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MARCOS PAULO DA CUNHA MARTINHO Introdução

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Academic year: 2021

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As novas técnicas experimentais em raios cósmicos

e o desenvolvimento científico brasileiro: um breve

recorte da trajetória de Padre Roser S.J. na física

MARCOS PAULO DA CUNHA MARTINHO

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Resumo: a finalidade deste trabalho é verificar o alinhamento das

pesqui-sas sobre detectores de partículas realizadas por Padre Roser S.J., nos anos 50 em Chicago, com o projeto de desenvolvimento científico brasileiro iniciado na mesma época. Os materiais usados para a nossa pesquisa foram os documentos depositado na Cúria dos Jesuítas do Rio de Janeiro e os artigos publicados em periódicos. A partir da análise, observamos que os interesses de Roser não se limitavam apenas na atualização dos seus conhecimentos para atender aos pro-jetos de educação superior católico, mas também havia um certo envolvimento dele com as questões político-científicas vigentes naquele período no Brasil. As cartas que ele escreveu de Chicago para César Lattes e para o Padre Provincial no período, nos revelam sua proximidade com esse projeto de nação com prota-gonismo científico. Visto que suas pesquisas com as novas técnicas de cintilação para detecção de partículas de altas energias seriam úteis aos projetos do novo centro de pesquisas brasileiro, o CBPF.

Palavras-chave: Roser, Raios Cósmicos, Física Nuclear, detecção de partículas

e Física Brasileira.

1. Introdução

Este trabalho é resultado das pesquisas realizadas nos arquivos do padre e cientista, Francisco Xavier Roser S.J, depositados na Cúria dos jesuítas. Ele era físico de formação acadêmica e doutor em física pela Universidade de Innsbruck, na Áustria, não vamos aprofundar os dados biográficos de Roser, por questões de espaço, mas sugerimos a leitura do artigo (VIDEIRA e NOBRE, 2018) para maiores conhecimentos da trajetória dele. Esta investigação se insere dentro da historio-grafia da física brasileira. Nosso objetivo é compreender a prática científica de Roser no contexto da estabilização da física profissional no Brasil dos anos 1950

1 Doutorando do PEMAT/UFRJ e Professor do IFRJ/CEPF

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e sua orientação com o projeto de desenvolvimento científico brasileiro. Exami-naremos a micro-história científica vívida por ele, com intuito de significar ou até mesmo ressignificar fatos já estabelecidos pela historiografia atual da Física bra-sileira. Vale ressaltar que a presente pesquisa ainda se encontra em andamento e os resultados que apresentaremos ainda são preliminares.

A presente pesquisa abordará o período em que o físico jesuíta esteve nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 1950, para aperfeiçoamentos e pesquisas nos campos dos raios cósmicos, no Instituto de Estudos Nucleares (NIS) da Universidade de Chicago, sob a orientação de Marcel Schein, importante pesquisador deste campo da física. Nos interessamos em analisar a produção científica do Padre Roser através de seus artigos publicados e das correspondên-cias trocadas com seus interlocutores do período.

O arquivo tem cerca de 120 documentos (correspondências, cartas de reco-mendação, projetos de pesquisa, artigos e relatórios para prestação de contas), que cobrem um período que vai de 1938, quando Roser estava prestes a terminar o doutorado na Áustria, até 1966, ano anterior a sua morte. Para este trabalho, consideramos apenas o período que esteve em Chicago e utilizamos apenas as cartas em que são mencionados os seus estudos, seus projetos de pesquisa e as suas as relações com o CBPF o que totalizam 5 cartas, entre os anos de 50-51.

Os documentos analisados são oriundos da função que ele desempenhava, ora junto aos seus superiores jesuítas, ora junto aos cientistas com quem ele teve contato e que partilhavam de sua atividade científica e de seus interesses Através destes documentos observamos as conexões de Roser entre os dois mundos em que habitava, a Companhia de Jesus e a Ciência.

A interpretação que se fez da documentação, segue no sentido de entender os assuntos transmitidos dentro do contexto da micro-história vivida pelo Padre Roser. Para tal, recorreu-se não só a historiografia da Física Brasileira que é o guia principal para o desenvolvimento deste nosso trabalho, mas também a historio-grafia das Físicas Nuclear e de Partículas, que nos ofereceram bons fundamentos contextuais para uma melhor compreensão dos assuntos tratados por Roser nas correspondências analisadas.

