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Revisitando o teatro neolatino na América portuguesa

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Academic year: 2021

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. . . BUDASZ, Rogério. Revisitando o teatro neolatino na América portuguesa. Opus, v. 23, n. 3, p. 91-108,

Revisitando o teatro neolatino na América portuguesa

Rogério Budasz

(UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, Riverside-CA)

Resumo: O teatro neolatino tornou-se um importante veículo da pedagogia jesuíta na América portuguesa, primariamente direcionada à educação e à perpetuação das elites, promovendo e reforçando comportamentos sociais e estruturas de poder. Sendo o conteúdo e a estética das peças claramente filiados às reformas tridentinas, os espetáculos eram persuasivos e falavam diretamente aos sentidos, com o uso frequente da música e dança. Numa primeira fase, discrepâncias entre diretrizes vindas da Europa e a realidade na colônia tornaram necessárias certas adaptações e concessões com respeito ao idioma, vestuário, local das representações e atitude dos missionários em relação à mulher. Algumas dessas discrepâncias desapareceram no decorrer do século XVII, enquanto outras permaneceram até o banimento da Companhia.

Palavras-chave: Teatro neolatino. Companhia de Jesus. Pedagogia jesuítica. Brasil colônia. Teatro musical.

Revisiting Neo-Latin Theater in Portuguese America

Abstract: Neo-Latin theater became an important vehicle for the Jesuit pedagogy, which aimed at the education and perpetuation of the elites in the colony, while promoting and reinforcing social behaviors and power structures. As the contents and esthetics of these plays clearly subscribed to the Tridentine reforms, the spectacles were persuasive and spoke directly to the senses, often resorting to music and dance. During an earlier period, discrepancies between guidelines coming from Europe and the reality in the colony led to certain adaptations and concessions in matters such as costumes, venues, and the attitude of missionaries towards women. Some of these discrepancies disappeared during the seventeenth century, while others remained until the banishing of the Jesuits from Portuguese domains. Keywords: Neo-Latin theater; Society of Jesus; Jesuit pedagogy; Colonial Brazil; musical theater.

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decréscimo da população indígena costeira durante o final do século XVI desempenhou um papel significativo no redirecionamento das atividades pedagógicas dos jesuítas da América portuguesa e no gradativo abandono de práticas lúdicas que alegadamente contribuíam para a “conversão do gentio”1. Por volta da virada do século, o influxo de

recém-convertidos já não era mais suficiente para compensar a gritante mortalidade nas aldeias jesuíticas. As aldeias que restaram confrontavam-se com outro problema. Segundo o assim chamado sistema de repartição, estabelecido entre o Estado, a Igreja e os colonizadores, a maioria dos indígenas do sexo masculino era forçada a trabalhar durante boa parte do ano para os latifundiários ou para a administração colonial na agricultura, nas obras públicas e em campanhas militares e exploratórias. Como os salários eram irrisórios, o sistema de repartição equivalia a uma quase escravidão, que deixava as aldeias desestruturadas e desprotegidas, além de indiretamente contribuir para a elevada mortalidade2. Adicionalmente, vários desses trabalhadores morriam prestando serviço,

enquanto outros jamais voltavam para as aldeias (DANTAS et al., 2002. SANTOS, 2007, 2013). Esse contexto acabou minando o esforço persuasivo dos jesuítas entre as populações indígenas costeiras e colocou em xeque a eficácia do teatro de doutrinação ideológico-religiosa que costumavam produzir nas aldeias e residências durante a segunda metade do século XVI. Mais alinhado com o projeto colonial português, o trabalho dos missionários católicos visava agora convencer os povos indígenas a aceitar a servidão aos colonos cristãos como um modo de vida superior ao “barbarismo” de seus antepassados (RIBEIRO, 2009), estratégia, aliás, semelhante àquela que a Igreja adotou para justificar a escravidão negra. Não se tratava mais de converter o indígena, mas de enquadrá-lo numa vida de trabalhos forçados e castigos corporais. Nesse contexto, o teatro de aldeia era no mínimo inócuo, no máximo supérfluo.

A Regra 58

No final do século XVI, os jesuítas abriram uma nova frente político-ideológica ao investir na educação da classe dominante. Como argumenta Gian Paolo Brizzi, o objetivo era proporcionar às elites as “ferramentas necessárias para perpetuar o status quo” (BRIZZI, 1976: 22-3). Com algumas adaptações, os colégios e mais tarde os seminários da América portuguesa acompanharam a expansão europeia das escolas jesuíticas. Esses colégios funcionavam em regime de internato e ofereciam diplomas em humanidades e artes para alunos seculares, teologia para os que aspiravam ao sacerdócio e filosofia para ambos os grupos (LEITE, 1938-1950, v.7: 149-73). Com uma pesada concentração em latim e retórica, assim como história, geografia e ciências, o caminho secular treinava os alunos em redação, oratória, boas maneiras e genealogia, tudo isso a

1 Boa parte dos povos que sobreviveram ao contato inicial com os europeus migrou para o interior do continente; ver referências na nota seguinte. Sobre o teatro neolatino na América portuguesa, as principais fontes continuam sendo as notas pioneiras de Serafim Leite, Introdução do teatro no Brasil (LEITE, 1938-1950, v. 2: 599-613) e Belas letras e teatro (LEITE, 1938-1950, v. 4: 291-300). Este artigo revisita os trabalhos de Serafim Leite e, mais recentemente, de Marcos Holler (HOLLER, 2006). Apresento aqui transcrições e traduções de passagens mencionadas por Leite e a tradução de alguns textos latinos transcritos por Holler. Incluo também alguns textos até agora inéditos, com o objetivo de compreender o teatro latino no contexto de um projeto político-pedagógico de formação da classe dominante na América portuguesa. As traduções foram gentilmente preparadas por Rodolfo Ilari, sem o qual este trabalho não teria sido possível.

2 João Daniel discutiu esse problema em sua crônica de 1757-76 (DANIEL, 1975). Cf. também Holler (2006, v.1: 196-200). Sobre a música na catequese, cf. Castagna (1994). Para um trabalho crítico sobre as missões jesuíticas no Brasil cf. Monteiro (1995). Entre trabalhos mais antigos, cf. Dourado (1958); Prado Júnior (1987); Hemming (1978).

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partir de uma perspectiva religiosa e aristocrática que seria útil aos futuros administradores coloniais e donos da terra. Esse enfoque pedagógico também trouxe um interesse renovado e uma justificativa adicional para as atividades dramático-musicais. A edição de 1586, do Ratio

Studiorum, explicava que as peças teatrais seriam relacionadas a cursos específicos lecionados nos

colégios e seminários, e encenadas como demonstração do progresso dos alunos durante o ano acadêmico.

