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DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: QUE VOZES ECOAM NO BRASIL?

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CAROLINA MICHELIN SANCHES DE OLIVEIRA BORGHI

DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: QUE VOZES ECOAM NO BRASIL?

Rio de Janeiro 2015

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CAROLINA MICHELIN SANCHES DE OLIVEIRA BORGHI

DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: QUE VOZES ECOAM NO BRASIL?

Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestra em Ciências

Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública Área de concentração: Processo Saúde-Doença, Território e Justiça Social

Orientadora: Profª Drª Rosely Magalhães de Oliveira

Rio de Janeiro 2015

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Catalogação na fonte

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

B732d Borghi, Carolina Michelin Sanches de Oliveira

Determinação social do processo saúde-doença: que vozes ecoam no Brasil? / Carolina Michelin Sanches de Oliveira Borghi. -- 2015.

129 f. : tab. ; graf. ; mapas

Orientador: Rosely Magalhães de Oliveira

Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2015.

1. Determinantes Sociais da Saúde. 2. Processo Saúde-Doença. 3. Condições Sociais. 4. Saúde Pública. 5. Medicina Social. 6. Brasil. I. Título.

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CAROLINA MICHELIN SANCHES DE OLIVEIRA BORGHI

DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: QUE VOZES ECOAM NO BRASIL?

Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestra em Saúde Pública

Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública Área de concentração: Processo Saúde-Doença, Território e Justiça Social

Aprovada em: 10 de junho de 2015

Banca Examinadora

________________________________________________________ Profª Drª Rosely Magalhães de Oliveira- Ensp/ Fiocruz

________________________________________________________ Profª Drª Helia Kawa- Instituto de Saúde Coletiva- UFF

________________________________________________________ Prof Dr Gil Sevalho- Ensp/ Fiocruz

________________________________________________________ Prof Dr Julio Wong- Instituto de Saúde Coletiva- UFF

________________________________________________________ Profª Drª Marize Bastos da Cunha- Ensp/ Fiocruz

Rio de Janeiro 2015

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Dedico esta dissertação a todos os latino-americanos e aos que lutam por uma sociedade que produza saúde

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meu pais, Maria Teresa e Waldyr, pelas raízes e pelas asas. Ao meu irmão Renato, pelas digressões e pelas crianças. À minha avó Laura, por tudo que palavras não conseguem dizer.

A Elisa, Lisy y abuelos, por la adopción. A la familia Olivares-Díaz, “por las horas de compañía, de esperanza o de consuelo, sin importar las millas u horas de vuelo”.

A Maíra, Dolores, Yoandris, Yerdenys, Ingrid, Eliane, Fran, Leo, Emily, Gilney, Fernanda e Karelia, por caminharem comigo, de longe ou de perto.

Al profesor Dr. Eddy García Velázquez, por el ejemplo y la entrega. À professora Drª Rosely, pela liberdade, paciência e confiança.

Aos professores Gil, Helia, Marize, Elvira, Gabriel e Marly, pelas contribuições.

Aos funcionários do DENSP, especialmente Carla e Cristiano, por toda a ajuda.

À Gizelle, por virar a BVS do avesso comigo.

Às comunidades de La Lisa, Cerro, La Vigia, Paco Borrero, Patriarca, Padre Palhano, Maria Antônia, DIC III, Vila Turismo e Buraco Quente, pelo que ensinam sobre Determinação Social do Processo Saúde-Doença.

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Hoy continué tomando rumbo a mi región Tomando señas, descifrando encrucijadas Mi cuerpo sigue practicando su cuestión Cruje mi hueso y se hace la palabra. Hoy continué domesticando la razón Llena de asombro ante el día sucedido Proyecto un rápido boceto de la acción Trazo versiones que capturo del olvido. Por eso canto arena Roca que luego es multitud del agua buena. Y canto espuma Cresta que cuando logra ser ya no es ninguna. He puesto filo al anhelante corazón Arrojo estrellas a mecharse contra vientos El sueño ha desencadenado la canción Y la canción de hoy me sabe a juramento. La prisa lleva maravilla y lleva error Pero viajamos sobre rueda encabritada He despertado en el ojo del ciclón Cuento millones de agujeros en el alma. Por eso canto arena Roca que luego es multitud del agua buena. Y canto espuma Cresta que cuando logra ser ya no es ninguna. Hoy continué tomando rumbo a mi región Con dulce látigo de abeja en la conciencia Hoy me perdí amar con planificación Pero gane a lo que partió con la prudencia. Hoy continué dándole cuerda a mi reloj Con timbre atado sobre número invisible Poco me importa donde rompa mi estación Si cuando rompe está rompiendo lo imposible. Por eso canto arena Roca que luego es multitud del agua buena. Y canto espuma Cresta que cuando logra ser ya no es ninguna.

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RESUMO

Determinação Social da Saúde e Determinantes Sociais da Saúde têm se apresentado como sinônimos em um contexto de retomada do tema, impulsionado por esforços internacionais e nacionais para pautar esta discussão nas agendas institucionais. A omissão sobre a concepção de Determinação e Determinantes com a qual se trabalha e sobre a historicidade destas construções termina por refletir-se nas produções acadêmicas brasileiras que tratam deste assunto, o que transcende o plano acadêmico, considerando-se a particularidade da Saúde Pública/ Saúde Coletiva e Medicina Social, em que ciência e política se relacionam estreitamente.

Buscando delinear as diferenças entre estas denominações, este trabalho dedicou-se a recuperar, no plano teórico, a elaboração de Determinação Social da Saúde, destacando sua relação com o percurso da Saúde Pública/ Saúde Coletiva e Medicina Social na América Latina e no Brasil, bem como as influências dos paradigmas científicos, das diferentes disciplinas e arcabouços teóricos que se enfrentam neste campo.

Para analisar como a construção crítica da Saúde Coletiva/ Medicina Social latino-americana vem afetando a produção científica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde e com quais modelos teóricos esta produção tem lidado, realizou-se uma pesquisa bibliográfica na Biblioteca Virtual em Saúde, abrangendo os artigos brasileiros com texto completo disponível de 1990 a 2014, obtidos através do descritor Determinantes Sociais da Saúde. 207 artigos foram avaliados, destacando-se elementos relativos ao seu contexto de produção e às características dos modelos teóricos utilizados. Estes artigos foram agrupados por década de publicação, ou seja, de 1990 a 1999, de 2000 a 2010 e de 2011 a outubro de 2014, para permitir uma perspectiva temporal de comparação quantitativa e qualitativa da produção acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde.

Percebeu-se que, a despeito da sólida construção teórica sobre o tema no Brasil e na América Latina ao longo das últimas décadas e do aumento de artigos publicados de 1990 a 2014, a maioria dos artigos não explicita o modelo teórico com o qual trabalha, aproximando-se da concepção de Determinantes Sociais da Saúde, em oposição à de Determinação. Observou-se uma tendência de consolidação desta concepção ao longo do período estudado, ratificada por meio da citação de autores oriundos de países centrais e daqueles que reproduzem este modelo teórico no Brasil. Ainda assim, é possível apontar uma inclinação para um posicionamento crítico, acentuada a partir de 2011. Um caminho possível para o entendimento dos resultados encontrados passa por sua relação com o contexto de produção, divulgação e incorporação do fazer acadêmico na Saúde Pública/ Saúde Coletiva e Medicina Social, bem como do projeto de sociedade e saúde que o orienta sua dimensão política.