Acreditamos que os assuntos tratados na documentação analisada oferecem mais detalhes sobre a história da ciência brasileira, em especial da física, pois revela novos fatos ocorridos no período, os quais, nos ajudam a compreender: O desenvolvimento da física experimental em nosso país a partir da relação en-tre Roser e César Lattes e o projeto científico brasileiro, em meados do Séc. XX. Nosso objetivo é oferecer uma narrativa que descreva a pesquisa de Roser e os pontos citados acima.

Para melhor entendimento do leitor, apresentamos um panorama geral deste trabalho. Na seção 2, discutimos brevemente a importância das biografias cientí-ficas e suas limitações como recurso historiográfico para as ciências. Nas seções 3 apresentamos o contexto social-científico em que Roser recebe a missão de criar

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um Centro de Ciência para a Universidade Católica e a iniciativa de elevar sua proficiência da nova física que emerge do pós-guerra.

Na seção seguinte, são apresentadas as atividades desenvolvidas no perío-do em que esteve em Chicago, quanperío-do trabalhou nos laboratórios perío-do NIS, com Marcel Schein e colaboradores e pode realizar pesquisas no campo dos raios cós-micos na área de detecção de partículas, aos auspícios do notável professor. Na última seção, discutiremos a importância dos trabalhos realizados por Roser para o projeto que se desenhava para a ciência brasileira naquele momento, apoiado pelas correspondências analisadas.

2. Referencial teórico

O gênero literário conhecido como biografia pode ser apresentado de vá-rias formas e com finalidades também diversas (NYE, 2006). Aqui nos interessam as biografias científicas e seu papel na história da ciência. Este tipo de narrativa histórica não deve dissociar a vida do cientista de sua prática científica, ao invés disso, deve servir como mediador entre estes (KRAG, 1989).

Como explicado por Ribeiro (RIBEIRO, 2009), as novas abordagens na histó-ria da ciência trouxerem um novo olhar para as biografias científicas a partir dos anos 1970. A preocupação com a liberdade humana, abdicação ao determinis-mo e o interesse na micro-história, trouxeram a valorização de outros elementos biográficos na história das ciências que se contrapõe ao modelo consagrado dos grandes cientistas e suas grandes descobertas. Isso impôs novos critérios de aná-lise, tais como cientistas menos nobres, instituições ou equipamentos. O resgate de outras histórias, aparentemente ocultas na historiografia científica de certo conteúdo, tem um excelente papel funcional ao oportunizar uma pluralidade de conceitos, conectada aos contextos históricos, auxiliando a difusão das ciências e suas técnicas. É neste ponto que esta pesquisa se insere

Apesar dos relatos biográficos da ciência desempenharem um papel de im-portância na história científica, a referência (VIDEIRA e ALMEIDA, 2013) aponta limites para as biografias científicas, ela diz que há utilidade nas biografias, mas não se deve construir um modelo idealizado dos cientistas. Considerando as de-ficiências existentes do gênero literário das biografias científicas, Ribeiro afirma que são de vital importância a análise de todas as fontes que podemos dispor e que a natureza dessas fontes afetará os resultados encontrados. Videira e Almei-da, dizem ainda que, é preciso entender que para qualquer pesquisa que se faça, sempre existirão perguntas sem respostas.

Aqui, nos cabe ratificar sobre a natureza de nossa pesquisa que é de cunho biográfico e com interesse na micro-história da física brasileira realizada nos anos 50, com base no recorte que fizemos da trajetória do Padre Roser. No período situado, a pesquisa científica no campo do conhecimento atômico foi protagoni-zada pelos EUA e cobiçada por diversas nações, incluindo o Brasil.

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3. Contexto socio-científico brasileiro em meados do séc. XX

O fim da guerra, em 1945, trouxe a ciência para o centro da cena política de muitas nações do globo. A energia nuclear se tornou objeto de cobiça principal-mente para países atrasados e também para aqueles que possuíam grandes jazi-das de material radioativo, como tório, o Brasil se enquadrava em ambas situações.

