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2 – DIÁLOGOS NECESSÁRIOS: FALANDO DE GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO

Embora sejam, muitas vezes, confundidos como sinônimos, gênero, orientação sexual e identidade sexual são termos que carecem ser melhor compreendidos, pois são produzidos com diferentes significados no campo acadêmico e mesmo militante. Gênero é considerado diferente de orientação sexual que é articulado de modo bastante diferente de identidade de gênero. São três ideias, três conceitos que definem aspectos bem distintos de uma mesma pessoa e que devem ser entendidos em sua complexidade, em seu contexto social e na singularidade na formação de cada ser humano. Esses termos articulados dentro das políticas de direitos humanos passam a fazer sentido para os sujeitos, pois fornecem a eles experiências de reconhecimento, ainda que precário, nas políticas públicas. Vejamos um pouco do modo como estes termos são discutidos nas pesquisas.

Historicamente, as primeiras discussões sobre a categoria gênero desenvolveram-se no movimento feminista dos anos 1960/1070 (SANTOS, 2015), tendo iniciado sem prestígio acadêmico, e posteriormente foram ganhando autonomia no campo da pesquisa acadêmica atingindo hoje status mais consistente (ABREU E ANDRADE, 2010).

Neil Franco (2009), baseado nos estudos de Silva, T. (2007), afirma que a inserção do gênero em nossa história social é relativamente recente. Segundo o autor, saído da gramática em que se restringia à designação do sexo dos substantivos, o termo gênero foi utilizado pela primeira vez em 1955 pelo biólogo estadunidense John Money como a possibilidade de identificar os aspectos sociais do sexo.

De acordo com Cardoso (2008), a produção teórica de John Money caracteriza-se por uma profunda preocupação em tentar organizar e articular a sexualidade humana a partir de uma ótica interacionista, ou seja, procurando articular a capacidade cultural humana com as origens filogenéticas da espécie. Todo o seu pensamento provém de uma vida inteira dedicada ao tratamento e à pesquisa de pacientes intersexuais, os quais, Money compara a um laboratório vivo onde as pesquisas experimentais ligadas a questões entre natureza e cultura podem ser contempladas. “Segundo Money ser macho ou fêmea, ou ainda intersexo, são

categorias que se estruturam a partir do critério da genitália com qual o indivíduo nasceu. Já o

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Apesar da categoria gênero não ter sido problematizada diretamente por Foucault, segundo Santos (2015), suas obras impulsionaram as pesquisas nesse campo sob um viés pós- estruturalista, principalmente, após a publicação do artigo “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, de autoria de Joan Scott. “Nesse artigo, Soctt descreve gênero como sendo uma categoria discursiva no campo das diferenças entre os sexos” (SANTOS, 2015, p. 50).

Assim, esse conceito de gênero – desenvolvido pela teoria feminista na década de 1980 e mais tarde rediscutido por Scott (1990) – refere-se a um sistema de relações de poder baseadas num conjunto de qualidades, papéis, identidades e comportamentos opostos atribuídos a mulheres e homens. “As relações de gênero (assim como as de classe e raça ou etnia) são determinadas pelo contexto social, cultural, político e econômico. Enquanto sexo é determinado pela natureza, pela biologia, o gênero é construído historicamente sendo, portanto, variável e mutável”. (ABREU, ANDRADE, 2010, p.3).

Coaduna nesse sentido o posicionamento de Neves, Alencar e Fonseca (2000, p. 2112):

Didaticamente, pode-se considerar que gênero é o conceito que se refere a um sistema de papéis e relações entre homens e mulheres, determinado pelo contexto social, cultural, político e econômico. Com efeito, enquanto o sexo biológico de uma pessoa é determinado pela natureza biológica, o gênero é construído: difere de uma sociedade para outra e pode ser alterado de acordo com a época. Em suma, falar em sexo implica referir os aspectos físicos e biológicos de macho e fêmea, diferenças que estão presentes nos nossos corpos e que não mudam radicalmente, mas apenas se desenvolvem de acordo com as etapas do crescimento humano.

