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O apoio matricial como dispositivo para a gestão da Estratégia Saúde da Família: o caso de João Pessoa - PB

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Academic year: 2021

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CURSO DE MESTRADO

REBECCA CABRAL DE FIGUEIRÊDO GOMES PEREIRA

O APOIO MATRICIAL COMODISPOSITIVO PARA A GESTÃO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: O CASO DE JOÃO PESSOA - PB

Recife - PE 2015

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O APOIO MATRICIAL COMO DISPOSITIVO PARA A GESTÃO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: O CASO DE JOÃO PESSOA - PB

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Integrado em Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, como pré-requisito para obtenção do grau de mestre. Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

ORIENTADORA: PROFa. DRa. MARIA BEATRIZ LISBÖA GUIMARÃES

Recife - PE 2015

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P436a Pereira, Rebecca Cabral de Figueirêdo Gomes.

O apoio matricial como dispositivo para a gestão da estratégia saúde da família: o caso de João Pessoa - PB / Rebecca Cabral de Figueirêdo Gomes Pereira. – 2015.

89 f.: il.; 30 cm.

Orientadora: Maria Beatriz Lisbôa Guimarães.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CCS, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Recife, 2015.

Inclui referências, apêndices e anexos.

1. Gestão em saúde. 2. Atenção primária à saúde. 3. Estratégia saúde da família. I. Guimarães, Maria Beatriz Lisbôa (Orientadora). II. Título.

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O APOIO MATRICIAL COMO DISPOSITIVO PARA A GESTÃO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: O CASO DE JOÃO PESSOA - PB

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Integrado em Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, como pré-requisito para obtenção do grau de mestre. Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

Aprovada em 06/07/2015.

____________________________________________________ Profa. Dra. Maria Beatriz Lisbôa Guimarães (DMS/UFPE)

Orientadora

______________________________________________________ Profª. Dra. Adriana Falangola Benjamin Bezerra (DMS/UFPE)

Examinadora Interna

__________________________________________________ Profª. Dra. Juliana Sampaio (DPS/UFPB)

Examinadora Externa AGRADECIMENTOS

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citar pessoas que contribuíram nessa caminhada, mas vamos ao exercício:

Sou grata a toda minha família, mas devo assumir que o núcleo mais próximo (pai, mãe, titi e Sarah) tem fundamental importância nesse processo, assim como em toda a minha vida. A certeza de ser amada incondicionalmente por essas pessoas é a base para todo o meu percurso, minha busca pela felicidade e a tentativa de devolver ao mundo esse amor que eles fazem com que transborde em mim. Saulo chegou mais tarde nesse núcleo, mas possui cadeira cativa. E Davi, aquele que fez com que eu conceituasse novamente a tal da prioridade desde a sua chegada a pouco mais de quatro anos, é o maior presente até hoje na minha vida. Acompanhar seu crescimento e ter o privilégio de aprender diariamente com ele me traz mais energia para lutar por menos injustiça nesse mundo.

Agradeço aos meus companheiros nessa caminhada, meus queridíssimos amigos: Juliana, Rafaela, Carol, Jayvson e Isaac. Esses estão presentes em todos os momentos, não apenas com palavras doces, mas sempre com a intenção de me ver evoluir. Douglas teve papel fundamental nesse processo por literalmente cuidar de mim numa fase onde além do tratamento profissional, dedicou-se com o carinho do amigo que já conhecia no acolhimento das minhas dificuldades. Cesinha também se tornou especial nesse processo, contribuindo para meu aprendizado e enriquecimento durante diálogos e pelo MP4 compartilhado.

Mariana e Vanovya, meu grupo cativo no mestrado também merecem ênfase dentre a “coorte 2013”, como toda a turma era carinhosamente chamada por membros do programa. Elas são as amigas que cativei e fui cativada durante esses dois anos. Essa amizade é presente de um período de intenso aprendizado e, assim espero que continuemos aprendendo juntas, talvez não mais nas salas de aula ou nos debates acadêmicos, mas pela vida afora.

Sou grata aos professores do programa e ao querido Moreira. Quando falo dos professores, destaco que o professor Djalma, apesar de oficialmente não ocupar essa função perante a UFPE, faz parte desse grupo com preciosas contribuições. Destaco também as professoras Heloísa, Adriana e Ronice, não desmerecendo os outros, mas essas três me trouxeram reflexões sobre o campo da Saúde Coletiva que permanecerão presentes na minha

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Tenho muito a agradecer também a minha orientadora. Bia não ocupou e nem se preocupou em ocupar apenas essa função, ganhei outra mãe na vida. Não me lembro de nossas sessões de orientação sobre a pesquisa terem se limitado a ela. É um privilégio ter reconhecido uma mãe tão iluminada nesse curto espaço de tempo, o que traz a certeza que essa relação não se encerra com a entrega deste produto.

Minha experiência profissional que precede o mestrado, na Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, foi determinante para o desenvolvimento dessa pesquisa e desse período também trago grandes aprendizados e fortes amizades. Quero agradecer com muito apreço a todos que fizeram parte dessa fase na minha vida: os amigos da USF Mudança de Vida, do DS II, do Colegiado da Atenção Básica e de outros setores da SMS. Desse, que foi meu primeiro emprego, tive a oportunidade de conviver com exemplos de profissionais que desejo seguir e outros que não desejo conviver outra vez. Agradeço a todos, assim como agradeço aos profissionais e gestores que se disponibilizaram a contribuir diretamente com essa pesquisa e às amigas voluntárias que viabilizaram a realização dos grupos focais.

Também quero agradecer aos amigos de longe e de perto, que em algum momento estiveram presentes nessa batalha e que vibram comigo por essa conquista. Há um Brasil de amigos sanitaristas que ficam felizes pela minha conquista, assim como fico com suas conquistas, pela certeza que tentaremos somar nossas forças pela consolidação do SUS com vistas à melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros.

Por fim, agradeço ao universo e aos espíritos amigos que estão ao meu lado pela oportunidade vivida. Sigo com o compromisso de trabalhar por uma sociedade menos injusta e lutar para que eu cumpra o que me foi planejado. Ocupar o lugar privilegiado que ocupo me faz acreditar que tenho muito que aprender e devolver ao universo.

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Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.

Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. (Carlos Drummond de Andrade)

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O apoio matricial é uma estratégia de gestão que visa produzir uma nova cultura organizacional estimulando o compromisso das equipes com a produção do cuidado. No contexto da pesquisa, a Atenção Básica é o nível de atenção ao qual o apoio matricial está vinculado. O objetivo do presente estudo é analisar o trabalho do apoio matricial à Estratégia Saúde da Família em João Pessoa – PB. Trata-se de um estudo de campo exploratório de natureza qualitativa do tipo estudo de caso. Foi realizada uma breve descrição sobre a implantação do apoio matricial no município, seguida das categorias desenvolvidas, a saber: evidências do apoio matricial como dispositivo de gestão, instrumentos de trabalho do apoiador matricial e influência do apoio matricial no processo de trabalho das equipes de Saúde da Família. Destacam-se, nos resultados, a diversidade de concepções sobre a função do apoio matricial, a importância dada às demandas gerenciais realizadas pelos apoiadores, a dificuldade em desenvolver um trabalho que se aproxime dos princípios e diretrizes da Atenção Primária à Saúde, devido à precarização do vínculo empregatício nessa função, e a necessidade de estudos complementares para melhor compreensão sobre o fenômeno.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão em saúde. Atenção primária à saúde. Estratégia saúde da família.

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The matrix support is a management strategy that aims to produce a new organizational culture, stimulating the teams’ engagement with the care production. In the research context, Primary Health Care is the level of care where the matrix support is linked. The purpose of the current study is to analyze the matrix support to the Family Health Strategy in João Pessoa – PB. This is an exploratory field study, whose kind is case study with a qualitative approach. A brief description of the matrix support was made, the following categories were developed: evidences of the matrix support as a management tool, matrix supporter’s work instruments, and the influences of the matrix support in Family Health teams’ work processes. On results, some informations can be highlighted like the diversity of conceptions concerning the matrix support’s functions, the importance given to the management demands developed by the supporters, the difficulty in developing a work that get closer to the Primary Health Care principals and policies,due to precarious employment links in this function and the need of complementary studies aiming a better comprehension of the phenomenon.