Os jovens e seus pais, porém, podem ser alegrados e motivados maravilhosamente. Além disso, ligam-se à nossa Sociedade quando, graças ao nosso trabalho, os alunos podem apresentar alguma amostra de seu estudo, atividade ou memória no Teatro. Portanto, parece oportuno que sejam encenadas comédias e tragédias, ainda que seja com a cautela prescrita pela Regra 58 do Provincial. Ora, nesse gênero é preciso considerar que esta atividade, por si só bastante cansativa e trabalhosa, também se torna quase insuportável, porque o grande trabalho multiforme que as atividades cênicas trazem consigo recai quase todo sobre o poeta, que entretanto já sofre o suficiente ao escrever o poema, sabendo que terá que ser julgado. As outras [atividades], porém, que dizem respeito aos ensaios dos alunos, aos custos, a reunir figurinos, à construção do teatro, seriam aliviadas pelo trabalho dos outros que ele dirige, portanto talvez seja preferível abster-se dessas atividades. Como porém as tragédias não podem ser representadas em qualquer lugar nem a qualquer momento, a fim de que não caia em excessivo desuso a prática, sem a qual quase toda a poesia esfria e morre, não deixa de ser de grande valia três ou quatro vezes por ano, sem presença de público nas escolas de Humanidades e Retórica, sem ornamento cênico, que sejam recitadas por alunos falando entre si éclogas, cenas e diálogos por eles compostos, que o professor mandará que aqueles um pouco mais adiantados escrevam, e organizará de modo que, juntos, formem um só corpo3 (RATIO, 1586: 258-259).

Seguindo essas diretrizes, o teatro de colégio, ou teatro escolástico na América portuguesa, explorava a conexão entre revelação, história (ou pseudo-história) e vida real de uma maneira bem diferente da observada no teatro de aldeia. Ronnie Po-Chia Hsia argumenta que o

3 Seção “De Studis Humanitatis,” Capítulo 6. Texto original: “Adolescentes tandem, eorumque parentes mirifice exhilarantur atque accenduntur, Nostrae etiam devinciuntur Societati, cum nostra opera possunt in Theatro pueri aliquod sui studij, actionis, memoriae specimen exhibere. Agendae itaq; videruntur Comoediae, ac tragoediae, ea tamen moderatione, quae Regula 58. Prouincialis praescribitur. Quo in genere illud animaduertendum videtur, hanc rem per se molestam satis ac laboriosam, fieri etiam pene intolerabilem, quod labor ille multiplex, quem scaenicae actiones secum ferunt, ferme totus incumbit in Poetam, qui tamen satis laborat se iudicandus esset in scribendo poemate: in ceteris vero quae ad exercendos pueros, ad sumptum, ad variam vestem conquirendam, ad Theatrum extruendum pertinent, aliorum, qui ab ipso dirigentur, opera leuandus esset: alioquin in graue tam religiosae pietatis, quam valetudinis periculum incidet: Idcirco satius esset ab hisce rebus abstinere.

Quoniam vero Tragoediae nec vbique, nec semper, nec frequenter agi possunt, ne in nimiam desuetudinem abeat exercitatio, sine qua poesis pene omnis friget ac iacet, non parum expedit ter aut quarter in anno priuatim in Scholis Humanitatis & Rhetoricae sine scaenico ornatu a pueris mutuo colloquentibus recitari ab ipsis compositas Aeglogas, Scaenas, Dialogos, quorũ partes ita Magister disponet ac diuidet paulo prouectioribus scribendas, vt coniunctae postea vnum corpus coagmentent.”

Todas as citações latinas foram gentilmente traduzidas por Rodolfo Ilari, sem a ajuda do qual este trabalho não teria sido possível.

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espetáculo jesuíta na Europa apresentava para patrocinadores, pais e estudantes a “verdade quintessencial” do desdobramento da fé católica, “uma revelação simbólica visível nos eventos históricos do mundo real” (HSIA, 1998: 33). Sendo uma transposição direta de seu análogo europeu, o teatro cultivado nos colégios e seminários da América portuguesa estava sujeito à mesma regulamentação estrita. A regra provincial número 58 das Regulae Societatis Iesu determinava:

Permita [só] muito raramente que sejam representadas comédias e tragédias, e não [o faça] a menos que sejam latinas e decorosas e, depois de examiná-las pessoalmente ou de entregá-las a outros para serem examinadas; e além disso proíba que essas representações e outras do gênero sejam feitas numa Igreja4 (REGULAE, 1582: 36).

Essa regra foi replicada quase que literalmente na edição de 1599 do Ratio Studiorum – nas regras do reitor, número 13 –, apenas com a observação adicional de que “nem [participe] pessoa alguma que seja mulher, ou [vestindo] roupa [que seja de mulher]” (RATIO, 1603: 29)5. Essa

preocupação com a sexualidade e a representação da mulher harmoniza-se com as diretivas tridentinas quanto à abstinência sexual dos religiosos, à segregação de gênero e à reforma dos conventos femininos. Hsia conclui que “um modelo mediterrâneo de religiosidade, com maior supervisão masculina e uma propensão ao confinamento, reposicionou o modelo medieval [...] em uma zona indeterminada entre a religiosidade enclausurada e a vida familiar secular” (HSIA, 1998: 33-34). Sendo os jesuítas seguidores entusiásticos das reformas tridentinas, não é surpresa que as suas diretrizes, mesmo aquelas referentes ao teatro, também contribuíssem para a repressão da mulher na América portuguesa. Contudo, assim como ocorreu com várias das novidades tridentinas, essas mudanças não foram imediatas. Proibições relacionadas ao gênero e ao idioma no contexto do teatro jesuítico parecem ter sido aplicadas de maneira flexível na América portuguesa antes da década de 15806.

A regra 58 começou a ser aplicada de forma mais incisiva após uma discussão entre o padre Cristóvão Gouveia e o superior da Companhia de Jesus em Roma, Claudio Acquaviva. Em 6 de setembro de 1584, pressionado a exigir que o latim fosse usado em encenações locais,

4 Texto original: “Comoedias, & Tragoedias rarissime agi permittat, & non nisi latinas, ac decentes, & prius aut ipse eas examinet, aut alijs examinandas committat: eas vero, atque alias id genus actiones in Ecclesia fieri omnino prohibeat.”

5 Seção “Regulae Rectoris”, item 13. Texto original: “Tragoediarum, & Comoediarum, quas non nisi latinas, ad rarissimas esse oportet, argumentum sacrum sit, ac pium, neque quicquam actibus interponatur, quod non latinum sit, & decorum; nec persona vlla muliebris, vel habitus introducatur.”

6 Por exemplo, em 2 de junho de 1576, dia de Corpus Christi, um diálogo sobre a Eucaristia foi representado em vernáculo no colégio de Olinda (ARSI, Bras 15, cód. 2: doc. 58, 296). Texto original: “Id ubi uidet Rector fratri cuidã nostro dialogũ de Sacro Sanctae Eucharistiae uernaculo carmine componendi curã iniunxit, qui ab eisdẽ actoribus ipso die corpori XI Sacro in Theatrũ tanta pietate et animorũ motu datus est, ut omnibus qui ad fuerant lacrymas expraesserit, nec fuerit postea quisquã, qui nõ amplissimi uerbis rectori gratias acturus ueniret.” (HOLLER, 2006, v. 1: 212).

Tradução: “E quando o reitor viu isso, impôs a um certo nosso irmão a tarefa de compor um diálogo sobre o ritual da Eucaristia em poesia vernácula, diálogo esse que foi recitado pelos mesmos atores no próprio dia consagrado ao Corpo de Cristo, no teatro, com tão grande piedade e tão grande comoção das almas, que tirou lágrimas de todos os que tinham estado presentes, e que não houve ninguém que não viesse em seguida ao Reitor agradecer com grandes discursos.”

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Gouveia solicitou permissão para continuar usando o vernáculo com vistas a agradar o público espectador.

