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Conservação in-situ vs ex-situ: intervenção geral e médico veterinária

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Conservação in-situ vs ex-situ

Intervenção Geral e Médico

Veterinária

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Candidata: Marta Nobre de Castro Pereira

Orientador: Professor Doutor José Manuel Almeida

Presidente: Prof. Doutora Maria Conceição Fontes

Vogais: Prof. Doutor Filipe da Costa Silva

Prof. Doutor José Júlio Martins

Prof. Doutor José Almeida

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ii Declaração

Nome: Marta Nobre de Castro Pereira C.C.:13546467

Telemóvel:(+351) 915169063

Correio eletrónico: martancp@gmail.com

Designação do mestrado: Mestrado Integrado em Medicina Veterinária Título da dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária:

Conservação in situ vs ex situ -Intervenção Geral e Médico Veterinária Orientador: Professor Doutor José Manuel Almeida

Ano de conclusão: 2015

Declaro que esta dissertação de mestrado é resultado da minha pesquisa e trabalho pessoal sob orientação do meu supervisor. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto e na bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico.

Vila Real, 1 de Setembro de 2015 Marta Nobre de Castro Pereira

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v Agradecimentos

À mui nobre Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e à cidade de Vila Real por me terem proporcionado uma Casa desde que lhes cheguei às mãos em 2008.

Um sincero e enorme agradecimento ao meu orientador, o Professor Doutor José Manuel Almeida pelos conselhos, paciência e conhecimentos que me transmitiu e por ter sido incansável na forma como me apoiou não só na minha busca por experiência prática, como também na concretização deste trabalho escrito.

Ao Zoo da Maia por me ter aceitado de braços abertos e por me ter dado a liberdade que deu. Um agradecimento especial à Paula Telinhos e à Eng.Andreia Silva por toda a disponibilidade e ajuda que me deram, ao Dr.Nuno Alvura que sempre mostrou entusiasmo pelo meu trabalho e pelos conhecimentos transmitidos, ao Ricardo Azevedo, meu companheiro de trabalho e aos tratadores, sem os quais não teria conseguido realizar o projecto de enriquecimento ambiental. Ao Marc, tratador no departamento de grandes primatas do Zoo de Antuérpia, por todo o apoio que me deu e por tudo o que me ensinou de tão boa vontade. Ao Sabah Wildlife Department e WRU, com destaque para o Dr.Sen Nathan e Dr.Diana Ramirez por terem aceitado acolher-me e por todos os recursos dispensados. Ao Dr.Pakeeyaraj e Dr.Sandy Ling Choo pelo companheirismo demonstrado e pelas oportunidades que me deram de evoluir nesta que vai ser a minha profissão e aos rangers que me acompanharam durante o estágio.

A todos os meus Professores que ao longo do curso contribuíram para a minha formação e crescimento pessoal. Em especial à Professora Anabela Alves e ao Dr. João Machado pelo contributo que deram a este trabalho, tendo-me apontado na direcção correcta.

Resta-me agradecer à minha família por todo o apoio. Aos meus amigos, que não sendo meus parentes sempre foram a minha família ao longo destes anos. A todas as tartarugas, pintainhos, abelhas e outros animais que me acompanharam durante o meu percurso um oficial obrigada. Ao Pedro por me ter dado o incentivo e os conselhos necessários ao início deste trabalho. Ao meu pai, ao António e à Jennifer Cooper pela revisão do texto. Por fim, à minha mãe que sempre acreditou em mim e lutou para que os meus objectivos fossem alcançáveis e sem a qual nada disto seria possível.

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vii Resumo

O conceito de conservação foi definido pelo IUCN como todas as “medidas tomadas para aumentar a sobrevivência de espécies e respetivos habitats”. Sendo uma noção geralmente dividida em conservação in situ ou ex situ, cada vez são mais os que se juntam a correntes defensoras de uma cooperação entre as duas. O papel dos zoos modernos deixou de ser apenas o de “arca de Noé”, passando a ser deles exigido um papel ativo na conservação ex situ das espécies através de programas de reprodução em cativeiro, educação do público e investigação, entre outros. Entretanto, ao mesmo tempo, decorrem programas de conservação in situ, lutando para preservar habitats e populações selvagens que caminham a passos largos para a sua perda de viabilidade genética e sustentabilidade. Assim, propostas que sugerem o planeamento de espécies como um todo, incluindo populações dentro ou fora do seu habitat natural começam a ganhar destaque e apoiantes. O consenso é, cada vez mais o do quão importante se torna, quando uma espécie está ameaçada, valorizar todas as suas populações, sejam elas de cativeiro ou selvagens. Foi já demonstrado também que esforços conjuntos ex e in situ são mais eficazes do que a simples conservação de habitat em áreas protegidas.

No presente relatório são descritas e discutidas algumas das experiências tanto em contexto de zoos como de habitats naturais que tive no âmbito do meu estágio curricular. Dois dos capítulos dizem respeito a situações passadas no contexto de parques zoológicos. Um primeiro capítulo centrar-se-á no tema de enriquecimento ambiental, que é crucial para a manutenção do bem-estar de populações em cativeiro, bem-bem-estar este que por sua vez é parte integrante do estado hígido destas. O segundo reporta a gestão de um caso clínico num elefante asiático de Bornéu (Elephas maximus borneensis), cuja sobrevivência é de todo o interesse para a conservação, uma vez que se trata de uma espécie ameaçada. Falar-se-á ainda de uma situação de conflito humanos-elefantes em Bornéu e de uma decorrente translocação de um elefante, bem como do funcionamento geral e resolução de alguns casos clínicos num centro de reabilitação de orangotangos (neste caso, Pongo pygmaeus morio).

Palavras-chave: Conservação, in situ, ex situ, Enriquecimento ambiental, Elephas maximus,

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ix Abstract

The IUCN defined conservation as “actions that effectively enhance the survival of species and habitats”. It being a concept usually divided into in situ or ex situ conservation, the number of people joining the line of thinking that defends cooperation between both is ever increasing. The modern zoos’ role is no longer the one of “Noah’s ark”, as nowadays a more active role in

ex situ conservation through captive breeding programs, the public’s education and research,

among others, being expected of them. Meanwhile, in situ conservation programs take place at the same time, fighting to preserve both wild habitats and populations who are closer and closer to losing their genetic viability and sustainability. And so, proposals suggesting species planning as a whole, including populations both in and outside their natural habitat, are starting to shine and gain supporters. More and more, the consensus is that given a threatened species, the important thing is to value all its populations, whether they come from a wild or captivity background. Also, it has already been demonstrated that joint in and ex situ efforts are more effective than the habitat conservation in protected areas alone.

The present report, therefore, intends to describe and discuss some of the experiences I went through during my curricular externship, spent both in a zoo and natural habitat setting. The first two chapters regard situations that occurred in a Zoological Park context. One of them will covers the environmental enrichment thematic, which is essential to the welfare of captive populations and that is an integral part of their health on its own. The second one reports on the management of a Bornean Asian elephant’s (Elephas maximus borneensis) clinical case, which is of utmost conservational importance, given its threatened status. Moreover, a situation of human-elephant conflict in Borneo and a subsequent elephant translocation will be addressed as well as some clinical cases and the overall functioning at an orangutan (Pongo pygmaeus

morio, in this case) Rehabilitation centre.

