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Processo 2603/17.5T8STB.E1.S2 Data do documento 14 de janeiro de 2021 Relator Tomé Gomes

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Medidas de garantia patrimonial > Pacto comissório > Contrato fiduciário > Bem

imóvel > Alienação > Terceiro > Contrato-promessa de compra e venda > Contrato de comodato

SUMÁRIO

I - Apesar da proibição do pacto comissório constate do art. 694.º do CC se encontrar, em sede sistemática, inserida no regime legal da hipoteca, tem-se considerado que ela é extensível, com as devidas adaptações, às demais garantias reais tipificadas na lei ou mesmo a garantias atípicas em que se convencione a transferência da propriedade de uma coisa para o credor em virtude do incumprimento da obrigação pelo devedor.

II - Porém, é bastante discutível se e em que medida é que a referida proibição pode ser considerada como afloramento de um princípio geral tão lato que alcance pactos comissórios estipulados fora do domínio dos contratos de garantia das obrigações.

III - No domínio de vigência do CC de 1867, era prevalecente, na doutrina nacional então assumida pela jurisprudência, a tese da inadmissibilidade absoluta dos negócios fiduciários, por se considerar que, no respeitante ao contrato de compra e venda com o fim de garantia, a causa do típico contrato de compra e venda não correspondia à causa inerente à garantia do crédito, o que tornava estruturalmente incompatível esse contrato translativo com o pacto fiduciário, negando-se assim a sua validade.

IV - Todavia, no domínio de vigência do CC de 1966, começou a prevalecer, quer na doutrina quer na jurisprudência, a tese da validade dos negócios fiduciários, mormente, em virtude do princípio da autonomia da vontade negocial decorrente do disposto nos arts. 405.º e 1306.º do referido código, e da diferenciação entre a causa-função concreta do contrato e a causa-função típica da espécie contratual em referência e até em face do acolhimento dos contratos de alienação fiduciária em garantia, na nossa ordem jurídica, através do DL n.º 105/2004, de 08-05, que transpôs a Diretiva n.º 2002/47/CE, do Parlamento Europeu e Conselho relativa aos acordos de garantia financeira.

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V - Nessa linha, como se assume no acórdão do STJ, de 26-04-2018, proferido no processo n.º 2037/13. 0TBPVZ.P1.S1, tem vindo a ser considerado acertado o entendimento de que “a celebração de negócios jurídicos fiduciários enquanto negócio atípico é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no art. 280.º do Código Civil, em particular, na vertente de fraude à lei.”

VI - No caso, como o dos autos, em que, no âmbito de um contrato fiduciário atípico de alienação em garantia, o credor fiduciário vende a terceiro o bem em causa, quando o devedor fiduciante não satisfez a quantia em dívida, recorrendo antes a novo empréstimo junto de outrem e que deu causa à nova transmissão do bem com a vinculação do subadquirente de assegurar, mediante celebração de um contrato-promessa de compra e venda, a aquisição desse bem por aquele devedor fiduciante, não se verifica nem a nulidade do pacto comissório prevista no art. 694.º do CC, nem sequer a violação das obrigações contratuais por parte do primitivo credor fiduciário.

VII - Num caso em que, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel com a estipulação de que a traditio e a consequente transferência da posse só ocorreriam com o contrato definitivo, mas em que o comprador permaneceu no prédio com o acordo do promitente-vendedor, este acordo poderá valer, conforme as circunstâncias, como acordo adicional de comodato, constituindo título suficiente para que o promitente-comodatário permaneça no prédio, ao abrigo da ressalva constante do n.º 2 do art. 1311.º do CC, até que seja posto termo ao contrato-promessa.

TEXTO INTEGRAL

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. BB (A.) instaurou, em 06/04/2017, ação declarativa de reivindicação contra AA (R.) a pedir que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua …., n.º …, na freguesia de …., em ...., e condenado o R. a restituí-lo, alegando para tanto, no essencial, o seguinte:

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. O A. é dono do indicado prédio, tendo-o adquirido por compra à sociedade P.... –…, Ld.ª, compra esta registada a favor do A. segundo a apresentação n.º …, de 2016/07/21;

. Por sua vez, a referida sociedade havia comprado esse prédio a CC, filho do R.;

. Porém, o R. ocupa aquele prédio sem qualquer título que o legitime, recusando-se a entregá-lo ao A., apesar de ter sido interpelado para tanto.