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AB Atenção Básica

ACS Agente Comunitário de Saúde APS Atenção Primária à Saúde CAB Caderno de Atenção Básica DS Distrito Sanitário

DS I Distrito Sanitário I DS II Distrito Sanitário II DS III Distrito Sanitário III DS IV Distrito Sanitário IV DS V Distrito Sanitário V

EPS Educação Permanente em Saúde ESF Estratégia Saúde da Família

IDH Índice de Desenvolvimento Humano MS Ministério da Saúde

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde PNAB Política Nacional de Atenção Básica

PMS Plano Municipal de Saúde PTS Projeto Terapêutico Singular PST Projeto de Saúde do Território RAG Relatório Anual de Gestão SMS Secretaria Municipal de Saúde SUS Sistema Único de Saúde USF Unidade de Saúde da Família

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1 INTRODUÇÃO ... 12

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 16

2.1 ATRIBUIÇÕES DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A INCORPORAÇÃO DO APOIO MATRICIAL NA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA... 16

2.2 O CUIDADO E OS LIMITES DA RACIONALIDADE CIENTÍFICA ... 19

2.3 O APOIO MATRICIAL COMO DISPOSITIVO DE GESTÃO DO CUIDADO NA ESF ... 20

2.4 INSTRUMENTOS PARA OPERACIONALIZAÇÃO DO APOIO MATRICIAL ÀS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA ... 22

2.4.1 Dimensão do ser: o vínculo no trabalho do apoiador matricial à ESF ... 22

2.4.2 Dimensão do poder: a construção da cogestão e da autonomia na ESF .... 23

2.4.3 Dimensão do saber: o território, a epidemiologia, as políticas de saúde, a clínica e o matriciamento ... 25 3 OBJETIVOS ... 30 3.1 OBJETIVO GERAL ... 30 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 30 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 31 4.1 TIPO DE ESTUDO ... 31 4.2 LOCAL E PERÍODO ... 32 4.3 SUJEITOS DA PESQUISA ... 33 4.4 COLETA DE DADOS ... 35

4.5 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS ... 38

4.6 ASPECTOS ÉTICOS ... 40

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 41

5.1 IMPLANTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO APOIO MATRICIAL EM JOÃO PESSOA – PB ... 41

5.2 PERCEPÇÕES DOS PROTAGONISTAS SOBRE O APOIO MATRICIAL EM JOÃO PESSOA ... 45

5.2.1 Evidências do apoio matricial como dispositivo de gestão ... 45

5.2.1.1 Concepções e expectativas em torno do apoio matricial ... 45

5.2.1.2 Processo de trabalho e condução do apoio matricial ... 53

5.2.2 Instrumentos de trabalho do apoiador matricial ... 57

5.2.3 Influência do apoio matricial no processo de trabalho das equipes de Saúde da Família ... 65

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 69

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APÊNDICE 03 ... 81 APÊNDICE 04 ... 82 ANEXOS ... 85 ANEXO 01 ... 86 ANEXO 02 ... 88 ANEXO 03 ... 89

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1 INTRODUÇÃO

Apesar de frequentemente serem termos utilizados como sinônimos, Atenção Primária à Saúde e Atenção Básica têm origens e significados diferentes. No presente estudo, ambos serão utilizados considerando suas construções históricas, não o uso frequente. Atenção Primária à Saúde (APS) é um conceito desenvolvido no período da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma Ata no ano de 1978 (GIL, 2006; SOUSA; HAMANN, 2009). Está ligado à proposta de essa ser uma alternativa para a mudança do modelo assistencial. Atenção Básica (AB) é um conceito utilizado a partir do contexto dos ajustes econômicos nos países subdesenvolvidos fortemente influenciados pelas agências internacionais a partir da década de 1990 que revela políticas de saúde de baixo custo e focalizadas. Este movimento também é denominado por diversos autores como ofensiva neoliberal.

No período do Movimento Sanitário Brasileiro, adotou-se o conceito da APS de acordo com os preceitos internacionais de cuidados primários. O ápice desse movimento foi atingido com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), proposto na 8ª Conferência Nacional de Saúde e regulamentado através das leis Nº 8.080 e 8.142, ambas em 1990. Nessa ocasião, algumas diretrizes organizativas foram normatizadas com o intuito de facilitar a operacionalização do SUS. São elas: regionalização, hierarquização e descentralização político-administrativa, com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios. A partir de então, foi desencadeado um extenso processo de municipalização dos serviços e o ente federativo em destaque se tornou a instância para onde os incentivos financeiros foram dirigidos e o principal responsável pelo nível primário de atenção à saúde. Durante o período de implementação e operacionalização do sistema nacional de saúde, passou-se a utilizar AB cotidianamente, especialmente durante a implantação do antigo Programa Saúde da Família (GIL, 2006).

O município é o ente federativo cujas atribuições estão atreladas diretamente ao funcionamento do nível primário de atenção. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) apresenta as responsabilidades dos municípios para com a Atenção Básica. Dentre as listadas no documento, estão: organizar, executar e gerenciar os serviços e ações desse nível de atenção à saúde, de forma universal, dentro do seu território; prestar apoio institucional às equipes e serviços no processo de implantação, acompanhamento e qualificação da AB e de ampliação e consolidação da Estratégia Saúde da Família; definir estratégias de

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institucionalização da avaliação da AB; desenvolver ações e articular instituições para formação e garantia de educação permanente aos profissionais de saúde das equipes de AB e das equipes de Saúde da Família e garantir estrutura física, recursos materiais, equipamentos e insumos suficientes para o funcionamento das unidades de saúde e para a execução do conjunto de ações propostas (BRASIL, 2012).

O Ministério da Saúde (MS) enfatiza a Estratégia Saúde da Família (ESF) enquanto a principal estratégia para a expansão da Atenção Básica no território nacional. Com o objetivo de ampliar a abrangência das ações na Atenção Básica, consequentemente sua resolutividade, e fortalecer o processo de territorialização e regionalização da rede de saúde por meio da ESF, o MS cria o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Este programa é lançado através da Portaria Nº 154/ 2008 e atualmente integra a PNAB. O número de equipes de Saúde da Família e equipes NASF é constantemente ampliado. Atualmente a ESF tem cobertura estimada superior a 50% de toda a população brasileira. Tanto nesta política quanto nos Cadernos de Atenção Básica Nº 27 e Nº 39, documentos ministeriais que tratam do NASF, sugere-se que os trabalhadores desse programa atuem diretamente no apoio matricial às equipes de Saúde da Família e ao território aos quais estão vinculados (BRASIL, 2012; BRASIL, 2010b; BRASIL, 2014).

O apoio matricial se inscreve nas estratégias de implementação de novos arranjos que visam produzir uma cultura organizacional que estimule o compromisso das equipes com a produção de saúde, permitindo-lhes simultaneamente, a realização pessoal e profissional (CAMPOS; DOMITTI, 2007; CAMPOS; GUERRERO, 2010). O processo de trabalho do apoiador tem como finalidade articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses de trabalhadores e usuários (CAMPOS, 2003). Para Campos e Guerrero (2010), o apoio matricial se apresenta como estratégia para ampliação das possibilidades da atenção à saúde, elevando os níveis de vínculo com responsabilização. O apoio matricial introduz no processo de trabalho novas possibilidades de trocas de saberes entre os profissionais de saúde e favorece maior articulação e qualificação da rede de serviços que compõe o sistema de saúde, independentemente do nível de atenção ao qual está vinculado.