Key words: Conservation, in situ, ex situ, Environmental enrichment, Elephas maximus, Pongo

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xi Índice Geral

Introdução ... 1

Capítulo 1 – Enriquecimento ambiental ... 9

1.1- Urso ... 11 1.1.1- Banhos de mangueira ... 13 1.1.2- Fruta congelada ... 14 1.1.3- Atum escondido ... 14 1.2- Primatas ... 17 1.3- Felinos ... 24

Capítulo 2 – Caso clínico no zoo ... 37

2.1- Apresentação do caso ... 39

2.2- Discussão do caso ... 42

Capítulo 3 – Operação de translocação de elefantes ... 47

Capítulo 4 – Sepilok Orangutan Rehabilitation Centre ... 53

4.1- Funcionamento geral do Centro ... 54

4.2- Casos clínicos ... 61

4.2.1-“IK”, adulto, ≈ 26 anos ... 61

4.2.2-“Mariko”, fêmea, 27 anos ... 63

4.2.3-“Bidu-bidu”, macho, 3 anos ... 64

4.2.4-“Nonong”, fêmea, 12 anos ... 66

Conclusão ... 67

Bibliografia ... 71

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xiii Índice figuras

Figura 1-Evolução do papel dos zoos ao longo do tempo. Adaptado de IUDZG and

CBSG(IUCN/SSC), 1993 ... 2

Figura 2- Macaco mona a interagir com o saco de serapilheira ... 18

Figura 3- a) cepo com cavidade preenchida com comida e feno, tapada com rede b) mandril a interagir com enriquecimento ... 19

Figura 4- Saguis a interagir com o enriquecimento do bambu ... 21

Figura 5- Tigre a exibir comportamento de brincadeira com melancia ... 25

Figura 6- a) leoa, b) tigre e c) leopardo a interagir com o enriquecimento do sangue congelado ... 27

Figura 7- Leoa a exibir o comportamento de morder com o enriquecimento de ramos de pinheiro ... 29

Figura 8- a) manequim pronto b) tigre a exibir comportamento de cheirar ... 32

Figura 9- Parte das instalações interiores dos elefantes ... 37

Figura 10- Animal depois de recolocado em estação ... 40

Figura 11- Limitação do material disponível para a administração de fluidos IR ... 41

Figura 12-a) úlcera gástrica; b) intussusceção ceco-cólica ... 44

Figura 13- Evolução passada e prevista da desflorestação em Bornéu (Retirado de Ahlenius & UNEP/GRID-Arendal, 2007) ... 47

Figura 14- Canhão de ar fixo utilizado para manter elefantes afastados ... 50

Figura 15- a) proximidade da reto-escavadora; b) animal a ser descarregado e a ir contra obstáculos ... 51

Figura 16- Localização do SORC em relação à Reserva Florestal (Retirado de Google Maps (Google Maps, 2015)) ... 53

Figura 17- a) cuidados do staff no berçário; b) ginásio do berçário ... 56

Figura 18- Jaula grande do infantário interior a) vista de fora; b) vista de dentro ... 57

Figura 19- Zona de treino no infantário interior ... 58

Figura 20- Características faciais do Bidu-bidu aos dois anos, comparadas com as de outros orangotangos com idades próximas (Retirado de (“Sepilok Orangutan Rehabilitation Centre: 50th Anniversary,” 2014))... 64

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xiv Lista de abreviaturas

AINEs- Anti-inflamatórios não esteroides

BES- Bornean Elephant Sanctuary

IM- Intra-muscular

IR- Intra-retal

IUCN- International Union for Conservation of Nature

IV- Intra-venoso

LKWP- Lok Kawi Wildlife Park

SDOM- Síndrome da Disfunção Orgânica Múltipla

PO- Per os

SC- Subcutâneo

SID- Semel in die

SNC- Sistema Nervoso Central

SORC- Sepilok Orangutan Rehabilitation Centre

WAZA- World Association of Zoos and Aquariums

WRU- Wildlife Rescue Unit

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Introdução

O tema do meu estágio e dissertação - “Conservação in situ vs ex situ: intervenção geral e médico veterinária”- foi escolhido dentro do âmbito do “Regulamento de Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro”, artigo 1º, ponto 2 enquadrado na tipologia “estágio-profissional” com o objetivo de contactar e adquirir ferramentas para lidar com as várias realidades do que é a prática profissional com fauna selvagem.

Embora inicialmente estivesse previsto passar uma temporada de dois meses no Zoo de Antuérpia, as relações com o Departamento de Veterinária não foram as esperadas e este acabou por ser encurtado para apenas duas semanas. Assim sendo, o presente relatório reportará apenas as atividades conduzidas durante o tempo em que estagiei quer no Zoo da Maia, quer no estado malaio de Sabah, Bornéu, sob a alçada da Wildlife Rescue Unit – WRU- onde desenvolvi atividades em 3 locais principais: Lok Kawi Wildlife Park- LKWP, Telupid e em Sepilok

Orangutan Rehabilitation Centre- SORC. Far-se-á a apresentação e comparação das várias

realidades com que tomei contacto bem como a discussão das diferenças entre o que foi, de facto, a minha experiência na vida real da conservação in e ex situ e o que a literatura diz.

O conceito de Conservação foi definido em 1993 pela International Union for Conservation of

Nature - IUCN- como todas as “medidas tomadas para aumentar a sobrevivência de espécies e

respetivos habitats”(IUDZG e CBSG(IUCN/SSC) 1993).

Mais tarde, em 2002, o IUCN descreveria conservação in situ como “a conservação dos ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies nas suas envolvências naturais”. Tribe e Booth (2003) foram mais longe e descreveram as várias atividades que poderiam ser incluídas dentro deste ramo da conservação, tais como resgates de espécies ameaçadas, proteção e restauro de habitats, reintroduções e apoio geral a populações selvagens.

Em oposição, conservação ex situ foi definida como sendo “a conservação de componentes de diversidade biológica fora dos seus habitats naturais”(IUCN, 2002). Sendo que, estando zoos definidos como “instituições, mais ou menos dirigidas para taxa específicos, que têm em

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cativeiro coleções de animais selvagens”, estão incluídos então dentro desta categoria (IUDZG e CBSG(IUCN/SSC) 1993).

Atividades ex situ incluiriam então a gestão da genética e de programas de reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas, bem como ações de investigação e educação (Tribe & Booth, 2003).

A ideia de conservação é relativamente recente e não foi uma preocupação dos gestores de coleções de animais durante muito tempo (Kisling 2001). Começaram por ser meras coleções de animais exóticos em exposição pública para terem agora um papel ativo na conservação das espécies e dos seus habitats. Assim, no decorrer dos últimos anos, o papel dos zoos tem tido uma grande evolução (Patrick, Matthews, Ayres, & Tunnicliffe, 2007; Santymire, 2013).

Figura 1 -Evolução do papel dos zoos ao longo do tempo. Adaptado de IUDZG and CBSG(IUCN/SSC), 1993

Nos primórdios dos jardins zoológicos eram feitas viagens a locais longínquos com o fim de capturarem os animais mais incomuns para as suas coleções (Durrell, 1964; Lacy, 2013). Há relatos da utilização de métodos que eram prática comum, tais como pegar fogo a árvores para conduzirem os animais para fora delas e aí os capturar com redes e outros recursos semelhantes

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(Durrell, 1964). Os animais viajavam depois durante semanas em pequenas jaulas, nas quais muitos não sobreviviam até chegarem ao destino final, como descrito em 1960 por Gerald Durrell (Durrell, 1964).

Aliás, tais práticas que atualmente possam parecer grotescas a alguns olhos, passam a estar mais enquadradas quando postas em perspetiva com aquilo que os animais exóticos representavam antigamente - objetos de poder e estatuto social. Remontando a histórias da época dos descobrimentos portugueses, podemos ver isso mesmo com o exemplo de D. Manuel I, que em 1514, querendo enviar ao Papa Alexandre VI um presente prestigioso, lhe ofereceu um elefante. E mais tarde, em 1515 lhe tentou enviar um rinoceronte indiano, na esperança de que tal oferenda valesse a Portugal um alargamento das suas fronteiras nas recém-descobertas Américas (Kisling, 2001).

Os zoos evoluíram depois para projetar a imagem de “arcas de Noé”, que consistia em argumentar que eram locais onde manter animais selvagens em cativeiro para preservar e reproduzir exemplares de espécies ameaçadas, caso algum dia fosse preciso ir lá buscá-los para reintroduções (Balmford, Mace, & Leader-Williams, 1996; Soulé & Simberloff, 1986).

Desde então, o seu papel mudou consideravelmente e um exemplo de tal mudança foi a World

Zoo Conservation Strategy – WZCS – lançada em 1993, na qual se debatem estratégias que

podem ser utilizadas pelos zoos para contribuir para a conservação global e qual a importância da educação do público para esse efeito (Wheater, 1995).

Em 1995, Weather dá a sua opinião, dizendo que “os jovens que obtêm a sua primeira experiência positiva direcionada para a conservação através de um zoo são aqueles que vão apoiar os zoos no futuro”, apontando mais uma vez para a importância do papel enquanto formadores.

Dentro das ações possíveis como contributo para a conservação, Tribe e Booth sugeriram em 2003 várias categorias para as quais consideravam que os zoos pudessem dar o seu contributo - gestão direta da vida selvagem, investigação, educação para a conservação e contribuições financeiras para conservação.

