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Sobre coragem e resistência : contando a história de Leona, professora e mulher trans.

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Departamento de Educação

Programa de Pós-graduação em Educação

SOBRE CORAGEM E RESISTÊNCIA: CONTANDO A HISTÓRIA DE LEONA, PROFESSORA E MULHER TRANS.

Rubens Gonzaga Modesto

Mariana, MG 2017

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RUBENS GONZAGA MODESTO

SOBRE CORAGEM E RESISTÊNCIA: CONTANDO A HISTÓRIA DE LEONA, PROFESSORA E MULHER TRANS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Marco Antônio Torres

Mariana, MG

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M691s Modesto, Rubens Gonzaga.

Sobre coragem e resistência [manuscrito]: contando a história de Leona, professora e mulher trans. / Rubens Gonzaga Modesto. - 2018.

169f.: il.: color; tabs.

Orientador: Prof. Dr. Marco Antônio Torres.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

Área de Concentração: Educação.

1.Professoras. 2. Transexualismo. 3. Transfobia. 4. Educação. 5. Travestis. I. Torres, Marco Antônio. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Titulo.

CDU: 37.043(043.3)

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Aos meus pais, Laura e Nelito, que são um exemplo de amor, respeito e perseverança.

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Galos sozinhos não tecem manhãs...

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

É chegado o momento de agradecer. A todos aqueles que me ajudaram a tecer esta manhã, desde quando tênue ideia, desde semente à espera de germinar. Àqueles que apanharam o grito, que cruzaram seus gritos ao meu e muito, muito, contribuíram para que essa manhã se erguesse.

Agradeço a Deus pelo dom da vida, pelas oportunidades que se criaram, que se transformaram, que se descortinaram.

Aos meus pais, Laura e Nelito, cujas mãos calejadas, cujas frontes verteram suor e

lágrimas para que eu tivesse as oportunidades que lhes foram negadas. Essa dissertação também é de vocês. Pois foi por meio de suas renúncias, dos valores a mim repassados que cheguei até aqui. Obrigado por me ensinarem o valor do silêncio, da renúncia, da persistência, da coragem, da importância de cada passo e dos percalços da caminhada. Por me ensinarem que mais importante que almejar o topo é não se esquecer das minhas raízes. De que a simplicidade e o altruísmo são importantes qualidades na vida de um ser humano. Amo vocês! Agradeço por nunca desistirem de mim!

À Gislene, Luciene, Elienne e Rosilene, amadas irmãs a quem devo eterna gratidão. Aos meus irmãos Robson e Reginaldo que, embora não partilhem mais suas vidas terrenas conosco, estão a velar por nós, onde estejam! Um dia nos reencontraremos.

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Ao meu companheiro Cláudio, por entender minhas ausências, pelo amor e parceria constantes! Por acreditar no meu potencial, por sonhar esse sonho comigo! Indubitavelmente, esta manhã não seria tecida sem você ao meu lado!

À Danny, amiga-irmã que sempre me incentivou e me ouviu por diversas vezes, contar e recontar minhas angústias durante todo o mestrado.

À Viviane Scalon, pelas inúmeras contribuições, por ser o ouvido atento e cuidadoso durante o mestrado e durante todo esse tempo que somos amigos.

Aos amigos que fiz no mestrado, em especial, Ana, Valdete e Denise! Saibam que “quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só” (Amir Klink).

Ao meu orientador, Marco Antônio Torres, por partilhar seus vastos conhecimentos e ensinamentos. Eu não poderia ter escolhido um orientador melhor! Obrigado por apanhar meu grito, moldá-lo, lançá-lo e entrelaçá-lo à sua teia, por ajudar a tecer a minha manhã. Palavras são escassas para expressar a admiração que sinto pelo profissional que você é e pelo amigo que se tornou! Obrigado por acreditar em meu potencial de uma forma a que eu não acreditava ser capaz de corresponder.

Às professoras Sheila Alves e Karla Cunha, cujas contribuições, respectivamente, em metodologia e narrativas foram essenciais para esse trabalho.

Agradeço também, à banca de qualificação, nas pessoas do professor Marco Aurélio Máximo Prado e Célia Maria Nunes, cujas considerações foram de suma importância para esse trabalho. Obrigado, Marco por fazer com que eu abandonasse velhas metáforas e, assim, possibilitar que essa pesquisa seguisse uma trajetória mais interessante. Célia, suas palavras emocionadas fizeram-me crer que eu estava no caminho certo. Muito obrigado!

À Universidade Federal de Ouro Preto pela oportunidade e incentivo para que seus funcionários se qualifiquem cada vez mais.

Ao Programa de Pós-graduação em Educação, em especial ao secretário Lucas, sempre solícito no atendimento às demandas de todos os alunos.

Agradeço a todos que contribuíram disponibilizando seu tempo, suas experiências e vivências para essa pesquisa.

E, por último, mas não menos importante, à Leona Freitas. Essa manhã não seria tecida, tampouco teria rompido a noite escura, sem tamanha generosidade em contar sua história, em despir-se de suas narrativas e partilhá-las comigo. Por mais que eu tente, nunca

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conquistas e reconhecimentos. Obrigado por ser essa pessoa tão incrível!

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“E essa coragem, eu nem sei de onde vem. Eu acho que herdei uma característica da minha mãe. Eu sempre vi muitos defeitos na relação conflituosa no casamento dela com meu pai, mas ao mesmo tempo, eu tenho uma coisa dela que eu achava que eu não tivesse, aliás, eu nem identificava, mas eu acho que meus irmãos não têm tanto, que é a capacidade de superação. Eu tenho essa capacidade que ela teve de superar todos os conflitos... eu acho que eu tenho também. Porque eu fiquei, eu não absorvi tantas coisas negativas, das... das rasteiras que a vida me... [deu]... eu acho que soube absorver muito bem... e eu que dei uma rasteira aí. E, minha mãe tem muito isso também. E eu acho que isso aí, eu tenho dela”.

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É notória a dificuldade que transexuais/travestis enfrentam para permanecer nos espaços escolares, tendo em vista as agressões físicas e/ou psicológicas que lhes são infligidas cotidianamente nesses locais, por parte de seus pares e, até mesmo, de professores/as e profissionais da educação. No cotidiano escolar, as pessoas trans não sofrem apenas através das manifestações diretas de outras pessoas, mas também em razão do despreparo de professores/as e demais profissionais de educação para com a realidade vivenciada por essa população. Embora os espaços escolares possam se configurar como locais de reprodução e legitimação da transfobia, evidencia-se que alguns/as transexuais e algumas travestis, a despeito de todas as adversidades, constrangimentos e violência a que são submetidos/as para permanecerem-se nessas instituições, concluem seus estudos. Evidencia-se, ainda que de forma incipiente e reduzido a poucos casos, a emergência de docentes travestis/transexuais nas instituições escolares, que conseguiram suportar as imposições heteronormativas. Pressupondo-se que retornar à escola mesmo como professoras, pode se configurar como uma nova luta pelo seu reconhecimento e pertencimento social, esta dissertação investigou como se relaciona a história de vida de Leona, professora transexual da cidade de Congonhas/MG, seu ingresso e permanência na docência, por meio da narrativa de suas experiências e vivências. Com relação à metodologia, esse estudo optou, dentre as pesquisa qualitativas, pela pesquisa etnográfica. Relativo aos instrumentos de coleta e análise, foram utilizadas a entrevista preliminar, a entrevista narrativa e entrevista com a diretora de uma das escolas onde Leona trabalha, o levantamento bibliográfico, a análise de um memorial autobiográfico cedido pela colaboradora, além de observação participante em uma das escolas onde a colaboradora trabalha. Para análise da narrativa, baseando-se nas narrativas de outras professoras transexuais, estabeleceu-se os seguintes marcadores: seu processo de identificação e como se deu a construção de sua identidade de gênero; a relação com sua família; sua rede de apoio social; sua trajetória escolar; sua permanência nos espaços escolares e possíveis mecanismos para manter-se na profissão docente; a relação com seus/uas alunos/(as); a relação com os pais/mães de alunos/(as); a relação com o corpo docente e outros funcionários da escola e o uso do nome social. A análise dos dados permitiu estabelecer que Leona se autoidentifica como mulher trans buscando um distanciamento da identidade de gênero travesti; tendo uma trajetória escolar marcada por preconceito e discriminação, embora tenha iniciado seu processo de transformação após ter sido aprovada em concurso público para docente. Na sua relação com a família, evidenciou que houve uma rejeição paterna acerca de