Palavras-chave: Determinação Social do Processo Saúde-Doença, Determinantes Sociais da Saúde, Condições Sociais

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ABSTRACT

Social Determination of Health and Social Determinants of Health have been presented as synonyms in the context of recovery of this subject, driven by international and national efforts to steer this discussion on institutional agendas. The omission on the framing of Determination and Determinants with which it works and the historicity of these framings ends up reflected in Brazilian academic productions that deal with this issue, which transcends the academic plan, considering the peculiarity of Public Health / Public health and Social Medicine, where science and politics are closely related.

Aiming to define the differences between these denominations, this paper was dedicated to recover, in theory, the development of Social Determination of Health, highlighting its relationship to the path of Public Health / Public Health and Social Medicine in Latin America and Brazil, as well as the influences of scientific paradigms, from different disciplines and theoretical frameworks that are faced in this field.

To analyze how the critical construction of Public Health / Social Medicine Latin America has affected the Brazilian scientific production on Determination / Social Determinants of Health and which theoretical models this production has worked, performed a literature search on the Virtual Health Library, covering the Brazilian articles with full text available from 1990 to 2014, obtained from the descriptor Social Determinants of Health. 207 articles were evaluated, highlighting details of the context of production and the characteristics of theoretical models. These items were grouped by decade of publication, ie 1990 to 1999, 2000 to 2010 and from 2011 to October 2014, to allow time perspective of quantitative and qualitative comparison of the Brazilian academic production on Determination / Social Determinants of Health.

It was noticed that, despite the solid theoretical construction on the subject in Brazil and Latin America over the past decades and the increase of articles published from 1990 to 2014, most of the articles does not explain the theoretical model with which it works, approaching the design of Social Health Determinants, as opposed to the determination. There was a trend of consolidation of this design over the study period, ratified by the citation of authors from core countries and those that reproduce this theoretical model in Brazil. Still, it is possible to identify an inclination towards a critical position, marked from 2011. A possible way for the understanding of the results goes through its relation to the context of production, dissemination and incorporation of the academic to the Public Health / Community Health and Social Medicine, as well as the society and health project that guides its political dimension.

Key-words: Social Determinantion of Health-Desease Process, Social Determinants of Health, Social Conditions

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização dos principais grupos latino-americanos de Medicina

Social...11

Figura 2: Determinação geral e interna da investigação epidemiológica...19 Figura 3: Saúde como noção polissêmica...33 Figura 4: Representação de Dahlgren e Whitehead (1991) para Determinantes

Sociais da Saúde...36

Figura 5: Representação de Diderichsen e Hallqvist...40 Figura 6: Planos e processos de determinação e condicionamento...43

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Modelos teóricos de explicação do processo saúde-doença, de

acordo com Arredondo (1992)...7

Quadro 2: Grupos latino-americanos de Medicina Social, contextos e

contribuições...10

Quadro 3: Trajetórias e desafios da Medicina Social latino-americana...12 Quadro 4: Perspectivas metodológicas da investigação social...23 Quadro 5: Filiações epidemiológicas na investigação sobre Determinação/

Determinantes Sociais da Saúde...33

Quadro 6: Dimensões da saúde e categorias analíticas...34 Quadro 7: Características de diferentes abordagens teóricas sobre

Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde...44

Quadro 8: Dados referentes ao tipo de estudo e modelo teórico na produção

acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, na década de 1990...57

Quadro 9: Dados referentes ao tipo de estudo e modelo teórico na produção

acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, na década de 2000...62

Quadro 10: Dados referentes ao tipo de estudo e modelo teórico na produção

acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, de 2010 a 2014...68

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número total e proporção de estudos por país de afiliação, para todo

o período...50

Tabela 2: Total de estudos por países latino-americanos, por décadas, e

proporção de estudos por países, para todo o período...52

Tabela 3: Estudos brasileiros por décadas, total de estudos, estudos disponíveis,

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Número de estudos brasileiros sobre Determinação/ Determinantes

Sociais da Saúde selecionados para análise, por ano de publicação...54

Gráfico 2: Instituições às quais se vinculam os autores dos estudos brasileiros

sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, na década de 1990...56

Gráfico 3: Revistas nas quais se publicaram os estudos brasileiros sobre

Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde submetidos à análise, na década de 1990...56

Gráfico 4: Instituições às quais se vinculam os autores dos estudos brasileiros

sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, na década de 2000...60

Gráfico 5: Revistas brasileiras, latino-americanas e não latino-americanas nas

quais se publicaram os estudos brasileiros sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde submetidos à análise, na década de 2000...61

Gráfico 6: Instituições às quais se vinculam os autores dos estudos brasileiros

sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, de 2010 a 2014...66

Gráfico 7: Revistas brasileiras, latino-americanas e não latino-americanas nas

quais se publicaram os estudos brasileiros sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde submetidos à análise, de 2010 a 2014...67

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BVS………...…Biblioteca Virtual da Saúde CNDSS...Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde CSDH...Commission on Social Determinants of Health DeCS...Descritores em Ciências da Saúde DSS...Determinantes Sociais da Saúde OMS...Organização Mundial da Saúde OPS...Organização Pan-americana da Saúde Unicef...Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...1

DETERMINAÇÃO E DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: RELAÇÕES ENTRE A TRAJETÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA/ SAÚDE COLETIVA E MEDICINA SOCIAL E ASPECTOS TEÓRICOS...16

Saúde Pública/ Saúde Coletiva e Medicina Social como Campo Científico...16 Concepções e Projetos em Disputa no Campo da Saúde Pública/ Saúde Coletiva e Medicina Social...20 Determinação Social do Processo Saúde- Doença e Determinantes Sociais da Saúde ...27

CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A ANÁLISE DA PRODUÇÃO

ACADÊMICA BRASILEIRA SOBRE DETERMINAÇÃO/ DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE DE 1990 A 2014...45

ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA SOBRE

DETERMINAÇÃO/ DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE DE 1990 A 2014...50

Panorama da década de 1990: contexto de produção e divulgação, modelos teóricos e análise de conteúdo da produção acadêmica brasileira sobre Determinação/Determinantes Sociais da Saúde...55 Panorama da década de 2000: contexto de produção e divulgação, modelos teóricos e análise de conteúdo da produção acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde...59

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Panorama do período de 2010 a 2014: contexto de produção e divulgação, modelos teóricos e análise de conteúdo da produção acadêmica brasileira sobre Determinação/Determinantes Sociais da Saúde...65

REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA SOBRE DETERMINAÇÃO/ DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE NO BRASIL...71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...75

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INTRODUÇÃO

É ao tentar compreender o contexto em que está sendo escrita que esta dissertação se interessa pelos contextos sociopolítico e acadêmico. Ao buscar conferir sentido ao construir acadêmico, inquieta-se com os sentidos da ciência. Sabendo-se situada na América Latina, deseja reconhecer sua identidade regional, tomada pela perplexidade ao olhar pela janela e indagar-se como se dão os processos que levam as pessoas viverem como vivem e ter saúde ou adoecer como o fazem.

Este trabalho é, portanto, artesanato que se tece no trançado das dimensões teóricas, históricas e regionais. E com um pé na academia e outro na vida, preocupa-se especificamente com a Determinação Social do Processo Saúde-Doença, querendo ouvir as vozes latino-americanas, de hoje e de ontem, para com elas poder dialogar sobre o que o aflige.