Nosso país, a partir do Estado Novo, ensaiava se industrializar para vencer o atraso econômico, contudo sua matriz energética baseada em lenha não per-mitia. Então, a energia nuclear passou a ser o ideal a ser seguido depois do pe-tróleo. Alguns fatores combinados com explicados nas referências (ANDRADE, 1999) (MONTOYAMA, 2004), nos campos da economia, política, defesa, educação e científico-tecnológico, levaram setores da sociedade a se preocuparem com o desenvolvimento de um programa atômico.

A tecnologia gerada pelo conhecimento atômico foi desenvolvida por físicos. Não haviam quadros de engenheiros com aquele conhecimento de vanguarda à época. Logo, para dar início a esse projeto por aqui, o Brasil necessitaria de for-mar seus quadros.

A descoberta do méson-pi, por César Lattes, foi a peça que faltava para fazer a roda da ciência girar em nosso país. Era preciso pegar o trem da história para não ficar para trás. Lattes e outros jovens físicos da primeira geração profissional, com trabalhos realizados no exterior, estavam ávidos para desenvolver pesquisas no país. Contudo, eles precisavam de ambiente para isso e a corrida para o domí-nio da energia nuclear era a oportunidade.

Desta história, sabemos que o CBPF foi criado para promover a formação de quadros técnicos e científicos no campo atômico, em 1949. Isto se deve a estru-tura obsoleta das universidades que não permitiam a prosperidade da pesquisa científica. Podemos elencar como problemas de infraestrutura acadêmica da épo-ca: ausência de laboratórios, carência de livros especializados e atualizados com os conhecimentos da época, indisponibilidade para dedicação exclusiva aos que desejassem, e um currículo desatualizado para o desenvolvimento da Física.

A PUC estava atenta aos anseios brasileiros pela industrialização e no sub-dimensionamento da mão de obra necessária para essa empreitada. Até aquele momento, na capital, havia apenas a Universidade do Brasil formando enge-nheiros. O Reitor, o Padre Leonel Franca, no discurso de criação do da Escola Politécnica da Universidade Católica, em presença do Presidente Eurico Gas-par Dutra, dizia-se orgulhoso de sua instituição que estava a servir ao Brasil na exigência iminente de formar quadros técnicos para todos os domínios da atividade industrial. Contudo, também aproveitou o momento para expressar os fundamentos que nortearam a empreitada acadêmica: a marcada oposição da igreja ao positivismo científico, entranhado nas estruturas universitárias do período que ajudava a corroer a moral cristã e que desde o início do século XX tentavam combater.

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“A Universidade Católica, S.r. Presidente, é uma destas iniciativas livres, que prendem suas raízes nas tradições espirituais mais fundas da história da nacionalidade...ela vem se esforçando com lealdade, honestidade e constância para dotar o país de um grande centro de cultura superior onde a família brasileira encontre para os seus filhos não só foco de irradiação científica da mais alta intensidade senão também uma atmosfera de elevação moral onde se possa temperar os caracteres na prática do bem e no exer-cício das virtudes que aprimoram o cidadão e dignificam o homem.” (FRANCA, 1954)

Desde a década de 20, os católicos empreenderam um movimento de repo-sicionamento da Igreja Católica dentro da sociedade. A igreja se via perdendo espaço para outras religiões, assistia a forte presença da maçonaria e do positi-vismo junto às elites brasileiras e temia os avanços dos movimentos materialis-tas e comunismaterialis-tas que se tornavam mais indistintos nos grandes centros urbanos do país. Além disso, a Igreja Católica havia perdido a oferta do ensino religioso nas escolas, espaço importante e valioso para recursos de poder e mudanças sociais profundas.

A República deu a Igreja liberdade institucional, mas ela acabou relegada ao segundo plano. O laicismo era um dos princípios republicanos e isto enfraquecia a influência católica na sociedade, principalmente nas classes dominantes do país que flertavam com os crescentes ideais republicanos franceses do século XIX, um deles o positivismo comtiano. Segundo Salem (SALEM, 1982), uma das ações perpetradas pelos católicos, encampadas pelo Cardeal Leme, foi o revigoramento dos laços com o laicato com o propósito de combater bases agnósticas. O conhe-cimento secular não seria desprezado pelos eclesiásticos, mas aprendidos para, em seguida, serem subvertidos à lógica tomista-aristotélica.

