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Perfil Psicológico de Prestação, Orientações Cognitivas e Negativismo do Futebolista Português

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Academic year: 2021

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José Vasconcelos Raposo

(orientador)

PERFIL PSICOLÓGICO DE PRESTAÇÃO,

ORIENTAÇÕES COGNITIVAS E NEGATIVISMO

DO FUTEBOLISTA PORTUGUÊS

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO VILA REAL, 2010

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Dissertação apresentada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia do Desporto e Exercício, sob a orientação de José Vasconcelos Raposo – Professor Catedrático.

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“Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.

No fundo, isto não tem muita importância.

O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano,

dormindo ou acordado”.

(William Shakespeare)

Foram vários os que, directa ou indirectamente, contribuíram para a concretização deste meu “sonho”.

Assim, quero agradecer do fundo do coração

ao Professor Vasconcelos-Raposo pela sua imensa sabedoria e por me ter feito sentir que fazer ciência não é privilégio de apenas alguns.

Aos dirigentes, treinadores e, acima de tudo, aos futebolistas, que tornaram possível este trabalho.

Ao extraordinário corpo docente do ano curricular do mestrado, pelo conhecimento transmitido.

Aos Professores Hélder Fernandes e Carla Teixeira, da UTAD, Maria Dolores, da Universidade Lusíada do Porto, e Alvaro Mahl pela amabilidade e disponibilidade sempre demonstradas. Bem haja.

Ao José Quadros, meu “irmão” e “camarada de guerra”, por tudo.

Ao Filó e ao Dany Amorim, pelos contactos proporcionados. Sem a sua preciosa ajuda tudo teria sido muito mais difícil. A minha mais profunda gratidão.

À Liceth Santos dos Santos pela força e amizade incondicional.

Dedico este trabalho à minha família, em especial aos meus pais, a quem quase tudo devo.

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Objectivou-se caracterizar o perfil psicológico de prestação do futebolista português e identificar variáveis psicológicas que diferenciam jogadores de diferentes níveis competitivos (Nacional, Regional e Distrital). Participaram 424 futebolistas portugueses do sexo masculino, com idades entre os 18 e os 36 anos. Utilizaram-se o PPP (Perfil Psicológico de Prestação), o TEOSQ (Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire) e a ENAC (Escala de Negativismo e Autoconfiança). Os resultados sugerem que os jogadores de futebol portugueses se preparam mentalmente para a competição, embora não o façam de forma sistemática. Os futebolistas de níveis competitivos mais elevados, de uma forma geral, têm skills psicológicos mais desenvolvidos, encontrando-se diferenças significativas no controlo do negativismo e na atenção. Verificou-se que os jogadores do nível competitivo mais elevado têm as médias mais altas na orientação para a tarefa e mais baixas na orientação para o ego e que existem diferenças significativas inter-níveis na orientação para o ego. O negativismo e a autoconfiança aferidos pela ENAC aumentam e diminuem, respectivamente, à medida que se desce no nível competitivo, encontrando-se diferenças significativas no negativismo. Apenas o controlo do negativismo permitiu diferenciar significativamente futebolistas de diferentes posições. A idade e a experiência competitiva influenciam o desenvolvimento dos skills psicológicos, das orientações cognitivas, da autoconfiança e do negativismo, embora, por si só, não garantam um nível excelente de preparação mental. A análise das propriedades psicométricas da ENAC confirmaram a sua superior adequabilidade comparativamente ao modelo original. Concluiu-se que para uma boa preparação mental contribuem todos os skills psicológicos, pelo que a robustez mental é um constructo complexo e multidimensional.

Palavras-chave: factores psicológicos, psicologia do desporto, rendimento e futebol.

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It was aimed to characterize the psychological profile of the Portuguese soccer player’s performance and to identify psychological variables that differentiate players of different competitive levels (National, Regional and District). 424 Portuguese male soccer players participated, with ages between 18 and 36 years. The PPP (Psychological Performance Inventory), the TEOSQ (Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire) and ENAC (Scale of Negativism and Self Confidence) were used. The results suggest that if Portuguese players prepare themselves mentally for the competition, although they don’t do it systematically. The soccer players of higher competitive levels, as rule, have psychologically more developed skills, and there are significant differences in the control of the negativism and attention. It was verified that the players of higher competitive level have the highest averages in the orientation for the task and lower in the orientation for the ego and that there were significant differences between levels in the orientation for the ego. Negativism and self confidence surveyed by the ENAC increase and decrease, respectively, as it decreases in the competitive level and there are significant differences in the negativism. Only control of negativism allowed differentiating significantly football players of different positions. The age and the competitive experience influence the psychological development of skills, of the cognitive orientations, the self confidence and of the negativism, even so, by itself, they do not guarantee an excellent level of mental preparation. The analysis of the psychometric properties of ENAC had comparatively confirmed its superior adequateness to the original model. It was concluded that all psychological skills contribute for a good mental preparation, so that the mental robustness is complex and multidimensional construction.

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AGRADECIMENTOS ... V RESUMO ... VII ABSTRACT ... IX ÍNDICE GERAL ... XI ÍNDICE DE QUADROS ... XIII LISTA DE ABREVIATURAS ... XV

1 INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA ... 1

1.1 OFUTEBOLCOMOFACTOSOCIALTOTAL ... 7

1.1.1 O paradigma produtivista ... 11

1.1.2 O paradigma consumista ... 14

1.1.3 Evoluções e “involuções”: o social e o jogo ... 20

1.2 OPROBLEMA ... 25

2 REVISÃO DA LITERATURA ... 35

2.1 FACTORESPSICOLÓGICOSDETERMINANTESDORENDIMENTO DESPORTIVO ... 36 2.2 AUTOCONFIANÇA ... 42 2.3 NEGATIVISMO ... 44 2.4 ATENÇÃO ... 46 2.5 IMAGÉTICA ... 48 2.6 PENSAMENTOSPOSITIVOS ... 50 2.7 ATITUDECOMPETITIVA ... 51 2.8 MOTIVAÇÃO ... 52 2.8.1 Orientações cognitivas ... 54

2.9 ESTUDOSREALIZADOSCOMOPERFILPSICOLÓGICODE PRESTAÇÃO ... 57

2.10 OBJECTIVOSESPECÍFICOSEHIPÓTESES ... 60

3 METODOLOGIA ... 63

3.1 AMOSTRA... 63

3.2 VARIÁVEIS ... 65

3.3 INSTRUMENTOS ... 66

3.3.1 Questionário para dados pessoais ... 66

3.3.2 Perfil Psicológico de Prestação ... 66

3.3.3 Questionário de Orientação para a Tarefa e Ego no Desporto ... 68

3.3.4 Escala de Negativismo e Autoconfiança ... 69

3.4 PROCEDIMENTOS ... 72

3.5 TRATAMENTOESTATÍSTICO ... 72

3.6 DIFICULDADESELIMITAÇÕES ... 74

4 RESULTADOS ... 77

4.1 ANÁLISEDASPROPRIEDADESPSICOMÉTRICASDAENAC ... 77

4.1.1 Consistência interna ... 78

4.1.2 Análise factorial confirmatória ... 78

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4.2.1 Nível competitivo ... 80 4.2.2 Posição ... 81 4.2.3 Idade ... 82 4.2.4 Experiência Competitiva ... 83 4.3 ORIENTAÇÕESCOGNITIVAS ... 84 4.3.1 Nível competitivo ... 85 4.3.2 Posição ... 85 4.3.3 Idade ... 86 4.3.4 Experiência competitiva ... 87 4.4 NEGATIVISMOEAUTOCONFIANÇA ... 88 4.4.1 Nível competitivo ... 88 4.4.2 Posição ... 89 4.4.3 Idade ... 90 4.4.4 Experiência competitiva ... 90