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vezes, Leona deparou-se com atitudes transfóbicas enquanto docente, perpetradas por colegas e dirigentes. Assim como outras professoras transexuais, Leona utiliza mecanismos para manter-se na profissão docente, tais como ameaças de processos, realização de um trabalho singular e a estabilidade no serviço público. Seu nome social não é adotado em nenhum dos locais onde trabalhou/trabalha atualmente. Por outro lado, a relação com os alunos aponta para um reconhecimento e respeito ao gênero com o qual ela se identifica.

Palavras-chave: professoras trans, transexualidade, transfobia, educação, heteronormatividade, biografia de professoras

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The difficulty that transsexuals / transvestites face in staying in school spaces is evident, given the physical and / or psychological aggression inflicted on them by their peers and even teachers and education. In everyday school life, trans people suffer not only through the direct manifestations of other people, but also because of the lack of preparation of teachers and other education professionals towards the reality experienced by this population. Although school spaces can be configured as places of reproduction and legitimacy of transphobia, it is evident that some transsexuals and some transvestites, despite all the adversities, constraints and violence to which they are subjected to remain in these institutions , conclude their studies. The emergence of transvestite / transsexual teachers in school institutions, which have been able to withstand heteronormative impositions, is evident, albeit in an incipient way and reduced to a few cases. Assuming that returning to school even as teachers, can be configured as a new struggle for recognition and social belonging, this dissertation investigated how the life story of Leona, a transsexual teacher in the city of Congonhas / MG, permanence in teaching, through the narrative of their experiences and experiences. Regarding the instruments of collection and analysis, the preliminary interview, interview narrative and interview with the director of one of the schools where Leona works, the bibliographical survey, the analysis of an autobiographical memorial given by the collaborator, besides participant observation in a of the schools where the employee works. For the analysis of the narrative, based on the narratives of other transsexual teachers, the following markers were established: its identification process and how the construction of its gender identity was established; the relationship with your family; their social support network; their school trajectory; their permanence in school spaces and possible mechanisms to remain in the teaching profession; the relationship with his / her students; the relationship with the parents / mothers of students; the relationship with faculty and other school officials and the use of the social name. The analysis of the data allowed to establish that Leona self-identification as trans woman seeking a distancing of transgender gender identity; having a school trajectory marked by prejudice and discrimination, although he began his transformation process after being approved in a public contest for teachers. In her relationship with the family, she showed that there was a paternal rejection of her gender identity. On the other hand, there was support from her mother, who eventually became an important member of her social support network. On several occasions, Leona was faced with transphobic attitudes as a teacher, perpetrated by colleagues and leaders. Like other transsexual teachers, Leona uses

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you currently work / work. On the other hand, the relationship with students points to a recognition and respect for the gender with which it identifies itself.

Key words: transgender teachers, transsexuality, transphobia, education, heteronormativity,

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1 - APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E DO CAMPO ... 8

1.1 - SOBRE “OUTRAS LEONAS”: ESTABELECENDO OS MARCADORES DA NARRATIVA ... 14

1.2 – QUEM É A LEONA DE QUEM SE BUSCA CONTAR UMA HISTÓRIA? ... 19

1.3 - ESCOLHENDO OS CAMINHOS PARA SE CONTAR A HISTÓRIA DE LEONA ... 22

1.3.1 - NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA, TINHA UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO: PERCURSOS E PERCALÇOS ... 29

2 – DIÁLOGOS NECESSÁRIOS: FALANDO DE GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO ... 35

2.1 – OS NÔMADES DA NORMA ... 38

2.2 – TRANSIDENTIDADE NO SINGULAR, TRANSIDENTIDADES NO PLURAL ... 40

2.3 - OS VÁRIOS REFLEXOS NO ESPELHO: A DESCONSTRUÇÃO DA IDEIA DE UM SUJEITO TRANSEXUAL UNIVERSAL ... 44

2.3.1 – O REFLEXO DE LEONA NO ESPELHO DAS TRANSIDENTIDADES ... 49

2.4 - TRANSFOBIA: AS PEDRAS NA GENI ... 55

2.4.1 - QUANDO O PRECONCEITO COMEÇA EM CASA ... 63

2.4. 2 - DENTRE OS MUROS DA ESCOLA: A TRAJETÓRIA ESCOLAR DE LEONA ... 71

3 - LEONA: TRANSFORMANDO-SE EM PROFESSORA ... 80

3.1 - ELA É TRANS? E AGORA? ... 88

3. 3 - O QUE DIZ O NOME? ... 100

3.3.1 - O NOME SOCIAL ... 101

3.4 - A RELAÇÃO COM OS ALUNOS: A TIA ALBERT! ... 108

3.6 – AS REDES DE APOIO SOCIAIS ... 118

4.1 - NA ESCOLA SE APRENDE QUE A DIFERENÇA FAZ A DIFERENÇA? ... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 132

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ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros APA – Associação Americana de Psiquiatria

BSH – Brasil Sem Homofobia

CAMS – Comissão Nacional de Articulação com os Movimentos Sociais CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CFM – Conselho Federal de Medicina

CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à

Saúde

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNCD/LGBT – Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT CSN – Conselho Nacional de Saúde

DSM – Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais EBLGT – Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros FPA – Fundação Perseu Abramo

HBIGDA – Associação Internacional de Disforia de Gênero Harry Benjamin IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros MEC – Ministério da Educação

OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

PEB I – Professor de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental PT – Partido dos Trabalhadores

PY – Princípios de Yogyakarta

Rede Trans Brasil – Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil SDH – Secretaria de Direitos Humanos

SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEE/MG – Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

SME – Secretaria Municipal de Educação

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RECURSO UTILIZADO SIGNIFICADO

Mudanças de linha Separação de sentenças

Reticências Pequenas pausas

Negrito Ênfase dada pelo narrador à determinada

palavra

Itálico Grafia incorreta de algumas palavras buscando

maior proximidade com a sua pronúncia na oralidade

Palavras grafadas totalmente em letras maiúsculas

Pronúncias enfatizadas em volume mais alto

Repetição de vogais Sílabas alongadas

Colchetes Inclusão de observações do pesquisador (seja para inserção de informações necessárias à compreensão do que é dito ou para indicação de performances da entrevistada).

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1 INTRODUÇÃO

“Nessa primeira visita à escola, embora já tivesse sido acertado um bate-papo com a diretora da instituição, devido a um imprevisto, ela não pode permanecer na instituição no turno vespertino. No entanto, as funcionárias da secretaria tinham ciência da minha visita e foram muito solícitas e receptivas.