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Em 2011, Gusset e Dick , em representação da WAZA, concluem que o avultado número de visitantes dos zoos e o consequente montante das contribuições para a conservação demonstram a importância do papel que os zoos podem ter quer na conservação da vida selvagem, quer na educação do público para o efeito.

No entanto, apesar de toda a evolução verificada nos Parques Zoológicos, persiste uma série de constrangimentos, alguns ainda sem solução. Um dos pontos para o qual se tem vindo a chamar a atenção é o facto de as espécies escolhidas para as suas coleções serem muitas vezes limitadas pela preferência do público e não por critérios objetivos de conservação (Ratajszczak, 2008). Contudo, não deixa de ser verdade que os zoos, com a atração que estas espécies mais carismáticas exercem sobre os visitantes, conseguem aumentar os lucros e consequentemente verbas com as quais possam contribuir para a conservação (Skibins, Powell, & Hallo, 2013). Ainda em 1995, Weather foi mais longe e opinou que consideraria inocente e mesmo perigoso que uma instituição deste género acreditasse ser possível atingir as expectativas do público com uma coleção que apenas incluísse espécies ameaçadas.

Adicionalmente, nas últimas décadas começou a ser óbvio o declínio preocupante na biodiversidade, a chegar-se à conclusão de que nos zoos pode já não haver espaço suficiente para este papel de “Arca de Noé”e que as populações aí alojadas provavelmente não serão sustentáveis (Butchart et al., 2010; Collen et al., 2009; W. G. Conway, 2011; IUCN, 2002; Lacy, 2013; Lawton & McCredie May, 1995). O problema desta sustentabilidade é levantado por Falconer e Mackay (1996) que referem que começam a surgir problemas genéticos e a haver uma diminuição da capacidade reprodutiva quando a consanguinidade ultrapassa os 10%. Assim, começou-se a trabalhar em soluções alternativas para manter a sustentabilidade das populações e conter a diminuição da variabilidade genética (Lacy, 1994, 2009). Para tal, o ponto fulcral parece ser o de não permitir que as populações fiquem estagnadas e fomentar a troca de material genético entre coleções. A sugestão é a de alterar a gestão feita até agora, em que cada zoo gere de forma meramente local a população de cada espécie, o que leva à criação de múltiplas ilhas genéticas espalhadas pelo mundo, por uma outra gestão que inclua conceitos como as metapopulações em que as populações são vistas como um todo que engloba todos os indivíduos da espécie mantidos em cativeiro e cujos programas reprodutivos são pensados e geridos à escala mundial, para promover assim trocas de material genético (Conde et al., 2013; Conway, 2011; Iyengar et al., 2007; Lacy, 2013).

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Vários autores defendem a urgência de soluções cooperativas entre zoos e parques/reservas naturais para a conservação de determinadas espécies (Brandon, Redford, & Sanderson, 1998; Braverman, 2014; Conway, 2011; Conway, 2003; Dickie, Bonner, & West, 2007; IUCN, 2002) e há já exemplos disso (Hatchwell & Rübel, 2007).

Surgem então vozes a defender que, com o panorama presente, já não faz sentido diferenciar conservação in de ex situ (Conway, 2011; Redford, Jensen, & Breheny, 2012). Um dos argumentos é o de que, com o avançar da degradação dos habitats, a manutenção e recuperação dos habitats pode já não estar a tempo de ser simultânea com a mesma manutenção e recuperação da espécie que o ocupa (Conway, 2011). O que significa que a conservação in situ de uma espécie pode não ser possível, em dado momento, por a velocidade de degradação do habitat ser demasiado elevada, sendo por isso necessária a manutenção da mesma ex situ, enquanto se trabalha in situ eliminando as ameaças ao habitat original.

Em 2013, Byers et al. apresentam através da revista da WAZA o One Plan Approach, onde é defendida a cooperação entre todas as entidades responsáveis para a obtenção de um plano abrangente para a conservação de determinada espécie.Onde, mais uma vez, surge a ideia de um planeamento que inclua todas as populações de dada espécie, estando elas dentro ou fora do seu habitat natural, para tal sendo crucial estabelecer parcerias entre instituições (Byers, Lees, Wilcken, & Schwitzer, 2013; IUCN, 2012). Do mesmo documento, pode ainda reter-se a ideia do quão importante é valorizar todas as populações – cativas ou não – quando a espécie em questão está ameaçada (Byers et al., 2013).

Assim, o cativeiro pode até ser visto como uma opção para assegurar determinadas populações cujo habitat esteja ameaçado e no qual ainda se trabalhe in situ para conservar (Byers et al., 2013; Hayward, 2011).

Adicionalmente, e como exemplo dos benefícios na manutenção de populações ex situ, existe ainda o conceito de sorta situ que consiste no aproveitamento das populações cativas para a recolha de dados em falta que possam ser úteis à conservação de populações selvagens (Aguirre, 2009).

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Hayward (2011) fez uma análise estatística das espécies de mamíferos constantes na lista vermelha da IUCN 2009 e respetivas ações de conservação chegando à conclusão que ações como reprodução em cativeiro, reintrodução e diminuição da pressão de caça efetuadas em conjunto eram mais eficazes do que, por exemplo, o esforço limitado à conservação do habitat em áreas protegidas, destruindo um pouco o mito de que basta garantir o habitat natural para que uma espécie recupere e reforçando por outro lado, em parte, que as ações ex situ podem ser importantes na conservação.

Outro problema com que se debatem os zoos é a existência de pessoas que não têm opinião favorável aos zoos por acharem que estes se baseiam apenas em truques de relações públicas e que não estão realmente a contribuir para a conservação (Braverman, 2014; Gusset & Dick, 2010; Tribe & Booth, 2003).Facto é que há estudos que mostram que a simples exposição direta a animais selvagens cultiva no público geral um aumento da consciência para o problema e aumenta também comportamentos pró-conservação, não só referente às espécies mais carismáticas como também para a conservação em geral (Higginbottom, Rann, Moscardo, David, & Muloin, 2001; Pearson, Lowry, Dorrian, & Litchfield, 2014; Skibins et al., 2013). No entanto, nos zoos deve ir-se mais longe que apenas a simples exposição passiva. Por exemplo, um estudo com lontras sugere que a sensibilização do público tinha mais efeito quando se usava uma conjunção de apresentações com sessões de treino dos animais acompanhadas por interpretação e explicação da mesma, que quando comparada com a que se obtinha utilizando apenas a apresentação do tratador ou com a visualização da sessão de treino passiva, sem ser explicada (Anderson, Kelling, Pressley-Keough, Bloomsmith, & Maple, 2003).

Um outro argumento que os zoos têm à sua disposição são as suas lojas, onde são vendidos os produtos de determinadas campanhas pró-conservação e que ao mesmo tempo ajudam a chamar a atenção para o problema retratado (Sigsgaard, 2009). Se forem ecologicamente conscientes (em vez de venderem produtos cuja produção e importação pode ser diretamente detrimental para a conservação) nos produtos que vendem, podem então também contribuir para a conservação direta de habitats bem como para a educação público (Sigsgaard, 2009).

Uma outra estratégia sugerida na literatura é ainda a de manutenção da biodiversidade através de bancos genéticos com gâmetas a utilizar posteriormente com auxílio de técnicas de reprodução assistida (Harnal, Wildt, Bird, Monfort, & Ballou, 2002; Johnston & Lacy, 1995).

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Um dos problemas globais da conservação é a escassez de recursos pelo que quaisquer ações de conservação têm que ser triadas e priorizadas para evitar que verbas já escassas sejam mal aplicadas, o que a longo prazo pode comprometer a pretendida preservação da biodiversidade e ecossistemas, para que o esforço destes fatores seja o mais produtivo possível (Wilson, Carwardine, & Possingham, 2009).

Esta gestão de recursos pode parecer fácil a um leigo, mas quando começa a ser colocada em prática há opiniões muito divergentes, começando, desde logo, logo por algumas definições. Por exemplo, William Conway em entrevista com Braverman, criticando o termo “habitat original”: “…há 18 000 anos havia ursos polares no Sul da França. Isso não foi assim há tanto tempo. Por isso “habitat original” depende do quão original se quer ser. (…) Por isso estes termos têm que ser tidos com muita flexibilidade” (Braverman, 2014), o que no fundo alerta para não se ficar tão preso à ideia de repor as populações animais nos habitats que achamos serem os seus, embora haja depois outras correntes inflexíveis a este respeito.