2. O R. apresentou contestação em que invocou a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a sociedade P.... – ..., Ld.ª, e CC, filho do R., sustentando que:

. O referido contrato visava apenas garantir o reembolso de um empréstimo de € 15.000,00 que, em outubro de 2009, aquela sociedade havia concedido ao R., por intercessão do seu antigo patrão, pai dos sócios da mesma sociedade;

. Após o falecimento desse antigo patrão, os filhos dele exigiram que o R. lhes restituísse o montante de € 7.500,00 ainda em dívida;

. Em situação de desespero, o R. recorreu aos serviços de DD, através de contato a que teve acesso por anúncio publicado no …. , para que este lhe emprestasse o dinheiro em falta;

. DD acedeu de imediato ao pedido do R., entregando um cheque à P...., Ld.ª, no referido montante de € 7.500,00, saldando assim a dívida para com esta sociedade;

. No entanto, aquando deste empréstimo, a conselho de DD e dos sócios da P...., Ld.ª, o R. assinou o contrato-promessa de compra e venda do mencionado prédio, constante de fls. 38-40, em que A. e R. figuram, respetivamente, como promitente-vendedor e promitente-comprador;

. O referido contrato de compra e venda realizado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, dado servir unicamente para garantir o empréstimo de € 15.000,00 concedido ao R. deve ser declarado nulo nos termos do artigo 694.º do CC e, por via disso, impeditivo da aquisição pelo A. do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado.

Invocou ainda o R. o abuso de direito por parte do A. por se ter aproveitado da situação precária e de grande necessidade do A..

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. A invocada nulidade do contrato celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, não lhe é oponível, por ser terceiro de boa-fé, alheio aos aduzidos vícios do negócio celebrado entre aqueles;

. No âmbito das relações negociais entre DD e o A., a este foi proposta a aquisição do prédio em causa, para posterior venda, proposta que foi aceite pelo A.;

. Porém, o A. nunca celebrou qualquer contrato de mútuo com o R. nem com o filho deste, não agindo assim com abuso de direito.

4. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 128-141/v.º, de 25/02/2018, a julgar a ação procedente, reconhecendo o direito de propriedade do A. sobre o prédio em causa e condenando o R. a entregá-lo ao A., mas condenando este como litigante de má-fé.

5. Inconformado, o R. recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido o acórdão de fls. 186-204, de 28/02/2019, aprovado por unanimidade, a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

6. Desta feita, veio o R. pedir revista excecional que foi admitida com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, conforme o acórdão da “formação” de fls. 261-264.

7. Em sustentação da revista, o Recorrente formulou conclusões, contendo, no essencial, o seguinte:

1.ª - O Recorrente arguiu a nulidade contrato de compra e venda, em sede de contestação, logo estaríamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, em que a intervenção de todos os interessados é imposta pela natureza da relação jurídica, porque a decisão a obter só produz o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados;

2.ª – Esta aferição não pode nem deve ser feita após ou com a prolação da sentença ou do seu sentido, mas sim com a estabilização da instância e aquando da e para a formação da convicção do julgador.

3.ª – Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do artigo 6.o do CPC.

4.ª – A segunda nulidade invocada e apreciada pela Relação foi a de errada interpretação da aplicabilidade do instituto do pacto comissório e da proibição que o mesmo encerra prevista no artigo 694.º do CC;

5.ª - Existiu violação do pacto comissório, pois a sentença, no seu ponto 7, dá como factos assentes que: “o negócio teve como condição que o réu, juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que no dia do pagamento total do valor recebido pelo réu o imóvel ficasse desonerado daquele encargo";

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6.ª - A Relação considerou correta a qualificação feita pela 1.ª instância de alienação fiduciária em garantia, com detrimento do pacto comissório;