4.5 CONFIRMAÇÃODASHIPÓTESES ... 91

5 DISCUSSÃO DE RESULTADOS ... 93

5.1 SKILLSPSICOLÓGICOS ... 94

5.2 ORIENTAÇÕESCOGNITIVAS ... 108

5.3 NEGATIVISMOEAUTOCONFIANÇA ... 114

6 CONCLUSÕES ... 121

6.1 REFLEXÕESERECOMENDAÇÕESPARAOFUTURO ... 122

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 129

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Quadro 1 - caracterização da amostra em função idade ... 64

Quadro 2 - caracterização da amostra em função do nível competitivo ... 64

Quadro 3 - caracterização da amostra em função da posição ... 65

Quadro 4 - caracterização da amostra em função da experiência competitiva 65 Quadro 5 - itens utilizados para o cálculo de cada skill psicológico do PPP .... 67

Quadro 6 - correspondência entre valores e o seu significado no PPP ... 67

Quadro 7 - itens utilizados para o cálculo das duas escalas do TEOSQ ... 69

Quadro 8 - itens utilizados para o cálculo das duas escalas do ENAC ... 71

Quadro 9 - análise da consistência interna (alpha de Cronbach) da ENAC ... 78

Quadro 10 - valores das medidas de ajustamento para a ENAC ... 79

Quadro 11 - análise descritiva dos skills psicológicos ... 80

Quadro 12 - comparação e diferenciação dos skills psicológicos em função do nível competitivo ... 81

Quadro 13 - comparação e diferenciação dos skills psicológicos em função da posição em campo... 82

Quadro 14 - comparação e diferenciação dos skills psicológicos em função da idade ... 83

Quadro 15 - comparação e diferenciação dos skills psicológicos em função da experiência competitiva ... 84

Quadro 16 - análise descritiva das orientações cognitivas ... 84

Quadro 17 - comparação e diferenciação das orientações cognitivas em função do nível competitivo ... 85

Quadro 18 - comparação e diferenciação das orientações cognitivas em função da posição em campo ... 86

Quadro 19 - comparação e diferenciação das orientações cognitivas em função da idade ... 87

Quadro 20 - comparação e diferenciação das orientações cognitivas em função da experiência competitiva ... 87

Quadro 21 - análise descritiva do negativismo e da autoconfiança2 ... 88

Quadro 22 - comparação e diferenciação do negativismo e da autoconfiança2 em função do nível competitivo ... 89

Quadro 23 - comparação e diferenciação do negativismo e da autoconfiança2 em função da posição em campo ... 89

Quadro 24 - comparação e diferenciação do negativismo e da autoconfiança2 em função da idade ... 90

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Quadro 25 - comparação e diferenciação do negativismo e da autoconfiança2 em função da experiência competitiva ... 91 Quadro 26 - comparação das diferenças para a média em função da posição ... 104

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AFC Análise factorial confirmatória

AMOS Analysis of Moment Structures

CFI Comparative fit index

CSAI Competitive State Anxiety Inventory

DP Desvio padrão

ENAC Escala de Negativismo e Autoconfiança

F Razão F

FIFA Fédération Internationale de Football Association

GFI Goodness of fit index

PIB Produto Interno Bruto

PPP Perfil Psicológico de Prestação

RMSEA Root mean square error of approximation

SAD Sociedade Anónima Desportiva

SPSS Statistical Package for the Social Sciences

TEOSQ Task and Ego Orientation in Sport Questionaire

UEFA Union of European Football Associations

X² Chi square

X²/df Ratio chi square statistics/degrees of freedom

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1 INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O futebol actual, como facto social total, conceito proposto por Mauss (1974), é um fenómeno complexo no qual as instituições sociais se exprimem e o todo social pode ser observado. Nele o funcionamento e a evolução da sociedade se evidenciam, constituindo, como tal, um microcosmos e um

espelho nos quais ela se reflecte e pode ser reflectida.

Como fenómeno social total, o futebol rege-se pelos princípios da competitividade, do rendimento e da eficácia, personificando na perfeição os actuais paradigmas produtivista e consumista da nossa cultura industrial referenciados por Bento (2009) e Brito e Alves (2002). É cada vez mais uma área comercial, uma indústria que possui um papel importante na sociedade capitalista em que vivemos ao movimentar biliões de euros e infindáveis recursos humanos e materiais. É um fenómeno global, com um número crescente de praticantes, adeptos e consumidores, que vai despertando cada vez mais a atenção da comunicação social, deixando de ser apenas um jogo para se tornar num campo onde se disputam interesses desportivos, económicos, sociais e, frequentemente, políticos.

Hoje em dia, não existem na sociedade portuguesa muitas actividades e campos sociais que ocupem lugar tão central nos média, nas sociabilidades, nos gostos dominantes, como o futebol (Coelho, 2000).

Como sugere Santos (2004), o futebol perdeu a sua dimensão de desporto, entendido este na sua acepção antropológica. Passou a ser uma mercadoria subordinada às regras do mercado: oferta e procura. Assim, a dimensão lúdica do futebol está agora remetida para quem o compra, da mesma forma que compra teatro, cinema ou outra forma de arte ou lazer. O futebol só é prazer e espectáculo para quem o observa e vive como espectador (Santos, 2004).

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Silva e Rubio (2003) referem que se ouve com certa frequência a afirmação de "que o desporto de hoje não é mais como era antigamente". Desde o surgimento das actividades físicas com a finalidade de competição até aos grandes espectáculos dos dias actuais, o desporto tem sofrido inúmeras transformações. O ideal desportivo do atleta grego antigo não é o mesmo do atleta moderno, que também não é igual ao do atleta contemporâneo. Além da mudança de valores, a própria prática das modalidades, com as suas técnicas desportivas, equipamentos e regras, tem sido alterada. O desporto tem acompanhado as transformações que ocorrem na sociedade, reflectindo, no seu próprio ambiente, os avanços científicos, tecnológicos e os valores criados e desenvolvidos pelos indivíduos.

A actual dimensão sócio-cultural e, acima de tudo, económico-financeira do futebol, com uma crescente proliferação de clubes-empresa, cuja sobrevivência e interesses acoplados dependem do sucesso desportivo das suas equipas, exige mais que nunca, à imagem dos mundos empresarial e industrial, excelência na produtividade. É um universo extremamente dinâmico, exigente, nivelado e selectivo, profundamente marcado pela competitividade e pela procura do resultado, que requer um estudo constante dos processos que influenciam os desempenhos colectivo e individual, procurando não só a identificação dos factores que influenciam a performance desportiva, mas também dos elementos que diferenciam os futebolistas de sucesso dos outros de menor sucesso, numa procura constante da maximização do rendimento.

No universo do desporto de competição é habitual a afirmação de que o rendimento desportivo é um fenómeno multidimensional por serem vários os factores que concorrem para a sua efectivação (Garganta, Marques, & Maia, 2002). Contudo, os factores psicológicos são uma das razões que mais vezes são apontadas pelos diferentes “actores” desportivos para justificar as prestações, nomeadamente quando elas e respectivos resultados ficam aquém do desejado ou esperado (Fonseca, 2004). No futebol, as pressões do envolvimento social resultantes dos diversos interesses envolvidos no fenómeno e as especificidades e evoluções do próprio jogo, exigem futebolistas

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psicologicamente fortes, resistentes, robustos e determinados. É um mundo cada vez mais marcado por altos níveis de exigência e pressão.

Como exemplo, a era dos “galácticos” Zidane, Ronaldo, Figo, todos eles eleitos pela FIFA, pelo menos uma vez, o Melhor Jogador do Mundo, de David Beckham, várias vezes nomeado, não esquecendo os conceituados Raul e Roberto Carlos, do multinacional Real Madrid, resultou de uma forte estratégia de marketing por parte do presidente do clube, Florentino Pérez. A iniciativa, verdadeiro sucesso em termos financeiros, uma vez que o retorno conseguido foi enorme com a venda de camisolas, artigos diversos e o apelo do marketing, resultou, contudo, num tremendo fracasso em termos desportivos, uma vez que o clube merengue não conquistou, durante esse período, o número de títulos desejados e esperados (Carlin, 2004). As solicitações a que os futebolistas eram frequentemente sujeitos, nomeadamente em termos publicitários, condicionaram, segundo alguns analistas desportivos, a necessária capacidade de concentração para o desempenho desportivo ao mais alto nível. Foi inclusive ventilado na comunicação social, que os horários dos treinos eram frequentemente adaptados aos compromissos publicitários dos jogadores. Também alguns comentadores desportivos especularam relativamente à hipótese destas situações terem fortemente condicionado as prioridades pessoais dos atletas, questionando-se mesmo a natureza da motivação e da atitude competitiva demonstradas por alguns deles.

