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Viabilidade Binacional de Desenvolvimento da Pesca e Aqüicultura: abordagem socioambiental na área fronteiriça Brasil/Bolívia

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Academic year: 2021

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ADA

UNIDADE DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE

OEA

Ministério do Meio Ambiente – MMA Secretaria de Coordenação da Amazônia – SCA

Programa de Ações Estratégicas para a Amazônia Brasileira

PRODEAM

Viabilidade Binacional de Desenvolvimento da

Pesca e Aqüicultura: abordagem socioambiental na

área fronteiriça Brasil/Bolívia

Miguel Petrere Jr.

BELÉM 2002

(2)

AV. ALMIRANTE BARROSO, 426 BELÉM – PARÁ – BRASIL CEP: 66.090-900

HOME PAGE: www.ada.gov.br

ADA.PRODEAM; SINCHI; OEA.

Relatório de viabilidade binacional da pesca e aqüicultura: abordagem sócioambiental na área fronteiriça Brasil – Bolívia / Miguel Petrere Jr. Consultor; ADA.PRODEAM ; SINCH I ; OEA Belém: ADA.PRODEAM, 2002.

97 p. ilust.

1. Pesca -Brasil. 2.Aqüicultura-Brasil.3.Pesca– Colômbia. 4. Aqüicultura-Colômbia. I. Petrere Jr., Miguel. II. Instituto Amazônico de Inveatigaciones Cientificas. III. OEA. IV. Título.

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AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA - ADA

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COORDENAÇÃO NACIONAL DO PRODEAM

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OORDENADORA

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pelo Governo brasileiro Acordos Bilaterais com a Bolívia, Colômbia e Peru, objetivando a cooperação binacional para a execução de Programa de Desenvolvimento Integrado de Comunidades Fronteiriças, com o propósito de melhorar a qualidade de vida das populações nelas assentadas, de promover o desenvolvimento sustentável da região e de integrar as áreas fronteiriças entre si e com os respectivos territórios nacionais.

Dentro desse contexto, circunscreve-se o Projeto de Desenvolvimento da Pesca e Aqüacultura, cujo passo inicial compreendeu a realização do estudo que ora se divulga, objeto de parceria estabelecida entre a Organização dos Estados Americanos – OEA, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, o Instituto Amazonico de Investigaciones Científicas – SINCHI, da Colômbia e o Vice Ministério das Relações Econômicas Internacionais e Integração, da Bolívia.

O presente documento contém a consolidação dos diagnósticos elaborados para a pesca e aqüacultura continental, no Brasil e na Bolívia, identificando-se os principais problemas e dificuldades que essas atividades têm enfrentado nesses países e suas possibilidades de desenvolvimento, a partir de um planejamento da atividade. Particularmente com relação à aqüacultura, em que pese os entraves detectados, considera-se que, considera-se bem conduzida, pode vir a considera-ser uma atividade bastante atrativa para a região, ante a dotação de fatores existentes como a disponibilidade de áreas, naturais e artificiais, e o número de espécies nativas e exóticas já adaptadas, favorecendo a geração de emprego e renda, bem como a produção de alimento de alto valor nutritivo.

Sob essa ótica, propõe-se um conjunto de recomendações para o desenvolvimento da atividade, de forma conjunta, nos dois países, que tem por base o conceito de desenvolvimento sustentável (CNUMAD, 1992) e os objetivos e princípios gerais do Código de Conduta da FAO (1994), por se entender que representam uma orientação fundamental para a construção dos processos de planejamento do desenvolvimento sustentável dos setores pesqueiro e aquícola. Tais recomendações foram discutidas em reuniões técnicas, de forma a também incorporar as idéias, os anseios e as propostas das entidades envolvidas com essas atividades. Para tanto, foram entrevistados pescadores, intermediários, empresários de pesca e piscicultura e técnicos pertencentes a várias instituições, consultando-se, ainda, trabalhos técnico-científicos afins.

Os diagnósticos das atividades pesqueiras e aqüícolas, realizados in loco constam do ANEXO A, que contém as transcrições das entrevistas, o levantamento da problemática local e as sugestões para possíveis soluções (feitas para cada localidade visitada, sempre que possível). As recomendações de caráter genérico, para toda a região Amazônica, referentes à pesca, estão distribuídas ao longo do texto e para a piscicultura estão destacados num item próprio.

Vale enfatizar que análises sobre o cenário futuro e as tendências das atividades pesqueiras não puderam ser realizadas pela falta de dados contínuos. Porém, com o objetivo de suprir essa deficiência, sugere-se a montagem de um banco de dados inicial, para auxiliar nas análises pertinentes e otimizar as ações de planejamento setorial pesqueiro para a região.

No decorrer do trabalho, percebeu-se que o mercado exerce um papel fundamental na atividade pesqueira, interferindo diretamente na demanda e escolha de espécies com melhores preços ou comércio favorecido. Assim, a rede de comércio e a demanda por pescado in natura e derivados são pontos que devem ser elucidados. Com esta finalidade, propõe-se um outro projeto de pesquisa (ANEXO B), visando a uma

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estudo preliminar mencionado.

Outro aspecto a ser considerado, quando se trata da Amazônia Continental e suas relações internacionais, refere-se à legislação, que desponta, em muitos casos, como um primeiro entrave à gestão dos recursos transnacionais. No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA realizou, durante a década de 90, um importante trabalho de compatibilização das legislações estaduais por bacia, inclusive contemplando os Estados que integram a bacia Amazônica. Esse trabalho foi desenvolvido em etapas, e contou com a participação de lideranças locais, pescadores e sociedade civil organizada. No nível internacional, a única recomendação que se pode fazer, sem interferir nos aspectos de soberania dos países envolvidos, é que a gestão de recursos transfronteiriços, migradores ou de acesso comum a populações (e empreendedores) de mais de um país, não deve ser divergente nas medidas de controle. Todas as decisões devem ser tomadas em conjunto, obedecendo a um planejamento comum para todos os interessados.

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P.

LISTA DE TABELAS ... 7

1 CONCEITOS BÁSICOS... 8

1.1 Pesca e desenvolvimento sustentável... 8

1.2 Aqüacultura responsável... 8

2 AS PESCARIAS AMAZÔNICAS E SEU MANEJO... 8

2.1 Introdução... 8

2.2 A pesca em águas continentais... 11

2.3 A ictiofauna da bacia amazônica... 12

2.4 As pescarias amazônicas... 14

2.4.1 A pesca na Amazônia Boliviana... 17

2.5 Classificação dos pescadores... 17

2.6 O sistema de comercialização... 18

2.7 Importância socioeconômica e cultural da pesca... 19

2.8 Estratégias tradicionais de manejo... 21

2.9 Considerações sobre o sistema de manejo comunitário de recursos pesqueiros... 25

3 A AQÜACULTURA... 28

3.1 Introdução... 28

3.2 Aqüacultura continental... 29

3.3 Piscicultura na Amazônia... 35

3.4 Recomendações ( PETRERE et al., 1997)... 39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 43

ANEXO A – Relatório de viagem... 50

ANEXO B – Sugestão para Projeto de Pesquisa... 80

ANEXO C – Segundo Encuentro de Integracion y desarrollo fronterizo Bolívia-Brasil... 90

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LISTA DE TABELAS

P. 1 PRODUÇÃO PESQUEIRA MUNDIAL PARA OS DOIS PAÍSES... 9 2 PRODUÇÃO E APROVEITAMENTO DA PESCA NO MUNDO... 11 3 LISTA DE ESPÉCIES DE PESCADOS MAIS IMPORTANTES DO ALTO SOLIMÕES (PREPARADA COM A AJUDA DO PROF.EDWIN AGUDELO CÓRDOBA DO SINCHI) E NA AMAZÔNIA BOLIVIANA 12 4 ANÁLISE DO CUSTO/BENEFÍCIO DE MONOCULTIVO E POLICULTIVO DE TAMBAQUI NO ESTADO DO AMAZONAS, PRÓXIMO A MANAUS. CÁLCULOS BASEADOS NOS VALORES DOS INSUMOS EM 1995. ND – NÃO DISPONÍVEL (MODIFICADO DE LIMA E GOULDING, 1998... 36

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1 CONCEITOS BÁSICOS

1.1 Pesca e desenvolvimento sustentável

A conceituação oficial de Desenvolvimento Sustentável elaborada pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente afirma:

"Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades".

Este modelo de desenvolvimento envolve dois conceitos chaves: o de "necessidades" (sobretudo dos mais pobres) e o de "limitações" (que o estágio de tecnologia e de organização social impõe sobre o meio ambiente e que este impõe sobre a capacidade de atender às demandas da sociedade).