Antes de me deslocar para a secretaria – espaço que se divide também em sala de direção e vice-direção – aguardei a chegada de Leona à escola, fato que ocorreu cerca de trinta minutos após minha chegada. Altiva, com seus cabelos longos e loiros, unhas bem feitas, trajando uma calça jeans e body preto bem justos, marcando sua silhueta feminina, ela chega com passos rápidos e seguros, equilibrando-se no salto alto.

Chega cumprimentando as demais funcionárias da escola, com um sorriso franco e radiante. Com algumas delas troca abraços e solta o bordão: “E aí, bonita! Tudo bem?”. A réplica das colegas de trabalho se dá da mesma forma, demonstrando que o bordão utilizado por Leona foi incorporado ao linguajar das funcionárias.

Durante o tempo todo em que estive na escola, embora não utilizassem o nome social de Leona, mas sim o seu nome de registro, os demais funcionários sempre se referiam à Leona no feminino.

Passado algum tempo, um aluno bem tímido, de aproximadamente seis ou sete anos, chega à secretaria solicitando que fossem feitas cópias xerográficas do material que seria utilizado por sua professora em sala de aula. Leona brinca com o aluno, acaricia seus cabelos e o aluno sorri. Faz as cópias e entrega para o aluno.

Pouco tempo depois, outra aluna chega e diz: “Tia Albert, você poderia xerocar isso aqui, por favor?”. Assim como os funcionários da escola, os alunos se referem à Leona no feminino, mas sem utilizarem seu nome social. Em conversas posteriores com Leona e com algumas funcionárias da instituição, Leona nunca exigiu que a tratassem pelo nome social. Mas, percebe-se uma naturalidade em dirigir-se à Leona, tratando-a no feminina, embora a chamem pelo nome de registro.

Isso reforça-se nos diálogos que são travados pelas funcionárias da secretaria e pela vice-direção da escola durante o expediente de trabalho: “Pode entregar para ela”; “Pede a Albert para fazer.”; “Ei, bonita, você pode imprimir isso para mim, por favor?’; “A Albert já está providenciando”.

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2 À primeira vista, o clima na escola, no que se refere ao tratamento com Leona, parece ser respeitoso e amistoso.

Circulo pela escola com Leona e durante o intervalo, conversamos com algumas professoras na sala dos professores. Conversas triviais, mas pelas quais foi possível referendar o tratamento de que a comunidade escolar possui com Leona: no feminino, mas associado ao nome de registro.

Após o intervalo, acompanho Leona até a sala de aula onde ela lecionava até meados deste ano. O comportamento das crianças ao vê-la foi efusivo. Corriam para abraçá-la, vinham mostrar seus cadernos, suas pastas de desenhos. Muitas questionavam se ela iria voltar a dar aula para eles.

Uma das alunas levanta-se e diz: “Volta Tia Albert! Vai ser muito melhor se você voltar! Troca com ela [se referindo à professora atual]. Manda ela pra secretaria e vem ficar na sala com a gente!”.

Leona se esquiva de maneira sutil, para não constranger a professora atual dos alunos. Retribui os abraços afetuosos, pergunta a cada um dos alunos questões relacionadas à comportamento, ao rendimento escolar. Alguns alunos não se contêm e saem correndo dos seus lugares para abraçá-la e para beijá-la.

Fica percepctível o carinho que Leona tem pelas crianças e a falta que sente delas. Mas, afirma que profissionalmente e pessoalmente a ida para a secretaria da escola, neste momento foi a melhor opção. Entretanto, não nega sentir falta da sala de aula, do vínculo que criou com os alunos. Afirma que quer voltar logo para sala de aula, que é na sala de aula que ela se sente realizada, que ama lecionar. Se despede dos alunos e voltamos para a secretaria da escola”.

Esse trecho extraído de nosso diário de campo retrata uma parte da realidade de Leona, professora transexual, em uma das escolas onde trabalha. Trata-se de uma pequena escola de um distrito pertencente ao município mineiro de Conselheiro Lafaiete, que à primeira vista, parece lidar de forma bem tranquila o fato de uma professora transexual incorporar seu quadro de funcionários.

Mas, essa nem sempre foi a realidade de Leona. Sua história de vida retrata situações de preconceito que vivenciou enquanto mulher e professora trans. Os espaços escolares, nem sempre, foram receptivos e tampouco a respeitaram como mulher trans.

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Assim, compreender a trajetória de Leona enquanto professora e mulher trans, como se de seu ingresso e como se dá sua permanência nos espaços escolares é o objetivo principal desta dissertação, partindo do pressuposto de que as escolas, assim como outras esferas sociais, são espaços heteronormativos e re/produzem a transfobia dentre seus muros.

De acordo com Vasconcelos (2014), a sociedade brasileira é historicamente heteronormativa, baseando-se na premissa de que ser heterossexual é algo natural e instintivo, ao mesmo tempo em que qualifica como aberração todo aquele indivíduo que fuja da concepção binária homem/mulher, como é o caso de gays, lésbicas, bissexuais e mais acentuadamente, travestis e transexuais.

A sociedade, ao conceber essas categorias identitárias como não naturais, reafirma um processo de discriminação e exclusão, que leva à negação de direitos individuais, incluindo nesse rol, os direitos fundamentais estabelecidos no texto da Carta Magna vigente. Nesse escopo, emergem a supressão e negação dos direitos de transexuais e travestis, dada a ausência de políticas públicas direcionadas a esses sujeitos.

Percebe-se, frequentemente, que a mídia tem reportado notícias que envolvam algum tipo de preconceito contra lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais. São veiculadas matérias de agressões verbais, físicas e homicídios contra esses sujeitos nos mais diversos espaços sociais. Basta uma rápida pesquisa em sites de busca, utilizando como palavras chaves assassinatos de pessoas trans, transfobia, agressões homofóbicas, para que esses sites retornem com inúmeros resultados relatando as situações de preconceito enfrentadas pela população LGBT. Ainda que a subnotificação e tratamentos estatísticos mais elaborados perpassem essas informações, elas apontam para um cenário que não pode ser desprezado.

De acordo com Elizabeth Zambrano (2011), gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais carregam um estigma pela caracterização de tal condição como uma patologia ou um desvio moral que possui papel relevante na produção e reprodução de relações de poder na sociedade, onde determinados grupos sentem-se desvalorizados e outros superiores. Por outro lado, de acordo com a autora, as pessoas estigmatizadas e discriminadas acabam por aceitar e internalizar esse estigma por estarem sujeitas a um aparato simbólico opressivo que legitima tais desigualdades, o que eleva os índices de violência sofridas devido à identidade de gênero e/ou à orientação sexual e o baixo índice de providências que, de fato, são tomadas com relação a esses atos. A autora enfatiza, ainda que, dentre a população LGBT, travestis e transexuais são os sujeitos que mais sofrem preconceito.

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Essa violência contra travestis e transexuais aparece em diversos contextos, estando ela presente nos abusos sexuais e nos espancamentos na infância, na marginalização social, na relação com seus maridos, na interação com clientes, na perseguição policial, nos insultos e ofensas a elas cotidianamente dirigidos, nos processos de transformação corporal rudimentares, nos assassinatos de que são vítimas frequentes, entre outras. (GARCIA, 2007)

Esse preconceito contra transexuais e travestis se evidencia diante da dificuldade que as pessoas trans enfrentam para terem acesso à direitos básicos como educação e de acompanhamento médico. Além disso, a maioria da população de travestis e transexuais ainda vive e condições de miséria e exclusão social, sem oportunidades de inclusão no mercado formal de trabalho e sem políticas públicas que considerem suas demandas específicas. (NOGUEIRA, 2017).