Quando o apoio matricial se apresenta da forma descrita, com capacidade de reflexão e mudança sobre o processo de trabalho das equipes de Saúde da Família para as quais é referência, por meio de mecanismos do ser, do saber e do poder, caracteriza-se como um dispositivo da PNAB. Weinmann (2006), baseado em Foucault e Deleuze, afirma que o termo dispositivo nessa ocasião pode ser traduzido como uma configuração específica de domínios do saber e de modalidades de exercício do poder, que possui uma função estratégica para o

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enfrentamento de problemas em um momento histórico. O autor também considera que dispositivo é um conjunto multilinear, composto por linhas de distintas naturezas, que o percorrem em todos os sentidos e se encontram em permanente desequilíbrio. Para a estabilidade de um dispositivo, é necessária a produção de rearranjos e de rearticulações constantes em sua configuração.

Considerando a potência do apoio matricial diante da ESF e o leque de elementos que constituem o seu processo de trabalho, faz-se necessário compreender quais são os instrumentos disponibilizados por uma gestão municipal da saúde e utilizados pelos apoiadores matriciais que possibilitam que o apoio matricial se configure como um dispositivo à gestão da ESF. Para tanto, algumas categorias foram consideradas com base na literatura específica sobre o apoio matricial, de forma que tanto os sujeitos que optam pela sua implantação quanto os que operam essa estratégia de gestão a construam como dispositivo à gestão da ESF.

A pesquisa foi desenvolvida no município de João Pessoa, capital paraibana, onde há registros de dez anos em que se expõe o desafio de produzir uma rede de cuidado progressivo de saúde, na qual a ESF assume o papel de contato preferencial dos usuários, porta de entrada principal no sistema de saúde e centro de comunicação da rede. Com a denominação de rede de cuidado progressivo em saúde, a gestão da saúde do município sugere uma rede qualificada, centrada nas necessidades dos usuários, composta por relações humanizadas e que seja produtora de cuidado, seguindo as diretrizes do processo da Reforma Sanitária Brasileira. Para a operacionalização desse projeto político, a gestão da saúde do município de João Pessoa utilizou quatro ideias-força: acolhimento, matriciamento, educação permanente e gestão do trabalho em saúde (JOÃO PESSOA, 2006). O matriciamento será a ideia-força desenvolvida nesse estudo devido ao fato de ser operacionalizada por um grupo de trabalhadores vinculados diretamente às equipes de Saúde da Família cuja função apresentará interfaces com as outras ideias-força.

O matriciamento foi adotado como um dos dispositivos da gestão da saúde em João Pessoa ainda durante o ano de 2006 e era entendido como a construção de momentos relacionais com trocas de saberes entre profissionais de diversas áreas e serviços de saúde. Tinha como objetivo proporcionar o estabelecimento de relações entre os sujeitos envolvidos com o cuidado, na tentativa de garantir a integralidade da atenção em todo o sistema de saúde. Dessa forma, a ideia inicial era que novas práticas na organização do trabalho fossem instituídas com os profissionais do nível central da Secretaria Municipal de Saúde por meio do matriciamento, envolvendo-os com a produção do cuidado. Simultaneamente, foram

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constituídas as equipes técnicas dos distritos sanitários, compostas por apoiadores matriciais. Estes, por sua vez, tinham como principal função realizar o acompanhamento técnico-operacional do processo de trabalho das equipes de Saúde da Família (JOÃO PESSOA, 2006; BERTUSSI, 2010).

A partir de 2008, quando a Portaria Nº 154/ 2008 é lançada pelo MS e o NASF é criado, o município de João Pessoa adere ao programa e amplia as equipes técnicas dos distritos sanitários dando continuidade ao matriciamento por meio do trabalho das dez equipes NASF contratadas. Atualmente, o município conta com 39 equipes NASF que continuam tendo o matriciamento como uma das suas funções (BRASIL, 2008; JOÃO PESSOA, 2014; CNES/SUS/MS, 2015). Ao longo dos dez anos de funcionamento do apoio matricial em João Pessoa, ocorreram diversas crises sobre a função do apoiador matricial, sendo a pesquisadora uma das envolvidas com esse projeto político por ter ocupado tanto a função de apoiadora matricial quanto de gestora de um dos distritos sanitários da capital paraibana, fato que influenciou na definição do objeto desta pesquisa.

Diante da magnitude da ESF no ordenamento da rede de atenção à saúde e do percurso do matriciamento com a finalidade de fortalecimento da Estratégia Saúde da Família no município citado, entende-se que este é um cenário oportuno para responder ao problema da pesquisa: como o dispositivo de gestão apoio matricial à Estratégia Saúde da Família ocorre em João Pessoa desde o início da sua operacionalização considerando os instrumentos utilizados para o desempenho dessa função, a disponibilidade dos mesmos pela gestão municipal da saúde e a percepção dos principais sujeitos envolvidos nesse processo.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 ATRIBUIÇÕES DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A INCORPORAÇÃO DO APOIO MATRICIAL NA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA

De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica, este nível de atenção está definido como um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a vigilância, a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (BRASIL, 2012). Deve ser o contato preferencial dos usuários, a porta de entrada principal e o centro de comunicação da rede de atenção à saúde, além de garantir a longitudinalidade do cuidado e buscar a integralidade da atenção (STARFIELD, 2002). Orienta-se pelos fundamentos e diretrizes da territorialização, acesso universal e contínuo, formação de vínculo e responsabilização, coordenação do cuidado e estímulo à participação popular (BRASIL, 2012).

Com o termo territorialização, coloca-se em questão a necessidade que o nível primário de atenção à saúde apresenta de adscrever determinada população a equipes de referência que trabalharão tanto no controle das doenças, quanto na promoção da saúde (BRASIL, 2012). A partir desse conceito, desenvolvem-se as ações em saúde de determinada equipe, que passa a ter responsabilidade sanitária, ou seja, está implicada em fazer com que os fatores ambientais e epidemiológicos que se relacionam com a saúde da população adscrita também estejam no escopo das suas ações de trabalho (CAMPOS; GUERRERO, 2010).

O acesso universal e contínuo propõe a longitudinalidade no processo de cuidado, está diretamente ligado e depende da formação de vínculo, acolhimento e responsabilização (BRASIL, 2012). Também pode ser interpretado aproximando-o da questão do direito à saúde. A formação de vínculo e responsabilização é primordial para o bom desempenho da Atenção Básica, esse princípio trata da relação que se constitui entre os trabalhadores e os usuários individualmente, em família ou com toda a comunidade a partir de um processo de corresponsabilização pela saúde ao longo do tempo (MERHY et al., 2007; CAMPOS; GUERRERO, 2010). Depende tanto da abertura da comunidade para o recebimento da equipe quanto das posturas dos profissionais e ferramentas utilizadas no trabalho, tanto para a

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constituição do vínculo entre os atores envolvidos quanto para o estímulo à autonomia e ao autocuidado de indivíduos, famílias e comunidade.

A coordenação do cuidado diz respeito à obrigação que o nível primário de atenção tem em organizar a rede de cuidado em conformidade com as necessidades de saúde identificadas nos territórios (STARFIELD, 2002). Segundo a PNAB, a organização da rede pressupõe o deslocamento do processo de trabalho centrado em procedimentos e profissionais para o centro no usuário, onde o cuidado é o principal objetivo de todas as práticas (BRASIL, 2012; MERHY et al., 2007). Nesse aspecto, Feuerwerker (2005) e Cunha (2010) chamam atenção para o fato de que a utilização da lógica usuário-centrada é proposta apenas para a Atenção Básica. A média e alta complexidades continuam operando na lógica centrada nos procedimentos.

A Atenção Primária ainda deve desenvolver a capacidade de dialogar com a necessidade que o sistema de saúde tem em fazer com que os cidadãos participem da construção do mesmo, além de formas de enfrentamento dos determinantes locais de saúde (BRASIL, 2012). Com a capilaridade dos seus programas e a aproximação com a população adscrita por meio do vínculo, o estímulo à participação popular pode ser facilitado.