Diante desta conjuntura, compreendemos que a Escola Politécnica da PUC deveria primar não só pela qualidade, mas também para uma formação mais hu-manista de seus futuros engenheiros, marcando neste ponto a diferença com as outras escolas. Por conseguinte, um Centro de Ciências deveria corroborar para esta formação mais escolástica associada à moral cristã.

Acreditamos que Roser foi cooptado pelos seus superiores, por ser o mais qualificado neste segmento científico-escolástico presente nos quadros da com-panhia naquele momento. Além da sólida formação escolástica advinda dos co-légios da companhia, brasileiros e europeus, Roser era especialista em um dos ramos modernos da física, os raios cósmicos e ainda havia trabalhado com Vitor Hess, ganhador do prêmio Nobel em 1936. Sua preocupação com a infraestrutura dos laboratórios e com livros para a biblioteca nos colégios, como nos relatam Videira e Nobre (VIDEIRA e NOBRE, 2018), demonstram seu engajamento com a prática e o ensino das ciências.

Nada obstante, ele sabia que havia avanços no campo da Física e que precisa-va se atualizar diante da oportunidade da criação de um centro científico. Entendia que o centro deveria corresponder às expectativas modernas de realização de pes-quisas básicas e não só a transmissão do saber livresco. Para isso precisaria equipar

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os laboratórios para o cumprimento das ementas de ensino e também para a reali-zação das pesquisas de fronteira no campo científico, em especial da física.

A escolha de Roser para realizar o aprimoramento de seus estudos em Física Experimental e Teórica foi pelas universidades americanas (VIDEIRA e NOBRE, 2018). Os EUA tiveram a primazia de dominar a cobiçada tecnologia nuclear, tor-nando-se autoridades neste assunto. Suas universidades e centros de pesquisa eram os mais modernos do mundo, lugar onde estava a nata da ciência mundial.

4. Raios cósmicos e cintiladores: a pesquisa no nis

da universidade de Chicago

Desde de sua descoberta em 1912, os raios cósmicos foram a principal fonte de partículas de alta energia disponível para pesquisas de desintegração nuclear. Através desta radiação, em 1947, César Lattes e o grupo de Bristol conseguiram detectar o mésons-π na altitude de Chacaltaya utilizando técnicas de emulsões nucleares aprimoradas pelo próprio Lattes. Até esse momento as técnicas detec-ção de partículas eram basicamente realizadas por contadores Geiger-Muller, Câ-maras de ionização e por emulsões. No final dos anos 40, surge uma nova forma de detectar partículas: os cintiladores.

A técnica trouxe novos conhecimentos sobre a constituição da matéria e o entendimento do mecanismo de transporte de energia nas soluções irradiadas. Assim, fez avançar os campos da Física Nuclear, Raios Cósmicos e Radiobiologia. As técnicas anteriores, como as câmaras de ionização eram ineficientes na identi-ficação e quantiidenti-ficação das partículas irradiadas (KREBS, 1952).

Em sua passagem pela Universidade de Chicago, o Padre Roser desenvol-veu um projeto de construção de contadores de cintilação em colaboração com um colega de laboratório, Theodore Bowen. O objetivo da dupla foi verificar a resposta de cristais de antraceno para a pesquisas de mésons-μ originados por raios cósmicos. Este projeto lhes rendera algumas publicações, que nos contam as etapas do processo até concluírem o artigo final publicado na Physical Review, número 85 de 1952. Ao longo do período que trabalharam juntos, observamos que o projeto inicial sofreu transformações por causa de questões técnicas e te-óricas como veremos adiante.

A técnica de cintilação foi apresentada pela primeira vez, em 1947, por Kall-mann. Seu dispositivo de detecção continha espessos cristais orgânicos de naf-taleno acoplados a um fotomultiplicador para medir intensidades mínimas de luz na forma de lampejos. Ele constatou que a magnitude de luz de cada cintilação emitida pelo cristal e registrada pelo tubo fotomultiplicador era proporcional à energia da radiação depositava no cristal.

