabalho.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O que apresentamos aqui foi apenas uma gota d‟água no oceano de possibilidades possíveis de trabalhar com leitura e interpretação com as lentes das AD. Quando falo em olhar discursivo, não me refiro a trabalhar com a nomenclatura da AD em sala de aula e sim com a prática discursiva. Trabalhar com a nomenclatura da AD com adolescentes é ultrapassar os limites do fazer do educador. A prática discursiva pode ser anônima, mas presente pelo deslocamento do olhar. Deixar de ver as classes gramaticais como função e sim em seu funcionamento no texto já é provocar esse deslocamento. Quando se trabalha com a AD e se desenvolve o olhar discursivo dos estudantes, passamos a ter um leitor crítico e um cidadão inscrito sócio-historicamente. A nossa responsabilidade como educador aumenta, por isso, coloco a seguinte questão: estamos ensinando a ler e a interpretar o mundo a quem? Estamos trabalhando com ferramentas de libertação ou de domínio? Estamos lendo e interpretando o mundo para transformar ou para reproduzir as condições de existência? Essas são questões que ainda não tenho as respostas, mas que em meu imaginário, sonho algum dia obter.

REFERÊNCIAS

BOUER, Jairo. O álcool atrapalha ou ajuda na transa? Revista Mundo Estranho. Ed. Abril. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-alcool-atrapalha-ou-ajuda-na-transa> Acesso em: 28 maio 2012.

CAZARIN, Ana Ercília. Gestos interpretativos na configuração metodológica de uma FD. In: Organon, Porto Alegre, nº 48, janeiro-junho, 2010, p. 103 -118.

INDURSKY, Freda. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

___________. Da interpelação à falha no ritual: a trajetória teórica da noção de formação discursiva. In: BARONAS, Roberto L. (Org.) Análise do discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. São Carlos, Ed. Pedro e João, 2007, pp. 75 – 87.

__________. Formação discursiva: essa noção ainda merece que lutemos por ela? In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro. (Orgs). Análise do Discurso no Brasil: mapeando conceitos. São Carlos: Claraluz, 2007. pp. 163 -172.

__________ . Unicidade, desdobramento, fragmentação: a trajetória da noção de sujeito em Análise de Discurso. In: MITTMANN, Solange, GRIGOLETTO, Evandra e CAZARIN, Ana

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Ercília. (Orgs.) Práticas discursivas e identitárias: sujeito e língua. Porto Alegre: Nova Prova, 2008, pp. 9 - 33.

MITTMANN, Solange. Discurso e Texto: na pista de uma metodologia de Análise. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro. (Orgs). Análise do Discurso no Brasil: mapeando conceitos. São Carlos: Claraluz, 2007. pp. 153 – 162

ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2.ª ed. Ver. Campinas: Pontes, 1987.

________. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2ª Edição Editora Vozes, Petrópolis: 1998.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al.; Campinas, SP: UNICAMP, 1988.

_________. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução: Eni Puccinelli Orlandi. 4ª Edição. Campinas, SP: Pontes, 2006.

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