Siempre se acustumbraron hazer las representaciones la mayor parte en lingoage por ser pocos, o ningunos que entienden Latin, y los estudiando son niños poco capables para ello a óra con occasion dela regla que ordena se hagan en Latin pareçe que totalmente se han de dexar de hazer porque no avra quién venga a ellas, o que dara alguna desconsolacion alos maestros, veia VP si se podra esto acá moderar que se hagan con la mayor parte dellas ser en latin, ainda que aya alguna cosa en lingoage para explicar de lo que se dize en latin, y gusto de los oyentes (ARSI, AL 68: doc. 140, 402-403v).

Acquaviva permaneceu firme em sua decisão. Ele permitiu algum vernáculo nos diálogos, já que eles eram de natureza mais doutrinadora, mas exigiu observância integral do regulamento em outros tipos de representações.

En una de 6. de setiembre de 84. pedia V.r. que en los actos q̃ se hazen escolasticos como dialogos, tragedias, y comedias &tc. se ad- [f .56v] admitta alguna coza en lengoa uulgar, y me parece por las razones q̃ V.r. da que en los dialogos solamente se pueda esto hazer, pero en tragedias, y comedias, no, por ser cozas mas scholasticas, y graues (ARSI, Bras 2: 55v-56. HOLLER, 2006, v. 2: 313).

A partir dos comentários de Gouveia, poderíamos inferir que a Tragedia sobre la historia del

Rico avariento y Lazaro pobre produzida “com grande aparato” pelos alunos do colégio de Olinda,

quando da conclusão do ano acadêmico de 1575,teria sido representada pelo menos parcialmente em português ou espanhol7 (ARSI, Bras 12: 70. HISTORIA DE LA FUNDACION, 1927: 38-39).

Entretanto, a narrativa associa a representação à conclusão do curso de latim, ministrado naquele ano por Gabriel Gonçalves.8 Por outro lado, embora não seja o foco deste trabalho, a resposta de

Acquaviva tem implicações diretas nas práticas teatrais de José de Anchieta. Ou o jesuíta teria falhado em cumprir a regra 58 em sua peça trilíngue Na Festa de São Lourenço (1587), ou as peças encenadas nas aldeias seriam consideradas a priori diálogos, não estando, portanto, sujeitas às restrições do teatro de colégio, mesmo quando alunos tomassem parte na representação. Mesmo assim, Anchieta desconsiderou os regulamentos ao produzir sua peça em espanhol Na Visitação de

Santa Isabel, que não se destinava aos neófitos, mas à Confraria da Misericórdia, em Vila Velha

7 Texto original: “El mes de agosto Vino el hermano grabiel Gonzalez a leer la classe de latim en lugar del hermano Manuel de Castro e dieronse las bacaçiones en el tienpo acostunbrado y en fin de los estudios se Represento Una muy buena traJedia sobre la istoria del Rico abariento y lazaro pobre, hizo con grande aparato causo mucha debocion en todos honbre huuo que tanto entro en si con la RePresentacion desta obra que prometio dar cada año por amor de Dios mil ducados Recelandose que le aconticise lo que al Rico abariento dieronse Tanbien muy buenos premios en las classes.”

8 No caso de o texto não ter sido escrito localmente, a mais conhecida versão neolatina da peça é de Giorgio Macropedio, Lazarus, comoedia sacra de epulone divite et Lazaro mendico, impressa pelo menos cinco vezes entre 1541 e 1589. Alguns números musicais preparados para produções alemãs desta peça encontram-se em Liliencron (1890: 310-387).

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(então Vila do Espírito Santo), juntando-se a vários companheiros jesuítas na Espanha e América espanhola que escreveram peças em vernáculo fora do contexto do teatro de aldeia.

A falta de flexibilidade de Acquaviva revela sua percepção de que o teatro de colégio não visava o entretenimento da população. Tratava-se de um exercício escolástico, um trabalho de graduação para os alunos de latim e retórica. Era também um espaço onde os alunos venceriam sua introversão em frente a uma plateia, aprenderiam a projetar suas vozes e a condicionar seus movimentos de uma maneira eficaz e expressiva (BRIZZI, 1976: 249). Permitia-se que a elite masculina da cidade assistisse a essas representações, mas esperava-se que, como audiência, eles se elevassem ao nível da performance, e não o contrário.

A interpretação de Gouveia para o papel do teatro na cultura jesuítica era bem diferente. Quando ele concluiu que “não haveria quem viesse” assistir às peças caso elas fossem integralmente em latim, ele se referia não aos professores e alunos, mas à comunidade do lado de fora do colégio. Vivenciando a realidade do dia a dia na colônia, Gouveia reconhecia a importância de que os jesuítas se tornassem participativos em suas comunidades. Os dramas deveriam também visar o deleite dos ouvintes que não haviam estudado com os jesuítas.

Do ponto de vista dos alunos, sem desconsiderar as razões de Gouveia, a necessidade pessoal de atuar em um palco e de se expressar dramaticamente já teria sido uma razão suficientemente forte para levá-los a representar fora dos colégios peças que nem sempre estariam relacionadas ao objeto de seus estudos. Embora não fossem estritamente seculares, essas representações colocavam os alunos em contato com outros segmentos da sociedade e desafiavam as regras referentes ao uso do vernáculo e à presença de mulheres no palco e na audiência. Como nesses casos os superiores tinham pouco controle sobre o repertório e a plateia, sancionaram novas diretrizes, cuja aplicação revelou-se muito difícil. Uma situação particularmente complicada emergia durante os festejos anuais das Onze Mil Virgens, que ofereciam uma justificativa irrestistível para as encenações dos alunos jesuítas. Durante as décadas de 1570 e 1580, alunos de diversos colégios da colônia – especialmente na Bahia e em Pernambuco – organizaram confrarias das Onze Mil Virgens, padroeiras extraoficiais dos estudantes, com procissões anuais, danças e representações teatrais. Com a proibição de que mulheres participassem das representações, os alunos apareciam vestidos como as jovens mártires, acenando à população do alto de um carro alegórico no formato de uma embarcação, como aquele preparado para a festa de outubro de 1584 na Bahia, descrito no frequentemente citado relato de Cardim.

Ao dia seguinte, por ser dia das Onze mil virgens, houve no collegio grande festa da confraria das Onze mil virgens, que os estudantes têm a seu cargo; disse missa nova cantada um padre com diacono e subdiacono. Os padrinhos foram o padre Luiz da Fonseca, reitor, e eu com nossas capas d’asperges. A missa foi officiada com bôa capella dos indios, com frautas, e de alguns cantores da Sé, com órgãos, cravos e descantes. E ella acabada, se ordenou a procissão dos estudantes, aonde levámos debaixo do pallio três cabeças das Onze mil virgens, e as varas levaram os vereadores da cidade, e os sobrinhos do Sr. Governador. Saiu na procissão uma nau á vella por terra, mui formosa, toda embandeirada, cheia de estudantes, e dentro nella iam as Onze mil virgens ricamente vestidas, celebrando seu triumpho. De algumas janellas fallaram á cidade, collegio, e uns anjos todos mui ricamente vestidos. Da náu se dispararam alguns tiros

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d’arcabuzes, e o dia d’antes houve muitas invenções de fogo, na procissão houve danças, e outras invenções devotas e curiosas (CARDIM, 1925: 336-337).

Outro relato que apareceu nas Annuae Litterae daquele mesmo ano oferece detalhes sobre representações teatrais mais formais que ocorreram naquela tarde.