A Estratégia Saúde da Família é a principal forma brasileira de operacionalização da Atenção Básica e deve contar com recursos das três esferas de governo para o seu financiamento, sendo que quando o município decide implantar a ESF, contará com um tipo específico de recurso do governo federal. O recurso de implantação das equipes de Saúde da Família é destinado para a estruturação das unidades de saúde, visando a melhoria da infra-estrutura física e de equipamentos para o trabalho das equipes. Os recursos destinados ao funcionamento da Atenção Básica formam o bloco da Atenção Básica e são repassados para os municípios em contas abertas especificamente para esse fim (BRASIL, 2012). Nessa discussão, perpassa mais uma vez o modelo indutivo do Ministério da Saúde de adesão dos municípios às políticas e programas para que tenham acesso aos recursos destinados à Atenção Básica (FEUERWERKER, 2005).

Quanto à composição da equipe, a ESF está condicionada à existência de equipe multiprofissional (equipe de Saúde da Família) composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Alguns autores criticam a composição da equipe de Saúde da Família argumentando que seu desenho, construído durante a ofensiva neoliberal, está relacionado a uma modalidade barata de garantia de acesso aos serviços de saúde à população mais vulnerável economicamente (CECÍLIO; MERHY; CAMPOS, 1997; MERHY, 1998). Pode-se acrescentar a esta

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composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: odontólogo e técnico em saúde bucal.

Outros autores afirmam que a Saúde da Família, à medida que foi considerada enquanto estratégia e não programa superou a proposição de política focalizada para ser reconhecida como uma política de proteção social. Esse processo se deu com a consolidação da ESF e seu potencial para a mudança do modelo assistencial brasileiro, baseado nos cuidados primários enquanto nível de atenção ordenador da rede de saúde (ESCOREL et al., 2007; GIOVANELLA et al.,2009).

Ainda sobre a equipe de Saúde da Família, são importantes duas observações. O número de ACS deve ser suficiente para cobrir toda a população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de doze ACS por equipe de Saúde da Família, não ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe. Por fim, cada equipe de Saúde da Família deve ser responsável por, no máximo, quatro mil pessoas, respeitando critérios de equidade para esta definição. Recomenda-se que o número de pessoas por equipe se aproxime de duas mil, considerando o grau de vulnerabilidade das famílias do território, sendo que quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor deverá ser a quantidade de usuários por equipe (BRASIL, 2012; BRASIL, 2013).

Considerando o contexto de implantação do antigo Programa de Saúde da Família, sua trajetória no território nacional e as normas vigentes em torno do seu funcionamento, observa-se que não há conobserva-senso na literatura sobre a qualidade do cuidado prestado no nível primário de atenção à saúde no Brasil. Para que a ESF atinja os princípios e funções da APS na rede de saúde, é necessário investir na qualificação do cuidado prestado. Nesse sentido, há inúmeras iniciativas em formato de políticas e programas lançados pelo governo federal, bem como iniciativas no nível municipal que visam a qualificação dos serviços na Saúde da Família.

Um dos programas federais vigentes com essa finalidade é o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), lançado através da Portaria Nº 154/ 2008 e que atualmente integra a PNAB. Propõe-se a criação de equipes multiprofissionais que atuem em parceria com a equipe mínima da ESF com o objetivo de ampliar a abrangência das ações na Atenção Básica, consequentemente sua resolutividade, e fortalecer o processo de territorialização e regionalização da rede de saúde a partir da ESF. A composição da equipe NASF deve ser definida pelos próprios gestores municipais e trabalhadores das equipes de Saúde da Família, mediante critérios de prioridades identificadas a partir das necessidades locais e da disponibilidade de profissionais de cada uma das diferentes profissões (BRASIL, 2012).

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Ainda na Política Nacional de Atenção Básica verifica-se que o NASF não se constitui porta de entrada do sistema para os usuários, mas sim de apoio às equipes de Saúde da Família no sentido técnico-pedagógico e clínico-assistencial (BRASIL, 2012; BRASIL, 2014). O MS publicou em 2010 o Caderno da Atenção Básica Nº 27, que apresenta as diretrizes para a atuação do NASF: ação interdisciplinar e intersetorial; educação permanente em saúde dos profissionais e da população; desenvolvimento da noção de território; integralidade, participação social, educação popular; promoção da saúde e humanização (BRASIL, 2010b).

Em 2014 foi lançado, também pelo MS, o Caderno de Atenção Básica Nº 39, que dispõe de ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano direcionado aos NASF. Nesse caderno, o MS apresenta como fatores que interferem na qualidade do cuidado ofertado na Atenção Básica: a capacidade de escuta e construção de vínculos; a resolutividade clínica; o suporte técnico-pedagógico às equipes de Saúde da Família; o acesso a recursos externos a AB; os modos de organização e gestão das agendas e a abrangência das ações ofertadas na ESF. Todos esses fatores merecem atenção e intervenções para que elevem a qualidade do cuidado (BRASIL, 2014).

A cultura institucional de verticalização, também apresentada como fator que interfere na qualidade da Atenção Básica, merece ser minimizada por sua interferência negativa perante as relações instituídas entre gestores e trabalhadores, assim como entre trabalhadores e usuários. Elenca-se, dentre as principais atribuições do NASF, a ampliação da capacidade de cuidado das equipes de Saúde da Família por meio da ampliação da clínica e a importância da disposição para compartilhamento de saberes e práticas em favor da defesa da vida dos usuários. Em todos os documentos citados sobre o NASF, há uma proposta para que os trabalhadores desse programa atuem diretamente no apoio matricial às equipes de Saúde da Família e ao território aos quais estão vinculados (BRASIL, 2014).

2.2 O CUIDADO E OS LIMITES DA RACIONALIDADE CIENTÍFICA

Considerando que a gestão do cuidado e as práticas que levam a esse fim no âmbito da gestão da ESF e da atenção nos serviços são objetos de trabalho do apoio matricial no contexto desta pesquisa, é necessário esclarecer o conceito utilizado para essa categoria. Será adotada a definição de Ayres (2011, p. 89), que relata ser o cuidado “uma conformação

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humanizada do ato assistencial, distinguindo-se daquelas que, por diversas razões, não visam a ampliação e flexibilização normativa na aplicação terapêutica das tecnociências da saúde”.

Nesse sentido, admite-se o notável avanço científico e tecnológico na área da saúde, modificando o seu processo de trabalho, orientando as práticas baseadas numa racionalidade estritamente científica e configurando o fenômeno que Schraiber (2008) definiu como a “crise da confiança”. Esta crise evidenciou o quanto a tecnologia, principalmente a tecnologia dura, a serviço da saúde não foi sensível às necessidades das pessoas e populações e, por essa mesma razão, a racionalidade científica não foi capaz de reconhecer seus próprios limites. Com isso, o trabalho em saúde se tornou uma prática hegemonicamente cristalizada, centrado na produção de procedimentos, que desrespeita as singularidades dos sujeitos, objetifica o usuário dos serviços e desconsidera as chamadas tecnologias leves (CECÍLIO; MERHY; CAMPOS, 1997; MERHY, 1998; AYRES, 2011).

Em resposta a essa realidade, também se admite a existência de posicionamentos políticos onde se encontram estratégias técnicas que propõem uma mudança radical no modo de operar a saúde, partindo do pressuposto de que o ato de cuidar é a finalidade última de qualquer serviço de saúde (MERHY et al., 2007). Entende-se que essa concepção de cuidado que se interessa pela promoção, proteção e recuperação da saúde faz referência às práticas assistenciais, mas também envolve as práticas de gestão, e é a que mais se aproxima da efetivação do princípio da integralidade. Portanto, deve-se buscar a qualificação do cuidado disponível em toda a rede de saúde e estrategicamente na ESF, devido às suas peculiaridades, para que se concretizem os princípios do SUS e o próprio direito à saúde seja garantido.