Após a descoberta de Kallmann muitas outras propostas surgiram baseado no mesmo princípio de funcionamento. Os arranjos experimentais continham: um cristal (orgânico ou inorgânico), circuito com fotomultiplicador, osciloscópio

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e uma fonte radioativa ionizante. Para melhorias nas respostas obtidas pelos cin-tiladores foi preciso melhorar sua capacidade de distinguir diferentes tipos de radiação e energias depositadas em seu interior. Duas substâncias, entre outras, foram testadas como candidatas ao material de composição dos cristais: um com-posto orgânico aromático da família do naftaleno, o antraceno (P.R.BELL, 1948); o outro, um composto inorgânico, iodeto de sódio dopado com tálio (R.HOFS-TADER, 1948).

Os pesquisadores estavam interessados em conhecer as propriedades físicas dos cristais e as faixas de energia que respondiam de forma mais eficiente aos estímulos radioativos depositados em seu interior. Uma característica desejada seria a linearidade entre a luz de saída e a energia da radiação. E neste quesito, o composto inorgânico do iodeto de sódio se comportou dentro do desejado em todas as faixas de energia. O comportamento linear para o antraceno só ocorria para faixas superiores a 170 Mev.

• O trabalho experimental em Chicago

O departamento de física do INS estava no início da era dos grandes acele-radores e pesquisava as propriedades de partículas de altas energias, que consis-tiam em raios beta e fótons e eram realizados no bétratron de 100 Mev e no sin-crociclotron de 400 Mev. No campo da radiação cósmica, Marcel Schein, principal pesquisador desta área no instituto, monitorava as atividades solares e utilizava métodos diferentes para obtenção destes dados. As medidas eram feitas por balões alçados aos céus em alturas que podiam chegar a 30 km ou em estações de medidas localizadas em altitudes diferentes espalhadas por várias latitudes globais utilizando câmaras de ionização.

A partir deste contexto, nós podemos inferir que Roser foi aceito para fazer um pós-doutorado, pois nas cartas trocadas com seus superiores ele, repetida-mente, mencionava sobre fazer uma tese de concurso.2 3 Em sua rotina de estudos,

estavam aulas, seminários e horas no laboratório com grupos de pesquisa. Neste momento Roser experienciou as mais modernas técnicas de raios cósmicos com Schein. Como a de usar balões para medidas de raios cósmicos de altas energias (Figura 1). Após o estabelecimento no laboratório, Roser foi designado por Schein para trabalhar com detectores de cristais. Na carta enviada ao Padre Provincial, ele enfatiza que o trabalho que está preste a realizar é uma novidade científica:

“Além do estudo geral que para mim deverá (deveria) ser um arredondamento dos conhecimen-tos, fui encarregado do trabalho de pesquiza na adatação de um instrumento recente, i.e., dos

contadores a cristal para os raios cósmicos”4

2 Carta de Roser enviada ao Provincial, Domingo de Pentecostes, 1950 3 Carta de Roser enviada ao Provincial, 01/08/1950

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Figura 1- Schein e Roser lançando balões ao céu para investigar os raios cósmicos de alta energia

A técnica de cintilação tinha cerca de dois anos e dezenas de trabalhos já haviam sido realizados com propósito de examinar as propriedades físicas dos materiais de cintilação, como também aprimorar o sistema de detecção.

Desde sua chegada ao INS até a publicação do artigo final, The Response of

Anthracene Scintillation Crystal to High Energy μ-Meson5, com Theodore Bowen,

Roser se dedicou integralmente ao projeto que lhe encarregaram, dividindo o seu tempo entre aulas, seminário, laboratório e oficina. Os recursos para a realização da pesquisa foram financiados pela ONR6 e AEC7. Eles precisavam conceber o

instrumento, além de construí-lo no próprio laboratório.

A dupla publicou, no período em que trabalhou junto, cinco trabalhos, entre comunicações e trabalhos completos. Quatro destes na Physical Review (PhysRev) e um Bulletin of The American Physical Society (APS). Neste período, o padre ain-da encontrou tempo para comunicar suas pesquisas na Revista Ciência e Cultura de 1951.