Depois que foram mostrados esses espetáculos e outros semelhantes, durante a tarde foi mostrado um diálogo muito formoso, que representava a tal ponto o massacre, o sangue e a dor da morte das santas virgens que foi recebida alegremente pelos próprios anjos que cantavam alegres, que nem os espectadores nem os atores conseguiam segurar as lágrimas. Nessas atrações é difícil dizer quantas vindas a nós começaram a acontecer, e graças a essa ocasião, quanto aumentou o número dos que se mantiveram firmes9 (ANNUAE LITTERAE, 1586: 142-143).

Em outros anos, os alunos poderiam encenar uma peça não diretamente relacionada às padroeiras da festa. Em 21 de outubro de 1589, por exemplo, os alunos do colégio da Bahia representaram Assueri Historia, uma dramatização da história de Assuero, rei da Pérsia, contada no livro bíblico de Ester. A população de Salvador assistiu à representação aparentemente sem distinção de gênero, e um cronista jesuíta descreveu que a peça foi “lindamente representada pelos nossos alunos”10 (ANNUAE LITTERAE, 1591: 462). Cardim mencionou brevemente outra

peça encenada durante a celebração das Onze Mil Virgens em 1604, (ARSI, Bras 8, cod. 1: doc 16, 50v. HOLLER, 2006, v. 2: 228)11 mas assim como nos relatos anteriores, não mencionou o idioma

em que elas teriam sido representadas12. Poucos anos mais tarde, em 1607, Manuel de Lima

ofereceu uma solução para tirar da ilegalidade os alunos que representavam em trajes femininos.

[f. 62] E admitasse que em o tal dia [das Onze Mil Virgens] nẽ em qualquer outra solenidade se faça passo, ou representaçaõ alguã por pia que pareça dentro da nossa Igreja. E na procissaõ se moderem as danças, e outras representaçoẽs. [...] [f. 64v] Pera os estudos 10. Naõ se façaõ tragedias que obriguẽ a fazerse theatro fora dos estudos [...] 11. Nas obras que se fizerẽ naõ se vistaõ moços como molheres, mas como nymphas alevantada a roupa hũ palmo do chaõ (BVE, FG, cod. 1255: doc. 14. HOLLER, 2006, v. 2: 318).

9 Texto original: “His ac similibus spectaculis editis exhibitus est vesperi dialogus peruenustus, qui sanctarum virginum caedem, sanguinem, funeris q. curã, quae ab ipsis Angelis iucunde canentibus est suscepta, vsque adeo repraesentabat, vt nec spectatores cohibere possent lacrymas nec actores. His inuitamentis vix dici potest, quanti fieri coeperint ad nos concursus, ac per eam occasionem, quam consitentium numerus auctus sit.” 10 Texto original: “Assueri deinde historia a nostris discipulis pulcherrime acta.”

11 Texto original: “Sodalitium undecim millium Virginum magis magisq̃ in dies celebre; pro cuius maiore celebritate tragoedia publicè magnu apparatu data fuit.”

Tradução: “A confraria das Onze Mil Virgens está ficando cada dia mais famosa, uma celebridade crescente graças à qual uma tragédia foi apresentada publicamente, com grande aparato.”

12 Há, por exemplo, um Auto del Rey Assuero entremeado de vilancicos no Códice de Autos Viejos, Madri, Biblioteca Nacional, ms 14.711.

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Proibir que os estudantes usassem trajes femininos e permitir que eles se vestissem como ninfas não parecem ser medidas muito eficazes se o objetivo era o de reprimir a sexualidade de atores e plateia. O jesuíta talvez imaginasse que o traje de ninfa contribuiria para conferir um sentido alegórico a uma personagem que, de outra maneira, pareceria humana demais. De qualquer forma, abolir completamente a participação dos alunos em representações teatrais fora dos colégios ajudaria a mantê-los longe dos olhos da plateia feminina, já que as suspeitas dos jesuítas em relação às mulheres não se limitavam à presença delas nos palcos. Isso fica bastante claro nos novos regulamentos sancionados em 1610, renovando a proibição contra personagens femininos e mulheres na plateia (BVE, FG, cod. 1255: doc. 10. HOLLER, 2006, v. 2: 319).

[f. 34] Encargamos a VR la obseruancia de la regla 58 de su off. en lo tocante alas comedias, y tragedias, y quitese ele abuso de se hazeren estas fiestas donde las mugeres sean del auditorio. [...] [f. 36] Acerca da procissaõ das virgens na Bahya p.a euitar incouenientes temos ordenado, q̃ naõ aia danças, nem vaõ figuras, nem aia passos, nem vaõ os nossos nella, porem naõ he nossa intençaõ prohibir, que naõ vaõ na procissaõ algus poucos acompanhando as reliquias com suas sobrepelises, & com a decencia religiosa, mas naõ vaõ acompanhando figuras, nem fasendo representar passos. O p.e Visitador prohibio bẽ as tragedias em modo que as molheres as podessem ouuir estranhamos o que se fez pello passado, & m.to mais sairem no theatro figuras e molheres auendo disto prohibiçao.

Nota-se aqui uma tentativa de ampliar o alcance da regra 58, tornando virtualmente impossível qualquer representação a céu aberto fora dos colégios. Cumprir essa nova interpretação da regra 58 não era tarefa fácil. Mais de cinquenta anos depois, em outubro de 1666, o padre visitador Antão Gonçalves forneceu evidência que os alunos do colégio de Olinda ainda necessitavam ser admoestados (ARSI, FG: 3. HOLLER, 2006, v. 2: 324).

Na festa das onze mil Virgens, naõ se consintaõ dancas q façaõ os Estudantes, porq gastaõ m.to aos paes, e elles perdem seu estudo: se contudo o juis, e mordomos quiserẽ aia as taes danças; os nossos naõ concorraõ pa ellas, buscando uestidos, ou outras couzas: nẽ as figuras se uistaõ, ou nos estudos, ou no Coll.o E m.to menos se consintaõ figuras na procissaõ, q uaõ em trage de molheres, q fazerẽ taes figuras, he mais pa estranhar. Tambem naõ se consintaõ commedias, ou tragedia alguã; e de tudo o assima dito sejaõ os estudantes auisados.

Além de refletirem o esforço dos jesuítas na aplicação das reformas tridentinas, essas diretrizes acompanhavam o início de uma tendência visando a abolição das festas paralitúrgicas, que se tornaria particularmente forte durante as últimas décadas do período colonial. Com a progressiva urbanização e o desenvolvimento de um novo conceito de civilização que tomou forma na segunda metade do século XVIII, festas como a das Onze Mil Virgens e de São Gonçalo passaram a sofrer uma lenta e constante campanha de repressão que resultou, se não em sua extinção, pelo menos em sua eliminação dos principais centros urbanos.

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Maranhão

Registros de dramas neolatinos encenados nos colégios e seminários da América portuguesa são fragmentários e, na maioria dos casos, limitam-se a listar títulos de obras e nomes de autores. Por exemplo, a Tragicomoediam Virgineae Assumptionis, do padre lisboeta Juliano Xavier, foi representada em Salvador, mas a data precisa é desconhecida. Certamente ocorreu antes da morte de seu autor, em 1725 (ARSI, Bras 10, cod. 2: doc. XLIV, 285v. HOLLER, 2006, v. 2: 291)13.