No Campeonato do Mundo de 2002, o futebolista português João Pinto, após uma sequência de decisões bastante polémica, agrediu o árbitro do jogo. Este acto valeu-lhe a expulsão e a suspensão de toda a sua actividade desportiva por seis meses. Também o francês Zinedine Zidane, eleito três vezes pela FIFA como o Melhor Jogador do Mundo, agrediu um adversário no seu jogo de despedida depois de ter sido insultado pelo mesmo. Esta situação ocorreu aos dois minutos da segunda parte do prolongamento da final do Campeonato do Mundo de Futebol de 2006, disputado entre a França e a Itália. Este descontrolo valeu a Zidane a expulsão do jogo, tendo o seu país perdido o título por 5-3 na marcação de grandes penalidades. Segundo Buffon, guarda-redes da selecção italiana, embora a final tenha sido decidida através da

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marcação de grandes penalidades, foi aquele o momento decisivo que permitiu a si e aos seus colegas a reviravolta do ponto de vista motivacional, já que era evidente o domínio e ascendência gauleses naquela fase tão importante do jogo.

Da análise das declarações, quer públicas quer privadas, de jogadores, treinadores, dirigentes, ou mesmo de simples adeptos, resulta a percepção de que poucas vezes os resultados ou níveis de rendimento são determinados por aspectos físicos, técnicos e até tácticos. Ansiedade, motivação, emoções, concentração, mentalidade, atitude, objectivos, são sem dúvida as expressões mais recorrentes. Na verdade, tal como observa Fonseca (2004), não existe uma única jornada, ou mesmo um único jogo, em que não sejam convocadas razões ou factores de natureza psicológica para procurar predizer, descrever ou interpretar um qualquer resultado ou desempenho de um dado futebolista em particular ou de uma equipa em geral. Há, sem dúvida, um reconhecimento geral do papel exercido pelos factores psicológicos no rendimento desportivo dos jogadores e das equipas de futebol. Como disse José Mourinho, quando recebeu pela primeira vez o prémio de melhor treinador de futebol do mundo, ao apontar o segredo para o sucesso das suas equipas, “o mais importante é a cabeça”, “ a motivação”.

Actualmente é inquestionável a influência e importância dos factores e competências psicológicas no rendimento desportivo (Coelho, 2007; Cruz, 1996b; Loehr, 1986; Vasconcelos-Raposo, 1993). Gomes e Cruz (2001) chamam atenção para a possibilidade das competências psicológicas poderem fazer a diferença entre atletas de sucesso e os outros, com menor sucesso e padrões de desempenho desportivos claramente inferiores. A preparação psicológica tem vindo a ganhar relevo e importância no contexto desportivo (Gomes & Cruz, 2001; Vasconcelos-Raposo & Aranha, 2000).

A optimização da performance e a excelência no rendimento desportivo tem recebido ao longo dos tempos o precioso contributo de um leque variado de ciências do desporto. No entanto, áreas como a fisiologia, a biologia, biomecânica, a medicina, entre outras, estão de tal forma desenvolvidas que o

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seu contributo para a melhoria das prestações desportivas não se tem revelado tão diferenciador como o foi no passado. As próprias dimensões física e técnica do rendimento desportivo ao nível Jogos Desportivos Colectivos de alta competição, frequentemente enfermas de uma abordagem castradora porque encaradas isoladamente da componente globalizante – a táctica - no processo de treino, estão tão exploradas que é de facto o “psicológico” que começa a fazer a diferença. Esta realidade é por demais evidente no contexto competitivo das equipas de futebol de alto rendimento, cuja filosofia de vitória (jogar sempre para ganhar) está presente em todos os jogos e competições. De facto, nem sempre as que têm mais sucesso são as que possuem nas suas fileiras os jogadores mais habilidosos, os que treinam “mais metros” ou as que têm os modelos de jogo mais desenvolvidos ou consolidados.

Na actualidade é unanimemente reconhecido o papel que a Psicologia do Desporto pode ter na melhoria da performance desportiva (Fonseca, 2001; Vasconcelos-Raposo & Aranha, 2000). O estudo das características, factores e competências psicológicas relevantes para o rendimento na alta competição tem vindo, de facto, a emergir como um dos principais temas de investigação neste domínio (Cruz, 1996b).

Para Vasconcelos-Raposo (1993), a psicologia é a área onde se podem obter ganhos mais significativos, já que permite o desenvolvimento das capacidades humanas até níveis ainda para nós desconhecidos. Este autor sugere que quanto maior é o nível competitivo maior é a importância que esta dimensão assume.

O raio de acção da Psicologia do Desporto não se limita ao “laboratório”. Pelo contrário, pode estender-se ao “terreno” com o acessoramento e intervenção junto de atletas, equipas e treinadores, através da elaboração e execução de programas de acompanhamento e preparação psicológica, podendo assim integrar, entre outras áreas, o processo de treino e a preparação da competição.

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Pacheco (2003) refere que o treino das competências psicológicas proporciona aos desportistas em geral e aos de alto rendimento em particular, excelentes possibilidades de encontrarem soluções individualizadas e adequadas para responder às exigências e dificuldades que a competição lhes coloca. Segundo aquele autor, o paradigma de base desta prática tem amplas analogias com o do treino físico, pois tal como as competências físicas, técnicas e motoras, também as psicológicas podem ser aprendidas, modificadas e melhoradas.

Vasconcelos-Raposo (1993) afirma que o treino mental visa maximizar o uso pleno das capacidades humanas dos atletas, fazendo com que sejam minimizados, e de preferência neutralizados, os elementos prejudiciais ao seu rendimento. Este investigador, como já referimos, aponta a Psicologia do Desporto como a área onde se pode obter ganhos mais significativos.

Nos jogos desportivos colectivos, os dados e indicadores obtidos na investigação são preciosos para a melhoria do processo de treino e potenciação do desempenho individual e colectivo em competição (Tavares, 1999). O caso do futebol de alta competição, nomeadamente o de alto rendimento, pela especificidade dos seus processos físicos, técnicos, tácticos, psicológicos, de socialização e enculturação, por um lado, e envolvências socioculturais e económico-financeiras, por outro, requer da Psicologia do Desporto uma intervenção adaptada e aplicada à sua realidade.

Os propósitos da nossa investigação, realizada no âmbito da Psicologia do Desporto aplicada ao futebol e à luz das propostas de Loehr (1986) e Vasconcelos-Raposo (1993), são a caracterização do perfil psicológico de prestação do futebolista português e a identificação das variáveis psicológicas que diferenciam jogadores de diferentes níveis competitivos. No entanto, porque esperamos com este trabalho contribuir também para uma melhor compreensão dos processos psicológicos que envolvem o rendimento desportivo dos futebolistas portugueses, entendemos ser aqui necessário o alargamento da “lente” com que abordamos o nosso problema. Como tal, a preceder o desenvolvimento e apresentação do mesmo, apresentaremos de

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seguida um capítulo no qual, imbuídos do espírito da Psicologia Cultural defendido por Vasconcelos-Raposo (1993, 1994b) e Vasconcelos-Raposo, Gonçalves e Teixeira (2005), reflectiremos sobre o futebol como facto social total, segundo o conceito proposto por Mauss (1974).