Numa série de documentários da BBC, “Unnatural Histories”, explora-se ainda uma ideia mais controversa - a de que o Homem faz parte dos habitats naturais que se pretendem conservar. Casos em que a criação de parques naturais foi potenciada pela ideia da conservação de um habitat natural, sem intervenção humana, como por exemplo na Amazónia, no Serengueti ou em Yellowstone, nos quais se verificou que a presença humana era um dos fatores que contribuía para a manutenção do habitat “natural” que se desejava conservar (BBC, 2011). Parques naturais ou reservas são muitas vezes encarados como zonas de conservação, ilhas de fauna e flora selvagem, habitualmente sem a presença do Homem (BBC, 2011; Pickett & Thompson, 1978; Soulé & Simberloff, 1986). No entanto, estudos antropológicos e arqueológicos demonstraram a importância das populações humanas nativas na conservação do habitat designado de “natural”. Na Amazónia por exemplo, o movimento das pessoas, em busca de alimento, contribuía para a polinização de plantas, bem como através dos seus resíduos biológicos, aumentava a fertilidade do solo (BBC, 2011). Na Tanzânia, algumas populações tribais usavam o fogo para conter vegetação arbustiva, mantendo assim disponível a vegetação rasteira, que ao mesmo tempo servia de alimento aos herbívoros autóctones e preservava o aspeto de savana que hoje em dia se pretende conservar (BBC, 2011). Assim, na definição da conservação in situ, a parte da “conservação dos ecossistemas e habitats naturais” está suscetível à interpretação que se dá ao termo “natural”.

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Embora haja ações de conservação in situ nas tais zonas protegidas («African Wild Dog Conservancy», sem data; Bauer & Iongh, 2005; Bauer, 2003; Khan, 1995; Seidensticker, Eisenberg, & Simons, 1984), há também exemplos de iniciativas de conservação in situ inclusivas das populações locais, nas quais a população tem um papel ativo na proteção do habitat através da manutenção de um determinado estilo de vida sustentável para o mesmo (Lin, Cheng, Chen, & Chang, 2008; «Proyecto Payamino», 2002; Sigsgaard, 2009).

Assim, uma vez aqui feito uma introdução a conceitos e ideias que devem estar presentes, irei passar agora à descrição, comparação com o que é dito na literatura e discussão de atividades e situações que tive oportunidade de presenciar, auxiliar e executar durante o meu estágio.

Os dois primeiros capítulos retratarão eventos passados em situações de cativeiro em zoos (ex

situ) e os dois últimos nas envolvências naturais das respetivas espécies retratadas (in situ).

Depois destes, virá então um momento final de conclusão e integração de toda a informação apresentada e comparação com os conceitos dados inicialmente.

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Capítulo 1 – Enriquecimento ambiental

Quando se fala de enriquecimento ambiental o conceito de bem-estar animal está implícito. A

World Organisation for Animal Health define-o em 2011 dizendo que “um animal se encontra

em estado satisfatório de bem-estar quando está saudável, confortável, bem nutrido, seguro, capaz de expressar os seus comportamentos inatos e não está a sofrer de estados negativos tais como dor, medo e ansiedade”(OIE-World Organisation for Animal Health, 2011). Claro que, tal como salientam Fraser et al. em 1997, o conceito de bem-estar pode criar subjetividades na sua avaliação, uma vez que envolve inerentemente valores pessoais daquilo que é considerado melhor ou pior. Tentando retirar a subjetividade da equação começaram a ser criados protocolos de avaliação de bem-estar, que têm por base indicadores mensuráveis e que tornam a sua avaliação mais objetiva (Botreau, Veissier, Butterworth, Bracke, & Keeling, 2007; Manteca, 2015b).

Para que se considere que um animal está em bom estado de bem-estar animal, vários requisitos têm de ser cumpridos. Xavier Manteca, em 2015, considera três componentes no conceito de bem-estar: a do estado emocional, que inclui a ausência de sentimentos negativos tais como medo, dor, tédio, etc e a presença de sentimentos positivos; a da saúde física, incluindo ausência de lesões ou doenças, um estado adequado de nutrição, conforto físico e térmico e a componente comportamental que inclui a possibilidade de expressar tanto comportamentos importantes só por si (por exemplo foraging ou nesting) como comportamentos que tenham efeitos positivos na saúde ou estado emocional do animal (como é o caso de comportamentos afiliativos com conespecíficos) (Manteca, 2015a).

Os animais em cativeiro, ao estarem condicionados espacialmente e em termos de interações com conespecíficos ou com outras espécies animais e vegetais, podem facilmente ver o seu bem-estar posto em causa, assim, o enriquecimento ambiental é um importante fator a considerar para a manutenção do bem-estar animal, principalmente no que diz respeito às componentes de estado emocional e comportamental.

Valerie Hare definiu enriquecimento ambiental em 1999 como “o processo para melhorar ou aumentar ambientes e cuidados de animais de zoo no contexto da história natural e biologia comportamental dos seus habitantes (Young, 2003). É um processo dinâmico no qual alterações são feitas a estruturas e práticas de maneio, com o objetivo de aumentar escolhas

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comportamentais para os animais e de despertar os comportamentos e capacidades apropriados para a sua espécie, assim aumentando o seu bem-estar animal” (Young, 2003). Em 2005, Swaisgood e Shepherdson definiram o termo mais vagamente, nele incluindo todas as atividades de maneio que tivessem o objetivo de melhorar o bem-estar animal.

De uma forma geral, há cinco tipos de enriquecimento ambiental que podem ser considerados: Social, Ocupacional, Físico, Sensorial e Nutricional.O enriquecimento social pode obter-se com a presença de conespecíficos ou outros indivíduos através de contacto direto ou apenas estimulação visual, auditiva, etc.O ocupacional pode incluir enriquecimentos que desafiem o animal psicológica (como puzzles) ou fisicamente. Enriquecimento físico está relacionado com a complexidade ou tamanho do recinto. O nutricional pode incluir a frequência e o horário, a maneira como o alimento é apresentado ao animal, etc. Por fim, o sensorial inclui qualquer constituinte que estimule os sentidos (vídeos, sons, estímulos olfativos, etc.) (Young, 2003). Recentemente começa também a surgir a utilização de feromonas como enriquecimento ambiental em animais de zoo (Cozzi, Bougrat, Cavicchio, & Pageat, 2012; Dehnhard, 2011; Gaultier, Falewée, Bougrat, & Pageat, 2005; Macipe, 2010), principalmente como forma de evitar stress e agressão em determinadas situações (Pageat & Cozzi, 2015).

Além desta classificação do tipo de enriquecimento por efeito/funcionalidade, este pode ainda dividir-se em naturalista ou não-naturalista de acordo com os itens utilizados terem um aspeto mais natural ou mais artificial (por exemplo folhas, lascas de madeira vs. mangueiras de incêndio ou objetos de plástico) (Young, 2003).

Do meu período de estágio, um mês foi passado no Zoo da Maia. Aquando do mesmo, foi-me pedido que introduzisse diferentes formas de enriquecimento ambiental com aspeto ‘natural’ para os animais lá mantidos. Idealmente o projeto teria sido estruturado de forma ponderada, utilizando protocolos de avaliação de bem-estar para definir quais os animais prioritários (em vez de tendenciosamente escolher os mais carismáticos), evitar antropomorfização, etc. Da mesma forma, deveria ter sido feita a avaliação do bem-estar dos animais no período antecedente, durante e após a implementação das mudanças, para permitir avaliar com confiança e objetividade se as mudanças foram benéficas, prejudiciais ou se produziram algum efeito de todo. No entanto, essencialmente por limitação do tempo que tinha disponível e, adicionalmente, por limitação dos recursos disponíveis, optou-se por uma abordagem mais

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simples. Assim, foi-me pedido que fizesse intervenções no âmbito do enriquecimento ambiental e que desse o meu parecer pessoal sobre a sua eficácia. Desta forma, o relato das intervenções e comentários associados devem ser analisados tendo em conta a abordagem que foi possível e que foi realizada por mim sem ter experiência prévia na área e sem quaisquer pretensiosismos de um estudo etológico com caráter científico, sendo apenas constituída por experiências exploratórias. Parte das experiências foi conduzida com recurso a enriquecimentos já habitualmente utilizados no zoo e outra parte com elementos novos, ambas com o objetivo de então avaliar a eficácia das várias técnicas.