Por outro lado, a maioria dos registros de performances de dramas neolatinos provém do Maranhão, um dos dois estados que constituíam a América portuguesa entre 1621 e 1772. Um dos diretores teatrais mais ativos e um dos poucos brasileiros, o jesuíta Tomás do Couto (1668–1714) nasceu no Rio de Janeiro, estudou na Bahia e foi enviado ao Maranhão em 1688. (FONSECA, 1892. MORAES, 1872, v. 1: 34). Lá ele ensinou gramática latina por vários anos antes de se mudar para Belém, onde tornou-se vice-reitor do colégio local. Bettendorf mencionou seu trabalho como instrutor de latim e diretor teatral, confirmando uma ligação estreita entre o aprendizado e a performance no Colégio do Maranhão (BETTENDORF, 1909: 454, 532. HOLLER, 2006, v. 2: 456-7).14.

Thomaz do Couto se applicou para mestre do latim, que ensinou com muita satisfacao, concluindo tudo com uma tragedia publica em que levou o applauso de todos. […] o irmao Thomaz do Couto, o qual tinha ensinado uns annos a classe de latim no Maranhao, com muita satisfacao dos de dentro e de fora, nao só pelo bom exemplo de sua religiosa vida, mas tambem pelo bom modo com que ensinara, e exercitando seus discipulos em recitar poemas, declamar oracoes, representar admiravelmente comedias, com que surprehendia toda a cidade

Dramas neolatinos eram não só representados, mas também escritos no Maranhão. Um dos registros mais interessantes é do padre Jerônimo da Gama, que deixou Portugal em 1712. Em sua crônica autobiográfica, escrita em 1757, ele explicou os motivos para escrever e encenar uma peça intitulada Silentium Constans, sobre o martírio de Jan Nepomucký, ou João Nepomuceno (BPE, CXV/2-14, no. 23: 286-286v):

Parece-me, q̃ taõ bem mandey nas 1.as noticias o cazo, q̃ me succedeo com hum homem de Naçaõ no M.am, q̃ se confessava indignam.te havia 40 an.s por medo, q̃ o Conf.r lhe descobrisse ao Tribunal as culpas de Judaismo: rezolveo-se, por q̃ em huã Doutrina ponderey a força do sigillo e a confirmey com o exemplo do S. Nepomuceno, cuja especial [286v] devoção introduzi na Cid.e de S. Luiz, fazendo-lhe huã Tragedia com o Titulo = Silentiũ Constans = e foi a 1.a, q̃ no metro Tragico se reprezentou no M.am: fiz lhe Extracto em vulgar, q repartido no povo deo conhecim.to do Santo, e se lhe fizeraõ m.tas imagens.

13 Texto original: “Olyssipone natus: Musarum cultor celeberrimus, et, quod rari post cineres habent poetae, omnibus charus, sine inuidia doctus. Tragicomoediam Virgineae Assumptionis die populo exhibendam, repentẽ compegerat, temporis angustijs ualdẽ oppressus.”

Tradução: “[...] nascido em Lisboa: mui célebre cultor das musas e, coisa que poucos poetas têm depois da morte, caro a todos e sábio sem inveja. Tinha composto de improviso uma tragicomédia a ser exibida ao povo no dia da Assunção da Virgem, embora estivesse sob forte pressão das angústias do tempo.”

14 Cf. também ARSI Bras 27: 12v; ARSI Bras 5, cod. 2: 82; LEITE, 1938-1950, v. 4: 299. Sobre a partida de Couto do Maranhão cf. Fonseca, 1892: 426.

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Nepomuceno foi supostamente assassinado a mando do rei Wenceslaus da Boêmia por se recusar a revelar detalhes sobre a confissão da rainha. Ele foi canonizado em 1729 como o santo protetor dos confessores. A peça foi certamente encenada em comemoração ao evento, e Gama deve ter baseado a narrativa na hagiografia escrita por Bohuslav Balbín (BALBINO, 1682: 94-113)15. Durante o século XVII, os jesuítas promoveram vigorosamente Nepomuceno como

símbolo da sua resistência ao assédio dos poderes seculares. Na página de rosto da obra La

Eloquencia del Silencio, o sacerdote mexicano Miguel de Reyna Zevallos chamou Nepomuceno de

“Protector de la Sagrada Compañia de Jesus”, e era assim que o mártir era visto em toda a América Ibérica (REYNA ZEVALLOS, 1738). Ao preparar um “extrato” em vernáculo, Jerônimo Gama esperava que a população de São Luís compreendesse a mensagem da peça, isto é, os benefícios da confissão regular e a necessidade de que mesmo cristãos-novos se vissem compelidos a confessar, com a garantia de que os jesuítas jamais revelariam seus segredos ao Tribunal do Santo Ofício.

Gama declarou que essa era a primeira peça em “metro trágico” a ser representada no Maranhão, implicando que isso se deu antes de 1731, quando a tragicomedia sobre o “assunto da concórdia” foi encenada com música na Igreja da Madre de Deus.

Em carta de 11 de setembro de 1731, o governador do Maranhão e Grão-Pará Alexandre de Sousa Freire revelou que os jesuítas lhe haviam oferecido uma representação dramático-musical na Igreja da Madre de Deus, além de outros presentes, como demonstração de arrependimento por terem conspirado para removê-lo do cargo (AHU, Pará, Cx. 13, D. 1193: 1-5).

Passados hũ ou dous dias, tornou a buscarme convidandome p.a hir jantar com elle [Frei Antônio do Sacramento] e os mais P.es ao Citio da Madre de D.s, q̃ he o Campo Piqueno do Mar.am, fui e com m.ta mais gente que me acompanhou, e depois de jantarmos, em meio da tarde nos levou a todos p.a a Igr.a da mesma vocasão da Madre de D.s, adonde estavao preparadas muzica e huma tragicomedia, em que os seus mesmos P.es erão os reprezentantes; era o asũpto o da concordia e pazes que pedião, a cabando cada hũ a sua reprezentação e vindo entregarme sobre Bandejas, e salvas de Prata, Livros, Rozarios, Laminas, immageñs, Relíquias, e ultimam.te concluhise o acto por hũ P.e com hũ S.to Crucifixo nas maõns, em nome do qual me pedião mil perdoiñs.

A igreja era conectada a uma residência jesuítica, conhecida como Casa dos Exercícios e

Religiosa Recreação de N. Sra. da Madre de Deus, que funcionava na parte sudoeste de São Luís

(ARSI, Bras 28: 35v-36)16. Embora uma conexão com os exercícios espirituais de Inácio de Loyola

não possa ser descartada, designar uma residência especificamente para “exercícios e religiosa recreação” cumpriria mais o propósito de oferecer aos internos os esercizi cavallereschi complementares à educação humanística secular, e mesmo a preparação de representações

15 Publicado várias vezes em forma de folheto. A edição de 1729, preparada após a canonização de Nepomucký, é particularmente significante por suas gravuras e a menção oficial do santo como mártir do selo do confessionário (BALBINO, 1729).

16 O edifício funcionou como uma espécie de “colégio dos nobres” de 1761 até pelo menos 1772, e depois como hospital militar. É ocupado hoje pelo Hospital Geral Tarquínio Lopes. Em 1772, a igreja já estava parcialmente em ruínas.