7.ª - O ordenamento jurídico português permite e prevê a celebração do contrato de alienação fiduciária, havendo que aferir a sua validade em confronto com a proibição legal do pacto comissório, não merecendo assim o contrato realizado qualquer tutela jurídica;

8.ª – Deve, pois, aquele contrato ser tratado como venda comissória, a qual, em função da garantia em vista, se traduz numa vantagem injustificada para o credor;

9.ª – Considerando, conforme os factos dados como assentes, que o imóvel foi vendido pelo valor de € 7.500.00, tendo o valor patrimonial de € 37.32.18, e foi transferido porque o R. precisava de dinheiro, só se poderá concluir pela não existência de equilíbrio entre o valor em divida e o valor da garantia e pelo locu-pletamento injustificado do credor, o que se traduz num verdadeiro pacto comissório.

10.ª - Assim, a Relação violou o disposto no artigo 694.º do CC, ao não considerar nem declarar nulo o negócio de compra e venda celebrado com a P.... - ..., Ld.ª.

11.ª - O acórdão recorrido apreciou, também, os vícios de contradição entre os fundamentos e a decisão e o excesso de pronúncia, pois dos factos considerados como provados, a 1.ª Instância não retirou as consequências jurídicas que se impunham;

12.ª – Porém, a nulidade da sentença alegada remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.

13.ª - A decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontavam os seus fundamentos e a sua motivação, ao considerar válidos os negócios de compra e venda.

14.ª - A Relação devia ter retirado as consequências jurídicas adequadas àquela motivação, considerando procedente a exceção perentória, tendo sido violada alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

15.ª - Em sede de enquadramento jurídico, a sentença da 1.ª Instância considerou provado que o A. tinha "efetivamente conhecimento de que o Réu se encontrava lá a residir, ", e ainda que: "o mesmo celebrado um contrato promessa de compra e venda quanto ao imóvel; admitindo-se que, considerado o escopo do negócio, o A. tinha conhecimento que o R. teria dificuldades financeiras”; e ainda que: “estaria na sua esfera jurídica do R. vir a readquiri o imóvel”;

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contrato entre o R. e a P...., Ld.ª, é evidente, serviu para colmatar a incapacidade do R. cumprir os ter-mos do primeiro acordo, tanto mais que o valor da compra claramente não corresponde ao valor do imóvel, pois. por mais degradado que pudesse estar o prédio, dificilmente teria o valor de € 7.500,00.”

17.ª - Com base nos factos provados, ficou demonstrado que o A., ao comprar o imóvel à P...., Ld.ª, e concomitantemente ao ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda com o R. e, admitindo a 1.ª Instância a similitude dos negócios, a necessidade de dinheiro por parte do R., o escopo do referido negócio ter sido celebrado para satisfazer as necessidades de dinheiro deste e o valor extremamente baixo da venda do imóvel, ficou evidenciado que o negócio defraudou as expetativas do R. que pretendia apenas que o prédio urbano servisse de garantia ao negócio e que o A. se aproveitou das suas fragilidades do que se vê em risco de ficar privado da casa de morada de família, onde desde há muitos anos e até à presente data reside.

18.ª - A Relação, ao não considerar como preenchidos os pressupostos do instituo do abuso de direito, violou, na modalidade de “venire contra factum proprium”, o disposto no artigo 334.º CC.

19.ª – O acórdão recorrido considerou que o R. não é legitimo detentor do prédio, mas os factos provados revelam que “o réu continuou a residir no imóvel, ainda que a título de arrendatário, ficando a suas expensas todos os encargos do imóvel, circunstância que revelava que o negócio firmado entre as partes era temporário e visava financiar o réu” e ainda que: “o réu reside no prédio urbano, desde data não concretamente apurada, porém há muitos anos. com a esposa” e que “após a celebração dos negócios referidos em 12, o réu continuou a habitar o imóvel, com o acordo do Autor.”

20.ª - Ficou assim assente que, ao praticar todos aqueles atos, reiteradamente ao longo dos anos, e sem ter sofrido qualquer alteração apesar das supostas transferências de propriedade que existiram o Recorrente, não agia como mero detentor.