Em um momento em que se retoma e intensifica a discussão sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, impulsionada pela incorporação do tema na agenda da Organização Mundial da Saúde e de comissões nacionais, a incansável repetição destas expressões pode ver-se esvaziada de sentido se não pararmos para refletir a respeito de que estamos tratando. Afinal, não basta afirmar que a saúde possui determinação ou determinantes sociais e sobre eles deve-se intervir, quando não há clareza do conteúdo e implicações destes termos. Dito de outra forma: o que é Determinação Social do Processo Saúde-Doença? E Determinantes Sociais da Saúde? São denominações diferentes de um mesmo conceito? Abrigam-se conceitos distintos sob uma mesma denominação?

Ao recobrar centralidade dentro do campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social, o debate sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde tem se anunciado com aura de inovação. Entretanto, um olhar atento percebe que autores latino-americanos já vinham se dedicando ao assunto desde a década de 1970. Portanto, recuperar os modelos teóricos que estruturaram a produção acadêmica a respeito deste tema no Brasil e na América Latina nas últimas décadas propicia não só uma maior compreensão do

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passado, como também elementos para nos apropriarmos criticamente dos modelos que atualmente se apresentam.

Eleger o Brasil, país latino-americano, como palco de nosso estudo e sua produção como nosso protagonista faculta, por um lado, a divulgação das conquistas e impasses de um acúmulo científico que habitualmente se obscurece frente às tendências dos países centrais e, por outro lado, a incorporação desses avanços ao próprio desenvolvimento desta dissertação.

Além disso, este estudo reconhece que a Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social se desdobram tanto no espaço científico como no político e institucional, e que os modelos teóricos que apoiam a produção sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde transcendem o âmbito acadêmico, na medida em que as políticas públicas estão impregnadas por estes modelos, e, desta forma, incidem sobre a situação de saúde da população. Sendo assim, intenções de modificar o combalido quadro de saúde no Brasil e na América Latina terão que deter-se a analisar o que se entranha em suas raízes teóricas, se quiserem ser verdadeiramente coerentes com seus propósitos e com as necessidades e direitos dos latino-americanos.

Breilh (2011) defende a pertinência e relevância de investigações como a nossa ao sustentar:

“El disenso actual sobre los llamados ‘determinantes sociales de la salud’ pasa a ser uno de esos terrenos de oposición, donde se pugna por definir el campo de la salud colectiva; su contenido y su práctica. Para contrastar las perspectivas divergentes sobre determinación social de la salud, para comprender por qué la reflexión de grupos de salud colectiva se adelantó en tres décadas a la Organización Mundial de la Salud (OMS); para entender el debate actual de dicha categoría y los motivos por los cuales el pensamiento anglosajón invisibilizó la producción latinoamericana al lanzar al mundo su modelo, es necesario insertar dichas reflexiones en el movimiento de las relaciones sociales que batallan por constituir la práctica de la salud.” (p. 29)

A criação da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005, suas conferências, relatórios e

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recomendações, têm se colocado como marco temporal inequívoco para a abordagem deste tema. A partir de sua instalação, comissões nacionais foram organizadas, como no Brasil, no ano seguinte, acordos intra ou internacionais foram firmados e grupos e linhas de pesquisa passaram a receber maior destaque e financiamento. (CNDSS, 2008)

A respeito dos motivos que levaram à intensificação da discussão sobre a Determinação Social do Processo Saúde-Doença, ou Determinantes Sociais da Saúde, Villar (2007) afirma:

“Aunque el tema de los determinantes sociales (DSS) de la salud no es nuevo, la nueva visibilidad global refleja el agotamiento del modelo de desarrollo neoliberal que ha agudizado la inequidad y consecuentemente hace resurgir el tema de la justicia social. Nuevos enfoques y evidencias ubican la inequidad en salud como resultado de la inequitativa distribución de los DSS.” (p. 7)

Já de acordo com Breilh (2010):

“A nuestro modo de ver, estamos ahora rediscutiendo los enfoques de la determinación movidos por dos presiones principales: por un lado, para algunos, la influencia de la Comisión de la Organización Mundial de la Salud (OMS) sobre ‘los determinantes sociales’, que sin duda activó esta preocupación; para otros, que hemos empujado la noción de ‘la determinación social’, la necesidad de vitalizar una línea cuya construcción la iniciamos en los años 1970.” (pp. 91-92)

Portanto, ao enfoque de gênese do tema em anos recentes e através de organismos oficiais e, ainda que internacionais, sediados em países centrais, opõe-se a perspectiva de recuperação dos esforços de elaboração sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde ao longo das últimas décadas e em paragens ao sul do Equador. Solar e Irwin (2006), autores do tão difundido relatório de 2008 da OMS, ao analisarem a trajetória histórica da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde por dentro da própria instituição, identificam não só empreendimentos anteriores da OMS, como também o vanguardismo da Medicina Social latino-americana ao desenvolver rico referencial teórico e práxis

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para tratar da Determinação Social da Saúde com algumas décadas de antecedência. São valiosas as contribuições dos autores ao apontarem as oscilações cíclicas da OMS entre programas e ações dirigidos à coletividade e aos indivíduos, bem como voltados para o combate a doenças ou melhoria das condições de vida, e ao asseverarem que as precoces contribuições latino-americanas se deveram a um contexto sociopolítico de enfrentamento das adversidades oriundas do neoliberalismo.

Mesmo que Solar e Irwin (2006) acenem para os avanços latino-americanos na compreensão da Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, autores desta tradição, como veremos posteriormente, vêm manifestando que não se sentem contemplados com o relatório da OMS. Se lembrarmos que dito relatório presta-se a balizar intervenções políticas e repercute na produção acadêmica mundo afora, torna-se ainda mais relevante escutarmos as críticas que a ele se encaminham.

Para entendermos quais são os pilares que sustentam as desaprovações ao relatório e suas recomendações que se levantam na América Latina, teremos que explorar como se deu a construção da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social nesta região, suas conquistas e dificuldades.

Nosso objeto mostra-se particularmente delicado e valioso se reconhecemos que lida com conceitos de difícil precisão, como saúde e doença, e que representa um campo de disputa, já seja no âmbito acadêmico como no político e institucional. Precisamente por isto, torna-se imperioso que nos debrucemos sobre a Determinação Social do Processo Saúde-Doença, ou Determinantes Sociais da Saúde, segundo alguns autores, para que seja possível trazer um pouco de luz sobre o espectro de concepções que se abrigam dentro destas denominações.

Sabroza (2001) descreve como a concepção de saúde e doença e os modelos teóricos que buscam sua compreensão se relacionam e entrelaçam com a organização social e seu respectivo acúmulo tecnológico em cada momento. Desta forma, aponta para a indissociabilidade entre ciência, saúde e sociedade, em uma perspectiva histórica.

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O autor assinala a sobreposição de modelos teóricos do processo saúde-doença, afirmando:

“Também sabemos que, de alguma forma, processos e formas próprios de conjunturas sócio-espaciais anteriores continuam atuantes nas novas organizações, embora com características e funções distintas, como camadas e rugosidades que asseguram as relações do passado com o presente.

Assim, diversas concepções de saúde e doença podem coexistir, através da persistência de modelos antigos, mas que ainda atendem a necessidades atuais.” (s. p.)