2.3 O APOIO MATRICIAL COMO DISPOSITIVO DE GESTÃO DO CUIDADO NA ESF

Mesmo no âmbito da Atenção Básica, com todas as suas peculiaridades, ainda é hegemônica a observação de que o trabalho das equipes de Saúde da Família limita-se a alcançar metas numéricas e procedimentos pré-determinados sem reflexão acerca da qualidade do serviço prestado. A proposta do NASF busca romper esta lógica e colaborar para a implementação de ações qualificadas, aumentando a capacidade resolutiva das equipes e problematizando os determinantes do processo saúde-doença e as possibilidades de enfrentamento dos fatores que levam ao adoecimento (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2009).

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Cabe ao NASF, para o desenvolvimento da função de apoio matricial à ESF, compreender a proposta e as inovações que essa função concebe. Com o termo apoio Campos e Domitti (2007) sugerem uma maneira para operar uma relação horizontal entre sujeitos que dispõem de diferentes saberes com a finalidade de gerir o cuidado mediante a construção de várias linhas transversais. Os autores propõem uma metodologia para ordenar a relação entre os profissionais envolvidos com o processo terapêutico com base em procedimentos dialógicos. O termo matricial indica a possibilidade de que a equipe de profissionais mantenha essa relação horizontal.

O apoio matricial se constitui como dispositivo para a gestão do cuidado por tratar de uma nova forma de relação entre os sujeitos com funções e poderes distintos e também de lidar com o conhecimento dos atores envolvidos. É uma metodologia que busca reduzir a fragmentação atual do processo de trabalho em saúde a partir da construção de novos arranjos de gestão e relações baseadas na horizontalidade. A ideia fundamental é colocar todas as partes da gestão (como a vigilância, a atenção, o planejamento e a regulação, por exemplo) em contato com o cotidiano do trabalho, operando a favor e não tentando subordinar o cotidiano da produção do cuidado às lógicas de cada setor do nível central (BERTUSSI, 2010).

Weinmann (2006) destaca que um dispositivo, em seus movimentos estratégicos, intervém de forma racional sobre o campo de forças em que se insere. Entretanto, o fato de as forças serem móveis, instáveis, heterogêneas e da tensão constantemente presente na rotina, torna incerta a estabilidade de um dispositivo. Diante disso, é necessária a produção de rearranjos e de rearticulações constantes em sua configuração. Portanto, à medida que se constrói a função de apoio matricial à ESF, faz-se necessária a reflexão sobre a sua prática e o planejamento sobre a mesma.

Para a operacionalização dessa função, parte-se do pressuposto de que o trabalho em saúde é uma prática relacional; reconhece-se a necessidade de percepção dos limites da racionalidade tecnicista hegemônica nesse tipo de trabalho, a também necessária ruptura com essa lógica e a problematização sobre a construção do cuidado a partir de outra racionalidade. Nesse sentido, Campos (2011) afirma que a racionalidade da práxis é mais adequada ao trabalho em saúde por exigir reflexão e criatividade do agente da prática. Em outras palavras, o autor afirma que o papel do profissional de saúde e seu processo de trabalho são radicalmente modificados em termos de recursos tecnológicos para o projeto terapêutico caso se adote essa racionalidade (CAMPOS, 2011).

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Diante da proposta de pôr em prática a racionalidade da práxis na função do apoio matricial, fazendo-o operar como dispositivo da gestão do cuidado na ESF, foram consideradas as dimensões nas quais deve operar qualquer dispositivo: ser, poder e saber, que serão discutidas a seguir (FOUCAULT apud WEINMANN, 2006). Foram eleitos como instrumentos necessários para a atuação desse trabalhador a constituição de vínculo com os trabalhadores da equipe de referência; a construção da cogestão e autonomia junto às equipes de referência; o compartilhamento dos saberes (matriciamento) e os saberes relacionados a essa prática: território, epidemiologia, políticas públicas e clínica.

2.4 INSTRUMENTOS PARA OPERACIONALIZAÇÃO DO APOIO MATRICIAL ÀS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA

2.4.1 Dimensão do ser: o vínculo no trabalho do apoiador matricial à ESF

O trabalho em equipe multiprofissional é um pressuposto para o desempenho da função de apoio matricial e a construção de vínculo entre profissionais do NASF e da equipe de Saúde da Família é a primeira recomendação presente no Caderno da Atenção Básica Nº 27. A proposta de desenvolvimento do trabalho em saúde com base na racionalidade da práxis considera as tecnologias relacionais como recursos necessários para esse trabalho. Nesse sentido, chama-se atenção para o vínculo entre apoiador matricial e profissionais das equipes de referência como uma das tecnologias relacionais mais importantes nessa função. A partir da construção de relações profissionais horizontais, fundamentadas na capacidade de escuta e troca de conhecimentos, acolhedoras e humanizadas, pode ser desenvolvida uma prática em saúde com objetivo de aprimorar o enfrentamento não apenas às condições clínicas encontradas nos consultórios, mas também aos determinantes locais do adoecimento (BRASIL, 2010b; CAMPOS, 2003; CAMPOS, 2011).

A problematização sobre o processo de trabalho das equipes de referência é uma atribuição do apoiador matricial. Campos (1999) considera o apoiador matricial um ator externo às equipes de referência ao descrever que um dispositivo propõe mudança organizacional, mas não integra a estrutura organizacional. Justifica-se a necessidade de formação de vínculo entre apoiador matricial e profissionais das equipes de referência para

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que haja um ambiente favorável onde as transformações de práticas resultantes das reflexões sobre o processo de trabalho possam ser implementadas. Além disso, o apoiador matricial a equipes de Saúde da Família deve levar em conta a responsabilização dos envolvidos sobre o processo de gestão do cuidado.

Compreendendo a complexidade das práticas na ESF e a necessidade de negociação com os usuários nesse nível de atenção, amplia-se o leque de atores com quem o apoiador matricial deve construir vínculo. Alguns autores afirmam que intervir sobre grande parte dos problemas de saúde de uma população sob responsabilidade de uma equipe na Atenção Básica é impossível sem conquistar a participação e a compreensão das pessoas. O vínculo dos profissionais das equipes de referência com os usuários amplia a eficácia das ações de saúde e favorece a adesão do usuário às propostas terapêuticas. Alegam também que capacidade de diálogo na Atenção Básica é realmente essencial e está associada à disposição para escuta, aceitação do outro e de seus saberes (CUNHA, 2010; SCHIMITH; LIMA, 2004).

O acolhimento também é considerado uma tecnologia relacional que possibilita a organização do processo de trabalho da equipe de Saúde da Família, além de facilitar o acesso, considerando também a diretriz da longitudinalidade do cuidado na APS. Está descrito como uma estratégia da Política Nacional de Humanização e pode ser considerado um instrumento de trabalho do apoiador matricial que qualifica as práticas de saúde na ESF. O acolhimento pode ser considerado como uma possibilidade de mudança do processo de trabalho a fim de atender a todos que procuram o serviço de saúde de forma satisfatória, objetivando o atendimento humanizado (SCHIMITH; LIMA, 2004). Apesar de os estudos referirem o vínculo entre os profissionais da equipe de referência com o usuário, admite-se que o acolhimento é instrumento de trabalho do apoiador matricial quando se considera a necessidade de desenvolvimento dessa tecnologia junto às equipes de Saúde da Família.

2.4.2 Dimensão do poder: a construção da cogestão e da autonomia na ESF

O apoio matricial como dispositivo de gestão aplicado à Saúde da Família relaciona esses atores a uma condição de poder diferenciada dos profissionais que constituem a equipe de Saúde da Família por não constituírem a equipe mínima, ou equipe de referência. Ao investir no desenvolvimento dessa função, há uma aposta na democratização do poder junto a esses profissionais, no estímulo à cogestão com responsabilidade sobre a regulação do sistema

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a partir de decisões coerentes com as diretrizes gerais do próprio sistema (CAMPOS; GUERRERO, 2010). Nesse sentido, o apoiador matricial não deve ser considerado o gestor do território, mas um ator que possui entre as suas atribuições o estímulo à autonomia das equipes de referência com relação à resolução dos problemas que ocorrem no seu cotidiano.