No caso das águas continentais, a exploração e a conservação dos recursos pesqueiros estão fortemente condicionadas aos usos e ocupação das bacias de drenagem promovidos pelos diversos setores de governo e da sociedade civil. Assim, o desenvolvimento sustentável do setor pesqueiro reflete o desenvolvimento sustentável de todos os agentes de desenvolvimento econômico da bacia.

Esta constatação demonstra que o compromisso de governo com a pesca sustentável confunde-se com o próprio compromisso de governo para com a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável.

Assim deve-se evitar atuar unicamente pela análise da sustentabilidade biológica dos estoques explorados. A ausência de uma série histórica mínima de dados básicos sobre captura e esforço de pesca nas diferentes bacias hidrográficas, aliada às dificuldades inerentes ao próprio conceito de Rendimento Máximo Sustentável (Maximum Sustainable Yield, MSY) excluiriam a possibilidade de sua utilização como único critério.

1.2 Aqüacultura responsável

As diretrizes para o desenvolvimento da aqüacultura responsável que se encontram em FAO (1994) têm como objetivo facilitar a identificação das responsabilidades, deveres e obrigações dos governos, das autoridades e das pessoas envolvidas com a atividade de aqüacultura, e são essenciais para apoiar e garantir a contribuição sustentável desta atividade para a segurança alimentar, a mitigação da pobreza e o bem estar socioeconômico das gerações atuais e futuras

.

2 AS PESCARIAS AMAZÔNICAS E SEU MANEJO 2.1 Introdução

Tradicionalmente, a maioria dos processos de povoamento, traduzidos na ocupação da terra para a instalação do homem, em diferentes regiões do mundo, se deu próximo dos rios. Assim, desde as antigas civilizações estes desempenham importante papel como fonte de água e alimento, meio de transporte, além de vias naturais de penetração em territórios desconhecidos. Nesse contexto, podemos destacar o rio Nilo, em torno do qual floresceu a civilização egípcia; o

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rio Eufrates, em cujo vale os sumerianos se desenvolveram, o rio Tigre, berço da civilização dos babilônios e assírios; e o rio Amarelo, em torno do qual teve origem a civilização chinesa e cuja expansão deveu-se ao rio Yangtse (PAIVA, 1982). Na Amazônia (FIGURA 1), com sua dendrítica rede hidrográfica, quando os espanhóis e portugueses iniciaram sua exploração, a várzea dos rios era ocupada por muitas etnias indígenas.

Os peixes são os últimos animais explorados na natureza, em grande escala, pelo homem moderno. Em 1996 o desembarque mundial de pescado foi 94.625.400t, das quais 7.552.800t provieram de água doce. Para se ter uma idéia mais concreta do que esse total mundial representa, suponhamos uma carreta de 40t, com 20m de comprimento. Teríamos então, uma frota de 2.365.635 caminhões que dariam 1,2 voltas à Terra pelo Equador, com uma carga valendo ao redor de U$200 bilhões (U$ 4/kg), equivalente ao PIB da Dinamarca, sendo renovada a cada ano, sem nenhum custo de fabricação à sociedade, apenas com o aproveitamento da energia do sol e ciclagem dos nutrientes dos mares e rios.

Bonetto e Castello (1985) publicaram a primeira monografia sobre a pesca e a piscicultura na América Latina e nela teceram várias considerações baseados na literatura de então. Porém, nos últimos 15 anos, houve uma explosão dos estudos sobre esses dois assuntos na região, notadamente na pesca.

FIGURA 1. LOCALIZAÇÃO DA BACIA AMAZÔNICA NA AMÉRICA DO SUL.

No que se refere aos países objeto deste estudo, a TABELA 1 mostra os dados das pescarias de captura (não incluem pescado oriundo de piscicultura) de 1990 a 1996 em toneladas métricas (mt).

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TABELA 1

PRODUÇÃO PESQUEIRA MUNDIAL E PARA OS DOIS PAÍSES (FAO, 1996)

1990 Mt 1991 Mt 1992 mt 1993 mt 1994 Mt 1995 mt 1996 mt Total Mundial 85880200 85088400 86208800 87278800 92682900 93001100 94625400 Peixes de água doce 6588000 6382400 6253300 660700 6908200 7379400 75528000 Captura Nominal

Total:

Bolívia 6909 5167 4905 5518 5353 5692 5988

Brasil 782450F 776690 F 760290 F 749740 F 789235 F 770780 F 798719 F Pesca continental por

países

Bolívia 6909 5167 4905 5518 5353 5692 5988

Brasil 191115 F 193240 F 182540 F 186990 F 191485 F 183180 F 178000 F

Obs.: F = Estimativa realizada pela FAO através de fontes disponíveis de informação.

Nota-se que as ordens de magnitude das pescarias continentais nos dois países são muito diferentes, destacando as baixas capturas na Bolívia.

As pescarias artesanais, na Amazônia, são espalhadas e daí difíceis de serem monitoradas. São pescarias multiespecíficas (capturando muitas espécies de pescado), empregando vários aparelhos simples. Sua relação com o mercado é caracterizada pela presença do intermediário. Os pescadores trabalham individualmente ou em grupos de dois a seis indivíduos em canoas a remo ou a motor, ou em pequenos barcos geleira. Pescam sob forte pressão do mercado, que governa sua estratégia de captura. A atividade, em geral, passa de pai para filho, com anos de aprendizado, para entender o comportamento dos peixes e assim capturá-los na época e no lugar certo.

O atual modelo econômico globalizado está acentuando o abandono por que passa a pesca artesanal. Esta desempenha um papel fundamental na produção pesqueira dos dois países. Para que essas pescarias persistam é necessário manejá-las, isto é, manter o estoque pesqueiro dentro de uma faixa de tamanho para que o pescado nunca falte. Assim, a determinação da influência da pesca sobre a abundância dos estoques, em conjunto com o controle do esforço de pesca e da captura e a preservação do meio ambiente, são fatores importantes em qualquer programa de manejo. Além de cuidar dos peixes, é necessário manter o ambiente em seu estado natural, evitando desmatar a beira dos rios e lagos, não interferir no curso do rio, através da construção de barragens e aterros, não poluir, etc.

As medidas realistas de manejo devem se basear em estudos bem fundamentados sobre a ecologia das principais espécies comerciais, englobando seu crescimento, alimentação e reprodução. Também são importantes os estudos de como os peixes influenciam uns aos outros e de como são influenciados por outros organismos, pois, em geral, todos estão em delicado equilíbrio na natureza, que não deve ser rompido, o que prejudicaria a pesca.

Na Amazônia, as pescarias artesanais exploram uma grande variedade de espécies comerciais, de médio e grande portes e, principalmente, migradoras, tais como o filhote, o tambaqui, a dourada, o jaú. Espécies como o tucunaré e a pescada, tendem a habitar águas paradas, como os lagos de várzea, e quando o rio é represado podem se tornar muito abundantes, como ocorre no reservatório de Tucuruí, no rio Tocantins.

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Devido à grande abundância de pescado nesta região, seu consumo é altíssimo, alcançando em algumas áreas ribeirinhas cerca de 500g de pescado por pessoa por dia, a mais alta do mundo. Assim, quem viaja pelo interior da Amazônia, muito dificilmente irá observar pessoas subnutridas, devido à falta de proteína, como é comum em regiões semi-áridas, onde o consumo de pescado per capita é muito menor.

Welcomme (l995) sugere que as prioridades para o manejo futuro dos recursos pesqueiros e correlatos dependem das demandas de estratégias de proteção, reabilitação, mitigação e intensificação dos recursos e das prioridades socioeconômicas regionais. De modo geral, os esforços em regiões tropicais enfocam a manutenção da biodiversidade e o uso sustentado da produtividade biológica pelas populações ribeirinhas (BAYLEY, 1995). As estratégias de manejo pesqueiro e aqüícola que obtiveram sucesso reconheceram as características culturais das comunidades de pescadores e produtores rurais (PETRERE, 1992). Nesse contexto, as agências ambientais internacionais e nacionais estão desenvolvendo esforços para ordenar, manejar e reabilitar ecossistemas aquáticos, como os Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente - UNEP, os Projetos IARA/IBAMA e Várzea/PPG7, a Sociedade Civil Mamirauá, etc.

O crédito financeiro é concedido basicamente através dos Governos federais e estaduais (Departamentais na Colômbia). Já o crédito informal, via aviamento, é a maneira tradicional de financiamento dessa atividade extrativista pela economia privada regional. Há a necessidade de reestruturação e reciclagem dos operadores das linhas de crédito formal para a atividade pesqueira, com maior ênfase nos estudos de viabilidade regional, incluindo a capilaridade dos recursos financeiros entre os beneficiados e a gestão participativa dos projetos.