Ao examinar as permanências e rupturas entre modelos teóricos do processo saúde-doença, entre meados do século XIX e a atualidade, sobre os quais o presente estudo não poderá se aprofundar, Arredondo (1992) coloca:

“En relación a los modelos sanitarista, unicausal, multicausal, epidemiológico, ecológico, social, geográfico, económico, e interdisciplinario, no hay conflictos aparentes intermodelos, más bien se observa que las variables incluidas son complementarias y no salen de cierto juego “científico” con tendencias muy claras a validar una práctica dirigida a que prevalezca el status quo.” (p.259)

O mesmo autor agrega:

“Hay que señalar también que sólo dos modelos resaltan al incluir variables determinantes que desequilibran a los modelos restantes: el mágico-religioso y el histórico-social.” (p. 259)

O modelo histórico-social reveste-se de especial importância para este trabalho acadêmico, uma vez que seus elementos de ruptura em relação aos demais modelos são aqueles que permitirão o avanço teórico em direção à construção do conceito de Determinação Social do Processo Saúde-Doença. Ainda que não exista consenso em toda a literatura, especialmente se comparamos produções em diferentes idiomas, a partir deste momento chamaremos de Determinação Social do Processo Saúde-Doença o constructo acadêmico herdeiro do modelo histórico-social e que se apropria de suas

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categorias-chave, e de Determinantes Sociais da Saúde as concepções que derivam de um ou mais dos demais modelos teóricos.

Arredondo (1992) caracteriza o modelo histórico-social como aquele que busca explicar perfis diferenciados de saúde e doença através de uma estreita relação com o contexto histórico, o modo de produção e as classes sociais. Afirma que este modelo traz como novas variáveis de análise a dimensão histórica, a classe social, o desgaste laboral do indivíduo, a reprodução da força de trabalho e a produção do indivíduo. O autor cita como representantes deste modelo a Laurell e Breilh, e também ao italiano Berlinguer, relacionados com a produção latino-americana, que começam a escrever a partir da década de setenta do passado século. Sintetizamos no quadro a seguir a classificação de modelos proposta por Arredondo.

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Quadro 1: Modelos teóricos de explicação do processo saúde-doença, de acordo com Arredondo (1992)

Fonte: Elaborado a partir de Arredondo (1992)

Para entender como o modelo histórico-social se desenvolveu em nossa região, precisaremos recapitular o desenrolar de nosso campo nestas paragens. Ao descreverem o percurso da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social na América Latina, Arellano e Saint Martin (2006) identificam três momentos para sua caracterização, relacionados com o desenvolvimento histórico e econômico da região. Um primeiro momento, recortado de forma bastante ampla pelas autoras e por elas chamado de fase de expansão capitalista, estende-se da colonização até após a segunda guerra mundial, no qual a economia latino-americana assentava-se sobre a exploração de recursos naturais para exportação. Nesta época, uma inconclusa formação dos Estados nacionais somada à marcada ingerência das metrópoles resultava em ações de Saúde

Modelo Aspectos teóricos/

variáveis Época Principais autores

Modelo Mágico-Religioso Forças, espíritos, castigo divino

Sociedades primitivas até atualidade

Sem autores no campo científico

Modelo Sanitarista Condições insalubres

(sociais) Revolução industrial europeia Smith e Pettenkofer

Modelo Social Condições de vida e de

trabalho Século XIX Frank, Virchow e Ramazzini

Modelo Unicausal Agentes externos Séculos XIX- XX Pasteur e Koch

Modelo Multicausal Agente, hospedeiro e

ambiente Década de 1950 Leavell e Clark

Modelo Epidemiológico Rede de causalidade- fatores

de risco Década de 1960 MacMahon e Pugh

Modelo Ecológico

Agente, hospedeiro, ambiente + relações entre

eles

Década de 1970 Susser

Modelo Histórico-Social Contexto social, modo de

produção, classe social Década de 1970 Berlinguer, Laurell e Breilh

Modelo Geográfico

Interação entre fatores patológicos e fatores próprios

do ambiente geográfico

Década de 1950 Jaques May e Voronov

Modelo Econômico

Renda, padrão de consumo, estilo de vida, nível educacional, riscos

ocupacionais

Décadas de 1970 e 1980 Anne Mills, Gilson e Muskin

Modelo Interdisciplinar Hierarquizados, diferentes

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Pública voltadas para o controle e erradicação de doenças infecciosas, com o protagonismo de organismos das segundas e com a anuência dos primeiros. De acordo com as autoras, a motivação dessas ações residia em interesses econômicos, para os quais epidemias representavam ameaças para as trocas comerciais. Uma plataforma preventivista, alicerçada pelo modelo epidemiológico unicausal, dialogava não só com a organização do Estado, como com a realidade epidemiológica e o andamento científico do período.

A segunda fase, de substituição de importações, segundo Arellano e Saint Martin (2006), delimita-se entre as décadas de 1940 e 1980. As pesquisadoras assinalam o desenvolvimento dos Estados nacionais nesta época, com a incipiente responsabilização dos mesmos para a elaboração e execução de ações de Saúde Pública e de assistência, e sua relação com pretensões de garantir a reprodução da força de trabalho. Neste recorte temporal, em que, paralelamente aos primórdios da industrialização ocorreram significativa urbanização, êxodo rural e incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, assinalam no plano epidemiológico o acréscimo das doenças crônico-degenerativas às ainda prevalentes infectocontagiosas, e, no plano acadêmico, a emergência dos modelos ecológicos multicausais para buscar apreender esta nova situação. Estas autoras situam neste período, sobre o qual impactam teorias dependentistas e projetos neoliberais, a origem do que chamarão de pensamento latino-americano em saúde, que florescerá a partir da década de 1980 e que representa a última e atual fase.

Iriart e colaboradores (2002) dedicam-se a entender o contexto do desenvolvimento da Medicina Social latino-americana e, ao fazê-lo, apontam que seu surgimento se deu em meio a uma situação de crise do que denominam de “saúde pública desenvolvimentista”, afinada com a constatação de que a ideia de que o crescimento econômico da região levaria ao desenvolvimento não conduziu aos resultados esperados, mas sim ao agravamento das condições de vida e de saúde. Os autores destacam que, desde seu nascimento, o pensamento latino-americano em saúde caracterizou-se por seu compromisso com a transformação das condições concretas do viver, pela percepção das relações entre estrutura social e problemas de saúde e pela aliança entre grupos acadêmicos e movimentos sociais.

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O pensamento latino-americano em saúde, que se organizou de forma a engendrar o que se conhece como Saúde Coletiva no Brasil e Medicina Social no restante da América Latina, veio, de acordo com Iriart e colaboradores (2002), a configurar um rompimento epistemológico e de práxis em relação à Saúde Pública, no tocante à compreensão de seus objetos e propósitos. Os autores salientam que a própria adoção do nome Saúde Coletiva pretende refletir a noção de que saúde “es un proceso construido colectivamente, tanto en la forma que adquiere en cada sociedad y momento histórico como en las posibilidades de transformarlo.” (p. 128)

Considerando que esta nova apreensão de saúde se desenvolveu de forma processual, faz-se necessário que sigamos seu caminho na América Latina. Ainda no mesmo texto que estamos utilizando como referência, Iriart e colaboradores (2002), mencionam a relevância que a entrada de figuras como Juan César García, María Isabel Rodríguez e Miguel Márquez na Organização Pan-americana da Saúde (OPS) teve, ao permitir que houvesse apoio e financiamento para a criação de grupos acadêmicos em diversos países latino-americanos. Os autores também destacam que os principais temas desenvolvidos por estes grupos estiveram intrinsecamente relacionados com a realidade enfrentada em cada momento e lugar.