As alterações foram sendo introduzidas sem nenhuma ordem pré-definida e portanto, para melhor compreensão e para ser possível efetuar comparações, vão aqui ser apresentadas agrupadas por taxa mais próximos. Algumas experiências foram feitas com alguns dos psitacídeos e com os cangurus alojados no zoo. No entanto, como foram escassas e pouco acompanhadas por mim, escolhi não tirar ilações sobre elas e, para efeitos deste trabalho, focar-me apenas nos grupos nos quais fiz um focar-melhor acompanhafocar-mento e nos quais investi mais tempo: o urso, os primatas e os felinos.

1.1- Urso

Durante o período do meu estágio no Zoo, um urso pardo (Ursus arctos), macho, de aproximadamente 8 anos, estava lá alojado. O seu companheiro de recinto, o pai, tinha morrido há uns meses e ele estava pela primeira vez sozinho.

O animal era mantido numa recolha interior durante a noite, passando o dia no recinto exterior. O espaço exterior tinha pavimento de cimento com uma área, mais elevada, coberta superficialmente com terra. Elementos com água estavam também presentes, havendo uma zona mais superficial e uma zona mais profunda, onde o animal podia mergulhar se assim o quisesse. Também havia uma componente de queda de água, junto à parede, pela qual a água escorria. A única árvore presente no recinto estava eletrificada, para que o animal “não a destruísse, como tinha feito com as outras”. Este problema encaixava então na descrição feita por Montaudouin e Le Pape (2004) que relembrava que “muitos exemplares de ursos eram ainda mantidos em estreitos recintos de cimento, com um pequeno lago, pobre vegetação e por vezes sem troncos nem rochas onde trepar”.

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O animal era normalmente alimentado colocando a comida no recinto exterior, de manhã, no interior, ao fim da tarde, e atirando fruta para dentro do recinto exterior durante o dia. Por vezes, a atenção em espalhar o alimento pelo recinto ou em posicioná-lo/esconde-lo passava um pouco para segundo plano, o que teria interesse manter de forma a estimular comportamentos naturais de exploração tais como locomoção e manipulação de objetos (Andrews & Ha, 2014) e manter uma maior percentagem do seu tempo ocupado a expressá-los.

A maior parte do dia, o animal era visto ou a dormir ou a ter o comportamento estereotipado de

pacing. Uma estereotipia em geral é um comportamento repetido e que aparentemente não tem

objetivo ou função (Odberg, 1978). No entanto, como não foi feita uma mensuração da percentagem de tempo que o animal passava a dormir, não foi possível concluir se se tratava de um comportamento normal de descanso ou de uma situação de learned helplessness que também se manifestaria por uma diminuição da atividade e aumento do tempo a dormir (Maier & Seligman, 1976). O staff do zoo referia, no entanto, um aumento da frequência deste comportamento desde há uns meses atrás quando passou a ficar sozinho no recinto aquando da morte do pai, com quem partilhava o espaço. O comportamento de pacing é caracterizado por o animal andar de um lado para o outro, em linha reta, posicionando os pés exatamente da mesma maneira de cada vez que o faz (Montaudouin & Le Pape, 2005). Quando em cativeiro, os ursos são animais com predisposição ao desenvolvimento de estereotipias (Clubb & Mason, 2003; Ormrod, 1992; van Keulen-Kromhout, 1976; Yalcin & Aytug, 2007), possivelmente por em cativeiro ser difícil reproduzir as condições da vida selvagem, na qual percorrem habitualmente extensos territórios, que podem chegar aos 500Km2, e exibem complexos comportamentos de alimentação (Clubb & Mason, 2003; Kanellopoulos, Mertzanis, Korakis, & Panagiotopoulou, 2006; Ormrod, 1992). As formas mais comuns deste tipo de comportamentos em ursos são as estereotipias locomotoras, facto que é principalmente verificado em espécies que tenham territórios mais abrangentes na natureza (Clubb & Mason, 2003; Montaudouin & Le Pape, 2005; Vickery, 2003).

No entanto, no que diz respeito a outros fatores, foi demonstrado por Montaudouin e Le Pape (2005) que em ursos pardos o isolamento social não tinha influência na ocorrência de estereotipias, mas que indivíduos que fossem presos durante a noite tinham muito maior frequência de exibição deste tipo de comportamentos, especialmente se costumassem receber a sua maior refeição ao fim da tarde. Mais ainda, foi evidenciado que este tipo de estereotipia era

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mais frequente em zoos nos quais os tratadores forneciam comida a partir do local de visualização da instalação (Montaudouin & Le Pape, 2004), que era uma das práticas de maneio utilizadas no zoo.

1.1.1- Banhos de mangueira

Sendo Verão, estava-se numa altura de muito calor e, a dada hora do dia, o recinto estava completamente exposto ao sol, havendo apenas uma diminuta zona de sombra, junto à porta da recolha. No entanto, até então nunca tinha visto o animal a tirar proveito das fontes de água presentes (embora salvaguarde que estava no zoo há apenas alguns dias, tempo insuficiente para estabelecer um padrão do que seria o habitual comportamento do animal). Assim, a primeira experiência que fiz com este animal foi experimentar confrontá-lo com uma maneira diferente de contactar com água, como já era aliás feito ocasionalmente pelo staff, e registar a reação. Foi assim utilizada uma mangueira, de forma a haver um jato de água corrente, a partir de uma zona mais elevada e a cair para dentro do recinto.

A primeira reação do animal foi dirigir-se imediatamente para a porta da recolha e fugir do jato de água. Acontece que, ocasionalmente, uma das técnicas a que os tratadores recorriam para o fazer entrar na recolha ao fim da tarde era a de usar a mangueira para o conduzir para o interior. No entanto, depois de alguns momentos, talvez por constatar que a porta não estava a abrir, percebeu que o intuito não era o de o conduzir para o interior e começou a aproximar-se do jato de água. Assim que se posicionou diretamente por baixo dele, imediatamente saltou para dentro da zona profunda da água, onde exibiu comportamentos de cuidado corporal- licking e

scratching (Andrews & Ha, 2014)- e onde permaneceu por todo o tempo em que a mangueira

esteve ligada. Além de ser um comportamento diferente dentro do repertório comportamental que tinha testemunhado até então, foi também a primeira vez que o vi a utilizar o lago.

A experiência foi conduzida uma segunda vez, umas semanas depois, num dia igualmente quente. A reação foi a mesma, sendo que desta vez o animal já não demonstrou a associação entre a presença da mangueira e a necessidade de se conduzir à porta da recolha.

Nos dias em que este enriquecimento foi introduzido, o animal regressava ao seu habitual

pacing pouco tempo depois do cessar da atividade, o que poderia ser um argumento contra a

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esta componente no seu ambiente, o animal passou menos tempo a exibir o comportamento anormal de pacing e mais a exibir comportamentos naturais, tais como os de cuidado corporal descritos anteriormente.

1.1.2- Fruta congelada

A fruta utilizada no zoo era fornecida maioritariamente por doação de um hipermercado local. Assim sendo, como não havia sempre disponibilidade permanente de todas as variedades de fruta e legumes, frequentemente, quando aparecia um fornecimento de frutas mais incomuns, como por exemplo melancias inteiras, estas eram congeladas para depois irem sendo utilizadas de forma racionada.

Como enriquecimento nutricional e sensorial, uma das experiências que conduzi foi o de apresentar-lhe uma melancia inteira congelada (para ser mais dura e resistir mais tempo) que tinha sido previamente friccionada com carne para a tornar sensorialmente mais apelativa.

Na mesma linha de pensamento, outra das coisas experimentadas foi a de, em vez de fornecer a fruta na maneira mais convencional, colocá-la num balde com água, que posteriormente foi congelado, desenformado e dessa forma apresentado ao animal. Este era outro exemplo de enriquecimento já habitualmente utilizado no zoo.

O animal demonstrou interesse e, mais importante, passou mais tempo a comer, do que nos outros dias. O que em última instância, foi menos tempo a estereotipar e mais tempo envolvido numa atividade dita saudável, com comportamentos olfatórios, de alimentação e manipulação.