Nesse contexto, o acesso às políticas de saúde configura-se como um gargalo quando se inicia o debate dos direitos desses sujeitos. Nessa seara, emergem-se outros debates controversos acerca do uso do nome social e do direito à cirurgia de redesignação sexual e tratamento hormonal.

No âmbito do acesso à educação, é notória a dificuldade que transexuais e travestis enfrentam para permanecer nos espaços escolares, tendo em vista as agressões físicas e/ou psicológicas que lhes são infligidas cotidianamente nesses locais, por parte de seus pares e, até mesmo, de professores/as e profissionais da educação.

No cotidiano escolar, travestis e transexuais não sofrem apenas através das manifestações diretas de outras pessoas, mas também em razão do despreparo de professores/as e demais profissionais de educação para com a realidade vivenciada por essa população. É comum que o corpo docente não saiba como lidar com alunas e alunos transexuais e travestis, desrespeitando seus nomes sociais e invisibilizando as violências sofridas em razão dos colegas de classe. Não obstante, o sistema de ensino não se adequa às demandas mais triviais de travestis e transexuais, a exemplo dos banheiros (OLIVEIRA, PORTO, 2016).

Não obstante, há de se ressaltar a existência de outras problemáticas para a população

trans cursar uma escola regular, como a dificuldade na efetivação da matrícula, a imposição

de regras de vestimentas, um torturante cotidiano de piada, agressões físicas e/ou verbais, o isolamento e a segregação impostos por colegas e muitas vezes pelos/as professores/as (BOHM, 2009). Apesar desse cenário tão pouco amistoso para as pessoas trans, Neil Franco (2015, p.326) aponta que “nas últimas décadas, tem ocorrido no Brasil uma ampliação da

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educação básica ancorada no princípio da inclusão social, fazendo emergir temáticas específicas sobre a exclusão de pessoas transexuais, travestis e transgêneros nas escolas brasileiras”.

Embora os espaços escolares possam se configurar como locais de reprodução e legitimação da transfobia, evidencia-se que alguns/as transexuais e algumas travestis, a despeito de todas as adversidades, constrangimentos e violência a que são submetidos/as para permanecerem-se nessas instituições, concluem seus estudos. Evidencia-se, ainda que de forma incipiente e reduzido a poucos casos, a emergência de docentes travestis e transexuais nas instituições escolares, como é o caso de Leona.

Conforme aduz Neil Franco (2015, p. 329), “essas professoras representam uma pequena parcela de pessoas trans que conseguiram suportar as imposições heteronormativas em razão da vulnerabilidade social à qual foram expostas desde as fases iniciais da Educação Básica, associadas a processos de exclusão anteriores”.

Nesse sentido, retornar à escola mesmo como professoras, pode se configurar como uma nova luta pelo seu reconhecimento e pertencimento social, pois as imposições heteronormativas presentes nos espaços escolares não estão direcionadas apenas a estudantes. Nesses espaços, essas professoras podem sofrer novos processos de estigmatização, invisibilidade e de transfobia, por parte de alunos/as, de pais, de seus pares e até mesmo dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino, inviabilizando e dificultando sua permanência na profissão.

Nessa lógica, se a escola se configura como um local tão hostil para travestis e transexuais, passei a questionar o que levava esses sujeitos a retornarem a esses espaços na condição de docentes; quais foram os caminhos percorridos e os obstáculos enfrentados durante o seu processo de escolarização e inserção na carreira; como elas se mantém enquanto professoras num contexto hegemonicamente heteronormativo; se a presença dessas professoras trans provocam questionamentos e discussões sobre gênero e educação e como essas discussões impactam no espaço escolar.

Tenho ciência de que tais questões podem ter sido investigadas por outros autores (TORRES, 2012; FRANCO, 2009; REIDEL, 2013; ANDRADE, 2012; SANTOS, 2015; BOHM, 2009). No entanto, considero que as experiências vivenciadas por cada professora transexual é única, podendo apresentar tanto aproximações quanto distanciamentos, quando comparadas às histórias de outras professoras. Nesse sentido, ouvir outras professoras trans é importante para revelar as experiências dessas pessoas e as diversas relações desenvolvidas no

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ambiente escolar, uma vez que cada contexto escolar apresenta suas especificidades e pode revelar distintas relações entre professoras trans, pais e alunos/as, bem como, aspectos distintos para a sua permanência na carreira.

Desse modo, conforme já explicitado no início desta seção, esta dissertação investigou como se relaciona a história de vida de uma professora transexual residente no município de Congonhas, em Minas Gerais, com seu ingresso e permanência na docência, num contexto supostamente marcado pela heteronormatividade e transfobia, por meio da narrativa de suas experiências e vivências. Fruto de uma pesquisa qualitativa, ancorada na metodologia da pesquisa etnográfica e da entrevista narrativa, esta dissertação divide-se em quatro capítulos.

Na “Apresentação da Pesquisa e do campo” são elaboradas as justificativas para a realização desta pesquisa e descrito um pequeno histórico de produções acadêmicas que tiveram a docência trans como foco de estudo. Discorro brevemente sobre as histórias de outras professoras transexuais entrevistadas por autores que nos precederam no debate da docência trans, buscando as similaridades e distanciamentos que emergem de suas narrativas. A partir daí, defini os seguintes marcadores da narrativa que foram utilizados para se contar a história de Leona: a) seu processo de identificação e como se deu a construção de sua identidade de gênero; b) a relação com sua família; c) sua rede de apoio social; d) sua trajetória escolar; e) sua permanência nos espaços escolares e possíveis mecanismos para manter-se na profissão docente; f) a relação com seus alunos (as); g) a relação com os pais/mães de alunos (as); h) a relação com o corpo docente e outros funcionários da escola e; i) o uso do nome social. Nesse capítulo, são apontados, ainda, os procedimentos metodológicos adotados, os caminhos percorridos até que conseguisse chegar à professora Leona, além da justificativa da escolha da pesquisa etnográfica e da entrevista narrativa como a metodologias utilizadas nesse estudo.

No capitulo “Diálogos necessários: falando de Gênero, orientação sexual e sobre as identidades de gênero”, são discutidos os conceitos de gênero, orientação sexual, travestilidade e transexualidade, a fim de estabelecer as diferenciações necessárias entre esses termos, que por muitas vezes, são equivocadamente entendidos como sinônimos. Apresento, com base na Teoria da Performatividade de Judith Butler, que o gênero é uma construção social e que se baseia numa heteronormatividade compulsória.

Tomando como ponto de partida o livro “A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência sexual”, de autoria de Berenice Bento (2006), busco demonstrar que,

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diferentemente do discurso médico, inexiste uma única e absoluta concepção da transexualidade que, pelo contrário, se caracteriza por uma multiplicidade de significações.

Adicionalmente, discuto o conceito de transfobia e apresento dados estatísticos que, embora esbarrem em uma possível subnotificação em virtude das fontes em que esses dados se baseiam, apontam para um grave quadro de violências contra a população LGBT em nosso país. Na esteira do conceito de homofobia, a emergência do termo transfobia articulado no cotidiano e nas políticas públicas, pede aprofundamento e produz diferenciação nos processos de subalternização e violência em relação a travestis e transexuais. É debatida, ainda, a invisibilidade a que os sujeitos transexuais estão submetidos em nossa sociedade.