1.1 O FUTEBOL COMO FACTO SOCIAL TOTAL

Segundo Bento (1995), o desporto é um campo de conhecimento e de objectivação da vida e do homem, um verdadeiro “espelho” onde o homem reflecte todas as suas acções e atitudes. É por isso uma actividade antropológica essencial dado que é nas actividades que o homem se revela em toda a sua plenitude e transparência. Assim, nas palavras daquele autor, “reflectir sobre o desporto é reflectir sobre o homem, sim, porque são os homens quem pratica desporto, quem o inventou, quem lhe dá força e conteúdo” (p.188).

Ao longo da história da humanidade, os jogos e as actividades desportivas foram sofrendo alterações de carácter social, político e económico. Consoante as instituições eram mudadas, e de acordo com o tipo de poder que era estabelecido, também a organização e a própria natureza do desporto o eram (Vasconcelos-Raposo, 1993).

A história do desporto é indissociável da cultura humana, já que através dela conseguimos compreender épocas e povos. Cada período histórico tem os seus desportos nos quais a essência de cada povo se reflecte. Como tal, o estudo do fenómeno desportivo constitui um importante auxílio para a compreensão do funcionamento da sociedade contemporânea. Esta importância acentua-se quando o desporto em causa ocupa uma posição de indiscutível relevância no sistema social global, como é o caso do futebol na actualidade.

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Nas últimas décadas do século XX assistiu-se ao fim de uma civilização com o desmembramento da União Soviética, ao final do regime comunista nos diversos países do Leste Europeu, à quebra do Muro de Berlim, à democratização de algumas nações e, consequentemente, ao surgimento de uma nova ordem social. Foi um período de progressivo reconhecimento e acentuada consagração dos direitos humanos. Entre estes encontrou-se o da prática desportiva, então contemplada em vários textos constitucionais como um elemento de afirmação e qualificação da cidadania. O desporto viu-se assim investido de um crédito extremamente valorizador da sua relevância social, cultural e humana. Segundo Bento (2000), atingiu uma expansão sem par noutras áreas, com índices de crescimento impressionantes, ao ponto do século XX ser rotulado como o estranho século do desporto.

O desporto nunca foi tão penetrante e influenciador da vida das pessoas como o é actualmente nas sociedades industrializadas ou em vias de industrialização (Vasconcelos-Raposo, 1993). Tal como em outros tempos, o desporto de hoje resultou da criação de pessoas que no seu dia-a-dia procuram lidar, de uma forma ou de outra, com as condições que a sociedade em que viveram lhes impôs.

Hoje em dia, o desporto moderno é culturalmente universal, sendo praticado e consumido, de uma forma ou de outra, em todo o mundo. Neste contexto, o futebol ocupa a linha da frente, sendo unanimemente reconhecido como o desporto mais popular do planeta (Wagg, 2006). A nível mundial envolve directa e indirectamente biliões de pessoas, entre praticantes e adeptos, para além de incalculáveis recursos humanos e materiais nas mais variadas áreas (Murad, 2007a, 2007b). A nível nacional não existem muitas actividades e campos sociais que ocupem um lugar tão central nos média, nas sociabilidades, nos gostos dominantes (Coelho, 2000). Gilberto Madail, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, chegou a referir-se ao futebol como a maior multinacional do mundo (Madail, 2004).

Em 2001, cerca de 250 milhões de pessoas, 4,1% da população mundial, foram consideradas “participantes no jogo”, ou seja, estavam directa

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ou indirectamente ligados. O Campeonato do Mundo de Futebol de 2006, realizado na Alemanha, teve um total de audiência televisiva de 26,29 biliões de pessoas. Actualmente é um fenómeno que movimenta US$ 240 biliões por ano no mundo, responde por cerca de 1% do PIB nos países mais desenvolvidos e 5,4% na Comunidade Europeia, empregando nesta 3,4% da sua mão-de-obra. Em termos nacionais, constitui uma parte importante do tecido industrial português. Em termos de globalização, o futebol só tem um rival à altura: os Jogos Olímpicos (Wagg, 2006).

A enorme evolução que o desporto teve no século XX transformou-o nos seus conceitos, práticas e modelos de organização (Serpa, 2007). O futebol, cada vez mais uma área comercial, uma indústria, tem um papel importante na sociedade capitalista em que vivemos. Para Joyce (2002), os aspectos sociais, económicos e políticos que o envolvem assumiram uma importância que vai para além da mera prática e performance dos jogadores. A profundidade do futebol profissional, neste momento, é tão grande que tudo o que se passa no jogo e todos os seus intervenientes são analisados ao pormenor.

O filósofo Manuel Sérgio defende que o desporto moderno nasce da secularização que a modernidade sustentou e levou a cabo. “Daí que, nela, Deus tenha morrido, como pretendia Nietzsche, e no seu lugar proliferem pequenos deuses (minha: dinheiro, progresso, etc.) e grandes mitos, que ainda lhe restam” (Sérgio, 2003, p. 13). Para este filósofo, o desporto ocupa, hoje, uma posição de indiscutível relevância no sistema social global. Transformar este desporto significa inevitavelmente afectar os interesses de grupos e de lobbies, com sólidos apoios na ordem social estabelecida (Sérgio, 2003). Costa (1997) refere ainda que, se por um lado o desporto tem como fundador e destinatário a sociedade lúdica, por outro esta tem como adversário a sociedade económica.

Exemplo paradoxal da transformação social do desporto é os Jogos Olímpicos. Os ideais de Pierre de Coubertin, puramente amadores, foram absorvidos e substituídos por outros, entre os quais o elevado profissionalismo.

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Hodiernamente, os patrocínios representam a alma de toda a estrutura organizacional da competição (Capinussú, 1991).

Têm sido muitas as definições e denominações com que o futebol tem sido presenteado. Para uns desporto, actividade comercial, indústria, negócio, espectáculo. Para outros, actividade de lazer, escape e paixão. Pensamos que esta variabilidade, se por um lado resulta da natureza e variedade das inúmeras “lentes” e “filtros” com que tem sido abordado, por outro, é fruto da forma como é sentido ou vivenciado. Na nossa opinião, ambos são razão, produto e produtor da natureza e magnitude da sua presença como o desporto mais popular e mediático do planeta.

O futebol é, na actualidade, o exemplo mais fiel do desporto moderno como facto social total, conceito proposto por Mauss (1974). Nele as instituições sociais se exprimem e o todo social pode ser observado (Coelho, 2000; Costa, 1997, 2002, 2004, 2006; Murad, 2007a, 2007b). De natureza e funcionamento simbólicos, integrado numa realidade social concreta, o desporto em geral e o futebol em particular representam simbolicamente a sociedade, tanto no seu funcionamento global, como nas suas vertentes mais diversas. São uma metáfora (Costa, 1997) e uma alegoria do teatro do mundo (Silva, 2007), verdadeiramente representativos da actual sociedade global.

Para Tiesler e Coelho (2006), cinco importantes elementos e consequências dos processos de globalização – nomeadamente a migração internacional, o fluxo de capital global, a natureza sincretista da tradição e da modernidade na cultura contemporânea, as novas experiências do tempo e do espaço e o desenvolvimento revolucionário das tecnologias da informação – tornam-se particularmente expressivos no estudo do futebol e das realidades que lhe estão associadas. A análise dos fenómenos relacionados com o futebol nas áreas da nação e da migração, dos mitos e dos negócios, da cidade e do sonho, revela de que modo o futebol moderno constitui em si mesmo não apenas um objecto, mas também um sujeito, um agente dos processos de globalização.

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À medida que o século XX foi caminhando para o seu fim, o futebol foi sofrendo rápidas e profundas transformações, originadas pelo seu potencial social e económico e pela globalização. As transformações políticas, por exemplo, entre as quais o alargamento do espaço europeu, trouxeram novas realidades. Com a Lei Bosman, a mobilidade de jogadores passou a ser uma realidade, sendo uma das principais razões da sua actual mercantilização (Coelho & Pinheiro, 2004).