Schimith e Lima (2004) afirmam que um dos objetivos do trabalho no apoio matricial é a construção de sujeitos autônomos, tanto profissionais quanto usuários, pois não há construção de vínculo e compartilhamento de responsabilidades sem que os envolvidos sejam reconhecidos na condição de sujeitos, que falam, julgam e desejam. Campos e Domitti (2007) alegam que o método do apoio matricial depende da instituição de espaços coletivos de reflexão sobre o processo de trabalho, ou seja, do estabelecimento de algum grau de cogestão ou de democracia institucional. Segundo Shimizu e Carvalho Júnior (2012) caberia à gestão do nível mais macro estimular espaços de reflexão acerca do processo de trabalho. Esses autores assumem que a operacionalização cotidiana de práticas que combatam o modo hegemônico de produção da saúde, baseado na racionalidade estritamente científica e centrado em procedimentos, é um desafio a ser enfrentado por trabalhadores, gestores e pesquisadores e que uma estratégia de enfrentamento é a criação e o fortalecimento de mecanismos de cogestão do trabalho.

Há uma dimensão relacionada ao trabalho do apoiador matricial na ESF que não deve escapar ao estudo porque também diz respeito à construção da autonomia dos sujeitos na Atenção Básica. Baseado em diversos estudos, Cunha (2010) relata o potencial risco de a ESF produzir dependência do serviço na sua população devido à localização do serviço, prioritariamente no próprio território da sua população adscrita; às propostas terapêuticas que ocorrem nesse nível de atenção, relacionando as práticas individuais e coletivas; e pelo próprio vínculo estabelecido entre profissionais e usuários, onde muitas vezes estes se sentem inseguros em resolver seus problemas de saúde mais simples sem uma opinião profissional e simultaneamente encontram facilidade de acesso ao serviço, elevando a demanda.

Em resposta a esse “efeito colateral” da Atenção Básica, visto que um dos objetivos desse nível de atenção é estimular a autonomia no modo de andar a vida dos seus usuários, famílias e comunidade, Mattos (2013) e Cunha (2010) propõem uma reflexão sobre as consequências das práticas de cuidado ofertadas pelos profissionais de saúde, de modo que essas possíveis consequências sejam previstas pelos profissionais por meio do questionamento sobre o cuidado prudente ou necessário a cada sujeito acolhido.

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2.4.3 Dimensão do saber: o território, a epidemiologia, as políticas de saúde, a clínica e o matriciamento

A complexidade das necessidades de saúde que se apresentam na Atenção Básica foge ao saber acumulado pelos núcleos isoladamente, o que traz uma dificuldade institucional para a ESF pela constatação de que os saberes disciplinares não atingem a integralidade da forma como estão dispostos. Para responder às necessidades em consonância com as diretrizes da APS é necessário que se considerem todos os saberes desenvolvidos pelas tecnociências da saúde, assumindo sua flexibilização na busca por ações terapêuticas qualificadas, seja no âmbito individual ou coletivo.

Para desenvolver de forma satisfatória a proposta de Cuidado lançada pela ESF, são necessários outros saberes e novos instrumentos. Produzir saúde considerando as famílias em suas condições concretas de vida requer a adoção de saberes desconsiderados pelo modo hegemônico de produção na área, como os da cultura popular, produzidos por meio do diálogo, da escuta, do vínculo e do acolhimento (CUNHA, 2010; REIS et al., 2007).

Os manuais técnicos do MS que fazem referência ao trabalho do NASF apresentam como uma das suas diretrizes o desenvolvimento da noção de território1, que deve ser adquirida pelos apoiadores matriciais, profissionais da equipe de Saúde da Família e demais atores envolvidos com a produção do cuidado, visto que este é o lócus de atuação da ESF. Essa noção possibilita, além de melhores intervenções terapêuticas nesse nível de atenção por considerar o contexto de vida das famílias adscritas, que a referida estratégia cumpra com suas funções perante a rede de atenção à saúde como a coordenação da rede e o cuidado longitudinal.

Destaca-se a importância da cartografia e do Projeto de Saúde do Território (PST) como ferramentas que possibilitam um aprofundamento de conhecimento sobre o território, visto que é possível acessar a história local, equipamentos sociais, conhecer os principais atores envolvidos com a correlação de forças que ocorre nesse espaço, realizar diagnóstico

1 De acordo com o Caderno da Atenção Básica Nº27, que apresenta as diretrizes para o trabalho do NASF, o

território “é um conjunto de sistemas naturais e artificiais que engloba indivíduos e instituições, independentemente de seu poder. Deve ser considerado em suas divisões jurídicas e políticas, suas heranças históricas e seus aspectos econômicos e normativos. É nele que se processa a vida social e nele tudo possui interdependência, acarretando no seu âmbito a fusão entre o local e o global. Como decorrência, as equipes de Saúde da Família precisam conhecer a realidade do território em suas várias dimensões, identificando as suas fragilidades e possibilidades, figurando-a como algo vivo e dinâmico” (BRASIL, 2010b).

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demográfico e epidemiológico, entre outros aspectos relacionados ao objeto de trabalho na ESF (BRASIL, 2010b; BRASIL, 2014).

Ainda relacionado ao vínculo estabelecido com o território, aprofunda-se o conhecimento sobre o processo saúde-doença e as alternativas terapêuticas presentes na cultura local a partir da compreensão sobre o saber popular. Cunha (2010) trata essa questão como uma forma de acolher a produção de cuidado que ocorre entre os sujeitos que constituem a população adscrita, considerando as necessárias negociações sobre projetos terapêuticos presentes na rotina da Atenção Básica e simultaneamente a oportunidade para responsabilizar os sujeitos sobre sua saúde, visando mais uma vez a construção da autonomia. Costa et al (2009) levanta outra questão ao considerar a ESF um espaço de diálogo entre os saberes dos atores envolvidos propício para o conhecimento aprofundado sobre a situação concreta de vida dos sujeitos, acreditando que o desenvolvimento efetivo desse diálogo parte de práticas vivenciadas no cotidiano e contribui para o fomento à participação popular.

A epidemiologia está descrita como uma tecnologia leve-dura que deve estar disponível, assim como qualquer outro tipo de conhecimento estruturado na área da saúde, para contribuir com a melhoria dos serviços de saúde e a qualidade de vida da população (MERHY et al., 2007). A adscrição da clientela característica da ESF possibilita o conhecimento do perfil epidemiológico da população. Essa peculiaridade da Atenção Básica permite intervenção sobre os fatores de risco que influenciam a saúde da população sob responsabilidade sanitária da equipe de Saúde da Família. A atuação do NASF, assim como a atuação das equipes de referência, deve ser baseada também pelo conhecimento epidemiológico comumente utilizado no monitoramento dos indicadores de saúde, sendo os referentes à morbidade e mortalidade os mais conhecidos (BRASIL, 2010b).

Outra ferramenta potente para o trabalho do NASF junto ao arsenal do conhecimento epidemiológico é o monitoramento dos sistemas de informação em saúde. Nesses programas informatizados estão contidas as informações sobre a população adscrita e os procedimentos prestados pela equipe de referência, no caso do sistema de informação da atenção básica. A aproximação do apoiador matricial com esse tipo de prática o instrumentaliza para a reflexão sobre a organização do processo de trabalho da equipe de Saúde da Família em termos de acesso e qualidade dos serviços prestados.

A epidemiologia pode ser considerada um instrumento que potencializa a gestão em qualquer nível de atenção ou qualquer esfera de gestão da saúde. Algumas outras atividades de gestão podem ser acrescidas de acordo com as necessidades da equipe de Saúde da Família, como é o caso da reunião de equipe, espaço que pode pautar o planejamento de

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atividades, a análise de indicadores de saúde, estratégias de comunicação com outros pontos da rede e a intersetorialidade.