Nesse capítulo, paralelamente à revisão bibliográfica, são analisados os seguintes marcadores no âmbito da narrativa de Leona: seu processo de autoidentificação e como se deu a construção de sua identidade de gênero, sua trajetória escolar e sua relação com a família.

No capítulo seguinte, “Leona: transformando-se em professora”, contextualizo como se deu o ingresso de Leona na docência, ao mesmo tempo em que analiso sua permanência na profissão e os possíveis mecanismos para manter-se na profissão docente. Não obstante, analiso como é sua relação com os demais funcionários da escola, o uso de seu nome social no contexto da educação, sua relação com os alunos e com os pais. Outro marcador analisado nessa seção é a existência de sua rede de apoio social.

No último capítulo intitulado “Transexualidade e Educação: o que a escola tem a ver com isso?”, são discutidas a relação da escola no combate à transfobia, e se Leona trabalha sexualidade em sala de aula.

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8 1 - APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E DO CAMPO

A inclusão do debate sobre a diversidade sexual e de gênero no espaço acadêmico ocorre, de acordo com Dinis (2008), desde meados dos anos de 1970 e deve-se, à pressão dos grupos feministas e dos grupos LGBT que denunciaram a exclusão de suas representações de mundo nos programas curriculares das instituições escolares. Segundo o autor, no plano acadêmico internacional, esse movimento surgiu com os departamentos de Estudos da Mulher e, em seguida, com os Estudos de Gênero e os Estudos Gays e Lésbicos, em algumas das universidades americanas, sempre no esforço de criar alternativas e formas de resistências aos sintomas de sexismo, machismo e homofobia e, ao mesmo tempo, fazendo com que tais temas pudessem ser abordados também nas pesquisas acadêmicas.

Embora as experiências de travestis e transexuais tenham passado a ser visitadas com mais frequência por pesquisadores das ciências sociais e da antropologia a partir de 1990, esses sujeitos só passaram a ter mais visibilidade e despontar como temática central em pesquisas, após os anos 2000. (AMARAL et al., 2014).

Talvez motivados pela onda dos estudos queer, pelas críticas pós estruturalistas e pela preocupação também crescente entre a militância LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) em relação às reivindicações das travestis, os achados demonstram o expressivo interesse acadêmico por suas experiências corporais, políticas e sociais que nesta última década, passaram a fazer parte de pesquisas científicas em variadas áreas do conhecimento. (AMARAL et al., 2014, p.302).

Todavia, de acordo com Dinis (2008), no Brasil, tal debate esteve restrito durante vários anos a áreas como a Sociologia, a Psicologia e a Crítica Literária, sendo bastante sintomática sua ausência, mais particularmente, nos estudos da Educação. Esses estudos se alicerçaram muitas vezes a partir “de uma realidade vista esteriotipicamente como dada: a intersecção necessária da vida das travestis com a violência, doenças, degradação e prostituição, sem buscar as causas sociais que criam estes estereótipos” (AMARAL, 2013, p. 1), ou seja, “a produção do discurso acadêmico, no Brasil, ainda está diretamente ligada à prostituição, à vigilância e estigmatização diante do HIV/aids”. (AMARAL et al., 2014, p. 307)

Entretanto, a partir dos anos 1990, o debate começou a emergir na área da Educação. Um dos trabalhos expoentes desse período são as pesquisas da historiadora Guacira Lopes Louro acerca da exclusão das minorias de gênero na história da educação, em especial a publicação de seu livro “Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista”

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9

(1997). Desde então, pesquisadoras/es da área da Educação têm debatido temas como gênero e sexualidade a partir de uma visão culturalista, rompendo com o paradigma biologizante predominante. (DINIS, 2008).

A partir dos anos finais da década de 2010, de acordo com Neil Franco e Graça Cicillini (2015), surgiram demandas explícitas das pessoas trans junto ao contexto escolar que passaram a identificar a escola como um lugar de pertencimento apesar dos diversos obstáculos enfrentados por esses sujeitos geralmente associados ao mercado do sexo e ao universo da marginalidade.

Tais estudos buscavam problematizar questões que são comuns a um número considerável de travestis e transexuais em suas histórias de vida: a dificuldade de fazer-se respeitar em seu processo de questionamento de gênero, a expulsão de casa, falta de apoio familiar, a evasão escolar, e a dificuldade na obtenção de emprego fora do mercado da prostituição devido à falta de conclusão dos estudos.

Essa ampliação de pesquisas e debates, na contemporaneidade, segundo Torres (2012), tem fornecido certa visibilidade social à questão das travestis e/ou transexuais problematizando a transfobia e/ou as subalternizações dessas sexualidades. Entretanto, nota-se que os estudos que visam problematizar questões do universo trans e a educação ainda são pontuais e incipientes. Além disso, essa é uma área do conhecimento que vem se consolidando aos poucos, embora tenha tido uma maior visibilidade nos últimos três anos. Deve-se levar em conta que a escolaridade das travestis, assim como a relação de professoras travestis com o ambiente escolar são discussões pontuais e urgentes, inclusive para embasar políticas públicas para a educação. (AMARAL et al., 2014).

Por exemplo, a partir do mapeamento realizado por Amaral et al. (2014), das 92 produções acadêmicas (dissertações, teses, capítulos de livros e artigos) produzidas no período de 2001 a 2010 sobre o universo trans, apenas duas dissertações tratavam da temática no contexto da educação: o trabalho de Alessandra Bohm (2009) que pontuava a dificuldade de travestis e transexuais em permanecerem na escola e o trabalho de Neil Franco de Almeida (2009) que discutia a constituição identitária de professores gays, travestis e lésbicas, a partir de entrevistas com esses docentes. Contudo, entendo, a partir de minhas leituras, que o trabalho de Bohm também discute a constituição identitária no âmbito da docência trans, haja vista que uma das entrevistadas é uma professora transexual.

Já Franco e Ciccilini (2015) apontaram que no período de 2008 a 2014 haviam sido produzidas dezoito publicações que abordavam a temática (05 artigos, 05 capítulos de livros,

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10

05 dissertações e 03 teses). Para esses autores, “Berenice Bento possivelmente realizou umas das primeiras investigações sobre universo trans e educação no contexto brasileiro”. A autora problematizou sobre os critérios de normalidade e anormalidade instituídos pelas instituições sociais ao lidarem com as demandas de pessoas “que vivem o gênero para além da diferença sexual”.

Dentre essas publicações, destaca-se, em 2012, a tese de doutorado “Travestis na Escola: assujeitamento e Resistência à ordem normativa” – escrita por Luma Nogueira de Andrade – primeira travesti com doutorado no país e, posteriormente, primeira professora a ingressar no quadro de docentes de uma universidade federal. Embora a pesquisa de Luma tenha por objetivo apresentar alunas trans no espaço escolar, desvendando suas sociabilidades, resistências e assujeitamentos à ordem heteronormativa, a autora entrelaça as histórias das travestis entrevistadas com sua própria história, enquanto aluna e docente. Desse modo, a tese de Andrade situa-se num limiar, podendo tratar-se tanto de uma pesquisa sobre discentes quanto de uma docente.