Costa (1997) refere-se ao desporto moderno como sendo um produto da sociedade industrial, que reproduz a imagem desta mesma sociedade, o seu funcionamento, as suas crises, contradições, sonhos e esperanças. Assim, sendo um microcosmos e um espelho da actual cultura industrial, funciona segundo um tríplice princípio fundamental: eficácia, rendimento e progresso. Também Mendes e Janeira (1998) consideram o desporto moderno como um espelho de uma sociedade regulada pelos princípios da competição e da produtividade, numa busca constante por performances máximas (Mendes & Janeira, 1998). As forças económicas e a ênfase no sucesso tornaram-se de tal maneira importantes que acabaram por influenciar significativamente a sua organização e até definição (Vasconcelos-Raposo, 1993). Assim, o desporto em geral e o futebol em particular são o exemplo cabal dos paradigmas produtivista e consumista que caracterizam a sociedade actual (Bento, 2009; Brito & Alves, 2002).

1.1.1 O paradigma produtivista

Bento (2009) refere que o paradigma produtivista preside a todos os sectores produtivos da sociedade actual. Mais que um meio de humanização e qualificação, o trabalho passou a objectivo. Trabalhar e produzir o mais possível, superar e esmagar os outros em índices quantitativos de produtividade é actualmente uma obsessão transversal a todas as áreas da nossa sociedade industrial.

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A actual dimensão social, cultural e económico-financeira do futebol, marcada pelo surgimento de clubes-empresa, com a denominação de SAD (Sociedade Anónima Desportiva), cuja sobrevivência e interesses dependem do sucesso desportivo das suas equipas, exige mais que nunca, à imagem dos mundos empresarial e industrial, excelência na produtividade. No jornal desportivo O Jogo de 9 de Maio de 2009 é referenciada a existência de movimentações das próprias cotações nos mercados bolsistas dos respectivos países de clubes como o inglês Birmingham e o turco Besiktas, isto poucas horas após resultados importantes. As vitórias ou derrotas ditaram, respectivamente, valorizações ou desvalorizações imediatas. É ainda noticiado que a poucos dias da provável renovação de um título nacional, a cotação da F.C. Porto SAD registou uma valorização ao longo da semana e um volume de transacções três vezes superior à média do último mês (Anunciação, 2009).

O futebol profissional é um universo extremamente dinâmico, exigente, nivelado, selectivo, competitivo e de alta concorrência, em que o que conta é a produtividade, a eficiência e o resultado. Não há lugar para os derrotados. Segundo Costa (1997), já os romanos tinham um ditado que ainda hoje personifica a sociedade em que vivemos: “ai dos vencidos”. A história só fala dos pequenos quando eles se encontram com ela na qualidade de vencedores. Hoje em dia isto ainda é uma realidade. Numa entrevista por si concedida após ter sido campeão do Cálcio da época 2008/2009 pelo Inter de Milão, o treinador José Mourinho referiu, a propósito do facto de não perder jogos em casa, como treinador, à mais de sete anos, que quando a derrota surgir o herói será quem o conseguir e não ele, que esteve 120, 150 ou mais jogos sem perder (Dias, 2008).

Os processos de selecção de indivíduos no desporto, tal como nos mundos empresarial, industrial e na sociedade em geral, são prática comum. A preocupação na escolha dos melhores recursos humanos é um reflexo da actual sociedade, porque o desporto actual, enquanto fenómeno de ordem social de grande impacto, também se rege pelos princípios da máxima produtividade e máximo rendimento (Brandão, 1999). O que se pretende é dotar as organizações (clubes, equipas) de pessoal adequado para

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desempenho de determinadas funções (dirigentes, equipas médicas, treinadores, jogadores, etc.) de modo a se obter a maior rentabilidade. Segundo Brandão (1999), é necessário recolher informações detalhadas acerca dos “candidatos” de modo a ser possível identificar os mais aptos.

Numerosos investigadores da Psicologia Industrial têm procurado solucionar este tipo de problemas, através da identificação de relações entre indicadores do comportamento e o rendimento ou produtividade dos trabalhadores. Além de analisarem as tarefas e as características individuais dos candidatos, procuram estudar a quantificação das suas interacções, possibilitando a modelação da performance e a elaboração e aperfeiçoamento de novos processos de selecção de pessoal (Brandão, 1999).

No futebol, a implementação de redes de prospecção de talentos, através de “caça-talentos” ou “olheiros”, e a forte aposta na formação, com escolas ou academias, são uma realidade em crescimento. O próprio conceito de “um clube, um modelo de jogo, um modelo de jogador”, complementado com “um modelo de formação, um modelo de treino, um modelo de treinador”, reflecte esta necessidade de modelação e de aposta nos próprios recursos, na produção própria. Estas tendências espelham também a “veia” mercantilista do futebol profissional, porque se por um lado existe uma aposta na própria formação, por outro é uma produção virada para o mercado, a rentabilização. Os preceitos necessários para criar um jogador de alto rendimento são

equivalentes aos utilizados, genericamente, em outras actividades

profissionais. Num mercado competitivo sobreviverão os melhores e os mais aptos (Domingos, 2004).

A equipa holandesa Ajax é uma referência mundial do modelo de clube direccionado para a formação de futebolista de elite. “Viveiro” de alguns dos melhores jogadores do mundo, na verdade poucas vezes atingiu a hegemonia a nível europeu. Em contrapartida, são inúmeros os futebolistas formados neste clube que jogam na selecção holandesa e nas melhores formações do mundo.

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A proliferação de torneios internacionais de futebol jovem acaba por satisfazer, entre outras, a necessidade de existência de “montras” de futebolistas. Exemplos paradigmáticos deste fenómeno são o Torneio de Toulon para selecções jovens sub-20 e o Mundialito de Clubes e Escolas de Futebol de 7, que decorre anualmente no Algarve. No primeiro foram inúmeros os talentos que despertaram ou deram nas vistas, tais como Passarella (Argentina), Jean-Pierre Papin (França), Hristo Stoichkov (Bulgária), Zinedine Zidane (França), Cristiano Ronaldo (Portugal), entre outros. Na edição de 2008 do segundo, participaram 116 equipas de dezoito países e cerca de 2000 jovens atletas (divididos pelos escalões de pré-escolas, escolas e infantis) oriundos de quatro continentes. Tanto num como noutro, concentram-se regularmente “olheiros” de clubes de todo o mundo, na esperança da descoberta de um novo “diamante” a lapidar e, consequentemente, activos para posterior rentabilização.

A detecção de talentos realiza-se em faixas etárias cada vez mais baixas, chegando mesmo a atingir-se situações extremas como as que recentemente foram divulgadas na televisão, com a revelação de “craques” de tenra idade, com 4 anos e às vezes menos. Michel Platini, um dos mais emblemáticos futebolistas franceses de sempre e um dos melhores do mundo de todos os tempos, actual presidente da UEFA, manifestou recentemente a sua indignação por aquilo que classificou de “tráfico de crianças”, em que clubes celebram contratos com pais de crianças de tenra idade. Platini manifestou publicamente a intenção de propor à FIFA a proibição de transferências de jogadores com menos de 18 anos, face à galopante exploração infantil no futebol, um pouco à imagem do que se passa em muitas áreas da sociedade e zonas do globo.

1.1.2 O paradigma consumista

O paradigma consumista da sociedade moderna é igualmente visível no futebol. Nos últimos anos, este converteu-se em algo inevitável, não se limitando aos estádios, invadindo todos os terrenos. É a estrela dos meios de

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comunicação, o centro das conversações quotidianas, a obsessão de alguns, a razão de viver de muitos e um autêntico pesadelo para os poucos que não entendem este fenómeno (Alvito, 2006). Os adeptos do desporto foram autenticamente pulverizados por "estímulos desportivos" através da comunicação social, como forma de promoção do consumo de produtos diversos e aproveitamento do desporto como meio de propaganda e controlo de massas por parte de governos e grupos dominantes (Brito & Alves, 2002).

A pulverização dos "estímulos desportivos" é hoje uma evidência face à actual realidade do desporto como indústria do espectáculo promovida pelos poderosíssimos "novos governos" (os meios de comunicação) e grandes empresas de comunicação social (Brito & Alves, 2002).