Em artigo voltado para a difusão das contribuições latino-americanas para leitores de língua inglesa, Waitzkin, Iriart, Estrada e Lamadrid (2001), aprofundam-se na descrição das condições de surgimento, sobrevivência, aportes teóricos e metodológicos dos principais grupos de pesquisa afins aos fundamentos da Medicina Social e Saúde Coletiva. Os pesquisadores extraem as principais colaborações de grupos situados na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador e México, como pode-se observar no quadro 2 e figura 1.

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Quadro 2: Grupos latino-americanos de Medicina Social, contextos e contribuições

Fonte: Elaborado a partir de Waitzkin et al (2001)

País Grupos Contexto sociopolítico e acadêmico Contribuições

Argentina Buenos Aires, Rosario, Córdoba

Com golpe de 1976 pesquisadores enfrentam desemprego, exílio. Após

83, têm dificuldades de reintegração, complementam atividades de pesquisa com outros

empregos. Fontes irregulares de financiamento. Grupos próximos de

movimentos sociais

papel atores sociais, saúde mental, saúde ambiental, relações entre perfil epidemiológico e estrutura de classes, pobreza e marginalização

Brasil USP, Unicamp, Fiocruz, IMS, UFBA

Início década 1970, maioria dos pesquisadores se mantêm no país

na ditadura. Fontes regulares de financiamento. Reforma sanitária, implementação sistema universal

papel e repercussões da medicina preventiva, processo de trabalho, participação popular, epidemiologia

crítica, determinação social

Chile Santiago (GICAMS)

Interrupção dos trabalhos com o golpe militar e precária reintegração com transição democrática Grupos vinculados a organizações não

governamentais

saúde mental e efeitos da repressão, saúde do trabalhador,

gênero e saúde, privatização da saúde

Colômbia Bogotá, Medellín, Cali

situação de violência, exílio de pesquisadores, assassinato de professores, reformas radicais de

cunho neoliberal

doenças infecciosas, pesquisa de base comunitária, classes sociais e

saúde, violência e saúde

Cuba ENSAP

conquistas pela modificação ordem social, relativa estabilidade para

pesquisa

atenção primária, envelhecimento e doenças crônicas, doenças infecciosas, saúde mental e

ambiental

Equador Quito (CEAS)

Envolvimento em lutas políticas e contra privatização, proximidade com movimentos populares,

epidemiologia social e contribuições teóricas e metodológicas,

México Cidade do México (UAM-X), Guadalajara

Constância de suporte público, grupos estabelecidos em ambientes

universitários, participação em movimentos populares e partidários

políticas de saúde, acordos internacionais, desenvolvimento econômico e saúde, contextos sociais, privatização, saúde

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Figura 1: Localização dos principais grupos latino-americanos de Medicina Social

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Discorrendo sobre o percurso da Medicina Social latino-americana, Laurell (2011) frisa a importância de sua recapitulação histórica para a compreensão de sua atualidade e tendências. A pesquisadora divide a trajetória da Medicina Social latino-americana em três períodos e associa a produção de cada fase ao seu respectivo contexto sociopolítico. Laurell alerta para a sobreposição destes períodos e para o fato de que estes não se processaram sincronicamente nos distintos países.

Um primeiro instante, que a autora chama de “A fundação e o auge das lutas populares”, estaria delimitado entre fins da década de 1970 e os últimos anos da década seguinte. A próxima etapa, “A democratização e as reformas de saúde”, teria início no final da década de 1980 e se estenderia até os anos 90, quando começaria a fase em que ainda nos encontramos, denominada por Laurell de “O pós-liberalismo e as emergências progressistas”. No quadro abaixo sistematizamos os principais pontos trabalhados pela autora em cada fase, com seus respectivos contextos, contribuições teóricas e metodológicas e desafios.

Quadro 3: Trajetória e desafios da Medicina Social latino-americana

Fonte: Elaborado a partir de Laurell (2011)

Fase Contexto sociopolítico e

acadêmico

Temas e contribuições teóricas

e metodológicas Desafios

A fundação e o auge das lutas populares

Contestação à saúde pública desenvolvimentista, regimes ditatorias em vários países, urbanização e industrialização,

estabelecimento grupos pioneiros

Determinação Social do Processo Saúde-Doença, materialismo dialético, crítica ao

causalismo, epidemiologia crítica, nexo biopsicossocial, incorporação ciências sociais

Alto grau de abstração

A democratização e as reformas de saúde

Paradoxo: democratização e neoliberalismo, tarefa legislativa

Participação e controle social, pobreza versus desigualdade, críticas teóricas e empíricas às reformas e discurso neoliberal, questões ambientais e de

gênero

Apropriação dos discurso progressista pelo neoliberalismo, ocupação de

espaços versus denuncia e contestação, aliança crítica com

Saúde Pública, maior visibilidade e penetração

O pós-liberalismo e as emergências progressistas

Evidências de fracassos das reformas, emergência de

governos progressistas

Categorias "de moda" Vigilância epistemológica e

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Laurell, em sua conferência de 2011, ressalta a importância da incorporação de uma vigilância epistemológica na atualidade, uma vez que as categorias originalmente trazidas pela Medicina Social latino-americana, ao serem cooptadas pelo discurso hegemônico, esvaziam-se de sentido.

A esta Saúde Coletiva/ Medicina Social, em que Briceño-León (s. d.) identifica as influências das situações epidemiológicas, movimentos políticos e tradições filosóficas e científicas, e os sentidos de conhecer uma nova realidade, contribuir para a eficiência dos serviços de saúde, criticar a sociedade e fortalecer a população; Iriart et al (2002) atribuem como maior conquista a aproximação do entendimento da Determinação Social do Processo Saúde-Doença. É precisamente deste legado, construído ao longo das últimas décadas na América latina, que procuramos nos apropriar neste projeto de pesquisa. Nas palavras de Iriart e colaboradores:

“La medicina social latinoamericana ha surgido como un campo desafiante, por los aportes que ha hecho a la comprensión de los determinantes del proceso salud-enfermedad-atención y su complejidad, así como por el uso de teorías, métodos y técnicas escasamente conocidos por la salud pública.” (p. 134)

Deste modo, este projeto de pesquisa se dedica a buscar responder as seguintes perguntas:

1. Como a construção crítica da Saúde Coletiva/ Medicina Social latino-americana tem afetado a produção científica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde?

2. Com quais modelos teóricos a produção científica brasileira vem abordando a Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde nas décadas de 1990, 2000 e de 2010 a 2014?

Nesta busca que agora iniciamos, partimos dos pressupostos de que, assim como em todo o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social, existem concepções em disputa quando tratamos de Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, que se expressam através da heterogeneidade de modelos teóricos sobre o tema. Creditamos estas diferenças na abordagem teórica da Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde tanto a questões internas ao desenvolvimento científico do campo da Saúde Pública e Saúde

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Coletiva/ Medicina Social na América Latina e no Brasil, como a questões externas porém relacionadas com o campo, por meio das pressões exercidas pelos contextos sociopolítico e acadêmico ao longo das décadas de 1990 até a atualidade.