21.ª – O R. teve sempre e ininterruptamente o poder de facto sobre o imóvel, com o “animus” de o exercer como seu titular de um direito real sobre o mesmo, pois nunca pretendeu que o negócio celebrado com a P.... envolvesse a transferência da propriedade da sua casa de morada de família, mas sim que servisse de instrumento ao empréstimo como garantia.

22.ª - Assim, o acórdão da Relação violou a conceção de posse prevista e acolhida pelo legislador e o disposto no artigo 1251.º do CC.

8. Não foram apresentadas contra-alegações.

9. Na Relação, foi proferido o acórdão de fls. 249-250, a considerar improcedente a arguição da nulidade do acórdão recorrido fundada na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

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II – Delimitação do objeto do recurso

Em conformidade com o teor das conclusões recursórias, as questões a apreciar são as seguintes:

i) - A questão da arguida nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, com base em contradição lógica entre os fundamentos e respetiva motivação e a decisão proferida;

ii) – A questão sobre a não sanação da preterição de litisconsórcio relativamente à pretensão de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o filho R. e a sociedade P...., Ld.ª, não intervenientes na presente ação;

iii) – O erro de direito no respeitante:

a) – Ao invocado pacto comissório, alegadamente, no âmbito dos contratos de compra e venda em causa e à nulidade destes decorrente do preceituado nos artigos 694.º e 291.º do CC;

b) – À pretensa posse do prédio reivindicado por parte do R.;

c) - Ao invocado abuso de direito.

III – Fundamentação

1. Factualidade dada como provada pelas instâncias

Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Por documento particular autenticado datado de 29/09/2015, que constitui o documento junto de fls. 16 a 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a sociedade P...., Ld.ª, declarou vender ao A., livre de ónus e encargos, pelo preço de € 7.500,00, que declarou ter recebido, o prédio urbano sito na Rua Dr. …, número …, na freguesia de …., concelho de ...., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de .... sob o número …/….

1.2. O identificado imóvel encontra-se inscrito, por compra, a favor do A. pela ap. n.º …., de 2016/07/21, figurando no registo como sujeito passivo a sociedade P...., Ld.ª;

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constando da inscrição como sujeito passivo AA.

1.4. Em 09/10/2009, a sociedade P...., Ld.ª, e o R. subscreveram o acordo junto a fls. 119 a 122 cujo, teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:

«Considerando que a primeira acaba de adquirir o prédio mencionado arrendado nos termos do contrato antes celebrado, aditam ao contrato existente, expressamente substituindo tudo o que em contrário conste do primeiro contrato:

PRIMEIRA: O primeiro é proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua …, n.º …., … (…)

SEGUNDA: O contrato passa a ter a duração especial de 36 meses, período durante o qual o segundo pode adquirir o prédio, a qualquer momento (…)

TERCEIRA: a renda mensal é de € 150,00 por mês (…)

QUINTA:

1. Pelo presente contrato a primeira promete vender ao segundo o mencionado prédio prometendo comprá-lo.

2. É condição resolutiva automática da promessa ora ajustada a simples mora ou incumprimento de qualquer dos deveres contratuais ou legais que (…) do sobredito contrato de arrendamento.

SEXTA: O preço é de € 16,000,00, devendo ser pago ao momento da escritura em cheque visado ou equivalente;

SÉTIMA:

1. A escritura será marcada pelo segundo (…)

3. A escritura deve ser outorgada nunca após decorridos mais de três anos a contar da data de hoje.

4. O prazo estabelecido no número anterior é impreterível, absolutamente essencial para a primeira, não sendo possível prorrogá-lo, não havendo lugar a mais interpelação admonitória ou qualquer outro mecanismo de prolongamento temporal, salvo acordo expresso e escrito pelas partes»

1.5. Em 29/09/2015, o R. firmou juntamente com o A. o acordo intitulado de “contrato promessa de compra e venda” que constitui o documento de fls. 38 a 40, do qual consta o seguinte:

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«Cláusula primeira:

O promitente vendedor é dono e legítimo proprietário do imóvel melhor identificado no primeiro considerando.