2.2 A pesca em águas continentais

A pesca e a aqüacultura são atividades importantes na produção de proteína para a população humana em crescimento, que já atinge cerca de 6 bilhões de pessoas. A importância dessas atividades em águas continentais pode ser demonstrada pelos dados de desembarque mundial de pescado (TABELA 2) onde se nota que a produção de pescado via aqüacultura continental praticamente dobrou, no período de 1990 a 1997 enquanto as pescarias de captura mantiveram-se quase constantes.

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TABELA 2

PRODUÇÃO E APROVEITAMENTO DA PESCA NO MUNDO (CF.

HTTP://WWW.FAO.ORG) 1990 1992 1994 1995 1996 1997 (millones de toneladas) PRODUCCIÓN CONTINENTAL Acuicultura 8,17 9,39 12,11 13,86 15,61 17,13 Captura 6,59 6,25 6,91 7,38 7,55 7,70

Total pesca continental 14,76 15,64 19,02 21,24 23,16 24,83

MARINA

Acuicultura 4,96 6,13 8,67 10,42 10,78 11,14

Captura 79,29 79,95 85,77 85,62 87,07 86,03

Total pesca marina 84,25 86,08 94,44 96,04 97,85 97,17

Total acuicultura 13,13 15,52 20,77 24,28 26,38 28,27

Total captura 85,88 86,21 92,68 93,00 94,63 93,73

Total producción pesquera 99,01 101,73 113,46 117,28 121,01 122,00

Em relação à atividade pesqueira, observa-se que, embora as pescarias marítimas, predominantemente industriais, estejam se tornando cada vez mais importantes no Brasil, a pesca continental (embora já menor que a aquicultura), predominantemente artesanal, ainda continua significante, aqui incluindo-se a Bolívia.

Um amplo espectro de aparelhos e métodos de pesca são utilizados nas pescarias em águas continentais, incluindo a rede de espera, a rede de arrasto de praia, a rede de cerco, arco e flecha, arpão, covos, anzóis, armadilhas com galhos secos, Dentre outros. Os implementos modernos que incluem a lanterna de mão para detectar o peixe à noite, o sonar portátil, etc., são usados apenas esporadicamente. Os pescadores trabalham individualmente, em pares, ou em pequenos grupos de 4 a 6 indivíduos e, às vezes, em pescarias comunitárias, envolvendo um número maior de pessoas. Poucas canoas são equipadas com motor.

Para minimizar os conflitos entre pescadores de subsistência, amadores e profissionais que, na maioria das vezes, pescam na mesma área, os aspectos sociais e antropológicos das comunidades de pescadores têm sido considerados durante a implementação de medidas de manejo das pescarias. Com o adensamento da população, principalmente na Amazônia brasileira, esses conflitos estão atingindo níveis críticos.

Embora os principais recursos pesqueiros da América do Sul, em geral, sejam constituídos por espécies reofílicas − principalmente detritívoros da família Prochilodontidae − com a construção de represas tem se observado uma mudança na comunidade em direção às espécies não-migradoras das famílias Cichlidae, Curimatidae etc., devido à diminuição dos estoques das espécies preferenciais, como é o caso do tambaqui na Amazônia Central, fazendo com que espécies antes não consumidas já possuam mercado.

2.3 A Ictiofauna da bacia amazônica

Vários autores (por exemplo, DARLINGTON, 1957) consideram que a fauna de água doce da América do Sul teve seu centro de origem na bacia amazônica, e que a fauna das outras

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bacias é um reflexo do conjunto das espécies amazônicas. Este conceito, no entanto, está sendo contestado, porque a bacia amazônica tem uma história geológica mais recente do que as bacias localizadas nos planaltos do Brasil e das Guianas (WEITZMAN ; WEITZMAN, 1982).

Segundo Roberts (1972), até 1967, o Zoological Records listava aproximadamente 1.300 espécies de peixes para a bacia amazônica. Böhlke et al. (1978) consideram que pelo menos 30% das espécies ainda não estão descritas. Vari e Malabarba (1998) estimam em 8.000 o total de espécies para a ictiofauna de água doce das Américas Central e do Sul, representando 25% da riqueza mundial de peixes, tanto marinhos como de água doce.

Em relação ao conhecimento sobre as espécies de águas continentais, vale ressaltar que, a partir de uma revisão do status sistemático da fauna de peixes da América do Sul, os trabalhos pioneiros não atentaram para a grande complexidade da fauna de peixes e se limitaram a uma simples descrição taxonômica das espécies comerciais de maior porte. Existem coleções razoáveis de peixes sul-americanos espalhadas em museus da América do Norte e Europa e, nos últimos 20 anos, o número de sistematas dedicados a estudá-las aumentou muito, o que avançou a formulação de testes de hipóteses das relações filogenéticas, conforme atestado por Vari e Malabarba (1998).

Na bacia amazônica, 85% das espécies pertencem à Super Ordem Ostariophysi, das quais 43% são Characiformes, 39% Siluriformes (peixes de couro ou lisos) e 3% Gimnotiformes (peixes elétricos). Os nomes científicos das principais espécies comerciais da Amazônia podem ser encontrados em Petrere (1978), Bayley e Petrere (1989), Lowe-McConnel (1984, 1987) e Santos et

al. (1984), Ferreira et al. (1998). Vale ressaltar que alguns grupos ainda não foram descritos (FINK;

FINK, 1979), outros precisam ser completamente revistos e, em alguns casos, os holotipos desapareceram, o que tem dificultado os estudos filogenéticos sobre os peixes amazônicos.

Uma lista das principais espécies comerciais das águas continentais, indicando nome vulgar é mostrada na TABELA 3.

TABELA 3

LISTA DE ESPÉCIES DE PESCADOS MAIS IMPORTANTES DO ALTO SOLIMÕES (PREPARADA COM A AJUDA DO PROF. EDWIN AGUDELO CÓRDOBA DO

SINCHI) E NA AMAZÔNIA BOLIVIANA

Nome popular no Brasil Nome popular na Bolívia Nome científico Dourada Dorado ou saltador Brachyplatystoma flavicans

Piraíba/filhote Piraíba Brachyplatystoma filamentosum

Pirarara General Phractocephalus hemiliopterus

Cara de gato, Coroatá - Platynematichthys notatus

Barba-chata Blanquillo Pinirampus pirinampu

Babão, melão ou flemoso - Goslinia platynema

Flamengo ou zebra - Brachyplatystoma juruense,

Dourada zebra - Merodontotus tigrinus

Surubim Surubi Pseudoplatystoma fasciatum

Caparari Chuncuína Pseudoplatystoma tigrinum

Piracatinga Blanquillo Calophysus macropterus

Jau ou pacamon Muturu Paulicea lutkeni

Peixe-lenha Paleta Sorubimichthys planiceps

Piramutaba - Brachyplatystoma vaillantii

Tambaqui Pacu Colossoma macropomum

Matrinchã Jatuarana Brycon sp

Pirapitinga Tambaqui Piaractus brachypomus

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Lauzanne et al. (s.d.) listam 385 espécies para a Amazônia boliviana, 173 caracoídeos (44.9%) e 152 silurídeos (39.5%). Dos quatro formadores do rio Madeira a saber Madre de Dios, Beni, Mamoré e Itenez (Guaporé) parece haver mais semelhança ictiofaunística entre o Mamoré e o Itenez, do que entre o Beni e o Madre de Dios. A fauna melhor conhecida é a do Mamoré. Lauzanne e Loubens (1985) apresentam uma utilíssima chave para 86 espécies do rio Mamoré das 280 na coleção do Laboratório de Ictiologia da Universidad Técnica del Beni, em Trinidad. Lauzanne e Loubens (1988) listam 324 espécies para a bacia do Mamoré e apresentam interessantes dados de captura e esforço (kg/100m2 de rede/24h), onde os maiores valores (máximo de 55,9kg/100m2/24h) foram para a malha de 60 mm na enchente (O-N-D) e os menores (mínimo 1,6kg/100m2/24h) foram para a malha de 80 mm na cheia (J-F-M). Jiménez (1996) capturou 168 espécies de peixes na bacia do rio Itenez (Guaporé) e afirma que no Departamento de Beni foram listadas 396 espécies de peixes. O Prof. Luis Torres Velasco da Universidad Técnica del Beni, em Trinidad, Bolívia, me informou que no rio Mamoré foram listados 326 espécies, no Madre de Dios 190, no Beni 210 e no San Martin cerca de 120.