As políticas de saúde vigentes, os modelos tecnoassistenciais em saúde e o conhecimento sobre o funcionamento da rede local de atenção à saúde também são instrumentos da gestão para o trabalho do apoio matricial junto às equipes de Saúde da Família. Nascimento e Oliveira (2009) verificaram que o trabalho na ESF exige dos profissionais, além do conhecimento técnico específico adquirido na formação inicial, conhecimento sobre as políticas públicas de saúde, território, perfil epidemiológico da população e rede de cuidados. Com a gestão da ESF sendo realizada pelo município, é necessário que todo apoiador matricial referência para a Atenção Básica seja considerado um articulador e protagonista na institucionalização das iniciativas da gestão local para o fortalecimento da ESF e que esse processo ocorra de forma coerente com as diretrizes propostas na PNAB.

A composição do NASF a partir de profissionais que não estão na equipe mínima da Saúde da Família indica a necessidade de ampliação das profissões da saúde para a ampliação do escopo de ações da Atenção Básica. Contudo, o conhecimento técnico de cada profissão da saúde e a oferta dos profissionais nos serviços de Atenção Básica não são capazes de garantir uma resposta clínica adequada às complexas necessidades apresentadas nos territórios. Ao assumir os limites da racionalidade estritamente científica e a alternativa do apoio matricial como um dispositivo da gestão do cuidado que possibilita a construção da racionalidade da práxis no trabalho em saúde, especialmente na ESF, problematiza-se a atividade clínica praticada nesse espaço (BRASIL, 2008; RIBEIRO et al., 2004; CAMPOS, 2011).

O apoio matricial prestado pelo NASF objetiva a construção da Clínica Ampliada, que pode ser compreendida como um ajuste dos recortes teóricos de cada profissão às necessidades dos usuários ou como um compromisso entre os sujeitos envolvidos, onde o usuário é visto de modo singular, com as implicações concretas do cotidiano, suas relações afetivas, seu trabalho e aspectos culturais, entre outros. A proposta de trabalho do NASF busca a corresponsabilização e gestão do cuidado, por meio de atendimentos compartilhados e projetos terapêuticos que envolvam os usuários, ressaltando a dimensão assistencial do matriciamento. Essa proposta tem na clínica ampliada o conceito norteador das ações como uma ferramenta para que os profissionais e gestores dos serviços de saúde possam atuar para além da fragmentação presente na área, sem deixar de reconhecer e utilizar o potencial desses saberes (BRASIL, 2010b; CUNHA, 2010; NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2009).

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A prática da clínica ampliada depende da disposição dos sujeitos envolvidos para transformar a situação que provoca sofrimento (profissional e usuário), da forma como enfrentam a complexidade da realidade e das ferramentas utilizadas durante o processo terapêutico. Chama-se atenção para o reconhecimento dos limites do saber científico (insuficientes para resolverem os problemas de saúde da população), o olhar para o usuário como um sujeito singular e o compartilhamento da responsabilidade sobre a terapêutica, visando a autonomia e a qualidade de vida do usuário. Essas modificações no processo de trabalho em saúde podem provocar insegurança nos profissionais pela ampliação do objeto de trabalho na ESF. Investir na clínica ampliada reduz a alienação dos atores envolvidos, principalmente por possibilitar ao usuário o seu envolvimento e responsabilização sobre a própria saúde, valorizando seu poder de decisão e construindo sua autonomia (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; CUNHA, 2010).

O apoio matricial, diante de todas as facetas presentes na dimensão do saber para a construção da ESF conforme as diretrizes da APS, deve procurar construir e ativar espaço para comunicação ativa e para o compartilhamento de conhecimento entre profissionais de referência e apoiadores. A expressão multidimensional das necessidades de saúde, individuais ou coletivas, o conhecimento sobre o complexo objeto e as intervenções nele requer sujeitos que busquem o trabalho em equipe de forma articulada visando a integralidade da atenção. Essa modificação da organização do trabalho em saúde significa conexão entre os processos de trabalho baseada em algum grau de conhecimento sobre o trabalho do outro e valorizando a participação de todos, problematizando tanto os resultados que se quer atingir quanto as formas mais adequadas para isso, colocando em prática a ideia da democratização institucional (CAMPOS; DOMITTI, 2007; RIBEIRO et al., 2004; BRASIL, 2014).

A atribuição intrínseca ao trabalho do apoiador matricial é o matriciamento, que se apresenta em duas dimensões: a assistencial, relacionada ao cuidado direto aos indivíduos ou famílias mediante pactuação realizada previamente por meio de protocolos ou diretrizes clínicas; e a técnico-pedagógica, que diz respeito ao suporte para as equipes, com vistas à ampliação das possibilidades de intervenção, propiciada por um novo olhar e um novo saber que se estabelece durante as discussões dos casos e os atendimentos compartilhados. O matriciamento também pode ser definido como uma ferramenta que visa a ampliação da clínica das equipes na ESF, alterando a lógica de utilização dos saberes no sentido de compartilhá-los buscando maior resolutividade, com o objetivo de assegurar o apoio técnico-pedagógico às equipes de referência (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2009; BRASIL, 2010b).

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O compartilhamento dos saberes está diretamente relacionado à educação permanente2 das equipes de Saúde da Família, a fim de possibilitar principalmente a análise coletiva do processo de trabalho. A aprendizagem deverá ocorrer em articulação com o processo de reorganização do sistema de saúde. Recomenda-se que as reuniões de matriciamento, sejam sobre os saberes clínicos, de gestão, de ferramentas para apropriação sobre o território ou mesmo sobre o funcionamento da rede de saúde local, sejam realizadas periodicamente e envolvam o máximo de profissionais do apoio matricial e da equipe de referência. O compartilhamento de saberes pode ocorrer durante as diversas atividades na ESF, tanto nas reuniões de matriciamento, quanto em atividades próprias da clínica, como os atendimentos compartilhados e as visitas domiciliares. A dimensão técnico-pedagógica do apoio matricial necessita mais da atenção e disposição dos atores envolvidos em trocar saberes e experiências do que espaços destinados para ações estritamente educativas (BRASIL, 2010b; BRASIL, 2014).

Considerando todas as dimensões apresentadas e os instrumentos levantados a partir da pesquisa bibliográfica, acredita-se que o apoio matricial pode contribuir para a gestão do cuidado na ESF como um dispositivo de gestão. Isso ocorrerá se esses atores, juntamente com as equipes de Saúde da Família de referência e a gestão municipal da saúde, buscarem práticas de trabalho em saúde coerentes com as diretrizes e fundamentos da APS a partir do incremento de estratégias inovadoras para lidar com o conjunto de forças onde estarão inseridos, refletindo e reorganizando suas práticas na dinâmica desse contexto.

2 Segundo Ceccim (2005), a Educação Permanente em Saúde tem como elemento central a sua sensibilidade às

mudanças inerentes às ações e aos serviços de saúde e a proposta política de construção de espaços para formação de perfis de trabalhadores e serviços de saúde que gerem autoanálise, autogestão e mudança institucional. Para tanto, seria necessário o desenvolvimento de recursos tecnológicos norteados pelo trabalho em equipe, apoiados em objetos de aprendizagem pertencentes ao cotidiano. O autor afirma ainda que esse tipo de iniciativa tende a incorporar padrões de escuta, relações entre os trabalhadores das equipes e entre esses e os usuários, baseadas no vínculo e que produzam eficácia clínica e, consequentemente, as mudanças esperadas nos atos e serviços de saúde.

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3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

 Analisar o trabalho do apoio matricial à Estratégia Saúde da Família em João Pessoa – PB.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Compreender a percepção dos apoiadores e gestores da Atenção Básica sobre o apoio matricial à Estratégia Saúde da Família;

 Identificar os instrumentos utilizados pela gestão municipal da saúde para subsidiar a atuação do apoio matricial;

 Identificar os instrumentos utilizados pelos apoiadores matriciais que subsidiam sua atuação junto à Estratégia Saúde da Família.