Cláusula segunda:

1. Pelo presente contrato promessa, o promitente vendedor promete e obriga-se a vender ao promitente-comprador ou a quem este vier indicar, e este promete e obriga-se a comprar livre de qualquer ónus e encargos o imóvel identificado na cláusula anterior.

2. A tradição e consequente transferência da posse do imóvel prometido vender processar-se-á na data da outorga da escritura pública objeto do presente contrato-promessa e com o recebimento da totalidade do preço por parte da promitente vendedora.

Cláusula terceira:

1. O preço para a compra e venda do imóvel é de EUR 19.500,00, o qual, no interesse e de acordo com a vontade das partes, será pago e imputado da seguinte forma:

a) - Mensalmente, a título de sinal e reforços de sinal, com início a 30 de outubro de 2015, 11 (onze) prestações sucessivas, no valor de EUR 250,00 (…);

b) – O remanescente do preço, no montante de Euros 16.750,00 (…) será pago no acto da celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel objecto do presente contrato (…)

2. O promitente comprador reconhece que é fator determinante do presente contrato de promessa de compra e venda o recebimento pontual pelo promitente vendedor das prestações referidas na alínea a) do n.º 1 da presente cláusula.

3. Em caso de incumprimento do promitente-comprador de quaisquer obrigações que para si resultem do presente contrato promessa de compre e venda, poderá o promitente vendedor rescindir unilateralmente o contrato (…).

Cláusula Quinta:

1. Sem prejuízo do disposto na cláusula antecedente, a escritura pública de compra e venda do imóvel objecto do presente contrato será realizada no prazo máximo de 12 meses a contar da assinatura do

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contrato, ficando a cargo do promitente vendedor a sua marcação (…).

2. Caso o promitente vendedor não proceda à marcação da escritura pública conforme o previsto no anterior número 1, tal faculdade reverterá para o promitente comprador (…)

Cláusula Sétima:

1. Nada foi convencionado entre contraentes, direta ou indiretamente, relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas.

1.6. O prédio identificado em 1.1 foi transferido para a titularidade da sociedade P.... – ... Ld.ª, porque o R. precisava de dinheiro.

1.7. O negócio teve como condição que o R., juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que, no dia do pagamento total do valor recebido pelo R. o imóvel ficasse desonerado daquele encargo.

1.8. O R. reside no prédio urbano referido em 1.1 desde data não concretamente apurada, porém, há muitos anos com a esposa.

1.9. O R. sempre pagou as despesas de água, luz, gás e todas as demais inerentes ao imóvel referido em 1.1.

1.10. O R. efetuou diversos pagamentos mensais em cumprimento do acordo firmado referido em 1.4, entre janeiro de 2010 e novembro de 2013, no montante de € 150,00, no total de € 7.500,00.

1.11. Como não conseguiu pagar à P...., Ld.ª, o valor acordado para reaver o imóvel, o R. recorreu a DD para que lhe emprestasse o montante em falta.

1.12. Na sequência desse acordo, foi celebrado o negócio de compra e venda entre o A. e a P...., Ld.ª, referido em 1.1 e o acordo referido em 1.5.

1.13. Após a celebração dos negócios referidos em 1.12, o R. continuou a habitar o imóvel com o acordo do A..

1.14. O imóvel tem o valor patrimonial de € 37,332,18.

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Foram dados como não provados os seguintes factos:

2.1. O imóvel referido em 1.1 estava arrendado à mãe do R. e quando a Associação de Moradores …. e o Instituto Nacional ……. iniciou o processo de regularização das habitações daquele bairro, o mesmo foi registado em nome do filho do R. CC.

2.2. A sociedade P.... – ..., Ld.ª, emprestou a quantia de € 15.000,00 ao R., a pedido do pai do sócio da mesma, EE.

2.3. A P.... – ..., Ld.ª, quando pai do respetivo sócio e patrão do R. faleceu, exigiu o pagamento imediato dos restantes € 7.500,00 com a justificação que iriam proceder a partilhas judiciais.