2.4 As pescarias amazônicas

Petrere (1978) listou 32 grupos de espécies desembarcados no mercado de Manaus. Nas capturas de 1978, 72% foram representadas por apenas três espécies: tambaqui Colossoma macropomum, jaraqui Semaprochilodus sp. e curimatã Prochilodus nigricans. Além dessas, várias outras espécies têm importância comercial na Amazônia, entre elas o pirarucu Arapaima gigas, os tucunarés Cichla spp., a piramutaba Brachyplatystoma vaillanti e a dourada B. flavicans. Por causa do by catch da rede de espera, existe um mercado clandestino de pescado em Manaus, principalmente para o comércio de exemplares abaixo do tamanho mínimo permitido.

A pesca na Amazônia é relativamente bem estudada em comparação a outras regiões da América do Sul (BARTHEM et al., 1995). É uma atividade que utiliza vários aparelhos de pesca, capturando muitas espécies. Petrere (1978) listou para a Amazônia central 13 aparelhos principais de captura: a) arrastadeira, arrastão de praia ou rede grande, responsável por 9,3% das capturas, e utilizada principalmente na pesca do jaraqui (64% da captura deste tipo de rede em 1976); b) malhadeira ou rede de espera, responsável por 34% das pescarias em 1978, e geralmente empregada nos lagos, capturando principalmente o tambaqui (95% das capturas); c) arrastão, redinha ou rede de cerco, o aparelho de pesca mais utilizado na região − capturou 49% do total em 1978 − principalmete no leito dos rios e em lagos. A curimatã Prochilodus nigricans foi a espécie mais capturada com esse aparelho, seguida pelo jaraqui e tambaqui. Em ordem de importância, entre os petrechos de pesca também se encontram a tarrafa, linha-de-mão, arpão, zagaia, caniço, currico ou colher, arco e flecha, pinauaca (anzol com um pedaço de pano vermelho ou pena de arara utilizado para a captura do tucunaré), curumim (linha com um único anzol, presa num arbusto) e estiradeira ou espinhel.

Bayley e Petrere (1989) revisaram o status corrente das pescarias na Amazônia e identificaram dois tipos de pescarias: difusas e comercial de larga escala. As pescarias difusas são praticadas por populações rurais ou por habitantes de vilas e comunidades, localizadas à beira de rios e lagos, vivendo em terra firme ou em palafitas. Muitos desses ribeirinhos são pescadores de tempo parcial ou às vezes trabalham como pescadores embarcados, praticando na época da vazante a agricultura de várzea. O pescado de baixo valor comercial é consumido e as espécies mais

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valiosas, como tambaqui, tucunarés e pescadas Plagioscion sp., são vendidas ou trocadas por gêneros de primeira necessidade. O consumo de pescado deste segmento social é comparativamente alto: 194g de pescado fresco por dia (SMITH, 1979). Tendo como base o ano de 1980, Bayley e Petrere (1989) estimaram em 110.130 t a captura proveniente dessas pescarias, 73% do total estimado (151.505 t), demonstrando a importância das pescarias difusas para a região.

As pescarias comerciais estão centralizadas nas maiores cidades. Essas pescarias são mais orientadas para o mercado atacadista e compreendem os 27% restantes. O desembarque em Manaus, em 1980, foi estimado por Bayley e Petrere (1989) em 24.750 t. O total desembarcado em Belém ainda é ignorado, mas no caso da piramutaba o desembarque médio anual, de 1972 a 1984 ,foi 18.136 t.

Em 1978, 52% das capturas realizadas pela frota pesqueira de Manaus foram executadas na calha e na várzea do rio Amazonas, e 17% no rio Purús. A maioria das pescarias da Amazônia Central é realizada nos lagos de várzea. Até 1978, cerca de 61% da captura total/anual (22.432 t) ocorria em um raio de 500km de Manaus. Dentro desse raio, as pescarias são menos especializadas e os barcos de menor tonelagem. Na época, o jaraqui representou 35% da produção total e o tambaqui 24% das espécies capturadas. Além do raio de 500km, o tambaqui foi responsável por 57% das capturas e o jaraqui por 18%, invertendo a característica anterior, e denotando uma pescaria mais voltada para as espécies nobres. Dentro dos 500km, a captura média foi 3,2 t/viagem e fora deste raio, 9,3 t/viagem (PETRERE, 1978). Atualmente a frota pesqueira de Manaus percorre distâncias de até 3.500km, subindo o rio Juruá, bem acima do município de Cruzeiro do Sul, no Acre.

Além da classificação mais simples de Bayley e Petrere (1989), Barthem et al. (1992) acreditam que a classificação das pescarias amazônicas abrange um conjunto de fatores interligados, que se resume na dimensão do barco e no tipo de aparelho de pesca preferencialmente empregado. Em relação aos barcos de pesca, existem duas categorias bem distintas que atuam nas águas amazônicas, a pesca industrial e a artesanal.

De acordo com Barthem et al. (1992), pesca artesanal na Amazônia é toda aquela que não é classificada como industrial. Suas características são bastante diversificadas, tanto em relação aos hábitats onde atua quanto aos estoques que explora. Basicamente, pode-se classificá-la em comercial e difusa.

A pesca artesanal comercial é realizada por pescadores citadinos ou interiorinos, que possuem uma embarcação com caixa de gelo, apropriada para resfriar e conservar o pescado por várias semanas. As embarcações são utilizadas como base para a pesca propriamente dita ou como câmaras de resfriamento para estocar o pescado comprado dos pescadores que atuam em outras embarcações. As embarcações da pesca artesanal podem ser classificadas em três categorias:

a) barco pescador - essa categoria investe em aparelhos de pesca apropriados a uma

pesca mais específica, como arrastadeiras e arrastão; mantém um grupo de pescadores altamente treinados para operar estes aparelhos; e, explora um número reduzido de espécies. A produtividade do barco pescador ao longo do ano é baseada na eficiência da captura e na abundância do estoque explorado. Exemplos dessas embarcações são aquelas usadas na pesca do jaraqui no rio Negro, do mapará Hypophthalmus marginatus no rio Tocantins e de peixes estuarinos na foz amazônica, onde são utilizadas grandes redes a deriva de mais de 2km de comprimento;

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b) barco pescador/comprador - nesse caso, o investimento em aparelhos de pesca é

mais moderado, pois estes são utilizados principalmente quando a época de pesca é mais favorável. Nos períodos menos favoráveis, evita-se pescar e o retorno econômico é obtido da compra da produção de outros pescadores, que não têm como transportar seu produto até o mercado consumidor;

c) barco comprador - os proprietários desse tipo de embarcação não investem na

compra de artes de pesca e nem transportam pescadores, pois não assumem os riscos de uma pescaria. São comerciantes especializados que têm retorno econômico ao comprar grandes quantidades de pescado e vendê-las rapidamente nos grandes centros urbanos, dentro ou fora da Amazônia. O pescado pode ser comprado de outros pescadores, de barcos pescadores ou de frigoríficos. Esses barcos podem levar petrechos de pesca para os pescadores, que pagam com a venda do pescado. Conforme o tipo de investimento e a quantidade de aparelhos de pesca, a pesca artesanal comercial também pode ser classificada em :

a) artesanal comercial de larga escala - nessas pescarias são utilizados barcos que

possuem autonomia para percorrer longas distâncias e/ou para longos períodos de pescaria (1 a 3 meses). Em geral, possuem caixas de gelo com capacidade igual ou acima de 10 t e podem ser dos três tipos anteriormente descritos. Não têm restrição quanto ao tipo de petrecho utilizado. Em 1987, existiam 83 embarcações desse tipo operando no estado do Amazonas, mas, segundo Magnavita e Flores (1989) esse número deve ser visto com cautela, porque não considera os barcos que atuam clandestinamente no setor;

b) artesanal comercial de pequena escala - a autonomia desses barcos é apropriada

apenas para distâncias pequenas e médias, a capacidade de carga das caixas de gelo é inferior a 10 t e os barcos são do tipo pescador e em menor grau, pescador/comprador. Também não têm restrição quanto aos aparelhos utilizados. Em 1987, existiam 770 dessas embarcações no estado do Amazonas. Esses barcos são mais lucrativos, pois o custo de operação é 50% menor (MAGNAVITA; FLORES, 1989).

Os barcos da frota pesqueira da Amazônia são construídos de modo empírico, seguindo antiga tradição portuguesa, mas são bem feitos, aproveitando madeira da região e empregando mão-de-obra local. Por causa desse empirismo, a maioria deles tem problemas de dimensionamento tanto para a pesca quanto para o transporte de pescado (Prof. Dr. Flávio W. Lara, Centro Tecnológico, UFPA, comunicação pessoal). A excessiva potência do motor acarreta aumento desnecessário de consumo de combustível e o isolamento térmico das caixas de gelo é insatisfatório. As caixas são muito altas, o que provoca o esmagamento do pescado. Neste sentido, as caixas poderiam ser menores e com prateleiras, evitando que o peso se concentrasse totalmente sobre o fundo, prejudicando o pescado armazenado neste nível. A mesma observação pode ser feita em relação aos motores, que poderiam ser menores (mais baratos e mais econômicos).