Coaduna nesse sentido, o entendimento de Franco e Cicilli:

Uma singularidade do trabalho de Andrade (2012) foi que ao construir uma etnografia de travestis na escola, a autora desenvolveu um ir e vir entre sujeitos e pesquisadora em razão da construção de seu corpo trans ter sido também influenciada pelas nuances do contexto escolar, o que resultou na sua constituição profissional como docente. Dessa forma, o texto nos permitiu conhecer parte significativa de suas vivências escolares - sempre contextualizadas e comparadas às vivências dos sujeitos investigados -, assim como compreender seu trajeto de construção docente. Portanto, sua tese se encontra na fronteira entre as pesquisas que enfocaram alunas/os trans na escola e aquelas que se detêm às professoras trans.(FRANCO, CICILLI, 2015, p.11)

Ainda com base no estado da arte elaborado por Franco e Cicilli (2015), dos estudos que tratam exclusivamente de professoras trans, emergem apenas as pesquisas de Marco Antônio Torres (2012) e Marina Reidel (2013):

Marco Torres (2012) pesquisou a emergência de professoras trans correlacionada à ascensão das demandas pelos direitos LGBT na contemporaneidade. Buscou conhecer as impressões das professoras sobre a escola e suas lutas contra a discriminação, motivado pela argumentação de que ocupando a posição de docentes conseguiriam identificar mudanças em andamento na escola bem como em dimensões sociais mais amplas. A metodologia utilizada pautou-se na análise de documentos referentes às políticas de direitos humanos e entrevistas realizadas com sete professoras trans brasileiras interpretadas à luz das relações entre “estabelecidos” e “outsiders” teorizadas por Norbert Elias e, ainda, em alguns conceitos elaborados por Judith Butler. (FRANCO, CICILLI, 2015, p.12)

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11 Marina Reidel (2013) analisou a Educação relacionada a temas como sexualidade, gênero, violência e preconceito, tentando descrever caminhos para uma Educação possível envolvendo todos esses elementos. No que se refere às docentes trans, saber qual é o lugar ocupado pela profissão docente nesse processo foi outro foco de sua dissertação, principalmente, quando suas identidades sexuais e de gênero são ressaltadas pelos sujeitos que integram a escola. Como metodologia, foram entrevistadas sete professoras trans brasileiras cujo material empírico foi analisado, mormente, sob o olhar das teorias pós-críticas.(FRANCO, CICILLI, 2015, p.12)

Pode-se afirmar que o trabalho de Marina Reidel assume grande significado no contexto da produção acadêmica sobre educação e transexualidade por dois motivos. O primeiro é que Marina é uma professora trans e, assim como Luma Andrade, entrelaça suas vivências às vivências das professoras entrevistadas. O segundo motivo é que sua dissertação de mestrado intitulada “A pedagogia do salto alto: histórias de professoras transexuais e travestis na educação brasileira” traz um inédito mapeamento de professoras/professores travestis e transexuais no Brasil. Seu trabalho foi capaz de identificar um conjunto de noventa professoras transexuais femininas e dois professores transexuais masculinos que “se distribuem por praticamente todos os estados do Brasil, em capitais, cidades médias e muitas delas em cidades pequenas pelo interior” (SEFFNER, REIDEL, 2015, p. 448).

Vale ressaltar que embora Amaral, Franco e Cicillini não tenham elencado em seus levantamentos, Edmar Henrique Dairell Davi e Maria Alves de Toledo Bruns publicaram, em 2012, na Revista Intercontinental de Psicologia y Educación (México), o artigo “Profesoras travestis: trayetorias y experiencias", que apresenta as trajetórias de vida de duas professoras travestis brasileiras.

A fim de identificar novos trabalhos produzidos que contextualizassem o universo

trans e a educação posteriores aos períodos pesquisados por esses autores, a partir de buscas

realizadas no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, em bases de dados como Scielo e em sites de busca como Google Acadêmico, foi possível detectar que, em 2015, foram publicados 08 artigos, 02 teses/dissertações e 01 capítulo de livro; enquanto até junho de 2016, foi possível identificar quatro artigos. Desses quinze estudos, apenas quatro buscaram investigar professores transexuais e travestis, conforme apresentado a seguir.

Influenciado pelas perspectivas pós-estruturalista e pós crítica, o artigo “Notas sobre o processo de inclusão/exclusão de uma professora transexual” de autoria de Alfrâncio Ferreira Dias, Maria Eulina Pessoa de Carvalho e Danilo Araujo de Oliveira (2016), expõe as experiências de violências e sofrimentos, conquistas e lutas de uma transexual como estudante e professora.

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A dissertação “Quando o ‘estranho’ resolve se aproximar: a presença da professora transexual e as representações de gênero e sexualidade no ambiente escolar”, de autoria de Tiago Zeferino dos Santos (2015), analisou as representações de gênero e sexualidade re/produzidas no espaço escolar por estudantes e profissionais de educação a partir da inserção de uma professora autodefinida transexual em uma escola de ensino fundamental da cidade de Tubarão/SC. Tomando como ponto de partida, as memórias da professora transexual enquanto aluna e professora, o estudo buscou identificar de que modo as questões relativas a gênero e sexualidade se expressam na escola junto a uma turma de estudantes e de profissionais da educação, além de investigar como as representações de gênero no cotidiano escolar se alterariam diante da presença de uma professora transexual.

O artigo “Professoras trans brasileiras em seu processo de escolarização” de Neil Franco e Graça Aparecida Cicillini (2015) contextualizou os caminhos percorridos e os obstáculos enfrentados por professoras trans brasileiras durante seu processo de escolarização e inserção na docência, analisados à luz das teorias pós-críticas, sobretudo a teoria queer1.

Outro estudo recente verificado é a tese de doutoramento de Dayana Brunetto Carlin dos Santos, intitulada “Docências Trans: entre a decência e a abjeção”, onde analisa a trajetória de seis professoras que se reconhecem como mulheres trans.

Identifiquei, ainda, que o debate sobre a docência trans também tem ocorrido em outros países, conforme é possível verificar nos seguintes artigos: “Discrimination Against

Gay Men, Lesbians, and Transgender People Working in Education2”, de Jude Irwin (2002), que explorou as experiências de trabalho de 120 homens homossexuais, lésbicas e pessoas transexuais que foram empregados como professores, acadêmicos e educadores na Austrália; “Wearing my identity: A transgender teacher in the classroom3”, de autoria de Linda McCarthy (2003), que narra a história de um professor transexual dos Estados Unidos; e “Transgender Teachers as Role Models for a Tolerant Society: The Impact of Societal Views

and Their Influence on Employment AntiDiscrimination Laws4”, escrito por Susannah L. Ashton (2009), e cujo foco de investigação foram as leis estadunidenses que visam a proteção e coíbem discriminação de professores transexuais.

1

A teoria queer, oficialmente queer theory (em inglês), é uma teoria sobre o gênero que afirma que a orientação

sexual e a identidade sexual ou de gênero dos indivíduos são o resultado de um constructo social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, antes formas socialmente variáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais.

2 Discriminação contra homens gays, lésbicas e pessoas transexuais que trabalham na educação. 3 Usando minha identidade: um professor transgênero na sala de aula.

4 Professores Transgêneros como Modelos de Função para uma Sociedade Tolerante: O Impacto das Opiniões

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13

Igualmente, foi possível verificar que outras identidades sexuais relacionadas à educação também foram objeto de estudo. Em 2013, Henrique Caproni Neto e Renata de Almeida Bicalho pesquisaram as violências interpessoais e simbólicas na trajetória de uma professora intersexual de Minas Gerais. Embora a intersexualidade seja uma categoria identitária distinta da travestilidade e transexualidade, o artigo relata que essa professora, por diversas vezes, foi confundida como uma travesti e sofreu, igualmente, preconceitos por não se enquadrar na heteronormatividade existentes nos espaços escolares.

Observa-se, portanto, que o universo trans e a educação tem sido uma área em emergente construção, embora ainda existam poucos estudos na área, considerando o amplo universo da educação. Assim, torna-se relevante a realização de pesquisas que lancem seu olhar às travestis e às transexuais e às questões que busquem problematizar seu acesso e permanência nos espaços escolares, seja enquanto estudantes ou como professoras.