2.4. Quando o R. se socorreu dos serviços de DD ficou convicto de ter a sua habitação segura e desonerada da dívida.

2.5. O R. desconhecia que o imóvel havia sido vendido ao A..

3. Do mérito do recurso

3.1. Quanto à invocada nulidade do acórdão recorrido

O Recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, invocando a contradição entre os respetivos fundamentos e motivação e a decisão proferida para concluir que desses fundamentos e motivação resultava como consequência lógica a procedência da exceção perentória deduzida no sentido da nulidade dos contratos de compra e venda aqui em causa.

Porém, não lhe assiste qualquer razão.

Com efeito, o invocado vício de nulidade só ocorre nos casos em que a fundamentação é formalmente contraditória com o decidido em termos de se verificar, entre eles, uma recíproca exclusão lógica que não permita sequer a formulação de um juízo de mérito, de procedência ou de improcedência, sobre o assim julgado.

Bem diferente é o caso de inconcludência entre a fundamentação exposta e a solução jurídica adotada, envolvendo erro de interpretação, de aplicação ou determinação do quadro normativo aplicável, de modo a

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permitir uma apreciação do respetivo mérito ou demérito.

Ora, no caso presente, o que está em causa é precisamente uma situação deste último tipo, em que o Recorrente questiona a qualificação jurídica dos factos dados por provados, pugnando pelo seu enquadramento no instituto do pacto comissório previsto no artigo 694.º do CC e na consequente nulidade dos contratos de compra e venda em referência, diversamente do que foi entendido pelas instâncias.

Trata-se, obviamente, de questão respeitante a um pretenso erro de julgamento, a decidir em sede de mérito, não se reconduzindo ao convocado vício formal de contradição entre os fundamentos e a decisão do acórdão recorrido.

Termos em que improcede tal arguição.

3.2. Quanto à questão de não sanação de preterição de litisconsórcio necessário

A este propósito, importa reter que, na sentença da 1.ª instância, a dado passo (fls. 134), foi referido que, tendo sido invocada a exceção perentória de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, deveriam ter sido demandados estes contraentes de modo a garantir que os efeitos de nulidade se produzissem em relação as todas as partes envolvidas.

Todavia, tal não obstou a que, ainda assim, fosse conhecida a questão suscitada em torno do pretenso pacto comissório para se concluir no sentido de que o contrato de compra e venda em causa não era subsumível ao referido instituto, não padecendo este contrato do alegado vício de nulidade. E também foi neste sentido a solução adotada pela Relação.

Perante tal desfecho, ficou prejudicada a questão da eventual sanação de preterição de litisconsórcio necessário, de resto, em conformidade com o disposto no artigo 278.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC, e que só será pertinente em caso de, porventura, se concluir pela nulidade daquele negócio.

3.3. Quanto à questão respeitante à invocada nulidade de pacto comissório

3.3.1. Enquadramento

Antes de mais, importa ter presente que estamos no âmbito de uma ação de reivindicação do imóvel acima identificado, fundada na presunção iuris tantum estabelecida no artigo 7.º do Código de Registo Predial (CRP) do direito de propriedade sobre o mesmo resultante da inscrição no registo predial, datada de 21/07/2016, da sua aquisição pelo A. por via do contrato de compra e venda celebrado com a sociedade

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P...., Ld.ª, através de documento particular autenticado de 29/09/2015.

Acresce que se encontrava inscrita, desde 28/10/2009, a compra de tal prédio pela sociedade P...., Ld.ª, a CC, supostamente filho do R..

A ação fundou-se ainda no facto complementar de o R. ocupar o referido imóvel sem dispor de título legítimo para tanto.

Por sua vez, o R. opôs-se a essa pretensão, invocando a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o seu filho e a sobredita sociedade P...., Ld.ª, por considerar que este contrato teve unicamente como fim garantir um empréstimo no valor de € 15.000,00 que lhe fora concedido por aquela sociedade, a pedido do seu antigo patrão, pai do sócio da mesma sociedade.