O poder económico transgride as mais elementares regras do bom senso e tudo arrasta. As guerras de audição dominam o terreno das televisões que controlam e balizam o espectáculo (Serpa, 2000). Aliás, os mass média desde a primeira hora que reconhecem a importância do desporto como fenómeno social (Vasconcelos-Raposo, 1993).

Hoje em dia os investimentos no desporto são inseparáveis da lógica do espectáculo desportivo fortemente mediatizado. Na opinião de Constantino (2000), o que torna o desporto um dos maiores mercados publicitários é a osmose que se estabeleceu entre um evento desportivo e a sua possibilidade de transmissão televisiva.

O suposto diálogo entre o treinador do Real Madrid, Carlos Queiroz, e o presidente do clube, Florentino Pérez, que teria perguntado ao primeiro se ele sabia “o número de telespectadores que desliga a televisão quando Ronaldo sai de campo” (Coelho & Pinheiro, 2004), é ilustrativo e emblemático da problemática que descrevemos.

Em Inglaterra, graças ao contrato trienal de comercialização dos direitos televisivos, com início em 2007/2008, no valor total de 4.000 milhões de euros, a Premier League (principal campeonato de futebol) encaixará uma média de

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1.335 milhões de euros por temporada. O campeão deverá receber uma verba próxima dos 75 milhões de euros, enquanto o último classificado arrecadará pelo menos 45 milhões de euros (Anunciação, 2008), este último superior ao orçamento de qualquer clube português.

Só que a televisão, mais que transmitir um acontecimento, acaba mesmo por o produzir. A televisão reelabora um produto que é substancialmente diferente do que é visto no próprio local. Constantino (2000) questiona: quem define a lógica dos calendários desportivos? O número de competições? O horário dos jogos? O que estará primeiro, critérios de rentabilidade desportiva ou de eficácia financeira? A exploração dos desportos como forma de promoção do consumo de produtos diversos abrange hoje em dia industrias tão diversas, desde a construção à imprensa, passando pela produção em massa de equipamento de toda a espécie (materiais, roupas, bolas, instrumentos diversos) e pelo turismo (Brito & Alves, 2002).

Historicamente marcado pela paixão e pelo arrebatamento colectivo, o futebol torna-se o “carro-chefe” da indústria do entretenimento e o tema central de inúmeros e diversos apelos publicitários, sendo utilizado para vender de tudo. A plasticidade da mercadoria futebol permite que ele seja vendido ou comercializado sob diversas formas, em canais variados: televisão, telemóvel (novo e promissor mercado), jogos electrónicos de diversos tipos (inclusive aqueles que simulam a “administração” da parte financeira dos clubes), revistas especializadas, álbuns de cromos, sites com conteúdo exclusivo (partidas, golos, melhores momentos) e outros (Alvito, 2006).

O aproveitamento do desporto pelos “poderes” instalados – governos ou grupos dominantes – como forma de propaganda ou controlo de massas é ainda hoje uma realidade, embora, na opinião de Paula Brito, esta influência esteja a decrescer, dado que o indivíduo tende a ser cada vez mais conduzido para a situação de "célula consumidora", importando menos a sua posição ideológica ou atitude político-social (Brito & Alves, 2002). Para aquele autor, a primeira força, composta pelos meios de informação, associar-se-á a uma segunda, a produção e comercialização de artigos de consumo. Como em

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geral ambas estão intimamente associadas ao poder, quando não são órgãos desse mesmo poder ou então o próprio poder, a sua acção vai naturalmente convergir para uma promoção e estimulação dos desportos que alimentem os meios de informação e diversão - a indústria da diversão -, promovam o elevado consumo e concentrem um máximo de indivíduos em ocupações ou actividades controláveis (Brito & Alves, 2002).

Não é de ignorar o extraordinário impacto psicossocial exercido pela publicidade, a qual se encontra na posse da citada trilogia de forças (Brito & Alves, 2002). Os princípios elementares do moderno marketing, não procurando satisfazer as necessidades básicas do indivíduo, procura criar-lhe novas necessidades que se ajustem aos produtos comercializados no “desporto-espectáculo-profissionalizado” Este leva ao aparecimento do "desportista-profissional publicitário" ou "desportista-anúncio", que simultaneamente fornece espectáculo (artigo de consumo da indústria de divertimentos), o estímulo-exemplo (força promotora do consumo desse desporto e respectivos produtos afins) e a emoção (conducente a um tipo determinado de descarga, ou a uma orientação desejada da energia psíquica). O desportista, embora possa estar integrado num clube-empresa, tenderá a passar para empresas promotoras que o vestirão e nomearão com a marca ou produto a promover directa ou indirectamente. Em alguns casos o clube mantém-se enquanto a sua força de impacto afectivo-grupal for considerada útil. Noutros acontece a associação do clube a uma marca ou a criação do clube-marca, como acontece actualmente com alguns emblemas (Brito & Alves, 2002).

Dentro da lógica de transformação dos grandes clubes do mundo em “marcas globais” é que se entende o propósito das excursões de clubes europeus ao Oriente, de olho no mercado asiático, sem falar na contratação de jogadores locais com o mesmo objectivo (Alvito, 2006). Veja-se os casos do Real Madrid, de Espanha, e do Manchester United, de Inglaterra, que se deslocam aquela zona do globo não só na denominada pré-época mas também ao longo do ano para a disputa de jogos e torneios diversos altamente rentáveis.

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No início de Julho de 2003, o Real Madrid, que acabara de contratar ao Manchester United o futebolista inglês David Beckham por US$ 40 milhões, vendeu em apenas meia hora, a 78 euros cada, 200 camisolas com o número 23 usado pelo jogador, não por acaso, o mesmo número que marcou a carreira de Michel Jordan na NBA. O objectivo do clube espanhol era fechar a temporada de 2003 com um milhão de camisas com o número 23 vendidas, o que lhe garantiria 78 milhões de euros, mais do dobro do que a quantia gasta com a aquisição de Beckham, isto apenas com esse tipo de fonte. Para alcançar essa meta, o clube modificou a sua pré-temporada. Pela primeira vez na sua centenária história, o clube espanhol treinou na Ásia, realizando jogos amistosos na China, Japão, em Hong Kong e na Malásia (Coelho & Pinheiro, 2004). O alvoroço provocado pela passagem de Beckham e demais estrelas, antecedida de ampla campanha mediática equivalente às de pop stars internacionais, levou o clube espanhol a arrecadar, durante a sua pré-temporada na Ásia de apenas 10 dias, US$ 48 milhões, US$ 7 milhões a mais do que o investimento em Beckham. Cifras como estas entusiasmam os defensores do “mercado” a radicalizarem as suas posições na busca de ocupações de espaços na luta que se trava pela hegemonia do futuro do futebol. O sucesso da passagem do Real Madrid pela Ásia, mensurado pelo dinheiro arrecadado, pela abertura de mercados e pela afluência de público – unidades de medida favoritas dos defensores do campo secular – forneceu argumentos poderosos como a defesa da desterritorialização como estratégia na busca do lucro máximo (Coelho & Pinheiro, 2004).

A direcção da Premier League, principal campeonato inglês de futebol, avançou com uma proposta à FIFA, órgão directivo máximo do futebol mundial, tendo como base a possibilidade de cada equipa realizar, a partir da temporada 2010/2011, um jogo do campeonato fora de Inglaterra, em países como os Estados Unidos, Japão ou Austrália, onde existem milhões de adeptos dos principais clubes britânicos e fontes de receitas capazes de gerar lucros de milhões em publicidade e audiências televisivas. Esta proposta embora inovadora no futebol, não é nova uma vez que a NBA e a Liga de Futebol Americano (NFL) já realizam jogos fora dos Estados Unidos (Amaral, 2008).