É inegável a importância de novas sondagens para verificar, por exemplo, se tais cifras não poderiam apontar para cenários ainda mais dramáticos se os universos considerados fossem paisagens interioranas, cidades situadas em regiões economicamente deprimidas, centros educacionais de formação tecnológica e agrícola, entre outros. Seria necessário poder comparar as possíveis diferenças nas manifestações e nos efeitos da homofobia em escolas de periferia e de elite, em escolas públicas, confessionais e militares, no sistema formal e informal de educação de adultos etc. (JUNQUEIRA, 2009, p.18).

Não obstante, destaca-se que os espaços escolares são marcados por um contexto de re/produção de heteronormatividade, onde a homofobia a transfobia são reforçadas e por vezes incentivadas, o que reforça a importância de estudos que possibilitem entender como as travestis e transexuais se mantêm na função de professoras em um contexto marcado pela transfobia. É oportuno ressaltar a importância desta pesquisa para ampliar a compreensão acerca da produção de subjetividades das pessoas trans, evidenciando as principais dificuldades de reconhecimento social que elas enfrentam no cotidiano escolar.

Além disso, conforme argumentam Santos (2015), o ato de escrever e pesquisar sobre pessoas trans visa contribuir na desconstrução das fronteiras do sistema binário (masculino x feminino), na legitimação dessas identidades e colaboram para diminuir a ideia hegemônica de que os sujeitos trans sofrem de algum transtorno de gênero ou enfermidades.

É essa ideia hegemônica que norteia, inclusive, atualmente, no Brasil, as políticas públicas de saúde para as pessoas transexuais. Em 1997, o Conselho Federal de Medicina (CFM), através da Resolução nº 1.4821, autorizou a realização de cirurgias de transgenitalização em pacientes transexuais no país, alegando seu caráter terapêutico. Esta

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resolução partia do princípio de que o/a paciente transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou autoextermínio. Apesar das discussões acerca da despatologização da transexualidade que ocorrem contemporaneamente, a Resolução CFM nº 1.955/2010 que dispõe, hodiernamente, sobre a cirurgia de transgenitalismo, ainda considera a transexualidade como uma patologia.

1.1 - SOBRE “OUTRAS LEONAS”: ESTABELECENDO OS MARCADORES DA NARRATIVA

Ao chegarmos à Escola ―A, eu e o auxiliar da pesquisa, professor José Wellington de Oliveira Machado, chamou-me a atenção a estrutura física precária em relação a algumas que conhecia no interior estado. Uma escola de porte médio, com um muro um pouco degradado e um portão de estrutura metálica todo fechado. Ao bater no portão, fomos recebidos por um rapaz que perguntou com quem queríamos falar, e respondi que era com a diretora. Ele então abriu o portão e nos encaminhou para a sala dela, próxima à entrada. A escola estava limpa, e alguns alunos começavam a chegar para a aula; os que já estavam presentes me viram e logo perceberam que se tratava de uma travesti; alguns apontavam e riam, outros gritavam, um outro dizia em voz alta: É um viado (sic). Aquilo para mim era uma tortura, então caminhei mais rápido para chegar à sala da diretora e ficar mais protegida. O funcionário que nos conduzia relatou: Estes moleques não respeitam ninguém. Chegando à sala, fiquei aliviada ao fechar a porta e me deparei com a gestora, que percebeu minha aflição e provavelmente ouviu o que ocorrera. Apresentamo-nos a ela, que prontamente se desculpou pelo comportamento dos(as) alunos(as) e nos convidou a sentar enquanto se dirigia ao lado de fora da sala. Meu parceiro de pesquisa, Wellington, tentou me tranquilizar, comentando que a reação dos(as) alunos(as) foi bem parecida com a das outras escolas da capital que visitamos. Concordei com ele, mas não conseguia me sentir à vontade; cada vez que acontecia, sentia-me violentada, desprotegida e indesejada. Por isso, ficava sempre receosa de entrar em escolas nas quais eu não fosse conhecida. Estes momentos me colocavam na condição de travesti na escola, e aquelas reações negativas seriam idênticas ou piores caso se tratasse de uma aluna novata travesti, que, não encontrando um lugar seguro, como funcionou para mim a sala da diretora, possivelmente teria saído correndo daquela escola e possivelmente jamais voltasse (ANDRADE, 2012, p. 40-41)

O trecho acima foi extraído da tese de doutoramento de Luma Nogueira de Andrade, quando relata a sua inserção no campo para realização de sua pesquisa. Como se pode perceber, os processos de estigmatização e de violências em relação às expressões travestis e transexuais são muito frequentes nos espaços escolares (PERES, 2009) e quando uma pessoa

trans retorna à escola, mesmo em outra condição que não seja de aluna, não está imune aos

processos de discriminação impetrados por uma cultura heteronormativa.

Assim como ocorreu com Luma que retorna a uma escola como uma pesquisadora e sofreu preconceito de alunos/as da instituição devido à sua identidade de gênero, entendemos

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que o retorno das pessoas trans aos espaços escolares, mesmo na condição de docente, pode se configurar como uma nova luta pelo seu reconhecimento e pertencimento social, pois as imposições heteronormativas presentes nos espaços escolares não estão direcionadas apenas a discentes. Nesses espaços, essas professoras podem enfrentar novos processos de estigmatização, invisibilidade e de transfobia, por parte de alunos/as, de pais e mães, de seus pares e até mesmo dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino, o que acaba por inviabilizar e dificultar a sua permanência na profissão.

Nesse sentido, o objetivo desta seção é apresentar um breve apanhado de trajetórias de outras professoras trans, que foram entrevistadas por pesquisadores que nos precederam na investigação da temática da docência trans, a fim de evidenciarmos quais são as similaridades que emergem de suas narrativas, quais são as estratégias de sobrevivência nos espaços escolares, como elas lidam com a transfobia nesses espaços.

De acordo com Fernando Sefner e Marina Reidel (2015, p. 445), “no cenário educacional brasileiro, professoras travestis e transexuais são cada vez mais visíveis, e provocam repercussões em geral ligadas ao preconceito e à discriminação que sofrem”. Embora constituam, segundo esses autores, uma minoria em termos numéricos, trazem para o debate várias questões polêmicas, em especial por conta da curiosidade que instauram e do impacto nos modos de relação profissional, enquanto professora, com alunos/as, com os demais professores/as e outros colegas de trabalho, com os/as gestores/as dos sistemas de ensino e com os pais e as famílias de estudantes.

Num mapeamento iniciado em sua pesquisa de mestrado e posteriormente, aprimorado para o artigo “Professoras Travestis e Transexuais: saberes docentes e pedagogia do salto alto” (2015) – publicado em conjunto com seu orientador Fernando Sefnner – Marina Reidel conseguiu identificar 92 docentes transexuais espalhados por todas as regiões do Brasil, sendo 90 professoras transexuais femininas e 02 professores transexuais masculinos. A maioria era professor/a com efetivo exercício em sala de aula, que variavam entre as séries iniciais, o ensino fundamental e o ensino médio. Praticamente exerciam as atividades de docência nas redes públicas estaduais ou municipais, o que significa que a grande maioria foi aprovada em concurso público de títulos e provas. (SEFNNER, REIDEL, 2015).