Com isso, de acordo com Franco (2009), definiu-se a oposição existentes entre as categorias sexo e gênero, referindo o termo sexo exatamente aos aspectos biológicos da identidade sexual e o termo gênero aos aspectos sociais construídos nesse processo de identificação. Esta compreensão foi questionada por Judith Butler (1990) que analisa que tanto sexo como gênero são produções discursivas, pois mesmo o biológico é significado na linguagem dentro das lógicas heteronormativas.

Ao longo da história da humanidade, existem diversos exemplos de como o gênero se constitui em uma construção cultural, isto é, pessoas que nascem com um sexo biológico e se transicionam para o sexo oposto. São exemplos as Acaults da Birmânia; as Berdaches da América do Norte; As Fa´afafine de Samoa e Nova Zelândia; as Fakaleiti de Tonga; as Hijras

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da Índia e Paquistão; as Kathoey da Tailândia; as Kyrypy-meno do Paraguai; as Mahu da Polinésia; as Muxes do México; e os Virgens Juramentados dos Balcãs.8

Pelas experiências apresentadas percebemos que as formas de expressão identitária dos sujeitos, e daquilo que definimos como sexualidades, dizem de contextos sociais específicos em que se inserem. Nesse sentido, é correto afirmar que as questões de gênero e sexualidade não se restringem apenas às características biológicas. “O gênero é uma ferramenta política nas quais as identidades de gêneros e sexuais se confundem e se misturam, e nem sempre estão evidentes no discurso dos sujeitos” (SANTANA, 2016, p. 101). Ou seja, o sexo, pensado como biológico, não determina necessariamente qual é o gênero da pessoa, ainda que as normas heteronormativas da sociedade exijam que se ela possuir um pênis, deve adotar o gênero masculino, , desejar e praticar sexo com uma mulher” (SANTANA 2016).

Coaduna, nesse sentido, o posicionamento de Louro (2009, p. 39):

Mulheres e homens produzem-se de distintas formas, num processo carregado de possibilidades e também instabilidades... Deste modo, pode haver e há muitas formas de ser feminino ou de ser masculino, e reduzi-las a um conjunto de características biológicas resulta, seguramente, numa simplificação... As formas de viver nossos prazeres e desejos não estão dadas, prontas, pela Natureza; há toda uma complexa combinação de sentidos, de representações, de atribuições que efetivamente vão constituir aquilo que chamamos de sexualidade.

Por outro lado, a identidade de gênero é uma categoria produzida nas políticas de direitos humanos, nos Princípios de Yogyakarta, em 2006. Nestes, identidade de gênero é uma autoidentificação que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando do seu nascimento, ou seja, uma pessoa pode nascer com um sexo biológico – homem ou mulher – e se identificar como o gênero oposto. Assim, para algumas pessoas, a vivência de um gênero discordante do sexo é uma questão de identidade, é o caso das pessoas conhecidas como travestis, e das transexuais, que são tratadas reconhecidas por alguns, , como parte do grupo chamado de “transgênero”. (JESUS, 2012).

Diferente do senso pessoal de pertencer a algum gênero, ancorados nos Princípios de Yogyakarta, a orientação sexual consiste na atração afetivo-sexual por alguém que pode ou não ser do mesmo sexo. Desse modo, a orientação sexual, de acordo com Seffner (2014), se articula na seguinte tríade: homossexual, heterossexual e bissexual. Desse modo, podemos conceber a ideia da existência de homens/mulheres heterossexuais, homossexuais ou

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Essas identidades de gênero foram elencadas por Urbano Félix Pugliese do Bomfim (2015), em sua tese “O Direito como Instrumento Protetor dos Vulnerados na Seara das Sexualidades”. Disponível em <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/17762/1/Urbano%20F%C3%A9lix%20Pugliese%20do%20Bomfim% 20-%20Tese%20finalizada.pdf>.

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bissexuais, se articulando em identidades, entre as quais algumas se destaquem mais. “Embora exista uma multiplicidade de produção de posições do sujeito no terreno do gênero e da sexualidade, no âmbito da luta política e do movimento social, as identidades fortes são apenas quatro: gay, lésbica, travesti e transexual”. (SEFFNER, 2014, p.43)