Os dois primeiros trabalhos publicados por Roser em 1950 foram provavel-mente comunicações do projeto. Não conseguimos obter o conteúdo destes do-cumentos nos arquivos da Physical Review (número 81, p.323) e no Boletins da

APS (número 25, p.35). Contudo, podemos deduzir a partir das correspondências

que Roser participou de eventos científicos neste período, um deles provavel-mente da APS. Conforme conferimos na carta enviada ao Provincial, em meados de 1950, dentre muitos assuntos tratados na correspondência, Roser descrevia sua rotina na universidade:

5 Recebido para publicação em 07/12/1951, publicado em PhysRev 85.992/1952 6 Office Naval Research

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“Estou completamente absorvido ainda na primeira parte [projeto]. Tenho que fazer uma pesquisa para o professor, referir delas depois em duas conferências aqui....”8

O propósito inicial da pesquisa era adequar os novos equipamentos de de-tecção de partículas por cintilação, para medir partículas oriundas de radiação cósmica e neste caso: mésons-μ9. Por conseguinte, o experimento seria

emprega-do para verificar se a proporcionalidade entre a energia da partícula e a luz de sa-ída nos contadores de cintilação, até 10 Mev, fato conhecido à época, continuava válida para os mésons-μ de alta energia e se a perda de energia dessas partículas nesse cristal obedeceria a fórmula de Bethe-Bloch10.

Neste trabalho, por razões de espaço, não entraremos em detalhes teóricos sobre o experimento realizado por Roser e Bowen. Apresentaremos de forma sucinta a configuração dos equipamentos e os resultados encontrados em todos os estágios de desenvolvimento do projeto.

O primeiro cintilador construído tinha a finalidade de capturar mésons-μ de várias faixas de energia. No entanto, para energias relativísticas o equipamento não se mostrou eficiente. O melhor resultado apresentado foi para mésons de 170 MeV.

O equipamento construído tinha a forma de um contador-telescópio (Figu-ra 2a), conhecido desde dos anos 30. Este foi confeccionado com um cristal de antraceno(C) posicionado ao centro da configuração, sua finalidade era medir as partículas que atravessassem o ângulo sólido formado por ABDE-I. O cristal liga-va-se a dois tubos fotomultiplicadores 5819 que enviavam os sinais ao osciloscó-pio. O restante da superfície do cristal estava coberto por folhas de alumínio para melhorar a captação luminosa. Pela figura os contadores Geiger (F, G e H) cobrem o ângulo sólido ABDE. Outros contadores (I) foram colocados lateralmente para captar chuveiros laterais não coincidentes com o ângulo sólido.

Para distinguir os traços de diferentes contadores na tela do osciloscópio, os detectores foram atrasados entre si. Os dados gerados por cada evento eram gravados por uma câmera automática, que permitia registrar ao mesmo tempo todo processo experimental de coleta de dados para as três faixas de energia. Foram colocados absorvedores de Chumbo, de espessuras variadas, com a fina-lidade de selecionar a faixas de energia das partículas capturadas e proteger o sistema de elétrons

8 Idem nota 2 9 explicar 10 explicar

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a) b)

Figura 2- a)O Arranjo experimental para mésosns-μ não relativístico. b) O arranjo experimental para mésons-μ de energias relativísticas

Apesar do experimento não permitir medidas de mésons-μ de energias rela-tivísticas, os resultados para a faixa de mésons com energias entre 48 e 170 MeV mostrou-se confiável, porque estava de acordo com a previsão teórica da fórmula de Bethe-Block. Visto isso, eles inferiram que outras partículas deveriam experi-mentar a mesma proporcionalidade para a energia de ionização mínima.

A impossibilidade de detectar mésons-μ relativísticos parece ter motivado a dupla a aprimorar o experimento. No entanto, eles acabaram construindo um ou-tro instrumento, com arranjo experimental ligeiramente diferente, neste eles co-locaram dois cristais de antraceno e dispuseram numa configuração geométrica diferente (figura 2b). Este novo experimento foi publicado na seção cartas ao edi-tor da Physical Review, em 1951 (ROSER e BOWEN, 1951). A finalidade deste atual estudo era verificar a validade da correção do efeito de densidade para a fórmula da perda de ionização previstas por alguns autores da época, como Fermi.