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dramáticas. Quanto à obra encenada em 1731, embora possa ter sido escrita especialmente para a ocasião, uma peça com assunto similar e autor anônimo havia sido representada no colégio de Coimbra e impressa quatro anos antes. O título era Concors Discordia, aludindo à canonização de Stanisław Kostka e Luigi Gonzaga, patronos jesuítas dos alunos jovens e noviços17. O libreto

resumido – como era comum no teatro jesuítico – fornece apenas um sumário de cada cena em latim e português, podendo, talvez, funcionar como um esquema ou template a ser completado por alunos de latim e retórica em colégios jesuítas espalhados pelo mundo. Mesmo se esse não for o caso, Concors Discordia demonstra algumas das convenções que regiam o teatro neolatino entre os jesuítas em Portugal e na América portuguesa. Depois de um prólogo cantado pelos anjos guardiães da Polônia e de Mântua, pátrias dos dois novos santos, o enredo se desdobra em três atos na forma de uma disputa entre os gênios nacionais Rostkova e Castilione, a respeito de quem deveria ser canonizado primeiro. A personagem alegórica Discordia incita a querela, que é resolvida com a intervenção da Companhia de Jesus, ajudada pela personagem Concordia. Música é empregada conspicuamente em toda a peça, em duetos vocais, quartetos, números corais e uma

chorea – provavelmente a pantomima coreografada –, além de um chorus versatilis ao final de cada

ato18.

Em 1737, a canonização de outro jesuíta, Jean-François Régis, encorajou Aleixo de Santo Antônio, de Agueda, Portugal, a escrever e dirigir uma tragicomedia no colégio de Belém, onde ele lecionava gramática e humanidades. A peça era Hercules Gallicus Religionis Vindex, Plausus Theatralis

D. Joanni Francisco Regis S. J., e foi encenada em 1739 na igreja do colégio. Uma carta de um

sacerdote local, padre Vidigal, datada de 7 de outubro do mesmo ano, explicou que a peça estava para ser publicada e tratava do trabalho missionário do santo na França, que consistia em “converter pecadores licenciosos e reduzir hereges calvinistas”, renovando a chamada contrarreformista em pleno século das luzes (BPE, CXV/2-13: 509-509v)19. Não há evidência de

que a peça tenha sido publicada (MACHADO, 1759, v. 4: 7). Outra peça representada em uma

17 Outra tragicomedia sobre o mesmo assunto, Ludovicus et Stanislaus, de Petro da Serra, foi encenada em Évora em janeiro de 1729 para celebrar o casamendo duplo dos príncipes portugueses e espanhóis.

18 Como segue: [p. 4] “Os dous Anjos Custodios de Mantua, & Polonia, descendo do Ceo em nuvens, annunciaõ com festiva muzica a alegria do Ceo na Canonizaçaõ dos SS. Luiz Gonzaga, & Estanislao Kostka; &, descuberto o theatro, convidaõ Mantua & Polonia para o devido applauzo. [p. 9] CHORUS VERSATILIS. Celebra Castilhone, como ja victorioza. [p. 10] Reata largamente ao Atheismo os damos, q recebeo da Cõpanhia, & lhos mostra com escuras sombras no theatro, cantando funestamente o choro. [p. 13] cantando entre tanto o choro. [...] Quatro Auspicios applaudem a Inveja ja resta- [p. 14] belecida da sua afflicçaõ, & lhe pronosticaõ em concorde muzica, q triunfarà da Cõpanhia de JESUS. [...] ajunta com igual ardid huma compendioza memoria da Nobreza dos Kostkas, & incomparaveis virtudes do S. Estanislao com quatro prodigios de sua vida, que acompanha o choro. [p. 15] CHORUS VERSATILIS. Festivo applauzo na reconciliaçaõ de Castilhone, & Rostkova por industria da Cõpanhia de JESUS. [p. 16] Os espiritos infernaes lamentaõ com triste canto a Discordia, & Inveja lançadas pella Concordia no eterno abismo do seu chaos. [p. 17] Os Genios de Rostkova, & Castilhone celebraõ com obzequisa muzica a Concordia triunfante da Discordia, & Inveja. [p. 19] CHOREA. [p. 22] Seguese a muzica dos Anjos na Gloria. [...] convida o choro para novo canto. CHORUS VERSATILIS. Conclue toda a acçaõ com o devido applauzo aos Santos Luiz, & Estanislao na Gloria da sua Canonizaçaõ.”

19 Carta do padre José Vidigal a dom Francisco d’Almeida Mascarenhas, principal da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa: “O P.e Aleyxo Antonio compôz, e deu a publico na Igr.a deste Coll.o do Parâ nas festas da Conizaçaõ de S. Joaõ Franc.o Regis, huã Tragicomedia; Titulo = Hercules Gallicus Religionis Vindex, Plausus Theatralis D.o Joãni Franco Regis Societatis JESU Sanctorum Fastis reun = ter adscripto de genu dicatus ab Externorũ Magistro in Coll.o Paraensi ejusdem Societatis Anõ Dñi 1739. = Aqual obra estâ p.a se dar a imprensa. Consta de explicar por Especie Poetica as Missoens do S.to Na França e os suores, e trabalhos, que padeceu em converter pecadores licensiosos, [f. 509v] e Reduzir Hereges Calvinistas.”

(12)

igreja jesuíta em São Luís havia sido escrita por Gabriel Malagrida, que trabalhou de forma intermitente como professor e missionário no Maranhão entre 1721 e 1754. O único registro da representação dessa peça, que versava sobre a conversão de Inácio de Loyola, é uma petição de 1735, onde os estudantes Teodoro da Cruz e Antônio Moreira solicitavam permissão para encenar a peça dentro da igreja do colégio local (ARSI Bras 26: 287-288v. Cf. também Leite 1938-50, v. 4: 298)20. Franz Retz, superior dos Jesuítas, concedeu a permissão em fevereiro do ano

seguinte. A decisão de Retz, transcrita em um códice de ordenações na Biblioteca Pública de Évora, foi transcrita logo abaixo de um registro de 1731, em português, contendo a exata proibição contra a qual os estudantes peticionavam (BPE, CXVI/2-2: 164-5).

8. Tragedias. Naõ Concinta V. R.a se façaõ Tragedias, e m.to menos na Igreja, e com vestidos de mulheres, e com papeis em portugues, ou em lingua da terra. O P. Comiss.o G.al Henrique de Carv.o ao P.e Vizitador Jozeph Vidigal 1731, vd 32. 9. Quæ circa Tragoedias ff.a Conveniens puto fore, ut aliqua cum cõmode potuerit pro illis recitandis Domus Construatur; Si vero aliquas interea permittendas R.a V.ra Censuerit, dispenso in Regula 58.a [165] sui officii, ut in Ecclesia nostra fieri possint, dum modo hac per multũ temporis non impediatur, et illae de salvo argumẽto Compositae sint. P. Retz ad P. Jozephũ de Souza 23 Febr. 1736.

[Tradução do número 9]: Com respeito às Tragédias [abr.] Julgo conveniente que alguma casa deva ser construída quando for conveniente, permitindo que [as tragédias] sejam recitadas; no meio-tempo, se V.Exa. achar que algumas [tragédias] sejam dignas de serem autorizadas, de acordo com o que prescreve a Regra 58, eu decido que elas possam ser realizadas em nossa igreja, desde que ela não fique obstruída por muito tempo e que [as tragédias] sejam escritas sobre assunto sem prejuízo [à dita regra].

Estudantes e professores dos colégios jesuítas da América portuguesa percebiam a diferença entre leis duras e leis moles. Quando um padre visitador alertava que os atores não deveriam vestir-se como mulheres, explicando em seguida que trajes de ninfas eram aceitáveis, ou que era melhor que não se representassem tragédias, só para explicar em seguida que elas poderiam ser encenadas uma vez ou outra e com poucos cenários, ele estava na realidade ensinando-os a contornar as proibições. E, se outro sacerdote declarava veementemente que “tragédias não devem ser permitidas, e muito menos na igreja”, ele revelava que algumas coisas eram menos proibidas do que outras.