Com relação aos aspectos internos ao campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social que resultam em divergências teóricas, vislumbramos o papel dos paradigmas científicos dentro das disciplinas que compõem o campo, com destaque para o positivismo e os modelos que pretendem superá-lo, como a complexidade; e o papel das teorias sociais, com sua influência tanto na compreensão dos processos sociais e sua determinação, como na sua pretensão de transformá-los ou mantê-los. Supomos que a construção teórica de Determinantes Sociais da Saúde advém do modelo biomédico e de teorias sociais conservadoras, muitas vezes não explicitadas, e que o posicionamento teórico de Determinação Social do Processo Saúde-Doença deriva de esforços por superar o paradigma positivista, através da complexidade e da dialética, e se embasa em teorias sociais, em especial o materialismo-dialético, que procuram a modificação ampla do corpo social.

Já para os aspectos exteriores, porém interligados ao campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social, que terminam por interferir na produção sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, prevemos que alterações no contexto acadêmico, com a ampliação de centros de pesquisa e de meios de divulgação da produção científica, bem como a incorporação de valores de produtividade, permitiram aumento no volume de estudos sobre o nosso tema. Ainda assim, conjecturamos que os contextos sociais e acadêmicos, ao sofrerem o impacto neoliberal, vêm afastando nosso fazer científico das propostas críticas da Saúde Coletiva/ Medicina Social latino-americana.

Para tanto, a seguir, apresentaremos nosso esforço na compreensão e elaboração teórica de Determinação/ Determinantes, tendo como interlocutores autores que versaram sobre os mais diferentes aspectos deste tema, sem perder de vista o modo como a produção acadêmica se relaciona com o campo da Saúde Pública/ Saúde Coletiva, em especial no Brasil e América Latina.

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A parte empírica de nosso estudo, feita através de revisão bibliográfica, procurará analisar a produção acadêmica brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, no período de 1990 a 2014, tendo como objetivos específicos identificar esta produção, analisar, nos estudos selecionados, elementos relativos ao contexto de produção e ao modelo teórico adotado e verificar em cada conjunto de estudos, agrupados por décadas, convergências e divergências dentro do espectro de modelos teóricos sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde.

Finalizaremos com um balanço entre nosso percurso teórico e empírico, quando retomaremos a validade de nossos pressupostos e avaliaremos de que modo nossas interrogações foram respondidas.

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DETERMINAÇÃO E DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: RELAÇÕES ENTRE A TRAJETÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA/ SAÚDE COLETIVA E

MEDICINA SOCIAL E ASPECTOS TEÓRICOS

Acercar-se aos modelos teóricos que têm sustentado a produção brasileira sobre Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde nas décadas de 1990, 2000 e de 2010 a 2014 exigirá que nos ocupemos de diferentes eixos que os atravessam. Como exploramos na introdução, a formulação teórica de Determinação/ Determinantes acompanha e reflete a própria construção do campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social na região, razão pela qual, em um primeiro momento, dispensaremos nossa atenção a esboçar este campo, suas relações de autonomia e heteronomia, suas concepções e projetos em disputa e seus paradigmas científicos. Posteriormente, assinalaremos alguns aspectos que pairam sobre o contexto acadêmico de nosso campo, com maios ênfase para o referencial teórico e a produção científica. Por fim, traremos contribuições de autores que vêm se dedicando à Determinação/ Determinantes Sociais da Saúde, com vistas a delimitar estes modelos teóricos e explorar suas divergências.

Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social como Campo Científico

Almeida-Filho e Paim (s.d.), ao resgatar os pressupostos básicos que estruturaram o ensino, investigação e extensão na Saúde Coletiva brasileira, alegam:

“La salud, en tanto estado vital, sector de producción y campo de saber, está articulada a la estructura de la sociedad a través de sus instancias económica y político-ideológica, poseyendo por lo tanto, una historicidad.” (p. 15)

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Concordando com os autores, este estudo parte do pressuposto de que os contextos sociopolítico e acadêmico latino-americanos vêm influenciando a produção científica sobre Determinação e Determinantes Sociais da Saúde na região ao longo das três últimas décadas. Para buscar entender como estas influências se processam, recorremos a Bourdieu, que se dedicou, entre muitos outros objetos, à análise da produção e instituições científicas.

O autor, em “Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clínica do campo científico”, identifica duas tradições de interpretação das produções, incluindo a científica, que denomina de internalistas, ou internas, e externalistas, ou externas. Delineia a primeira tradição como sendo aquela que procura a compreensão das produções através de seus produtos, o que chama de “a letra do texto”. Já a segunda, é caracterizada por uma tentativa de relacionar os produtos com o mundo social ou econômico, ou “o texto ao contexto”.

Apontando as debilidades de ambas as abordagens, Bourdieu defende o uso da noção de campo, sendo este o mediador entre os contextos gerais e a produção em si. Campo é conceituado pelo autor como “o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas”. (p. 20)

Somando-se a outros autores, Arellano (2006, 2013), ao refletir sobre as insuficiências da Saúde Coletiva/ Medicina Social na atualidade, destaca a delimitação imprecisa de seu campo. De acordo com a autora, isto se deveria a fragilidades de ordem teórica e metodológica. Já Almeida-Filho e Paim (s. d.) concluem que “pese a no llenar las condiciones epistemológicas y pragmáticas para presentarse a sí misma como un nuevo paradigma científico, la Salud Colectiva se consolida como campo científico y ámbito de prácticas (…).” (p. 19) Seguindo as reflexões destes autores, ponderamos que particularidades na história e construção da Saúde Coletiva/ Medicina Social, como vimos na introdução deste projeto, modelam sua conformação como campo. Sua origem de ruptura epistemológica, de objeto e de projeto com a Saúde Pública colocaria a Saúde Coletiva/ Medicina Social como um campo com uma área própria e, ao

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mesmo tempo, em disputa com a Saúde Pública dentro de um campo comum a ambas.

Compartilhando os mesmos espaços institucionais, de produção científica ou de intervenção política, tomaremos Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social como um só campo. Bourdieu reconhece o campo científico como um campo de forças e um campo de lutas. Se recuperamos a noção da díade Ciência- Política que, conforme apresentamos na justificativa, molda o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social, veremos que as duas espécies de capital científico trazidas por Bourdieu revestem-se de especial complexidade em nosso campo. Segundo o autor, a primeira espécie, o capital científico “puro” derivaria do reconhecimento e prestígio adquirido através de contribuições aos avanços e inovações na ciência. Por outro lado, o capital científico institucionalizado relaciona-se com a ocupação de posições que, por sua vez outorgaria poder sobre os meios de produção e reprodução.

Autonomia e heteronomia são conceitos-chave para Bourdieu quando trabalha com a noção de campo. Por este motivo e por conectar-se fortemente com o desenho e pressupostos deste projeto, dedicaremos o próximo tópico a contemplar as implicações da autonomia e heteronomia para o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social.