1.1.3- Atum escondido

Não numa base diária, mas por vezes, uma lata de atum era fornecida de manhã como suplemento nutricional. Normalmente o tratador espalhava o conteúdo da lata, de forma visível e sempre em cima das mesmas pedras. Foi feita então a experiência de espalhar o atum de forma diferente. Este foi colocado nas reentrâncias da parede, com o intuito de o fazer utilizar o olfato e explorar o espaço também verticalmente, em pedras no meio do riacho, em buracos no chão e escondido entre obstáculos na terra.

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Assim que foi libertado para o exterior, o animal foi diretamente às pedras onde normalmente encontrava o atum, sugerindo a presença de um efeito de habituação. Após uns momentos iniciais, o animal começou então a explorar o espaço e a procurar, tendo de se elevar nos membros posteriores, de escavar e de se meter dentro de água para o efeito. O animal foi desta forma exposto a uma situação onde pôde exibir comportamentos naturais da espécie. Assim, esta seria uma solução possível para tornar uma alimentação geralmente rápida e fácil de obter, numa ocasião em que não só mais tempo é despendido em comportamentos normais, como menos tempo é passado a exibir a estereotipia característica. Adicionalmente, a validar esta forma de enriquecimento ambiental por dispersão de alimento, está o facto de lhe ser já reconhecido o mérito enquanto enriquecimento ambiental nesta espécie (Andrews & Ha, 2014; Carlstead, Seidensticker, & Baldwin, 1991; Grandia, Van Dijk, & Koene, 2001).

Em conclusão, tal como já mencionado, o tempo disponível era limitado pelo que, das ideias pensadas para a altura, nem todas foram postas em prática. Ficaram então por explorar recursos para tornar o espaço mais tridimensional e elementos de enriquecimento físico para aumentar a complexidade do espaço. Algumas das ideias eram a introdução de serrim ou material semelhante para que o animal pudesse exibir o comportamento de cavar; peixes vivos no lago; troncos de árvores com reentrâncias para esconder comida e, ao mesmo tempo, proporcionar superfície que o animal pudesse arranhar. A ideia dos peixes acabou por ser posta de lado uma vez que o lago não tendo sistema de filtragem não reunia condições para alojar uma população de peixes. A dos troncos foi rejeitada por os tratadores referirem que, em experiências prévias, troncos soltos colocados no recinto duravam poucos minutos. Sendo este relato consistente com a ideia transmitida por Gupta et al. (2007) de que ursos são tendencialmente animais destrutivos e que portanto necessitam de itens com tamanho e perfil adequados (Gupta, Prakash, & Sinha, 2007). Uma vez que o chão era de cimento, não era possível enterrar nem plantar árvores. Por outro lado, quando explorada a possibilidade de pendurar os troncos a partir de cima, como já feito noutros zoos (Andrews & Ha, 2014), chegou-se à conclusão de que exigiria demasiadas mudanças nas infraestruturas para ser exequível a curto prazo. Apesar de tudo o que já foi descrito há que ressalvar que em 2010 o zoo tinha já implementado melhorias, tendo a área disponível aumentado de 140m2 para 300m2 e acrescentando a zona de cascata junto à parede (Garcia, 2010).

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Em última análise, o animal interagiu com todos os enriquecimentos introduzidos, aparentemente de forma positiva. No entanto, o comportamento de pacing permaneceu pelo que seria interessante pesquisar mais aprofundadamente e experimentar outras formas de enriquecimento ambiental e verificar se estas teriam impacto positivo no bem-estar deste animal.

A maior parte do repertório comportamental dos ursos pardos tem a ver com a obtenção de alimento e alimentação em si (Grandia et al., 2001). Assim, providenciando ao animal oportunidades para passar tempo a procurar e obter alimento (espalhar e esconder comida, aumentar a frequência com que é fornecido alimento, etc.), estimular-se-iam comportamentos naturais de manipulação e exploração do ambiente (Grandia et al., 2001).Não esquecendo todos os outros tipos de enriquecimento que se podem implementar através da utilização de um calendário pré-definido, aumentar a complexidade do recinto seria uma solução pertinente, principalmente considerando que o zoo está inserido num contexto urbano, no qual o aumento do espaço é virtualmente impossível. Assim sendo, penso que a introdução de estruturas onde trepar e se esconder e de substrato para construção de ninho e para escavar (Gupta et al., 2007) seriam um avanço positivo a considerar, dado serem alterações não muito exigentes a nível logístico.

Complementarmente ao uso simples de enriquecimento ambiental há outras alternativas e está já descrita, por exemplo, a utilização de fluoxetina, um antidepressivo tricíclico inibidor da recaptação de serotonina, (posteriormente complementado com a introdução num ambiente com adequado enriquecimento ambiental) para tratamento deste tipo de comportamento estereotipado em ursos pardos e ursos polares(Poulsen, Honeyman, Valentine, & Teskey, 1996; Stokes & Holtz, 1997; Yalcin & Aytug, 2007).

Curiosamente, à semelhança do que acontece noutros zoos, também aqui o animal passava a noite no recinto interior, embora os ursos sejam animais com atividade noturna, principalmente na altura de Verão (Curry-Lindahl, 1972). Neste caso em particular, sendo um zoo urbano, a oportunidade de expansão é muito limitada. Não obstante, as instalações antigas tinham já sido substancialmente ampliadas e melhoradas mas a recolha noturna acabava por ser pequena, não havendo espaço para elementos de enriquecimento. Em espécies com hábitos noturnos como esta, que representam sempre alguma perigosidade, o enriquecimento noturno representa

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sempre algumas complicações, nomeadamente por motivos de segurança, pelo que a gestão de risco implica alguns compromissos.

1.2- Primatas

Na coleção de animais do zoo, constavam vários exemplares de primatas. De maneira mais ou menos aprofundada tive a oportunidade de com eles experimentar técnicas de enriquecimento ambiental, exceção feita para os lémures castanhos (Eulemur fulvus) e para o recinto contendo o grupo de macacos-verde – Chlorocebus aethiops – no qual à partida me disseram que seria mais complicado introduzir enriquecimento por terem comportamento agressivo e só determinados tratadores poderem entrar. Adicionalmente havia um exemplar de Chlorocebus

aethiops nas instalações da clínica, que estava separado dos restantes apenas para evitar

agressões entre eles. Por conveniência e facilidade de acesso, e também porque se tratava de um animal social(Baldellou & Henzi, 1992; Struhsaker, 1967) que estava isolado, algumas das ideias foram primeiro experimentadas aqui e depois transpostas para os outros recintos. Neste animal, como não estava exposto ao público, estava livre de utilizar materiais sem ter a preocupação de manter o aspeto naturalista.

Da família Cercopithecidae, as espécies com que trabalhei foram então o macaco-verde, dois machos de macaco mona (Cercopithecus mona), uma fêmea de macaco cauda vermelha (Cercopithecus ascanius) e um mandril (Mandrillus sphinx).

No macaco verde da clínica, o primeiro enriquecimento que introduzi foi substituir a taça onde eram normalmente postas a ração e sementes, por uma garrafa de plástico na qual tinham sido feitas aberturas pequenas o suficiente para que não coubessem as suas mãos. O animal tinha então de manipular a garrafa até conseguir que as sementes e ração fossem caindo.

Com o mesmo intuito, mas querendo introduzir variedade para evitar efeito de habituação (Brent & Stone, 1996), experimentei duas outras formas de apresentar-lhe enriquecimento nutricional. A primeira foi pendurar (nos ramos presentes no recinto) um saco de serapilheira, no qual os tratadores conseguiam introduzir o conteúdo facilmente mas à qual o animal só conseguia aceder por uma pequena abertura, onde tinha que introduzir o braço, sem ver a comida. Não havia termo de comparação, por não se saber quanto tempo era normalmente dispensado na atividade quando a comida era simplesmente apresentada na taça. No entanto,

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devido à interação do animal com o enriquecimento, supôs-se que o saldo da experiência era positivo e que pelo menos introduzia um elemento novo no ambiente do animal, que lhe suscitava interesse. A segunda forma de apresentação, foi pendurar um pedaço de bambu, que tinha depois aberturas laterais (como no caso da garrafa) e uma no topo, pela qual o alimento era introduzido, que era posteriormente tapada com uma rolha de cortiça. Desta vez, o animal mostrou-se interessado pelo novo elemento ambiental, estudando os seus movimentos, cheirando-o e manipulando-o. No entanto, com este enriquecimento, o animal acabou por não conseguir tirar as sementes e perdeu o interesse.