Para realizar a investigação consideram que os mésons-μ seriam uma fonte ideal de partículas relativísticas ao nível do mar, porque possuem uma faixa ex-tensa de energias à disposição e a taxa de absorção por perda de radiação e por colisões nucleares são desprezíveis. A fim de investigar a curva de perda de ioni-zação em energias relativísticas, os absorvedores de chumbo são simplesmente usados para determinar três bandas de energia para de mésons-μ de: a) 190 a 460 Mev; b) 460 a 960 Mev; c) superior a 960 Mev.

Os valores encontrados experimentalmente para cada faixa (a, b e c) esta-vam em concordância com os valores teóricos previstos pela teoria da energia perdida por ionização, com erro experimental de cerca de 2 a 3 %, consideran-do os efeitos da densidade para o cintilaconsideran-dor. Conforme esperaconsideran-do a perda de io-nização mais provável no antraceno indica um aumento de menos de 2% entre

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300 e 3000 Mev para mésons-μ. Os resultados experimentais encontrados por Roser e Bowen nesta segunda investigação, segundo eles, parecem estabilizar definitivamente a existência de redução na perda de ionização causada pelo efeito de densidade.

O trabalho final (ROSER e BOWEN, 1952) de Roser e Bowen, sobre detector de cintilação, foi enviado para publicação no fim do ano de 1951. Este trabalho engloba os dois equipamentos construídos e publicados nos artigos anteriores. Desta vez, ambos equipamentos foram realizados ao nível do mar. A dupla mos-trou a resposta satisfatória dos contadores de cristais de antraceno à passagem de mésons-μ. As partículas capturadas, de 29 Mev a 1 Gev, ao nível do mar, quando atravessaram o cristal mostraram pouca perda de energia. Eles constata-ram que a eficiência de cintilação do cristal diminui com o aumento da ionização específica, conforme experimentos usando elétrons e prótons. Outro resultado interessante que eles encontraram foi o erro experimental na casa dos 2% para energias relativísticas dos mésons-μ em concordância com a redução do efeito de densidade na perda de ionização para o antraceno.

5. A relação com o CBPF

A seriedade e a dedicação ao trabalho científico, em meio a outros compro-missos de ordem religiosa, como serviços paralelos prestados à Companhia de Jesus, lhe renderam elogios e também um convite de trabalho. Cesar Lattes, en-tão diretor técnico-científico do CBPF gostaria de que Roser fica-se encarregado da seção de cintiladores no CBPF. O convite foi feito ainda no decorrer de execu-ção do projeto de pesquisa, sem nenhuma publicaexecu-ção. Lattes foi o proponente do programa de estudos nos EUA, o qual Roser executava com muito compromis-so11. No entanto, por sua condição dentro da Companhia não caberia a ele decidir

aceitar o convite, mas diante da oferta ele comunica ao seu superior a proposta, insinuando sua importância frente a situação:

“Entre outras recebi uma carta do Diretor do Centro de Pesquisas em que ele me en-carregava da seção de aparelhos de cintilação (para medida de radioatividade e raios cósmicos) no referido centro. Naturalmente não sei ainda se posso aceitar, mas em todo o caso, sou eu atualmente o único está ao par desta nova técnica, que entretanto se tornará rapidamente de grande importância na física. E finalmente irá acabar

domi-nando os processos de medida no campo da radioatividade e das radiações”12.

Roser via que a técnica poderia ser usada de imediato no Brasil em locais de pesquisas do centro cuja radioatividade natural era elevada e também no novo laboratório em construção na Bolívia:

11 Carta ao Provincial, 25/01/1950 12 Carta ao Provincial, 30/07/1950.

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“Como o centro tem grandes projetos neste ponto as estações do Rio, da Mina do

Morro Velho, e de Chacaltaya na Bolívia, vê-se que eles vão precisar cada vez desta nova técnica”13.

O convite nos pareceu tentador para ele, ao ponto de sugerir aos seus su-periores tomar conhecimento das atas do CBPF para compreenderem melhor o teor do convite. Entendemos que seria uma oportunidade de servir concomitan-temente a igreja e ao país, participando efetivamente da criação do ambiente científico brasileiro estimulado pelo “eldorado nuclear”.