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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 TIPO DE ESTUDO

Foi desenvolvido um estudo de campo exploratório de natureza qualitativa. Considera-se que na saúde pública, mais especificamente no campo da política, planejamento e gestão em saúde, devido a sua complexidade, os métodos qualitativos apresentam características adequadas para levar a resultados relevantes no que diz respeito a temas e a relações sócio-políticas (FLICK, 2009).

O tipo de estudo qualitativo desenvolvido foi um estudo de caso, por se tratar de uma estratégia adequada para situações onde o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto complexo da vida real (YIN, 2005). O mesmo autor define o estudo de caso como uma “estratégia de pesquisa ou um método que abrange tudo, trata da lógica de planejamento, das técnicas de coletas de dados e das abordagens específicas à análise dos mesmos” (YIN, 2005, p. 33). Uma das aplicações da estratégia pode ser utilizada para explorar fenômenos em que a intervenção que está sendo avaliada não apresenta um conjunto simples e claro de resultados.

Segundo Schramm apud Yin (2005), a principal tendência em todos os tipos de estudo de caso é que se tenta esclarecer uma decisão ou um conjunto de decisões, o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e seus resultados. Para isso, o desenvolvimento de uma teoria como parte do projeto é essencial para os estudos de caso. Yin (2005) afirma que os contatos com o campo dependem da compreensão do que está sendo estudado. O estudo de caso conta com muitas técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas se diferencia por sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências. No presente estudo, as evidências foram coletadas a partir de ampla pesquisa bibliográfica, documentos, entrevista e grupos focais, conforme explicado no item coleta dos dados.

A unidade de análise do presente estudo será o desenvolvimento do apoio matricial à Estratégia Saúde da Família no município de João Pessoa – PB. Yin (2005) relata que o caso pode ser algo menos definido que um indivíduo, como decisões, programas, processos de implantação e mudanças organizacionais.

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4.2 LOCAL E PERÍODO DO ESTUDO

O município de João Pessoa, capital da Paraíba, possui uma área geográfica de 211,475 km2 e está localizado na porção mais oriental do continente americano. Portanto, limita-se a leste com o Oceano Atlântico, ao norte com o município de Cabedelo, a oeste com os municípios Bayeux e Santa Rita e ao sul com o município do Conde. De acordo com o Censo 2010, a população total estimada para o ano de 2014 é de 780.738 habitantes e está distribuída em 64 bairros. A capital possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dentre as cidades do estado da Paraíba: 0,763, semelhante à vizinha Natal – RN e um pouco inferior ao Recife – PE (0,772). Quanto ao Índice de Gini, João Pessoa apresenta 0,50, significando a cidade mais desigual do estado, encontrando-se Natal – RN e Recife – PE na mesma situação perante os seus estados (IBGE, 2010).

O modo de gestão do SUS em João Pessoa é a gestão plena de todos os serviços municipais de saúde realizada diretamente pelos gestores da SMS desde 2006. O município apresenta índices crescentes de cobertura da Estratégia Saúde da Família, que corresponde atualmente a 88% da população residente (JOÃO PESSOA, 2015). Conta com 182 equipes de Saúde da Família, distribuídas em 113 unidades de saúde administradas por cinco distritos sanitários, vinculados à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Além das equipes de Saúde da Família, existem três equipes do PACS, cinco unidades de saúde que atuam no modelo tradicional da Atenção Básica, sendo referência à população descoberta pela ESF e complementando a rede da Atenção Básica do município. A capital conta atualmente com 39 equipes do NASF, que estão distribuídas da seguinte forma: nove equipes no DS I, sete no DS II, dez no DS III, dez no DS IV e três no DS V (JOÃO PESSOA, 2015; CNES/SUS/MS, 2015).

A escolha do município citado para o presente estudo deve-se primeiramente ao fato de se tratar de uma capital com alto nível de cobertura da ESF que optou pela estratégia do apoio matricial como dispositivo à gestão da ESF anteriormente ao lançamento do NASF. Além disso, a gestão municipal da saúde de João Pessoa opta pelo apoio matricial como método do trabalho do NASF desde a sua implantação até a atualidade. Considera-se o período do objeto da pesquisa entre os anos de 2006 e 2015, por esse ser o ano de publicação do documento municipal mais antigo com referência à utilização do matriciamento em João Pessoa, o PMS 2006-2009 (JOÃO PESSOA, 2006). Em 2008, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/ MS Nº 154, que cria os NASF (BRASIL, 2008). Nesse mesmo ano, o

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município de João Pessoa aderiu ao NASF, apesar de ter implantado o apoio matricial alguns anos antes, conforme citado (JOÃO PESSOA, 2006).

Figura 1 – Divisão da área territorial de João Pessoa-PB em distritos sanitários a partir dos seus bairros.

Fonte: Geoprocessamento/SMS João Pessoa, 2015.

4.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos da pesquisa foram os gestores da Atenção Básica (gerente da Atenção Básica e diretores técnicos dos distritos sanitários) vinculados à Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa e parte representativa dos trabalhadores do NASF do município citado. A participação dos gestores ocorreu por meio de um grupo focal e uma entrevista individual

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semi-estruturada. Foram considerados critérios para a inclusão no grupo focal: ser diretor técnico de um distrito sanitário do município de João Pessoa e ter disponibilidade para participar do grupo focal em data pré-agendada. Considerando que o município apresenta cinco distritos sanitários, optou-se pela realização de um grupo focal composto por um diretor técnico de cada distrito pela compreensão de que é atribuição desse ator nos distritos sanitários realizar o acompanhamento do processo de trabalho dos apoiadores matriciais.

Além do grupo focal, foi realizada uma entrevista individual semi-estruturada com o gerente de Atenção Básica do município referido. Optou-se pela entrevista enquanto técnica de coleta com esse gestor em específico pela compreensão de que a relação de poder que existe entre esse sujeito e os outros gestores envolvidos poderia dificultar ou inibir a participação de alguns gestores dos distritos sanitários, caso a coleta ocorresse simultaneamente.

Tendo em vista o universo composto pelos trabalhadores do NASF, propôs-se a participação de dois trabalhadores NASF por distrito sanitário, compondo um grupo de dez sujeitos com essa função que participariam de um grupo focal. Foram considerados critérios de inclusão: disponibilidade para participar da pesquisa, que um dos representantes do distrito sanitário fosse o trabalhador do NASF com este vínculo na SMS de João Pessoa por mais tempo e que o outro estivesse por um período mínimo de um ano, ambos preferencialmente com pós-graduação na área de Saúde Pública, Saúde Coletiva ou Saúde da Família.

Os critérios utilizados para a seleção dos sujeitos da pesquisa são baseados na seleção de casos críticos, que segundo Patton apud Flick (2009) representam os casos em que as relações a serem estudadas são particularmente importantes para o funcionamento de programas e políticas a serem avaliados, ou seja, apresentam maior potencial para avaliar com profundidade devido à formação ou ao seu envolvimento com o objeto. No presente estudo, trata-se de sujeitos apropriados para discutir sobre a decisão de utilização do apoio matricial enquanto dispositivo à gestão da ESF por serem os próprios apoiadores matriciais e os gestores da Atenção Básica da SMS de João Pessoa que têm como atribuição o monitoramento do desenvolvimento dessa função no nível central e nos territórios. Portanto, foram considerados critérios de exclusão para o caso dos trabalhadores do NASF: não trabalhar na ESF, apesar de apresentar pós-graduação na área e/ou indisponibilidade para participar da pesquisa. Para o gestor, foi considerado critério de exclusão a indisponibilidade para participar da pesquisa.

Para seleção dos gestores, a pesquisadora entrou em contato com a gerência de Atenção Básica da secretaria municipal de saúde para listar os diretores técnicos dos distritos

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