Uma reação semelhante aconteceu quer na macaca de cauda vermelha, quer nos macacos mona quando apresentados com o enriquecimento do bambu – mostraram interesse no elemento novo e manipularam-no mas, não conseguindo obter alimento, rapidamente se desinteressaram. Esta reação comum a estas três espécies sugeriu que talvez os animais não tivessem percebido que o enriquecimento tinha comida ou então que não tinham percebido como tirá-la de lá.

No entanto, tanto no macaco verde como nos macacos mona, a reação ao saco de serapilheira foi positiva, tendo passado bastante tempo a interagir com este.

Figura 2 - Macaco mona a interagir com o saco de serapilheira (Imagem gentilmente autorizada pelo Zoo da Maia)

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Quando experimentei o mesmo tipo de enriquecimento no mandril, no entanto, os resultados já não foram tão bons. O animal, sendo o único exemplar da sua espécie no zoo, estava alojado com um grupo de porcos-espinho (Hystrix africaeaustralis), numa tentativa de oferecer enriquecimento social a um indivíduo de uma espécie que normalmente está inserida em grupos – geralmente com fêmeas e jovens - embora possam ser encontrados machos em estilo de vida solitário (Abernethy, White, & Wickings, 2002; Rogers et al., 1996). Sendo os mandris animais que predominantemente andam no solo (Abernethy et al., 2002), o saco foi pendurado de modo a o animal poder aceder-lhe a partir do chão. A altura revelou não ser no entanto suficiente para evitar que os porcos espinho, que demonstraram extremo interesse, mordiscassem o saco, tentando chegar ao seu conteúdo. O mandril, embora tenha cheirado vagamente o saco, não demonstrou grande interesse em interagir com ele. No entanto, sempre que um dos porcos espinho tentava chegar ao saco, ele exibia comportamentos de ameaça (Pansini, 2006; Setchell & Wickings, 2005) e mantinha-o longe. Não sabendo explicar o porquê de tal comportamento, permaneceu a dúvida de se esta tentativa teria sido enriquecimento ambiental para o mandril, para os porcos espinho ou para ambos. Uma das sugestões avançadas pelo staff para explicar este tipo de comportamento foi a de entre eles se ter estabelecido uma hierarquia, sendo o mandril o mais dominante (o animal era frequentemente visto a separar lutas entre os porcos espinhos, etc.), o que, a confirmar-se, reafirmaria o propósito de juntar as duas espécies como enriquecimento social.

Figura 3 - a) cepo com cavidade preenchida com comida e feno , tapada com rede b) mandril a interagir com enriquecimento (Imagem gentilmente autorizada pelo Zoo da Maia)

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Outra das coisas que experimentei com o mandril foi espalhar feno para roedores pelo recinto. Além de simplesmente manipulá-lo durante bastante tempo, acabou por também ingerir algum. Uma vez que em situação selvagem, alimentos mais fibrosos fazem também parte da dieta normal dos mandris (Hoshino, 1985; Lahm, 1986), considerou-se que a resposta obtida foi positiva.

Por último, numa outra ocasião, foi introduzido no recinto um cepo, no qual tinha sido escavada uma cavidade, posteriormente tapada com rede metálica cujas aberturas não permitiam a passagem da mão do animal. A cavidade foi depois preenchida com fruta e feno. Em vez de seguir as pessoas que passavam e alternar o comportamento locomoção estereotipada com a exibição silenciosa dos dentes, como era seu comportamento habitual, o animal passou um considerável período de tempo à volta do tronco, cheirando, manipulando e tentando arranjar solução para chegar à comida. O comportamento de exibição silenciosa dos dentes, embora possa ser associado a agressão (Pansini, 2006), também está descrito como comportamento exibido em momentos antecedentes ao grooming, por exemplo (Laidre & Yorzinski, 2005). Assim, não foi possível tirar uma conclusão acerca de se a substituição deste comportamento tinha ou não sido benéfica. Considero, no entanto, que a substituição do comportamento de locomoção estereotipada e a diversificação dos comportamentos naturais exibidos só por si tenham constituído vantagens. Adicionalmente, o animal expressou ainda o comportamento de marcação com a glândula esternal (Mellen, Littlewood, Barrow, & Stevens, 1981).

Contrariamente ao que se tinha passado com os primatas da família Cercopithecidae, a utilização do mesmo tipo de enriquecimento com o bambu nos saguis-comum (Callithrix

jacchus) teve um outro desfecho. Aqui, em vez de ração e sementes, o conteúdo foi substituído

por tenébrios, que normalmente eram fornecidos, espalhando-os pelo chão. Quando o bambu foi pendurado em ramos, de forma a apenas ser acessível pelo topo, embora extremamente interessados, o enriquecimento provou ser difícil demais e os animais revelaram não ter capacidade física suficiente para chegarem às aberturas (Figura 4). No entanto, pendurando o bambu, de modo a que o acesso pudesse ser feito a partir de ramos laterais mais próximos ou ramos inferiores, o resultado foi muito melhor e os animais já conseguiram alcançar os tenébrios. O enriquecimento que já era utilizado previamente era eficaz e poder-se-ia argumentar que não havia motivo para implementar um novo. No entanto, acredito que seja vantajoso alternar entre o mais variado leque de enriquecimentos, evitando assim o efeito de

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habituação e mantendo os animais estimulados. Idealmente poder-se-ia ter experimentado também redimensionar o enriquecimento e apresenta-lo de novo na forma inicial, com ele pendurado e acessível apenas pelo topo, para verificar se os animais conseguiam desse modo interagir com ele.

Figura 4 - Saguis a interagir com o enriquecimento do bambu (Imagem gentilmente autori zada pelo Zoo da Maia)

No casal de gibões (Hylobates lar), a primeira intervenção que experimentei foi dar-lhes um saco cheio de feno, com fendas laterais através das quais eles podiam aceder ao feno. O macho foi o primeiro a demonstrar interesse e a manipular, cheirar e trincar o saco. A fêmea no entanto, mal teve oportunidade agarrou no saco e levou-o para um local mais abrigado, onde passou horas a exibir os comportamentos já enumerados e quebrando assim a sua rotina de inatividade. Como ambos demonstraram interesse e interagiram com este enriquecimento, de uma outra vez, dei dois sacos para que cada um pudesse ter um. Nessa vez adicionei ração por entre o feno. Os resultados foram igualmente bons, sendo que desta vez, como o macho tinha um só para si teve oportunidade de passar mais tempo a interagir. Nenhum dos dois foi observado a ingerir o feno, o que, em retrospetiva teria sido talvez um pouco excessivo em termos de conteúdo fibroso, já que na natureza a maior parte do tempo que passam a comer é dispensado a ingerir folhas e rebentos (Dao-ying, 1993).Não obstante, a dieta deles no zoo consistia maioritariamente em frutas (o que poderia justificar a ocorrência de diarreias frequentes), pelo que seria interessante

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uma reavaliação dos alimentos fornecidos ao zoo que melhor se aplicasse à história natural nutricional destes animais.

Nos lémures de colar (Varecia variegata) já não tive tempo de experimentar os enriquecimentos nutricionais que tinha pensado, pelo que apenas experimentei dispersar os alimentos pelo recinto em vez de os colocar em comedouros. Este enriquecimento de dispersar rações, sementes e afins pelo chão e espetar as frutas, hortaliças, etc. era uma técnica já utilizada no zoo, não só nestes animais como também em muitos outros recintos.