Nas pescarias artesanais destaca-se o Estado de Rondônia com a atuação das Colônias de Pescadores de Porto Velho, Guajará Mirim e Costa Marques. Goulding (1979) estimou o desembarque pesqueiro no rio Madeira entre 200 a 350 t de grandes bagres e 600 a 1.500 t de peixes de escama (Characideos). Enquanto que os rios Mamoré e Guaporé somente

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contribuíram 31 t de pescado no mercado de Porto Velho. Em 1995, a produção pesqueira no Estado foi estimada em cerca de 2.000 t, onde as principais espécies são o tambaquí Colossoma macropomum (578 t), curimatã Pochilodus lineatus (346 t), matrinchã Brycon sp. (l98 t), tucunaré Cichla spp, (176 t), entre outras (BRASIL, 1997).

No Estado do Acre, a produção pesqueira em 1995 foi estimada em 3.800 t, com 23 espécies de pescado. As principais capturas são a branquinha (Curimatidae; 1.006 t), o mandi (Pimelodidae; 518 t), curimatã Prochilodus nigricans (422 t), entre outras (BRASIL, 1997). Em Cruzeiro do Sul (AC) no rio Juruá as pescarias são praticadas por aproximadamente 400 pescadores, com embarcações de médio a pequeno porte e produção em torno de 18 t/mês na safra. A dificuldade de acesso ao município dificulta o escoamento da produção de pescado. Por outro lado, o mercado local tem condições de absorver toda a produção. No período de safra, devido a falta de condições de conservação e processamento, ocorrem desperdícios e falta pescado no mercado durante a entressafra. A Colônia possui fábrica de gelo com capacidade de produção de 8 t/dia e caminhão para transporte de pescado e gelo (SUDAM ; OEA, 2000).

2.4.1 A pesca na Amazônia Boliviana

A Amazônia boliviana cobre mais da metade do país: 746.000 km2, (1.100.000 km2). Ela é drenada por quatro grandes rios de caudal semelhante: o Madre de Dios, o Beni, o Mamoré e o Guaporé (Itenez), que se unem para formar o rio Madeira. A Amazônia boliviana é uma região muito diversa, por duas razões principais: sua situação latitudinal de 10º a 19º S e a variedade do relevo e dos solos. Se pode distinguir uma zona de selva periférica mais ou menos densa e uma planície central de pastos e arbustos com matas de galeria. Esta zona central também tem clima quente caracterizada por uma estação seca de maio a setembro e uma chuvosa de outubro a abril, com pluviosidade anual média compreendida entre 1600 – 1800mm. A característica mais importante é sua área inundada pelo rio Mamoré de 100.000 km2 durante 5 a 6 meses por ano, pequena população (1.5 habitante/km2) e praticamente inexplorada pela pesca, que até agora não foi estudada como no restante da região (LAUZANNE ; LOUBENS, 1988).

Lauzanne et al. (1990) relatam que as maiores pescarias ocorrem na região de Trinidad, Riberalta e Guayaramerin, com um mercado muito seletivo, baseado em poucas espécies, onde se destacam o tambaqui (na Bolívia denominado pacu), o curimatá (sábalo), a pirapitinga, o surubi e a chuncuína, representando 97% do total. A produção de Puerto Grether e Puerto Villarroel é comercializada para Santa Cruz e Cochabamba. O pescado proveniente de Riberalta, Cachuela Esperanza e Gayaramerin é enviada para o Brasil. No caso de Trinidad a produção é comercializada localmente ou exportada para Santa Cruz, principalmente o pacu, tambaqui surubi e chuncuína. Os espécimes são de grande porte. Lauzanne et al. (1990) estimam em 4.040 t/ano a produção da bacia para um potencial pesqueiro de 250.000 t/ano, evidenciando que os estoques estão subexplotadaos, principalmente devido a baixa densidade demográfica, falta de demanda e tradição pesqueira devido dedicação à pecuária, além da comunicação precária por estradas e dificuldades de armazenamento do pescado. Os aparelhos de captura usados na região de Trinidad são corriqueiros como anzóis, redes de espera e tarrafa.

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Barthem et al. (1992) definiram cinco categorias de pescadores na Amazônia: citadino, interiorino, indígena, esportivo e ornamental. Desses, somente os três primeiros têm importância para a pesca que abastece a população local.

a) O pescador citadino é aquele que vive na cidade e já perdeu sua ligação com a terra

ou com qualquer outra forma de obtenção de renda ou de recursos da mesma. Nesse grupo são incluídos os pescadores que trabalham nas frotas pesqueiras de Manaus e Belém e que abastecem outros centros urbanos da região. Correspondem, assim, ao conjunto de pescadores mais especializados, que vivem embarcados quase o ano todo;

b) O pescador interiorino vive na zona rural e ainda tem alguma relação com a terra. A

pesca é responsável por parte de sua renda, podendo ser a principal fonte de renda ou complementar à renda de outras atividades relacionadas ao trabalho no campo, como a roça, extração de madeira ou criação de gado. O pescador interiorino pesca basicamente para a subsistência e pode vender o excedente ;

c) O pescador indígena é muito semelhante ao interiorino, tem fortes laços com a terra

e pesca basicamente para a subsistência. Difere do anterior pela forma de distribuição dos bens obtidos pela pesca, que é estabelecida pela cultura de cada tribo ;

d) O pescador esportivo vive na cidade, investe na compra de material de pesca sem

nenhum interesse econômico, e sua presença nas áreas de pesca depende da infra-estrutura turística da região ;

e) O pescador ornamental está mais relacionado com o mercado de exportação. O

investimento relacionado com essa pescaria, altamente especializada, é decorrente do preço do mercado externo e é alheio à região.

Na Bolívia a maioria dos pescadores é de subsistência, que vendem o excedente. Alguns são citadinos, vivendo em povoados à beira dos rios, outros são mais profissionalizados, como aqueles de Trinidad, que pescam no rio Mamoré.

2.6 O sistema de comercialização

No Brasil, Magnavita e Flores (1989) fizeram minucioso levantamento dos processos de comercialização para os estados do Amazonas e Pará, que são bastante semelhantes e podem ser estendidos para o restante da bacia, com ligeiras modificações locais.

A lenta comercialização é um fator limitante para o melhor aproveitamento do pescado, principalmente em Manaus, onde, na época da safra, um barco pode demorar até 12 dias para vender sua carga, pois a cidade não possui um moderno entreposto pesqueiro para estocar o pescado. O governo do Estado do Amazonas em Manaus tem capacidade para estocar 2.000 t de pescado para manter o preço durante a entressafra, mas essa capacidade é insuficiente. Os despachantes (intermediários) mais antigos estimam uma perda de 30% do pescado na época da safra, pois o pescado já vem mal congelado da pescaria e, com a lenta comercialização, parte se deteriora. Nas pequenas cidades, grande parte da produção pesqueira é comercializada fresca. Os centros urbanos maiores possuem um pequeno depósito frigorífico no mercado local, em geral subdimensionado, para armazenar o pescado.

O preço do pescado é ditado pelo mercado e em menor grau pelo despachante, que faz com que o dono da embarcação receba seu dinheiro à vista, cobrando dele uma taxa de 10% por

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seus serviços. Quando o despachante compra a alimentação e o diesel para as viagens, esta taxa sobe para 15% da receita bruta da embarcação. Em dezembro de 1989, no final da época de safra, Magnavita e Flores (1989) observaram que o preço médio das espécies de primeira categoria (tucunaré, pescada, acará-açu Astronotus ocellatus) pago para o dono do barco era de US$ 0,90/kg, chegando ao consumidor por US$ 2,00/kg, uma flutuação de preço que pode variar de 100% a 300% do preço pago ao armador.

Os canais de comercialização do pescado variam de acordo com o mercado a ser abastecido, isto é, comercialização local, interestadual e internacional, e segundo o tipo de pescado desembarcado, isto é, fresco-inteiro, salgado, eviscerado e eviscerado-resfriado. Em termos de intermediação, a comercialização local, onde a produção é comprada dos pescadores pelos retalhistas, que a repassam na forma fresca-inteira aos consumidores, envolve 1 a 2 níveis de transação comercial, enquanto a interestadual envolve 3 a 4 níveis.

Em geral, observa-se um aumento de até 500% entre o preço pago ao pescador e o preço final, principalmente no caso do jaraqui em Manaus, que na safra é vendido em lotes de 100 unidades e no varejo, por unidade ou lotes de 3 a 5 unidades.