Autonomia e Heteronomia no Campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social

Para Bourdieu, os campos, como sistemas complexos, por serem suscetíveis às pressões a eles exteriores e, simultaneamente, por pautarem-se por leis próprias de seus microcosmos, são dotados da capacidade de refratarem essas pressões segundo seus graus de autonomia. Campos com elevada autonomia conseguiriam retraduzir pressões ou demandas externas de acordo com suas leis ou princípios, transfigurando-as. O autor afirma que “inversamente, a heteronomia de um campo manifesta-se, essencialmente, pelo fato de que os problemas exteriores, especialmente os problemas políticos, aí

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se exprimem diretamente”. (p. 22) O campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social, tanto em braço acadêmico como político-institucional, suporta pressões provenientes dessas duas dimensões, sendo relacionadas entre si.

Sujeito à heteronomia em grande medida, o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social e consequentemente, sua produção científica, são influenciados fortemente pelos contextos sociopolítico e acadêmico. Laurell (2011), como colocado na introdução, discorre sobre como o contexto sociopolítico da América Latina a partir da década de 1980 afetou não só as agendas de intervenção política, mas também o surgimento de novas pautas e categorias de investigação.

Breilh (2010) representa graficamente as pressões que recaem sobre a investigação em saúde na figura abaixo.

Figura 2: Determinação geral e interna da investigação epidemiológica

Fonte: Extraído de Breilh (2010)

Retomando a afirmação de Bourdieu de que campos científicos são espaços de forças e lutas, seguiremos a examinar os projetos e concepções em disputa no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social, para

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posteriormente dedicarmo-nos aos paradigmas científicos que vêm operando neste campo, bem como em que contexto está ocorrendo sua produção.

Concepções e Projetos em Disputa no Campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social

Conceber a Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social não só como campo, e, como tal, palco de forças e lutas, mas como campo particularizado por ser sensível a alto grau de heteronomia, proporciona um caminho para o entendimento das concepções e projetos que aí se enfrentam. A explicitação destes projetos, ainda que esquematicamente e de modo sucinto, faz-se indispensável para possamos nos aproximar da produção científica neste campo. Bourdieu (1989) extrai a essência da relação entre projetos e produção ao sustentar que:

“O conhecimento do mundo social e, mais precisamente, as categorias que o tornam possível, são o que está, por excelência, em jogo na luta política, luta ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou transformar o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção desse mundo”. (p. 142)

Sendo ao mesmo tempo contexto e projeto, o neoliberalismo contunde o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social de distintas formas. Atinge a esfera das ações em Saúde Pública e não deixa de fazê-lo no domínio da produção científica.

Refutando a tese da neutralidade do conhecimento, Barbosa (2010) se vale da noção de imperialismo simbólico, de Bourdieu, para analisar a infiltração dos preceitos neoliberais no campo da Saúde Coletiva. A supressão de conceitos, ou o silêncio sobre os mesmos, serviria para torná-los invisíveis, e, portanto, excluir problemáticas da discussão teórica e também política. Outro mecanismo de penetração, segundo a autora, seria a neutralização de conceitos

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outrora críticos, pela cooptação e enquadramento dos mesmos dentro do marco discursivo neoliberal.

Coincidindo com os autores que assinalam as negativas repercussões sociais e para o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social que o projeto neoliberal ocasiona, Breilh (s. d.) assevera que uma luta emancipadora não prescinde de um posicionamento político e filosófico. Argumenta que informação é teoria em ato e fundamentalmente, política em ato. E caracteriza, em linhas gerais, dois projetos em disputa da seguinte forma:

“América Latina evidencia en estos años una generalizada preocupación por la reforma del Estado en sus dos caras opuestas: la captación privada de los espacios estatales y la lucha de las colectividades para instituir su poder y defender los espacios solidarios de la sociedad.” (s.p.)

Santos (2012), ao pleitear uma Epistemologia do Sul, alega a necessidade de, mais do que a busca por alternativas, um pensamento alternativo. O autor relaciona a emergência de um novo paradigma aos contextos sociopolítico e cultural e ainda epistemológico. Procederemos, então, a explorar como os paradigmas da ciência têm se expressado no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social.

Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social: Paradigmas Científicos

Numerosos estudiosos têm se lançado a examinar os paradigmas que direcionaram a construção científica nos últimos séculos e a pertinência, ou adequação, dos mesmos na atualidade. Sem deixar de apontar os limites externos destes paradigmas, representados pela insuficiência em atender às demandas trazidas pelos contextos sociopolítico e cultural, Santos (2012) observa fraquezas dentro do contexto epistemológico que vêm pondo em cheque esses paradigmas. Assinala que as convenções do paradigma dominante, positivista, já não condizem com o acúmulo científico, inclusive das ciências naturais. De forma bastante sintética, abreviaremos a aguda

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caracterização do paradigma dominante traçada pelo autor ressaltando: a ascendência das ciências naturais sobre as sociais, a marcada separação entre ciência e senso comum, a pretensão de alcance da verdade e de controle da natureza, a defesa acrítica do rigor científico, exercido através de medições, a busca por leis e causalidades, e a redução da complexidade, dada por meio de divisões e classificações. Boaventura salienta que estas convenções, embora originárias das ciências naturais, por revestirem-se de aura de legitimidade, terminam por transmitir-se às ciências sociais.

O autor, ao tecer críticas ao paradigma dominante, como a suposição da neutralidade do conhecimento ou a artificialidade da disjunção entre sujeito e objeto, atesta que sua crise é, não apenas profunda, mas também irreversível. Em contraposição, qualifica o paradigma emergente como aquele que almeja a superação da distinção entre ciências sociais e naturais, não direcionada a uma ciência unificada, mas sim a uma ciência que se reconheça como construção social, admitindo a incerteza, a inter-relação entre o conhecimento e o autoconhecimento e o diálogo com o senso comum.

O campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social erigiu-se sobre mais de uma disciplina, herdando e trabalhando com conhecimentos advindos tanto das ciências naturais como das ciências sociais. Sobre a superação rumo à integração entre as disciplinas, Czeresnia (2008) assinala que “seria encontrar um vínculo capaz de unificar epistemologicamente esses distintos níveis de realidade, sem desconsiderar descontinuidades, emergências e originalidades entre eles”. (p. 1114)

Schramm e Castiel (1992) atribuem a “crise da epidemiologia” à aspectos de insuficiência e crescimento. Explorando a pertinência do debate epistemológico na epidemiologia, Samaja (1998) contextualiza a irrupção de correntes de contestação:

“É importante insistir sobre o fato de que todos estes avanços teóricos, somados à crise da modernidade, parecem conduzir a uma inesperada reaparição daquilo que representou o ‘paradigma marginal’ da modernidade: o historicismo e a dialética”. (p. 29)

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“As vantagens decorrentes do renascimento do paradigma dialético (morfogenético) consistem, precisamente, em manter aberta a possibilidade de pensar a complexidade sem ter que lançar mão de uma redução de um nível a outro, do social ao individual, por exemplo”. (p. 32)

Almeida-Filho (2006), ao considerar a incorporação da perspectiva da complexidade no campo da saúde, propõe que esta demanda uma reformulação tanto de seus objetos conceituais como da prática da ciência, para repensar e reconstruir seus objetos.

Prieto (2007), em artigo que aborda complexidade e metodologia e que foi fundamental para a arquitetura deste projeto e para a formulação das categorias com que iremos trabalhar, enuncia três perspectivas para a investigação social, como se pode observar no seguinte quadro.