O caso particular da macaca cauda vermelha suscitou-me particular interesse por ser um animal que no estado selvagem tem hábitos gregários (Cords, 1984) mas que de momento estava alojado sozinho. Tratava-se de um animal que tinha sido apreendido isoladamente pelo Estado, que não tinha onde o alojar e por isso recorreu ao Zoo. Tinha sido colocado na instalação há pouco tempo e para agravar a situação, era ainda um animal que se mostrava perturbado com a presença de público. Deste modo, era um exemplo do efeito já demonstrado em 1988 por Chamove et al. de que a presença de público pode diminuir as relações afiliativas e aumentar a agressividade em primatas. Quando o público parava em frente ao recinto, o animal ficava agitado, saltando contra o vidro e tentando atacar os visitantes. Além destes comportamentos aparentava também ter algumas estereotipias como o pacing, boucing (movimento para cima e para baixo, envolvendo movimento dos pés) e ainda um comportamento idiossincrático de abanar a cabeça (Lutz, Well, & Novak, 2003). Dado tratar-se de um animal com um histórico pré-apreensão potencialmente conturbado, faria sentido que as suas alterações comportamentais estivessem a ele associadas. Assim, considerei este animal uma prioridade. No entanto, quase nenhuma alteração acabou por ser introduzida no seu ambiente. Infelizmente tal situação deveu-se ao facto de deveu-se tratar de um animal extremamente agressivo, no recinto do qual apenas os tratadores estavam autorizados a entrar. Como tal, por cada mudança que quisesse implementar no seu ambiente, estava dependente da disponibilidade dos tratadores para me ajudarem, o que, por razões várias, se verificou impraticável, como irei debater no final deste capítulo. Uma possível solução seria a explorada num grupo de macacos capuchinhos (Cebus apella) com a colocação de vidros que apenas permitiam visualização no sentido visitantes-animais e que se mostrou eficaz na diminuição de stress nesse grupo de animais (Sherwen et al., 2015).

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O animal tinha acesso a uma recolha escondida do público. No entanto, penso que o rearranjo dos ramos e do espaço proporcionaria um abrigo mais de acordo com a história natural da espécie, que tem por hábito descansar no alto das árvores com as copas mais densas, escondidos pela folhagem (Buxton, 1952). Como uma solução adicional, Lam et al. (1991) relatam ainda uma diminuição de 73% das estereotipias em Macaca fascicularis alojados sozinhos, apenas com utilização de uma almofada de lã sintética, na qual pudessem exibir o comportamento de

grooming. Em macacos rhesus (Macaca mulatta) está também descrito que a utilização de

treino dos animais (neste caso para venopunção e para tocarem num alvo) com reforço positivo diminuiu significativamente a ocorrência de estereotipias (Coleman & Maier, 2010).

No final, devido às mesmas limitações já referidas, houve algumas coisas que ficaram por fazer. Teria sido interessante, por exemplo, experimentar o enriquecimento do bambu nos gibões e ver se estes conseguiam aceder ao conteúdo, dado estarem incluídos na classificação taxonómica de hominídeos (Goodman et al., 1990). Adicionalmente, existem ainda uma série de outros enriquecimentos ambientais que não foram explorados e que podem contribuir ainda para melhoria destes dois animais em particular. Gronqvist et al. descreveram em 2013 os benefícios em gibões de vários tipos de enriquecimento ambiental (olfatório, nutricional e ocupacional) e a sua potencialidade para melhorar o bem-estar e favorecer atividades naturais da espécie como o foraging. Da mesma forma, também gostaria de ter tido tempo para experimentar estes enriquecimentos nos lémures de colar e no casal de lémures castanhos e verificar se haveria diferença na forma de interação com estes. Está no entanto descrito que em primatas, estando mais dependentes do sentido da visão, parecem ganhar menos vantagens com enriquecimento olfatório, quando comparados com outras espécies mais dependentes desse sentido (Wells, 2009).De mencionar também a importância da remoção de odores naturais que acontece com as práticas rotineiras de maneio. Muitos destes odores são usados para comunicar e podem conter informações sobre marcação de territórios, estado reprodutivo, e status social (Drea & Scordato, 2008). Clark e King (2008) sugeriram que uma solução para evitar este problema de empobrecimento ambiental seria a de limpar os recintos uma metade de cada vez.

Chamaria no entanto atenção para o quão importante é conhecer a ecologia da espécie antes de poder interpretar qualquer reação da parte do animal. Uma das incorreções mais comumente cometida com os primatas do zoo, estando eu incluída nos perpetradores, foi a interpretação do estado de espírito deles, baseando-se nas suas expressões faciais e linguagem corporal. Há uma

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tendência para interpretar as expressões faciais dos primatas fazendo o paralelo com as humanas quando na realidade uma expressão fisicamente semelhante pode ter uma função social totalmente diferente (por exemplo, enquanto em humanos a expressão de raiva/fúria compreende um sobrolho franzido, o mesmo estado emocional em determinados primatas da família Cercopithecidae exprime-se exatamente pelo oposto - sobrancelhas erguidas) (Preuschoft, 2000).

1.3- Felinos

Vários eram os felinos presentes na coleção do zoo. Consegui introduzir enriquecimentos novos em todos excepto nas instalações do gato leopardo (Prionailurus bengalensis) e do lince euroasiático (Lynx lynx).

O zoo tinha três tigres (Panthera tigris) durante o período em que lá estive: um macho adulto de pelagem branca (Ankur), uma fêmea adulta (Jasmim) e uma fêmea juvenil (Asha). Os dois animais adultos tinham acesso ao recinto exterior, em dias alternados, para evitar situações de confronto físico. A Asha estava a ser mantida na quarentena (onde não estava mais nenhum animal) enquanto estavam a ser construídas as novas instalações no recinto principal dos tigres.

Uma das primeiras mudanças que experimentei foi a colocação de uma melancia inteira (friccionada previamente com carne) no recinto exterior, num dia em que era a vez do Ankur estar fora. Assim, que foi aberta a porta, o animal dirigiu-se ao novo elemento no seu ambiente. Cheirou durante algum tempo e experimentou tocar na melancia com a pata. No entanto passados uns minutos desinteressou-se e passou à exploração do restante espaço. Tal como explicado anteriormente, muitas vezes a fruta não estava disponível fresca, como foi aqui o caso. A melancia utilizada tinha sido tirada do congelador (≈ -30ºC) apenas uns minutos antes de ser colocada no recinto o qual, sendo ainda de manhã cedo, ainda estava sombrio. Esta explicação foi tida então como uma hipótese possível para justificar a falta de interesse por este enriquecimento. Assim, para verificar este facto, e sendo relativamente fácil obter melancias frescas na altura do ano em que estávamos (Agosto), decidiu-se experimentar o mesmo enriquecimento nos restantes felinos, consoante fossem sendo fornecidas e não utilizar as que estavam congeladas.

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No final acabei por não conseguir experimentar esta alteração no mesmo animal, para verificar se havia alteração na manifestação de interesse ou não, nem na fêmea adulta. Experimentei no entanto, na fêmea juvenil que estava na quarentena. Neste animal, foi considerado que o enriquecimento teve um efeito positivo. Era um animal que estava num recinto pequeno de cimento que apenas tinha um pequeno lago superficial. A introdução da melancia deu-lhe então oportunidade para expressar comportamentos de brincadeira (Stanton, Sullivan, & Fazio, 2015), saltando e rolando a melancia, levando-a para a água, até finalmente a ter desfeito, momento no qual começou a roer os pedaços e a brincar com eles individualmente. Esta observação levou a por a hipótese de que se ela brincava com os pedaços talvez não precisasse de uma melancia inteira e pudesse utilizar as meias-melancias que eram ocorrência mais comum no fornecimento da fruta ao zoo, o que veio mais tarde a ser confirmado. Sendo este um animal jovem seria interessante no futuro verificar se com o mesmo estímulo o comportamento dos tigres adultos do zoo seria o mesmo ou se haverá aqui influência da idade.

Figura 5 - Tigre a exibir comporta mento de brincadeira com melancia (Imagem gentil mente autorizada pelo Zoo da Maia)

Melancias como enriquecimento foram também utilizadas com os leões (Panthera leo) do zoo. O zoo tinha três exemplares todos adultos: um macho e duas fêmeas. Uma das fêmeas, a Ana, além de já ter sido agredida pela outra (Nala), tinha ainda problemas neurológicos, com histórico de convulsões, circling, tremores e nistagmus, pelo que, por precaução, nunca estava exposta ao público. Esta era uma solução que, segundo informações prestadas pelo zoo, era a alternativa encontrada a uma possível eutanásia. Assim, geralmente passava o dia na sua

Imagem

Figura 1 -Evolução do papel dos zoos ao longo do tempo.  Adaptado de IUDZG and  CBSG(IUCN/SSC), 1993
Figura 2 - Macaco mona a interagir com o saco de serapilheira  (Imagem gentilmente autorizada  pelo Zoo da Maia)
Figura 3 - a) cepo com cavidade preenchida com  comida e feno , tapada com rede  b) mandril a  interagir com enriquecimento  (Imagem gentilmente autorizada pelo Zoo da Maia)
Figura 4 - Saguis a interagir com o enriquecimento  do bambu (Imagem gentilmente autori zada  pelo Zoo da Maia)
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Referências

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