No caso da Amazônia Boliviana, devido a sua baixa densidade demográfica e o baixo volume de captura, entre outros fatores, não foi observado sistema de aviamento no processo de comercialização. Os pescadores mostraram-se bastante independentes dos intermediários, embora eventualmente possam receber deles alguma ajuda. Também não foram detectados conflitos entre os pescadores e entre os tipos depescarias, artesanais e esportivas.

2.7 Importância sócioeconômica e cultural da pesca

O potencial pesqueiro da bacia amazônica situa-se em torno de 425 mil a 1,5 milhões de toneladas/ano (PETRERE, 1992) e no estuário em torno de 385 a 475 mil toneladas/ano (DIAS NETO ;MESQUITA, 1988). Até o século passado, a pesca era realizada com petrechos desenvolvidos pelos ameríndios, utilizando canoas de madeira (VERÍSSIMO, 1985). No decorrer do século 20, novos petrechos de pesca foram sendo incorporados à atividade, como a malhadeira, a arrastadeira (arrastão de praia) e a redinha (rede de cerco); e os barcos pesqueiros foram equipados com caixas e urnas de gelo (RIBEIRO ; PETRERE, 1990). As velhas práticas de salgar e defumar o pescado se tornaram secundárias nos mercados, que passaram a manter um abastecimento regular de pescado conservado em gelo (MESCHKAT, 1958). Estes fatos propiciaram o desenvolvimento de uma classe de pescadores semi-artesanais, que recentemente se profissionalizou ao regularizar o abastecimento dos mercados de peixe das principais cidades da região, principalmente das capitais (BARTHEM et al., 1992).

A introdução de novas tecnologias relacionadas à pesca e à conservação do pescado, a profissionalização do pescador e o aumento da demanda de pescado pelos centros urbanos em crescimento foram fatores que induziram o aumento do esforço de pesca sobre os estoques pesqueiros já explorados e os ainda subexplorados da bacia amazônica. O governo federal iniciou no final da década de 60 uma política oficial voltada para estimular a pesca como atividade econômica expressiva na Amazônia. A intervenção federal acelerou o desenvolvimento da pesca na região que, por meio de subsídios do estado, aumentou sua frota e adotou novas técnicas pesqueiras. A partir de 1968, empresas frigoríficas começaram a se instalar na Amazônia com o objetivo de comprar, beneficiar e estocar pescado para o comércio nacional e internacional (PENNER, 1980).

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Com a exportação de pescado, a pesca passou a ser uma atividade bastante lucrativa, ocupando, em 1980, o nono item na lista de produtos de exportação do estado do Pará, cerca de US$ 13 milhões (BANCO DO BRASIL..CACEX , 1980). Estima-se que a piramutaba respondia por 90% dessas exportações, que, em 1986 e 1987, foram inferiores apenas às exportações de atum inteiro ou descabeçado e do pargo em postas. Se considerarmos que a captura de pescado na Amazônia situa-se ao redor de 200 mil t/ano e o preço do pescado em torno de US$ 2,00/kg, a pesca artesanal movimenta anualmente cerca de US$ 400 milhões.

A população que habita as margens dos grandes rios amazônicos, principalmente do Solimões-Amazonas, consome mais pescado que a média geral de outras regiões do Brasil ou do mundo. Em Manaus, o consumo de pescado é aproximadamente sete vezes maior que o consumo dos países do primeiro mundo (SHRIMPTON ; GIULIANO,1979). Como já mencionado, o rápido desenvolvimento da pesca ao longo do rio Amazonas gerou uma série de conflitos entre diferentes classes de pescadores (PENNER; MELLO; LOUREIRO; HARTMANN;1980,1985,1985, 1989).

Atualmente, os principais problemas relacionados com o manejo da pesca na Amazônia podem ser resumidos nos seguintes ítens:

a) produção pesqueira ignorada - O sistema de coleta de desembarque comercial para a

Amazônia central foi descontinuado no início da década de 80, e só agora com o trabalho da Fundação Universidade de Manaus, do Projeto IARA em Santarém e do Museu Goeldi, em Belém e Tefé, novos dados de captura e esforço, estarão disponíveis na literatura, permitindo comparações com o passado, para buscar tendências em relação à abundância dos estoques na região. A Produção pesqueira da Amazônia boliviana é apenas estimada, sem um serviço contínuo de coleta de dados de desembarque;

b) população e tipo de economia sustentadas pela pesca bastante heterogêneas

(densidade populacional e desenvolvimento econômico);

c) pesca distribuída em uma área muito ampla e com diferenças fundamentais em

relação ao tipo de ambiente e à produtividade pesqueira ;

d) grande diversidade de tipos de pescadores e aparelhos de pesca, que exploram outra

grande diversidade de espécies de peixes (pesca de multiaparelhos e multiespecífica).

A perspectiva para o futuro próximo é a de um contínuo crescimento da demanda de pescado pela população local e para exportação. A população continua crescendo, há grande migração humana para a região e o número de câmaras frigoríficas está aumentando, estimulado pelo preço atual do pescado e pela disponibilidade de energia elétrica a custo mais baixo, após a inauguração da hidrelétrica de Tucuruí. Com isso, a pressão sobre os estoques já explorados, como peixes de couro, tambaqui e pirarucu, e dos mais explorados, como a piramutaba, deve se manter. A exportação da piramutaba, por exemplo, caiu de US$ 13 milhões (1980) para um pouco mais de US$ 3 milhões (1986), o que representou uma queda na produção da pesca industrial de 22.486 t (1977) para 10.684 t (1990). Por outro lado, um aumento do esforço de pesca sobre várias espécies de potencial ainda desconhecido, principalmente do estuário amazônico, como a dourada e a piramutaba (BARTHEM et al., 1992), também é esperado.

O declínio do estoque explorado é o "pecado capital" da administração pesqueira, pois reflete a falência da política adotada (PAULY, 1983). Nas condições atuais da pesca na Amazônia, em que não existem registros estatísticos sobre esta atividade para toda a bacia, teme-se que o futuro de uma das principais fontes protéicas e de garantia de emprego para a sociedade regional

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esteja ameaçado. O declínio de alguns estoques, como da piramutaba, do tambaqui e do pirarucu, reflete esta preocupação, pois pode ser atribuído à chamada tragédia dos comuns, ou seja, o fracasso da administração de um bem de acesso aberto à toda a sociedade (HARDIN; CHAPMAN; 1968, 1989). Porém, para se estabelecer uma estratégia de manejo para a pesca na região amazônica, que é complexa, necessita-se a priori de uma definição do objetivo a ser alcançado e das categorias de pescadores, pescarias e estoques pesqueiros que deverão ser incluídos no programa de manejo (BARTHEM et al., 1992).

2.8 Estratégias tradicionais de manejo

Até recentemente, as pescarias artesanais eram manejadas apenas através de portarias governamentais sem ouvir os interesses das comunidades tradicionais de pescadores. O centro das atenções era o próprio estoque, manejado através de proibições de uso de aparelhos, restrições ao tamanho da malha, época de desova, etc. Atualmente essa situação mudou para um aspecto mais sociológico denominado manejo comunitário.

Visando apenas o estoque, no início da década de 80 foram discutidas quatro medidas de manejo pesqueiro para a Amazônia:

a) Proibição permanente da pesca comercial: é uma opção claramente injusta e irreal,

já que negaria o acesso da população a uma fonte de proteína barata. No entanto, poderia ser possível o fechamento temporário de áreas selecionadas, tais como um sistema fluvial ou uma planície alagada ou uma represa. Um fechamento mínimo de três anos permitiria a maior parte das espécies se reproduzirem e reconstituírem seus estoques. Essa opção contribuiria para a conservação dos estoques das espécies não migradoras. Também poderia servir como ponto de referência para o sucesso ou o fracasso de estratégias de manejo aplicadas em outras partes da bacia ;

b) Manutenção da diversidade de captura atual: manejar a pesca para preservar a

diversidade atual das espécies é, talvez, o mais difícil de ser realizado, devido a deterioração geral das comunidades de peixes sob pressões demográficas e econômicas. Com o passar do tempo, há o predomínio de espécies cada vez menores e de baixo valor comercial. Na bacia amazônica ainda existem áreas inexploradas, nas quais os pescadores podem capturar espécies tradicionais de maior porte, mesmo que essas viagens sejam progressivamente mais longas. Isso é, de certa forma, uma tentativa de adaptar essa estratégia, mas não é sustentável, já que a diminuição dos estoques terminará por esgotar a capacidade da comunidade como um todo ;

c) Tentativa de regulamentar uma produção sempre máxima: a procura de uma

rodução máxima é difícil, à medida que há freqüentes conflitos entre o rendimento máximo sustentável por peso e o rendimento máximo econômico. A tendência das pescarias de muitas espécies de manter um nível constante de rendimento por peso, mediante uma lenta degradação no tamanho e valor do pescado, complica ainda mais o problema. No entanto, em algumas áreas, principalmente próximas das grandes cidades, onde os estoques das espécies maiores e preferenciais já estão esgotados, as pescarias ainda são suficientemente diversas e espécies de

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menor valor comercial podem ser capturados com pequeno investimento e, portanto, render lucro suficiente aos pescadores ;

d) Não fazer nada: é freqüentemente aquela adotada, ou intencionalmente ou por

falha administrativa. Deve ser evitada porque leva inevitavelmente à progressiva redução do recurso, conhecido como “Tragédia dos Comuns”. Uma vez que o estoque pesqueiro é um recurso aberto (de livre acesso), os pescadores que chegam primeiro tendem a explorá-lo sem deixar nada para os que vêm depois, na tentativa de obter o maior lucro possível. Também não haveria limite ao acesso, de modo que a pesca tenderia a absorver o excesso de mão de obra, levando a exagerada pressão sobre o estoque.