Conclusão

Promotores incansáveis das reformas tridentinas, os jesuítas desempenharam um papel importante na implementação de padrões de comportamento e preferências estéticas na América portuguesa. A princípio limitadas ao âmbito pedagógico e pastoral, medidas como a segregação por gênero, a confissão frequente e a ênfase na religiosidade doméstica também contribuíam para

20 A documentação referente a esta solicitação compreende duas cartas em latim, mas nenhuma delas fornece o título ou o idioma da obra.

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fortalecer o exercício de poder da elite patriarcal. Por outro lado, o emprego do latim como idioma da poesia e do teatro entre os jesuítas tornou-se um elemento nada desprezível na definição do perfil do letrado colonial até meados do século XVIII. Em resumo, o teatro neolatino cultivado nos colégios e seminários da América portuguesa refletia a visão de mundo e as prioridades pedagógicas e estéticas dos jesuítas ao mesmo tempo em que legitimava o poder temporal que permitia e se beneficiava da atuação da Companhia de Jesus na colônia. Resta discutir se a segregação das plateias por gênero nas festas públicas, tablados de comédias e casas da ópera e a exclusão da mulher como agente em certas práticas performativas durante boa parte do período colonial seriam manifestações análogas de práticas sociais já enraizadas que enfatizavam o confinamento feminino ou se, em certos casos, poderiam ser creditadas a empréstimos das práticas teatrais jesuíticas.

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Anexo - Cronologia do teatro jesuítico e neolatino na América portuguesa

25 Dez. 1565? [Auto da] Pregação Universal (texto: José de Anchieta); São Paulo (átrio da Igreja do Colégio de Piratininga). (ANCHIETA, 1933: 476. CAXA, 1942).

31 Dez. 1565 - 1576

[Auto da] Pregação Universal (texto: José de Anchieta). Aldeia de São Vicente, São Paulo, e em “muitas partes da costa”.

(ANCHIETA, 1933: 476).

2 Fev. 1573 Dialogo; Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Início do ano acadêmico. (ARSI, Bras 12: 64. “Historia de la Fundacion”, 1927: 24).

Fev. 1574 Egloga Pastoril; Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Início do ano acadêmico. (ARSI, Bras 12: 647v. “Historia de la Fundacion”, 1927: 32).

2 Jun. 1575 Dialogum de Sacro Sanctae Eucharistiae (texto em vernáculo, escrito por “um irmão”); Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Representado no dia de Corpus Christi.

(Annuae Litterae, 1576: 296. HOLLER, 2006, v. 2: 215).

Dez. 1575 Tragedia sobre la historia del Rico abariento y Lazaro pobre (texto em latim, possivelmente escrito pelos alunos); Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Conclusão do curso de latim ministrado por Gabriel Gonçalves; feita “com grande aparato”.

(ARSI, Bras 12: 70v. “Historia de la Fundacion”, 1927: 39).

Maio 1576 Egloga pastoril acomodada a la tierra; Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Recebimento do Bispo D. Antonio Barreiros.

(ARSI, Bras 12: 72v. “Historia de la Fundacion”, 1927: 45).

1578 Pia actio in theatrum; Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Luiz da Fonseca, carta ânua de1578. (ARSI, Bras. 15: 304v).

1581 Tragicomedia; Salvador, Bahia (Colégio da Bahia). Festa das 11,000 Virgens. Anchieta, carta de 1 Jan. 1583. (ARSI, Bras. 15: 326v).

1583 Grave e alegre recebimento; Salvador, Bahia (Colégio da Bahia). Recebimento do Padre Cristóvão Gouveia, que trouxe uma relíquia das 11,000 Virgins, em “procissao solemne, com frautas, bôa musica de vozes e dancas”.

Anchieta, carta ânua de 1583. (ARSI, Bras. 8, cod. 1: 4v. CARDIM, 1925: 287. HOLLER, 2006, v. 2: 369). 2 Jul. 1583 Diálogo, cantigas pastoris; Aldeia de Abrantes, Espírito Santo. “Outros sairam com uma dança d’escudos á

portugueza, fazendo muitos trocados e dançando ao som da viola, pandeiro e tamboril e frauta, e juntamente representavam um breve dialogo, cantando algumas cantigas pastoris”.

(CARDIM, 1925: 292. HOLLER, 2006, v. 2: 370).

4 Jan. 1584 Diálogo Pastoril [...] em língua brasílica, portuguesa e castelhana; Aldeia de Abrantes, Espírito Santo. Representado pelos índios; “houve bôa musica de vozes, frautas, danças”.

(CARDIM, 1925: 303. HOLLER, 2006, v. 2: 371).

1584 Breve diálogo, boa música; Olinda, Pernambuco (Colégio de Pernambuco). Recebimento do Padre Cristóvão Gouveia; representado pelos estudantes de humanidades, “tangendo e dançando muito bem”.

(CARDIM, 1925: 329. HOLLER, 2006, v. 2: 374).

17 Out. 1584 [Auto das 11,000 Virgens]; Salvador, Bahia (Colégio da Bahia). Recebimento do Padre Gouveia, “durante a tarde foi mostrado um diálogo muito formoso, [...] que foi recebido alegremente pelos próprios anjos que cantavam alegres”.

(Annuae Litterae, 1584: 142-3. CARDIM, 1925: 337. HOLLER, 2006, v. 2: 374).

8 Dez. 1584 Diálogo da Ave Maria (texto: Alvaro Lobo); Aldeia de N. S. da Conceição, Espírito Santo. (CARDIM, 1925: 340. HOLLER, 2006, v. 2: 375).

Dez. 1584 Devoto dialogo do Martyrio do Santo com choros e varias figuras ricamente vestidas [S. Sebastião]; Rio de Janeiro (“theatro à porta da Misericórdia com uma tolda de uma vela”). Recebimento do Padre Gouveia e das relíquias de S. Sebastião.

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1585-95 Quando no Espírito Santo se recebeu uma relíquia das 11 Mil Virgens (texto: José de Anchieta, em português); Vitória, Espírito Santo (Confraria das 11,000 Virgens).

(ARSI Opp. NN 24: 33v-36v).

22 Set. 1586 [Auto de S. Maurício and Vila da Vitoria] (texto: José de Anchieta, em português e espanhol); Vitória, Espírito Santo (Colégio).

(ARSI, Opp. NN 24: 100-130v).

10 Ago. 1587 Na Festa de S. Lourenço (texto: José de Anchieta, em tupi, espanhol e português; preparado por Manuel do Couto); Aldeia de S. Lourenço, Niteroi. Entre os atores, Francisco da Silva e Antonio Mariz, alunos do Colégio do Rio de Janeiro.

ARSI, Opp. NN 24, f. 60-95v. Simam de Vasconcellos, Vida do Veneravel Padre Ioseph de Anchieta (VASCONCELOS, 1672: 48-50, 237-8).

1587 Recebimento que fizeram os Indios de Guaraparim ao Padre Provincial Marçal Beliarte (text: José de Anchieta, in Portuguese and Tupi); Aldeia de Guaraparim, Espírito Santo.

(ARSI, Opp NN 24: 21-24).