Como Reidel salienta, esses números podem ser alterados, na medida em que novos/as docentes trans sejam identificados/as, já que inexistem dados exatos sobre o número de pessoas trans que lecionam nas instituições escolares do Brasil. Esta dissertação reflete justamente isso, ao passo em que ela narra a história de uma professora transexual que não

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16

consta do levantamento apresentado por Reidel. Por outro lado, busco aprofundar pelas narrativas de minha colaboradora de pesquisa o contexto e as experiências dela no contexto educacional.

Embora existam trabalhos relacionados às identidades trans e educação, ressalta-se que são poucos os pesquisadores brasileiros que se empenharam em abordar a temática da docência trans em seus estudos. A partir de levantamentos, identifiquei apenas cinco pesquisadores: Marco Antônio Torres, Neil Franco, Marina Reidel, Tiago Zeferino e Dayana Brunetto Carlin dos Santos. Embora o foco de Alessandra Bohm e Luma Andrade não seja, especificamente, docentes trans, seus trabalhos trazem, também, narrativas de professoras

trans conforme já explicitado na seção anterior.

Dentre as pesquisas realizadas sobre docência trans, todas dedicam-se, exclusivamente, a contar experiências de professoras transexuais femininas. Embora Reidel tenha identificado a existência de professores transexuais masculinos, esses ainda não tiveram suas histórias de vida pesquisadas, o que se configura como uma sugestão de abordagem em trabalhos futuros.

No quadro abaixo, são apresentadas quantas e quais professoras transexuais foram entrevistadas por cada um dos pesquisadores:

Pesquisador/a Nº prof. Entrevistadas Professoras Entrevistadas Região

Neil Franco 12 (doze) Marina Reidel

Adry Souza Geanne Greggio Edna Ilde Sayonara Nogueira Alysson Assis Danye Oliveira Sarah Rodrigues Adriana Sales Bruna Oliveira Adriana Lohana Sandra dos Santos

Sul Sul Sudeste Sudeste Sudeste Sudeste Centro-Oeste Centro-Oeste Centro-Oeste Nordeste Nordeste Norte

Marina Reidel 07 (sete) Adriana Lohana

Adriana Sales Adriana Souza Andreia Laís Catelli Brenda Ferrari da Silva Sayonara Nogueira Carla da Silva Nordeste Centro-Oeste Sul Sul Sul Sudeste Sudeste

Marco Antônio Torres 07 (sete) Marina Reidel

Milena Amaryllis Andreia Adriana Sales Adriana Lohana Fayla Sul Sul Sul Sul Centro-Oeste Nordeste Sudeste

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17 Dayana Bruneto Carlin dos

Santos

06 (seis) Milena Branco

Megg Rayara Andreia Laís Laysa Carolina Marina Reidel Brenda Ferrari Sul Sul Sul Sul Sul Sul Quadro 1 - Professoras trans entrevistadas por pesquisadores brasileiros.

Pode-se perceber que várias professoras transexuais foram entrevistadas por mais de um pesquisador. É o caso de Sayonara Nogueira, Adriana Sales, Brenda Ferrari, Milena Branco e Andreia Laís que foram entrevistadas por dois pesquisadores, cada; e de Marina Reidel, Adriana Lohana e Adriana Sales que foram entrevistadas por três pesquisadores. Já as demais professoras, cada uma delas, foram entrevistadas por um pesquisador.

Ressalta-se que Marina Reidel, além de pesquisadora da temática, também é uma colaboradora de pesquisa, tendo sido entrevistada por Marco Antônio Torres, Neil Franco e Dayana Bruneto. Ao todo, nesses trabalhos foram contadas as histórias de vinte e três professoras diferentes, cujas trajetórias convergem para os marcadores em negrito nos próximos parágrafos, que serão utilizados, mais à frente para analisar e contar a história de Leona.

Com relação à identidade de gênero, a maioria das professoras pesquisadas se autoidentificou como mulher transexual, buscando um certo distanciamento da identidade travesti, o que leva a inferir que até mesmo no universo trans, a imagem da travesti é estigmatizada, geralmente possuindo uma associação com uma imagem negativa, na maioria das vezes, relacionada à prostituição. Embora compartilhe do entendimento de Pelúcio (2006) e Torres (2012) de que nem todas as travestis são prostitutas, tenham passado pela prostituição ou pretendem se prostituir, o senso comum (e ele se estende ao universo LGBT e ao universo trans) associa a travestilidade ao mercado do sexo. Contudo, nas pesquisas pode-se verificar que a prostituição para muitas pode-se constitui como um rito de passagem nas travestilidades.

A família, segundo diversos autores, consiste no primeiro círculo social onde as pessoas trans são submetidas à preconceito e discriminação. Os relatos das professoras entrevistadas apontam para a existência de uma rejeição familiar em muitos dos casos, já que a maioria das professoras menciona a não aceitação de um ou de vários membros da família.

Além disso, de acordo com Soares et al (2011), a pessoa transexual nem sempre conta com amplo apoio daqueles que a rodeiam ou do conjunto de pessoas que lhes são importantes. Para esses autores, da rede social de apoio, ou seja, daquelas pessoas do convívio, espera-se que exerçam funções como companhia, apoio e que sejam fontes de recursos materiais e de

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serviços. Pois, é na relação com elas que se constrói a identidade. (SOARES et al, 2011). Os autores destacam que o apoio social e emocional para enfrentar mudanças e situações de estresse deve se dar, também, por meio dessa rede, que é constituída de um grupo de pessoas com as quais o indivíduo mantém contato ou alguma forma de vínculo social, incluindo relacionamentos mais próximos, tais como familiares e amigos íntimos, e relacionamentos mais formais como os da profissão.

Nesse sentido, pode-se verificar em algumas pesquisas a importância que as redes de

apoio social exercem no ingresso e permanência das professoras transexuais nos espaços

escolares, bem como, no seu processo de transformação.

Nas narrativas das trajetórias escolares dessas professoras, é comum, emergirem cenas de violências físicas ou verbais, bullying, de não aceitação da identidade de gênero. De acordo com Santos (2015, p. 60), “a escola parece ser o reduto de maior confirmação que a “identidade trans” não é bem-vinda e muito menos considerada normal”. Há de se considerar, todavia, que algumas das professoras entrevistadas ainda não haviam passado pelo processo de transformação quando eram alunas, entretanto isso não foi impeditivo para que fossem submetidas às mais diversas formas de preconceito nos espaços escolares.

As narrativas permitem inferir também que as professoras trans, para justificarem a ocupação de um espaço como docente em uma escola, deveriam ser as melhores naquilo que fazem (REIDEL, 2013; SANTOS, 2015; TORRES, 2012), uma vez que suas condutas estão sob constante vigilância e qualquer deslize pode significar uma punição, como demissão, transferência de escola, e/ou advertências. Assim, em busca da sua permanência nos espaços

escolares, as professoras trans buscam se defender através de mecanismos como processos

administrativos ou judiciais (ou pelo menos ameaçar impetrá-los), quando sentem seus direitos violados.

Embora no início desse capítulo os/as alunos/as de uma escola tenham sido os responsáveis por submeter Luma Andrade a uma situação discriminatória e essa situação possa ser realidade para algumas professoras trans, a relação das professoras entrevistadas

com seus/uas alunos/as não é única. Algumas relatam ter sofrido um preconceito inicial

vencido após um trabalho realizado com os/as discentes em que se discute as identidades de gênero e o preconceito LGBT; outras relatam ser respeitadas pelos alunos de modo geral; enquanto outras revelam que de acordo com as características sociais nas quais as instituições escolares estão inseridas, os/as alunos/as, por sofrerem outras formas de preconceito, o

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