Os acordos entre Lattes e Roser não se encerram neste episódio do convite de encarregar o Padre na seção de contadores de cintilação no centro de pes-quisa, como pode ser conferido no período em que esteve em Stanford. Ambos possuíam um recíproco respeito científico, tanto que Lattes demonstrou certo constrangimento no pedido de Roser para uma carta de recomendação a Felix Bloch, chefe de laboratório de pesquisas nucleares em Stanford, para mais um período de aperfeiçoamentos acadêmicos. Nesta mesma carta, Lattes reforça o convite terminando a carta com a seguinte frase: “Espero, porém, que tenhamos

a oportunidade de vê-lo logo entre nós como colaborador” 14. Não sabemos muito

mais sobre o desenrolar deste convite no ano de 1951, pois existem pouquís-simas cartas deste período nos arquivos da Cúria dos Jesuítas, nas quais este assunto não é tratado e não nos permite traçar com mais detalhes um desfecho para essa história.

A relação entre os dois ainda permanecerá nos anos de Stanford, onde serão mantidos projetos de colaboração científica com o Brasil através do CBPF, mesmo com Roser mudando o foco de seus estudos para física nuclear, ele é um dos elos que ligam Schein a Lattes, no início dos anos 50. A doação da câmera de nuvens feito por Schein a Lattes para o programa de pesquisa sobre o tempo de vida dos píons na estação de Chacaltaya é bem conhecido na literatura (MARQUES, 2005) (DOBRGKEIT, 2010) (TAVARES, 2017).

Esse episódio nos ajuda a compreender um pouco mais sobre o interesse de César Lattes nos trabalhos que Roser desempenhava em Chicago. Segundo Joa-quim da Costa Ribeiro (RIBEIRO, 1955), o programa de pesquisa em Chacaltaya envolvia o uso de câmeras de nuvens e também uso de contadores e circuitos eletrônicos, construídos no CBPF. Contudo, Marques nos trouxe informações que o programa não foi bem sucedido por conta de limitações técnicas e de pessoal. Os experimentos de cintilação com líquidos orgânicos foram desenvolvidos nas oficinas do CBPF, mas com pessoas com qualificação abaixo da necessária para se alcançar resultados relevantes no campo dos raios cósmicos. Eles não desfrutavam de familiaridades com as sutilezas da eletrônica na faixa dos nano-segundos. Tampouco as válvulas eletrônicas disponíveis no país se adequavam

13 Idem ao 16

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àquelas tarefas, como asseverou Marques (2005). Assim Lattes não teve êxito no programa dos píons através dos raios cósmicos, o que foi conseguido em 1951 de forma artificial, nos laboratórios americanos. Portanto no tocante a essa necessidade técnica e de pessoal, um pesquisador com a formação de Roser e com o conhecimento das novas técnicas de cintilação seria de grande valor para o programa de Chacaltaya e para outras pesquisas em raios cósmicos no Brasil.

6. Considerações finais

A estadia de Roser na Universidade de Chicago foi bem frutífera no campo científico. Os artigos publicados na Physical Review contribuíram para o avan-ço do conhecimento sobre cintiladores, foram bem recebidos pela comunidade científica. Na consulta realizada no site da revista haviam quarenta e três citações dos três artigos15. Nestes dois anos de trabalho e estudos, Padre Roser pode

atu-alizar seus conhecimentos sobre as modernas pesquisas sobre Raios Cósmicos, Física Nuclear e a recém-nascida Física de Partículas e aprender novas técnicas.

Os documentos examinados para este trabalho nos revelam que o trabalho de Roser não foi um evento isolado apenas para cumprir a missão de criar um centro de ciências da natureza. Mas que seus estudos estavam sendo orientados pelo então diretor do centro de pesquisa, César Lattes. Lattes esperava, naquele momento, contar com pessoas qualificadas nas mais modernas técnicas da física experimental, o que Roser prontamente se encaixava, pois além das competên-cias necessárias a prática científica de alto nível, o padre ainda tinha outras, com-promisso e responsabilidade.

Apesar da documentação disponível ser robusta, há poucas cartas do ano de 1951 o que provavelmente o assunto tratado aqui deve ter se desdobrado em outras situações. Outra coisa, foi a falta de detalhamento que demos ao trabalho experimental de Roser com Bowen, por conta do espaço que tínhamos e assim sacrificamos esta parte deixando-a para um outro trabalho.

7. Referências

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