Quadro 4: Perspectivas metodológicas da investigação social

Fonte: Modificado a partir de “Perspectivas metodológicas de la investigación social”, de Prieto (2007)

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Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social: Referencial Teórico

Como expusemos anteriormente, o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social compõe-se da afluência de distintas disciplinas ou áreas do conhecimento e nele se esgrimem paradigmas concorrentes. Se já aludimos à dupla ocupação, político-institucional e acadêmica, deste campo, cabe ainda destacar que seu ramo acadêmico comporta uma miríade de referenciais teóricos.

Analisando os usos teórico-metodológicos correntes nas pesquisas daquilo que denominam de subcampo das ciências humanas e sociais em saúde, Deslandes e Iriart (2012) salientam tanto a grande variedade de perspectivas, oriundas de diferentes disciplinas, como a fragilidade do embasamento teórico em boa parte dos estudos por eles revisados, sugerindo um “empirismo ateórico”. Apontam como possíveis explicações para seus achados uma deficiente formação teórico-metodológica dos autores, facultada pelas instituições de educação nesta área.

Recuperando a ideia de campo como espaço de lutas, Barbosa (2011) reflete sobre o papel das teorias sociais neste embate e sobre sua repercussão na produção acadêmica no campo da saúde. Do texto da autora, pode-se depreender que a preeminência de certas teorias sociais sobre outras, ou até mesmo a aparente ausência destas, relaciona-se intimamente com os contextos sociopolítico e acadêmico. Assim, afirma que o entendimento de como e porque se processou a neutralização do conhecimento crítico passa por “analisar as políticas científica e educacional que vêm regendo os processos de trabalho e a produção científica nas instituições públicas de ensino e pesquisa nas últimas décadas”. (p. 12). Alerta também para as “relações obscuras entre recursos públicos e privados” e para a ingerência de agências internacionais, que se perpetra através de linhas de financiamento. Deste modo, alinhava as interseções entre os contextos acadêmico e sociopolítico. Sobre este último, frisa que “os meios técnicos e as instituições orientadas para a acumulação capitalista

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possibilitaram a produção, reprodução e circulação de formas simbólicas numa escala antes impensável”. (p. 15)

Voltando-se para as teorias sociais como tal, Barbosa (2010) pontua que o marxismo serviu de importante referência teórica no campo da Saúde Coletiva até fins da década de 1980. Faz uma ressalva neste ponto, dizendo que outras perspectivas interpretativas do marxismo, calçadas no referencial dialético e relacional, sempre estiveram dadas, mesmo em seu próprio campo contra-hegemônico.

Segundo a pesquisadora, a partir da década seguinte e até nossos dias, este referencial teórico foi se esvanecendo do campo da saúde. Indica que, se este fato se deveu a “causas políticas reais e concretas”, não deixou de ser reflexo do avanço do neoliberalismo.

A perda de instrumentos teóricos críticos abriu espaço para a profusão de teorias da pós-modernidade que, de acordo com a autora, “fragmentam a abordagem e o enfrentamento do capitalismo enquanto totalidade social, reduzindo a compreensão das relações sociais a práticas discursivas”. (p. 11)

Essas teorias são retratadas por Breilh (2010) como “un posmodernismo, definido acá como conservador, que enfiló su mayor esfuerzo a deconstruir los llamados metarelatos de emancipación y oponerse a toda noción de totalidad. (…)”. (p. 108)

Saúde Pública e Saúde Coletiva/Medicina Social: Produção Científica

Depois de termos delineado a Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social como campo e detectado os paradigmas e referencial teórico que nele vêm se desenvolvendo, voltaremos nossa atenção para alguns aspectos que têm envolvido sua produção científica, para que posteriormente possamos ter maior clareza ao dirigirmo-nos especificamente à produção sobre Determinação e Determinantes Sociais da Saúde.

A Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social como campo, garante seu grau de autonomia, que, como enunciamos anteriormente, é relativamente

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baixo, através de suas próprias leis, formuladas e ratificadas pelos pares. É indicativo de ruídos dentro desse campo que autores venham externando suas preocupações tanto com os rumos da produção como com as interferências que esta tem experimentado.

Camargo (2010), ao estudar as diferenças entre os padrões da produção científica brasileira publicadas em revistas de grande circulação, encontrou clara predominância da epidemiologia sobre as áreas de ciências sociais e humanas em saúde e planejamento. O autor enxerga aspectos epistemológicos e de poder acadêmico como forças motrizes deste resultado e alerta que “há diferenças estruturais importantes e incontornáveis na forma de produção intelectual das diferentes subáreas da saúde coletiva” (p.5). Adverte ainda que os processos avaliativos adotados pelos pares dentro do campo da Saúde Pública/ Medicina Social pode comprometer seu perfil multidisciplinar. As críticas de Camargo dialogam não só a concepção de campo como espaço de forças de Bourdieu, como também com a primazia das ciências naturais sobre as sociais formulada por Boaventura em suas considerações sobre o paradigma hegemônico.

Essa hegemonia, sustentada pelos que detém o capital científico institucionalizado, encontra brechas para sua perpetuação através da pressão por produtividade. Luz (2005) toma produtividade como categoria de análise da relação entre condições de trabalho e o ato de produzir. A autora, além de apontar que o desrespeito aos ritmos e valores traz prejuízos para a saúde física e mental dos pesquisadores, assinala os danos se estendem para a produção em si. Em suas palavras, a produtividade “tende, no longo prazo, a ferir o próprio coração (hard core) ou a fonte seminal de todo esse sistema de produção de conhecimento, que é a criatividade, origem da inovação.” (p. 42)

Luz (2005) também alega que a pressão por produtividade afeta as atividades docentes e a produção “comprometida com a situação social e tecnológica do país”. De outra forma, poderíamos colocar que essa pressão vem reforçar os paradigmas da ciência normal, ao realçar a cisão entre instituições científicas e sociedade e impedir avanços, cumulativos ou reflexivos e epistemológicos.

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Castiel e Sanz-Valero (2007) ponderam que a profusão de artigos científicos se acompanha do acirramento das disputas entre pesquisadores para a obtenção de financiamento e para a publicação de seus resultados. Se, a aceleração do ritmo de produção pode conduzir autores a abdicarem de preceitos éticos, também faz com que o pesquisar se afaste de suas finalidades. De acordo com os autores:

“Tal panorama não parece se refletir proporcionalmente em melhorias correspondentes nos quadros sanitários – como se houvesse uma desmesurada produção acadêmica que mal altera a precariedade da situação de saúde de muitos rincões deste mundo”. (p. 3042)

Uma vez que traçamos um panorama do campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social e sua produção, enfocaremos agora a produção científica própria sobre Determinação e Determinantes Sociais da Saúde.

Determinação Social do Processo Saúde- Doença e Determinantes Sociais da Saúde

Foi necessário que visitássemos a Saúde Pública e Saúde Coletiva/ Medicina Social na América Latina como campo científico, sua trajetória, seus projetos em disputa, paradigmas, referencial teórico e contexto de produção para que pudéssemos, ao prosseguir para a Determinação e Determinantes Sociais da Saúde, entender como todos estes aspectos se condensam dentro destes modelos teóricos.

Para que apresentemos a proposta de categorização de Determinação e Determinantes com que trabalharemos neste projeto, resumiremos reflexões sobre determinismo, indeterminismo, determinação e determinantes sob o prisma da filosofia. Exibiremos, então, como autores enxergam as diferenças entre Determinação e Determinantes Sociais da Saúde e, finalmente, ofereceremos nossa concepção destes modelos teóricos.

Referências

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