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A associação entre grandes empresas ou marcas e a realização de campeonatos é uma evidência hoje em dia, tanto a nível mundial como nacional. Liga Sagres, Liga Vitalis, a nível nacional e Barclays Premier League a nível internacional são alguns dos exemplos que podemos referenciar. A própria associação de algumas marcas de bebidas alcoólicas a clubes e mesmo selecções desportivas são um dos exemplos mais flagrantes do primado dos interesses económicos sobre outros outrora tão apregoados porque indissociáveis de uma actividade saudável como a desportiva.

Actualmente proliferam também os "clube agência", onde se procede à promoção de homens de negócios cuja generosidade financeira e afectiva (dedicação) nada mais é do que um excelente investimento publicitário do seu nome-marca e a oportunidade de não menos excelentes relações públicas, que em pouco tempo e por breves contactos, podem abrir a porta a amplos negócios (Brito & Alves, 2002).

Como refere Alvito (2006), parece que o futebol migrou das páginas desportivas dos jornais para as colunas de economia, do mercado financeiro, das bolsas de valores. Existe a impressão de que se está a ler um suplemento económico, de notícias sobre contratos, licenciamentos, marketing, compra, venda, empréstimo e até hipotecas (Alvito, 2006).

O jogo e a competição são cada vez menos para os que o protagonizam e mais para os que deles se apropriam, como espectadores, comentadores, empresários, dirigentes e accionistas. O desporto é um espaço social, estando a sua construção condicionada pelas dinâmicas do conjunto de interesses desportivos, comerciais, mediáticos, publicitários e políticos que o contextualizam. O espectáculo desportivo sintetiza todos eles, deixando a competição que nele decorre de ser apenas um jogo, onde confrontam e se avaliam capacidades e talentos desportivos (Constantino, 2000).

O presidente do Inter de Milão, Massimo Moriatti afirmou uma vez: “Negócio é negócio, o resto é conversa. Quem dita as regras são os sponsors,

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os canais de televisão, a publicidade e as cotações nas bolsas de valores” (Constantino, 2000, p. 176). O desporto em geral e o futebol em particular, à imagem da sociedade contemporânea, encontram-se em permanente mudança. Esta, sempre rápida e num tempo curto, reflecte-se na transformação das atitudes, comportamentos e valores dos indivíduos. Imperam os paradigmas produtivista e consumista, consubstanciados nos princípios da produtividade, do máximo rendimento e da eficácia. Estes, profundamente enraizados na sociedade, além de condicionarem os instintos fundamentais da espécie humana – sobrevivência e comunicação –, influenciam também a forma como o Homem encara o objectivo fundamental da sua existência: ser feliz.

1.1.3 Evoluções e “involuções”: o social e o jogo

No prefácio que assinou no livro “O planeta do futebol” de Luís Freitas Lobo, Paulo Sousa, antigo futebolista internacional português, refere-se à forma como vivenciou os tempos em que jogou no principal campeonato italiano. Diz que viver o futebol italiano é não ter paz e descanso. Há uma pressão constante sobre o jogador de futebol. Todos exigem: os média, os “tifosi”, a direcção, o adepto famoso. Quando chegou à Juventus até Luciano Pavaroti falou sobre ele (Lobo, 2008).

Na opinião de Paulo Sousa (Lobo, 2008), a exigência que o meio coloca nos jogadores, nos treinadores, nos directores e, consequentemente, nas equipas, transformou profundamente o futebol italiano: a procura do resultado tem-se evidenciado, nas últimas décadas, como uma cultura profundamente enraizada no meio futebolístico. Os interesses económicos em torno do futebol obrigam as equipas a ganhar, passando o espectáculo para segundo plano. A fobia do perder ou a fixação pela obtenção de resultados positivos acabou por promover o aumento do jogo defensivo e do contra-ataque, “imagem de marca” da forma de jogar das equipas italianas. Esta cultura está tão enraizada que se se chegar junto a uma criança italiana e lhe perguntar quem é o seu ídolo ou que tipo de jogador gostaria de ser, grande parte responderá que quer ser

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defesa como Canavarro ou stopper com Genaro Gatuso. Para Paulo Sousa, esta obsessão pelo resultado traduz-se num futebol com características dominantes de anti-jogo, contra-ataque, sistemas tácticos rígidos e físicos, renunciando-se ao talento dos jogadores, deixando o espectáculo e o espectador para segundo plano (Lobo, 2008).

Hoje em dia, no campo social, o jogador de futebol sofre pressões de todos os quadrantes: direcção, equipa técnica, adeptos, comunicação social, patrocínios próprios e da equipa. O futebolista, para ser um activo valioso para o seu clube-empresa, tem de desempenhar eficazmente o seu papel tanto nas interacções produzidas dentro de campo, como no seu comportamento social diário (Domingos, 2004). A avaliação do seu desempenho, tal como um operário especializado, por vezes principescamente remunerado, é uma constante. É-lhe exigido um comportamento e desempenho irrepreensíveis, exemplares e de excelência, consistentes e sem oscilações, durante toda época. E, se possível, tal como qualquer operário, sem “acidentes de trabalho”, vulgo lesões, dos quais resultam incapacidade para a produção e evidentes prejuízos para o próprio, o clube e interesses comerciais e publicitários envolvidos.

O incremento da popularidade do futebol está relacionado com um conjunto de factos entre os quais se saliente a importância do marketing, propiciada pela maior espectacularidade do jogo. Consequentemente, fruto do paradigma consumista, os interesses económicos e financeiros acercam-se, aumentando a sua influência de forma desmedida. Assim, como forma de rentabilização do espectáculo, os jogadores são hoje submetidos a uma cada vez maior pressão de jogos (espectáculos) em locais cada vez mais distantes. Os seja, todos os agentes perceberam que quantos mais jogos, maiores receitas e mais lucro (Soares, 2004).

Segundo Rebelo (2004), na actualidade, um jogador pode realizar 80 jogos oficiais por época, tanto em Portugal como noutro país europeu, quando se somam os jogos ao serviço do clube e da selecção. Isto significa que, durante os 11 meses que compõem a época desportiva, o futebolista de alto

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rendimento está frequentemente exposto a períodos semanais de treino com três competições.

O próprio jogo reflecte o futebol como facto social total. Nele se reflectem igualmente o funcionamento e as evoluções da sociedade (Costa, 1997). O jogo de futebol, sendo uma criação do Homem, desenvolve-se simultaneamente com a civilização, reflectindo os aspectos positivos e negativos que toda a sociedade na sua evolução evidencia (Castelo, 2003).

O Futebol é um jogo desportivo colectivo, no qual os intervenientes (jogadores) se agrupam em duas equipas numa relação de adversidade e rivalidade, numa luta incessante pela conquista da posse da bola, respeitando as leis do jogo, com o objectivo de a introduzir o maior número possível de vezes na baliza adversária e evitá-los na sua própria baliza, com vista à obtenção da vitória (Castelo, 2004). As equipas em confronto directo formam duas entidades colectivas que planificam e coordenam as suas acções para agir uma contra a outra, cujos comportamentos são determinados pelas relações antagónicas de ataque e defesa. Representam assim, nesta perspectiva, uma forma de actividade social, com variadas manifestações específicas, cujo conteúdo consta de acções e interacções. A cooperação entre os vários elementos é efectuada em condições de luta com adversários (oposição), os quais por sua vez, coordenam as suas acções com vista à desorganização dessa cooperação (Castelo, 2003). Também por estas características o jogo pode ser reconhecido como uma metáfora da nossa sociedade.

Costa (2002) diz que no desporto os principais símbolos são de natureza cosmológica: a bola, imagem do sol, do cosmos, da terra e até da alma humana; o terreno de jogo, imagem do mundo e representação do espaço "cosmisado" da existência do homem; os próprios jogadores, actualização mítica, dos deuses, dos heróis ancestrais e fontes de modelos para os seus irmãos.