A melhor estratégia de manejo talvez seja uma mistura das opções acima, combinadas de diferentes maneiras, segundo as circunstâncias locais. O manejo de espécies migradoras necessita de um cuidado especial, dada a extrema complexidade de seus deslocamentos. As considerações a seguir são baseadas nas propostas de especialistas reconhecidos na área:

a) Acesso limitado: O acesso irrestrito é a causa principal de muitos problemas de manejo de pesca e o maior obstáculo à sua solução. Portanto, as autoridades competentes devem procurar medidas para limitar tal acesso. Este processo geralmente introduz um dilema moral, já que uma injustiça é sempre inerente à reserva de um recurso anteriormente comum a um grupo limitado de usuários. No entanto, experiências mundiais já demonstraram que o acesso aberto a recursos naturais inevitavelmente leva à sua degradação e perda para a sociedade. A maioria dos sistemas tradicionais de manejo se relacionam com a determinação do direito de acesso à pesca e, onde esses já estão em vigor, devem ser reforçados com a legislação. Fora das comunidades tradicionais, os sistemas para limitar o acesso na Amazônia devem se basear no comportamento da pesca. O número de pescadores por estação tende a flutuar espontaneamente, de acordo com o lucro da estação passada. Reforçar e racionalizar esta tendência, por meio da restrição do número de barcos, utilizando um sistema de licenças, pode ser uma solução parcial, apesar de poder criar problemas durante períodos de menor abundância, quando os barcos tendem a penetrar em sistemas frágeis, como o rio Negro, para preencher seus porões. Além disto, com densidades de apenas 0,04 pescadores/km2 o número de pescadores é um problema menor do que seu poder de pesca individual;

b) Restrição às artes de pesca: existem tentativas freqüentes de restringir o uso de

certas artes de pesca na Amazônia. Em Manaus, as autoridades tentam impedir o uso de arrastadeiras, que podem ter 600m de comprimento e 13m de profundidade, na pesca do jaraqui. No entanto, 85% do jaraqui do rio Negro é capturado com este petrecho, e uma simples proibição pode redundar em um decréscimo da oferta de proteína para a porção mais pobre da população de Manaus, que depende dessa espécie durante as cheias, quando ela contribui com 40% da captura;

c) Controle do tamanho da malha: costuma-se pensar que aumentar o tamanho da

malha é uma maneira simples de proteger o estoque pesqueiro e regulamentações a esse respeito são comumente aplicadas sem critério em rios latino-americanos. A

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situação é mais complicada como pode ser demonstrado pelos arrastos de praia e redes de cerco usadas na Amazônia central. Estas possuem malhas pequenas (que não emalham peixes pequenos, possibilitando a soltura dos exemplares ainda vivos após a despesca) e não são consideradas seletivas para as espécies migradoras, que constituem a base do desembarque pesqueiro de toda a bacia. Os jaraquis menores são geralmente liberados pelos pescadores durante a despesca, para que prossigam sua migração rio acima. Se a malha fosse aumentada, esses jaraquis, ficariam emalhados e sua mortalidade aumentaria. A regulamentação brasileira atual (IBAMA. Portaria Nº 47) proíbe a captura de jaraquis menores que 15cm ;

d) Proibições sazonais: às vezes torna-se necessário proibir a pesca por um certo

período durante a seca, para proteger os cardumes de espécies migradoras que ficam muito concentrados e bastante vulneráveis. Atualmente existem nos dois países Portarias de defeso (veda) para as espécies na época da reprodução ;

e) Reservas: áreas de particular importância ecológica ou biológica devem ser

reservadas apenas para a pesca da população local. Normalmente, em tais ambientes, verificam-se conflitos entre os pescadores comerciais mais eficientes e a pesca de subsistência local.

Além das estratégias de manejo apresentadas anteriormente, foram estabelecidas algumas diretrizes adicionais para o manejo pesqueiro na região. As sugestões aqui apresentadas estão direcionadas de acordo com a revisão da legislação da pesca amazônica.

Considerando a interação entre as diferentes categorias de pescarias, pescador e espécie de peixe, as combinações das restrições para o manejo da pesca sobre os diferentes estoques podem ser agrupadas em três categorias:

a) Manejo para espécies migradoras: o caso mais evidente da pesca sobre espécies

que realizam extensas migrações é o da piramutaba. A principal frota que a captura é a da pesca industrial, que também é a principal responsável pelo risco de sobrepesca (pescar mais que o ideal) que ameaça o estoque no momento. Como esta frota está centralizada no estuário e é administrada por um número reduzido de empresas, a sua pesca apresenta características propícias para um manejo clássico de controle de esforço de pesca e limitação do tamanho de malha. A captura da piramutaba pela pesca artesanal é de menor relevância e, ainda assim, é realizada por aparelhos que dificilmente irão sobrepescar o estoque. Como já foi mencionado, a dourada é outra espécie que parece realizar extensas migrações e é capturada por grande diversidade de categorias de pescadores e de pescarias. A elaboração de uma estratégia de manejo para esse estoque deverá abordar uma complexa combinação de restrições. Porém, não há indícios, até o momento, que este estoque esteja sobrepescado, embora o esforço pesqueiro em cardumes rio acima esteja aumentando muito devido aos frigoríficos que estão comprando esse pescado preferencialmente, o que justifica a adoção de alguma forma de manejo para a espécie (RUFFINO ; BARTHEM, 1996), enquanto mais informações sobre a sua biologia e captura vão sendo obtidas ;

b) Manejo para espécies sedentárias: os lagos e as áreas sazonalmente alagadas

abrigam uma comunidade de peixes que pode ser considerada sedentária (migram pouco ou não migram) e cujas espécies são representadas pelo tucunaré, pescada,

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acarás, acaris e cascudos, tamoatá, aruanã, pirarucu etc. Os problemas da pesca desses estoques estão relacionados à diminuição da captura nas áreas densamente povoadas, o que gera conflitos entre pescadores comerciais e artesanais; entre pescadores moradores nos lagos e seus vizinhos; e, até mesmo, entre diferentes grupos de uma mesma comunidade ou vila. Nessa condição, a estratégia de manejo abordaria a área delimitada pelo conflito entre pescadores, e as espécies que seriam beneficiadas por este manejo seriam aquelas de comportamento mais sedentário. O manejo de lagos ou de áreas alagadas deve ser feito com o apoio de todos os segmentos da sociedade envolvidos na questão, que seriam as vilas e cidades, Prefeituras, Colônias de Pescadores etc. Tendo em vista que os lagos de várzea, que margeiam o eixo Solimões-Amazonas, apresentam variações quanto à sua exploração e ao conflito entre os pescadores que os exploram, sugere-se que se tenha como base para adoção de qualquer restrição da pesca nesta áreas um levantamento que estabeleça: (1) o zoneamento de conflitos entre pescadores e suas graduações; (2) o mapeamento dos lagos onde já foram estabelecidas as reservas por parte das comunidades, de modo espontâneo ou já oficializado pelo IBAMA; e, (3) o mapeamento das áreas mais produtivas, onde há uma exploração constante pela pesca comercial. Com base nisso, os métodos de manejo devem abordar medidas do tipo: programa de educação ambiental para os pescadores que têm acesso à área manejada; proteção dos lagos em diferentes períodos ou rodízio de lagos (pulse fishing); e reserva de lagos para pescadores de subsistência (reserva extrativista) ;

c) Manejo para espécies migradoras que utilizam a várzea durante parte de seu cicio

anual ou vital: as espécies que vivem sazonalmente em áreas alagadas e utilizam o canal como via migratória são capturadas em ambos os ambientes por diferentes tipos de pescadores e de categorias de pescarias. Essas espécies são representadas pelo tambaqui, curimatã, pacu, aracu, etc.