21 Out. 1589 Assueri deinde historia a nostris discipulis pulcherrime acta; Salvador, Bahia (Colégio da Bahia). Festa das 11,000 Virgens; “A história de Assuero foi lindamente representada pelos nossos alunos”.

(Annuae Litterae, 1591: 462).

15 Ago. 1590 Dia da Assunção quando levaram sua imagem a Reritiba (texto: José de Anchieta, em tupi e espanhol); Aldeia de Reritiba, Espírito Santo.

(ARSI, Opp NN 24: 27-31v).

1596 Espetáculos; Pernambuco.

(ARSI, Bras. 15: 423v).

1598? Na Visitação de S. Isabel (texto: José de Anchieta, em espanhol); Vitória, Espírito Santo (ARSI, Opp NN 24: 200-206).

1604 Tragoedia publicem magnu apparatu data fuit (texto em latim); Olinda, Pernambuco (Colégio de

Pernambuco, Confraria das 11,000 Virgens). Festa das 11,000 Virgens; “uma tragédia foi representada ao público com grande aparato”.

(ARSI, Bras. 8, cod. 1: 50v. HOLLER, vol. 2, 228).

1615 Representavam diálogos e ao divino faziam danças e folias; Maranhão (em uma expedição pelo interior da Capitania).

Padre Manuel Gomes, carta de 2 Jul. 1621. (BNP, MSS 29, no. 31: 2).

1620 Drama (texto em latim); Salvador, Bahia (Colégio dos Jesuítas). Sobre a vida de S. Francisco Xavier, em quatro partes, partida de Lisboa, chegada à India, entrada no Japão, morte às portas da China.

(ARSI, Bras 8, cod. 2: 277v. LEITE, 1938-1950: 300).

Dec. 1622 Giuochi di cavallo, tori, guerre, carriere, una comedia, ed altri trattenimenti cavallereschi; canonização de S. Francisco Xavier.

(ARSI, Bras 8, cod. 2: 321-324v).

1626 Diálogo (texto: Padre Luís Figueira); São Luís, Maranhão (Igreja de N. S. da Luz). Consagração da Igreja. Personagens incluiam Gentilismo, Cristianismo, e a Igreja Nova do Maranhão.

(ARSI, Bras 8, cod. 2: 387. LEITE, 1938-1950, v. 4: 296).

1668 Auto de São Francisco Xavier; São Luís, Maranhão (Colégio do Maranhão). (ARSI, Bras 3, cod. 2: 69. LEITE, 1938-1950, v. 4: 296).

20 Ago. 1677 Comédia; São Luís, Maranhão (Átrio do Convento de N. S. das Mercês). (SOUSA, 1960: vol. 1, 107).

Jan. 1678 Representações teatrais; Rio de Janeiro (Convento de S. Antonio). Instalação da Província Franciscana da Imaculada Conceição.

Coaracy, O Rio de Janeiro no Século XVII, 190. (SOUSA, 1960: vol. 1, 107).

1680 Comediazinha; São Luís, Maranhão (Colégio de N. S. da Luz, transferida para a Igreja Matriz devido à chuva). Recebimento do Bispo Dom Gregório dos Anjos.

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Depois de Out. 1688

Tragédia Pública (preparada por Thomaz do Couto, mestre de Latim); São Luís, Maranhão (Colégio do Maranhão). Conclusão do ano acadêmico.

(BETTENDORF, 1909: 454. HOLLER, 2006, v. 2: 456).

Depois de 1698 Comedias (preparadas por Thomaz do Couto, mestre de latim); Maranhão e/ou Rio de Janeiro. Ele exercitava “seus discipulos em recitar poemas, declamar oracoes, representar admiravelmente comedias, com que surprehendia toda a cidade.”

(BETTENDORF, 1909: 532. HOLLER, 2006, v. 2: 487).

antes de 1719 Comédia Constancia com Triunfo; (texto: José Borges de Barros). Salvador, Bahia. (MACHADO, 1759, v. 4: 201-202).

antes de 1725 3 Autos Sacramentais (texto: Gonçalo Ravasco Cavalcanti de Albuquerque, em latim); Salvador, Bahia. (MACHADO, 1759, v. 2: 401).

antes de 1725 Tragicomoediam Virgineae Assumptionis (texto: Padre Juliano Xavier, em latim); Salvador, Bahia (Colégio da Bahia).

Marcos da Távora, carta ânua de 1727. (ARSI, Bras 10, cod. 2: 293-301. HOLLER, 2006, v. 2: 291). 1729-1757 Tragedia Silentium Constans (texto: Jeronimo Gama, em latim); São Luís, Maranhão (Colégio do Maranhão).

Introduzindo a devoção a S. João Nepomuceno na cidade, a peça teria sido a “foi a 1.a, q̃ no metro Tragico se reprezentou no M.am”. Um “extrato” em português foi distribuído entre a população. Notícia das missões dos jesuítas no Maranhão desde 1712 até 1757; (BPE, CXV/2-14 no. 23: 286-286v. HOLLER, 2006, v. 2: 486, cópia do IHGB).

1731 Muzica e huma tragicomedia […] era o asũpto o da concordia (texto provavelmente em latim); São Luís, Maranhão (Igreja da Madre de Deus).

Alexandre de Sousa Freire, carta a Paulo da Silva Nunes, 11 Set. 1731. (AHU, Brasil, Pará, Cx. 13, D. 1193).

1735 Tragédia da vida e conversão de Santo Inácio (texto: Gabriel Malagrida, em latim); São Luís, Maranhão (Igreja do Colégio do Maranhão).

(ARSI, Bras 26: 287-288v. LEITE, 1938-1950, v. 4: 298).

Antes de 1737 Tragicomedia ao martyrio de Santa Felicidade e seus filhos (texto: Frei Francisco Xavier de Santa Teresa, em latim); Olinda, Pernambuco (Convento de Santo Antonio). “Consta de todo o genero de versos latinos [...] se conservaõ no Convento de Santo Antonio de Olinda” (MACHADO, 1759, v. 2: 303-4). 1739 Hercules Gallicus Religionis Vindex (texto: Aleixo de Santo Antonio, em latim); Belém, Pará (Colégio do

Pará). Canonização de Jean-Francis Regis.

Joseph Vidigal, carta a D. Francisco d’Almeida Mascarenhas, Principal da Igreja Patriarcal de Lisboa, Colégio do Pará, 7 Out. 1739. (BPE, CXV / 2-13: 508. MACHADO, 1759: vol.. 4, 7. HOLLER, 2006, v. 2: 197).

. . .

Rogério Budasz interessa-se por instrumentos antigos de corda dedilhada, teatro musical luso-brasileiro e conexões musicais afro-ibéricas. Suas pesquisas mais recentes focalizam a circulação atlântica de músicos, instrumentos e repertórios, abordando questões de poder, etnicidade e reconfiguração cultural. Publicou três livros, vários capítulos de livros e artigos em Music & Letters,

Early Music, Music & Art, Studi Musicali, e Revista Portuguesa de Musicologia, entre outros periódicos.

Apresentou-se e gravou com o Quarteto de Violões de Curitiba (1987-93) e Grupo Banza (2002-08). Possui bacharelado em violão pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba (1992), mestrado em musicologia pela Universidade de São Paulo (1996) e doutorado em musicologia pela Universidade do Sul da Califórnia (2001), onde foi orientado por Bruce Alan Brown e James Tyler. Página Academia.edu: https://ucriverside.academia.edu/RogerioBudasz. budasz@ucr.edu

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