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No jogo também se evidenciam as mudanças do social. A tendência evolutiva do futebol de alto rendimento nos últimos tempos, espelho de uma sociedade regida, essencialmente, por princípios de rendimento e de competitividade, tendo em vista a obtenção de resultados, promoveu o aparecimento de equipas e modelos de jogo calculistas, práticos, desenvolvidos e direccionados para a obtenção de pontos, com prejuízos óbvios para a espectacularidade do jogo.

Numa entrevista de fundo concedida ao jornal O Jogo em Novembro de 2006, Jorge Valdano considerava que o Barcelona praticava o melhor futebol do mundo. Para ele, esta equipa espanhola era, claramente, um exemplo do futebol actual, que procura a eficácia, que pensa muito na grande área, zona perto da baliza e do golo, e pouco no centro do terreno. Um exemplo paradigmático de como o futebol é uma metáfora da sociedade. A forma de jogar evoluiu no sentido da eficácia. Só se marcam golos, ou mais golos, se se jogar mais perto da baliza, ou seja na grande área (Ramos, 2006). Predomina assim o lema “eficácia e rendimento acima de tudo”.

Estas evoluções, ou não serão antes “involuções”(?), a par de outras no campo das ciências do desporto, especialmente na fisiologia do exercício e metodologia de treino, resultaram numa redução do tempo e espaço disponíveis justificados pelo aumento da intensidade e densidade de jogo, do número de gestos e acções por unidade de tempo e do menor tempo de recuperação. O tempo para pensar e decidir é menor, assim como o espaço para o erro. Este, quando existe, muitas vezes não representa apenas uma falha. Transforma-se, por vezes, no dínamo gerador de um conjunto nefasto de acontecimentos e consequências, qual “bola de neve”, que não se limitam ao campo e a mais uma derrota. Os interesses e anseios envolvidos conferem aos acontecimentos uma dimensão, por vezes, inesperada porque dramática, dado que o resultado é, mais que nunca, o grande motor emocional e comercial do futebol.

Estas evoluções e “involuções” incutiram, inclusive, a necessidade de adaptar as regras às novas características e peculiaridades do jogo. Melhor

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dizendo, adoptaram-se novas regras e procedimentos para “transformar” o espectáculo em algo mais atraente, espectacular e apetecível para o consumo. A alteração do regime de pontuação, “recompensando-se” as vitórias com 3 pontos, mantendo-se o empate com apenas um ponto, e o benefício da equipa que está a atacar por parte dos árbitros, em situações de dúvida, servem a intenção de facilitar a existência de um maior número de golos por jogo e, consequentemente, a sua espectacularidade, envolvência e, porque não, dependência emocional. A própria adaptação da lei do atraso da bola ao guarda-redes, impedindo-o de jogar “à mão” quando um colega de equipa a passa intencionalmente, é uma forma de combate ao anti-jogo, estratégia maçadora para quem assiste, inimiga do espectáculo.

Em suma, as pressões do envolvimento social, resultantes dos diversos interesses envolvidos no fenómeno, e as crescentes exigências das especificidades, evoluções e “involuções” do fenómeno e do próprio jogo, estas também um espelho das novas necessidades do futebol-espectáculo como mercadoria de consumo, exigem cada vez mais dos atletas determinação, concentração e, acima de tudo, uma grande capacidade de auto-controlo do ponto de vista emocional. Para além disso, o futebolista, como imagem e “atleta-marca”, frequentemente integrado num “clube-marca”, que é também frequentemente uma empresa, tem que fazer tudo por tudo por “vender e ser vendido”. Tem ainda que ser um modelo, herói, alimentador de sonhos, necessidades, reivindicações e um defensor de interesses, regionalismos e nacionalismos.

O futebolista é, tal como o Homem, “perseguido” por Descartes, qual “homem-máquina”, pois no esquecimento cai o “Homem que é espírito e corpo… é inteligência e emoção” (Costa, 2002, p. 50), num mundo em que não o pode fazer porque o futebol é um “estado de alma”, como diz Jorge Valdano (Valdano, 1997).

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1.2 O PROBLEMA

Como facto social total, tal como o desporto na sua generalidade, o futebol funciona segundo os princípios da sociedade actual: competitividade, rendimento e eficácia. Nele se reflectem os actuais paradigmas produtivista e consumista da nossa sociedade. É um universo extremamente dinâmico, exigente, nivelado e selectivo, cuja envolvência social e económico-financeira, à imagem dos mundos empresarial e industrial, exige aos clubes e seus atletas consistência e excelência tanto no rendimento como na produtividade e resultados obtidos.

As pressões do envolvimento social, resultantes dos diversos interesses que envolvem o futebol profissional, e as crescentes exigências das especificidades e evoluções das competições e do próprio jogo, também estas fruto das novas necessidades do futebol-espectáculo como mercadoria de consumo, constituem um desafio permanente não só às capacidades de trabalho e sofrimento, ao empenhamento, às motivações e auto-controlo emocional, mas também à faculdade de superação por parte dos atletas. Por outro lado, a busca desenfreada pelo sucesso no futebol tem levado treinadores e dirigentes a perseguir os meios mais eficazes para a optimização da performance (Carling, 2001).

Rebelo (1999, 2004) refere que é no nível competitivo mais alto que a performance fica mais sujeita às diversas fontes de pressão psicológica. As exigências colocadas pela elevada profissionalização do futebol e a contundência da avaliação dos média e do público são fortes factores de stress. O stress psicológico a que um futebolista está sujeito durante uma época desportiva foi comprovado por Rebelo (1999, 2001) com dados laboratoriais e de terreno através de estudos sobre o sobretreino. Ao longo de uma época desportiva, este autor encontrou sinais de fadiga psicológica em futebolistas profissionais portugueses. Os jogadores apresentaram elevados níveis de tensão emocional, de depressão e de fadiga durante o período competitivo. Também a elevada intensidade das partidas e o crescente número de jogos são, provavelmente, dos principais factores indutores da fadiga

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evidenciada pelos futebolistas (Rebelo, 2004). Como já foi dito, na actualidade, tanto em Portugal como noutro país europeu, um jogador pode realizar 80 jogos oficiais por época, quando se somam os jogos ao serviço do clube e da selecção, o que significa que, durante os cerca de 11 meses que compõem a época desportiva, o futebolista está quase sempre exposto a períodos semanais de treino com duas ou mais competições. Convém ainda recordar aqui as longas e frequentes viagens, por vezes intra e inter-continentais, a que os jogadores e as equipas estão sujeitos.

O futebol de alto rendimento é um contexto que exige cada vez mais atletas mentalmente fortes, robustos, resistentes e determinados. O espaço para o erro, cujas consequências têm, frequentemente, um impacto negativo avassalador no rendimento individual e colectivo, é cada vez menor.

Embora seja habitual a afirmação de que o rendimento desportivo é um fenómeno multidimensional por serem vários os factores que concorrem para a sua efectivação (Garganta et al., 2002), a verdade é que é a componente psicológica a que mais vezes é apontada, tanto pelos cientistas como pelos agentes desportivos, nomeadamente treinadores e atletas, como a que mais influencia o rendimento (Coelho, 2007; Cruz, 1996b; Loehr, 1986; Vasconcelos-Raposo, 1993). De acordo com Williams (1986), muitos atletas acreditam que entre 40 a 90% do sucesso que se obtém em prestações desportivas é resultado de factores psicológicos e que quanto maior for o seu nível de prestação mais importantes estes se tornam. Gomes e Cruz (2001) referem que as competências psicológicas podem diferenciar os atletas de sucesso dos outros com menor sucesso. Vasconcelos-Raposo (1993) sublinha a importância da Psicologia do Desporto como a área onde se pode obter ganhos mais significativos, defendendo a ideia de que é possível desenvolver as capacidades humanas a níveis que ainda nos são desconhecidos. A preparação psicológica, o treino mental e, consequentemente, a Psicologia do Desporto têm vindo, sem dúvida, a ganhar relevo e importância tanto no contexto do desporto em geral (Gomes & Cruz, 2001; Thelwell, Greenlees, & Weston, 2006; Vasconcelos-Raposo & Aranha, 2000), como no do futebol em particular.

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