O canal é uma via natural de navegação, de forma que é impossível evitar o trânsito dos barcos pesqueiros no período em que as espécies estão migrando. Além disso, a introdução de qualquer tipo de policiamento ao longo desse canal é cara e ineficiente, o que torna bastante difícil a adoção de qualquer forma de restrição à pesca nesse ambiente, como ocorre no rio Mississipi-Missouri. No entanto, durante sua fase jovem ou quando estão nas várzeas, os peixes podem ser protegidos nos lagos ao se adotar as medidas restritivas já mencionadas. Isto permitiria evitar a captura de jovens, que fazem desse ambiente sua área de criação e evitaria a sobrepesca por crescimento, que pode ser um importante fator no declínio do estoque de algumas espécies de valor comercial, como parece ser o caso do tambaqui. Além disso, a reserva de lagos contribuiria para a diminuição do esforço de pesca sobre os estoques em geral. Como essas espécies migram todo o ano, a manutenção dessas reservas criaria um refúgio ou uma área de crescimento temporário para os cardumes migradores, que, ao se dispersarem na próxima estação, repovoariam as áreas alagadas ou lagos que são explorados normalmente pela pesca comercial.

Além da preservação dos lagos, deve-se definir também as rotas migratórias a fim de proteger os cardumes migradores durante a sua saída dos lagos. Neste momento, os cardumes encontram-se mais vulneráveis às redes, por estarem em um estreito canal. Caso seja permitida a pesca nessas situações, toda proteção realizada dentro do lago pode ficar comprometida.

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É urgente e necessário fortalecer e ampliar os sistemas de coleta de desembarque em andamento, como por exemplo os estudos sob a responsabilidade da FUA em Manaus, do Projeto Mamirauá em Tefé e do Museu Paraense Emílio Goeldi em Belém, através do CEPNORTE/IBAMA, via convênios ou projetos conjuntos. Nos Estados do Acre e Rondônia as estatísticas de desembarque são inexistentes. Na Amazônia boliviana as séries são descontínuas.

Estudos para melhorar o armazenamento de pescado são necessários para reduzir o desperdício, concomitantes com a construção de modernos entrepostos para desembarque e estocagem do produto, que forçosamente irão contribuir para a diminuição da influência dos intermediários – que ditam o preço do dia do pescado – acarretando seu barateamento. Com o aumento da capacidade de armazenamento, os preços na entressafra e na época de maior procura na Semana Santa, não iriam flutuar tanto, pois haveria estoques reguladores. Porém, os dois governos devem apenas construir e alugar as instalações dos entrepostos para particulares, a fim de evitar a corrupção do sistema.

Alem disso é necessário incentivar mini empresas para fabricação de fishburgers de espécies de menor valor comercial. Castelo (1992) fez uma série de experimentos com pescado barato, com espinhas na carne e concluiu que a fabricação de fishburger na região amazônica é viável. A formulação pesquisada teve boa aceitação quanto ao paladar, fica estável quando congelada em freezer até 3 meses, sem alterar suas características sensoriais. A aceitação por 93% das crianças de 4 a 6 anos de idade, permite sua inclusão no cardápio da merenda escolar.

O crédito para compra de barcos e petrechos de pesca mais sofisticados – ao qual o pequeno pescador dificilmente tem acesso – deve ser facilitado pelos bancos oficiais da região, através das Colônias de Pescadores, para transformá-lo em proprietário de seu meio de produção, com conseqüente aumento de sua produtividade.

Finalmente, é necessário se estabelecer uma política de pesca para a Amazônia em nível institucional (internacional, federal, estadual e municipal), com o fortalecimento do IBAMA no Brasil e do CIDAB na Bolívia, que vêm realizando notável trabalho na região, ao consultar a comunidade científica – que está estudando os estoques pesqueiros – os pescadores e os empresários, reformulando a legislação.

Visando uma abordagem mais moderna e realista, vamos discutir alguns aspectos do manejo comunitário, que é muito desenvolvido em países industriais, principalmente no Japão, onde os sistemas comunitários de conservação e ordenação da pesca estão institucionalizados e têm vigência. Nesses sistemas os pescadores, ou as cooperativas que os agregam, desempenham uma função de primeira ordem no processo de adoção de decisões. Em geral essa prática garante a sustentabilidade e a eficiência econômica da pesca (FAO, 1995).

2.9 Considerações sobre o sistema de manejo comunitário de recursos pesqueiros

O manejo comunitário está inserido no sistema de gestão participativa, que é entendido como o contínuo entre dois extremos, o manejo governamental e o comunitário, existindo diferentes níveis escalonados administrativamente. No Estado, dividem-se os níveis federal e estadual (provincial ou departamental). Na sociedade civil, a ação é desenvolvida por organizações não-governamentais, compreendidas as colônias de pescadores profissionais, as associações e cooperativas, entre outras.

O mecanismo de gestão participativa articula a interface Estado/Sociedade Civil Organizada. A função da sociedade é exercida, primeiramente, em nível local, através de

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mecanismos particulares de tomada de decisão em conjunto, caracterizando o manejo comunitário.

A finalidade principal do manejo de estoques pesqueiros é viabilizar a atividade de pesca em níveis sustentáveis e permitir a sobrevivência dos núcleos familiares e das comunidades, evitando a ocorrência de fatores que possam conduzir à “Tragédia dos Comuns”, entendida como a falência dos inputs provenientes do recurso natural comum pela incapacidade comunitária de manejar a explotação, o que, em último caso, levaria a depleção dos estoques (HARDIN, 1968). Neste mesmo contexto Muth (1996) menciona que os principais objetivos do manejo comunitário são: i) subsistência dos núcleos familiares e da comunidade, ii) o comércio. Há uma particularidade visível: a sazonalidade da atividade comercial e a necessidade contínua de alimentação para a subsistência.

O manejo comunitário deve contemplar esta sazonalidade, direcionando as vias de escoamento da produção nos períodos desfavoráveis, facilitando o controle, a coleta de dados de desembarque e racionalizando a explotação dos estoques. Berkes (1985) menciona que o controle comunitário sobre o esforço de pesca parece difícil de ser alcançado nas pescarias comerciais em geral. Se um estoque não é sobre-explotado, isto se deve, provavelmente, à insuficiente demanda de mercado ao invés do controle comunitário (BÉNÉ, 1996).

Através das relações externas da comunidade, influenciadas pela demanda de mercado, pode-se perceber conseqüências na estratégia de pesca, entendida como a probabilidade de escolha entre uma dada combinação de equipamentos, espécies alvo e localização geográfica. Também pode ser considerado estratégia de pesca, o conjunto de critérios de tomada de decisões que ligam um dado comportamento de pesca com os objetivos e adversidades que têm influenciado tal comportamento. Sob este ponto de vista, a estratégia de pesca é vista como um processo interno de tomada de decisões, usado pelo pescador, com respeito às suas limitações e objetivos e o comportamento do pescador como reflexão observável desta estratégia (BÉNÉ, 1996).

As adversidades e limitações inseridas neste último conceito são impostas pelo sistema de incentivos econômicos na forma de ganhos (sistema de remuneração), percebidos pelos pescadores, que são incentivados pela demanda de mercado, a procurarem sempre os maiores exemplares da espécie alvo, independentemente da localização mais provável dos cardumes. Tal comportamento explica a inexistência de relação entre as variações sazonais da biomassa do estoque e a dinâmica da frota pesqueira (BÉNÉ, 1996).

De acordo com Berkes (1985), a atividade pesqueira de subsistência proporciona um forte princípio de auto-limitação: enquanto na pesca marinha há grande mobilidade da frota à procura de estoques pesqueiros que ainda não tenham sofrido depleção, na pesca continental de pequena escala esta mobilidade não é possível; o pescador pode, voluntariamente, limitar sua captura em peso. A crença de que as sociedades pré-industriais são incapazes de sobre-explotar um recurso por causa de limitações tecnológicas, não pode ser descartada e que, de forma geral, os mecanismos de autogestão (regulamentação), presentes nos sistemas de manejo comunitário de estoques, são vulneráveis a estresses e, incluem: i) a perda do controle comunitário; ii) sobre-explotação; iii) rápido crescimento da comunidade; e iv) mudanças tecnológicas.

Observa-se que, em muitos países industrializados, o controle sobre o esforço pesqueiro tem sido exercido pelos governos centrais de forma genérica para uma grande amplitude de espécies, se não para a sua totalidade. Tal política é fundamentada principalmente no conceito da propriedade comum (ACHESON ; WILSON, 1996). No Brasil os mesmos

Referências

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