Nessa base, sustenta o R. que, dada a disparidade entre o valor do prédio, na cifra de € 37.332,18, e o valor do empréstimo, de € 15.000,00, o referido contrato é nulo por se traduzir num pacto comissório, como tal, nulo, nos termos do artigo 694.º do CC, importando, por consequência, também a nulidade do contrato de compra e venda do mesmo prédio celebrado entre o A. e a sociedade P...., Ld.ª.

Em ambas as instâncias, traçada a distinção entre a figura de pacto comissório e o chamado negócio atípico fiduciário ou a alienação em garantia, foi considerado que, em face dos factos provados, o contrato em causa celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, não se subsumia, estruturalmente, àquela figura nem lhe seria aplicável sequer, por extensão teleológica, o preceituado no artigo 694.º do CC.

Todavia, o R. vem persistir na tese de aplicação ao caso do regime do pacto comissório.

3.3.2. Da caracterização dos negócios em causa em sede de pacto comissório ou de negócio fiduciário ou de alienação em garantia

Como ficou dito, o R./Recorrente persiste em reconduzir os contratos celebrados por ele e seu filho com a sociedade P...., Ld.ª, à categoria normativa do pacto comissório para dai fazer decorrer a nulidade dos mesmos nos termos do art.º 694.º do CC e, consequencialmente, a nulidade do contrato de compra e venda do imóvel em causa firmado entre o A. e aquela sociedade.

Em sede do regime da hipoteca, o artigo 694.º do CC, sob a epígrafe pacto comissório, consigna o seguinte:

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fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.

Prescreve-se assim uma proibição absoluta de se convencionar que o credor hipotecário faça sua a coisa onerada no caso de incumprimento da obrigação garantida por parte do devedor.

Apesar desta proibição se encontrar, em sede sistemática, inserida no regime legal da hipoteca, tem-se considerado que ela é extensível, com as devidas adaptações, às demais garantias reais tipificadas na lei ou mesmo a garantias atípicas em que se convencione a transferência da propriedade de uma coisa para o credor em virtude do incumprimento da obrigação pelo devedor[1].

Nas palavras de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA:

«Esta proibição (…) funda-se no prejuízo que do pacto comissório pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses. O fundamento é paralelo ao da proibição da usura. A proibição abrange também, pelo seu espírito, o pacto pelo qual se convencione o direito de venda particular.»

Também há quem, como JANUÁRIO GOMES[2], na linha de COSTANZA, perfilhe o entendimento de que:

“(…) a ratio da proibição [a proibição do pacto comissório] é plúrrima e complexa, relevando, a um tempo, o propósito de proteger o devedor da (possível) extorsão do credor e a necessidade, que corresponde a um interesse geral do tráfego, de não serem falseadas as “regras do jogo”, através da atribuição injustificada de privilégios a alguns credores, em objectivo (seja ele efectivo ou potencial) prejuízo dos demais.»

Um tal alcance teleológico poderia justificar a aplicação direta da proibição do pacto comissório aos casos em que se vise conferir uma função de garantia ao negócio translativo da propriedade de um bem, independentemente do momento dessa transferência, contem-plando, desse modo, negócios fiduciários estabelecidos fora do âmbito das garantias reais.

Porém, é bastante discutível se e em que medida é que a referida proibição pode ser considerada como afloramento de um princípio geral tão lato que alcance pactos comissórios estipulados fora do domínio dos contratos de garantia das obrigações.

A tal propósito, JANUÁRIO GOMES[3] observa o seguinte:

«(…) apesar da plúrrima ratio que preside à proibição do pacto comissório, o seu “leitmotiv” parece ser, conforme tem destacado a doutrina nacional, uma certa tutela do devedor em termos similares à que tem lugar no quadro da proibição dos negócios usurários; ou seja, como diz COSTANZA, o que a norma pretende evitar não é a aquisição pelo credor insatisfeito mas o “aproveitamento” da debilidade do devedor, o que

(15)

leva a conferir decisivo relevo à “congruidade” entre o montante do débito e o valor do bem, só devendo, assim, ser tratada como venda comissória aquela em que a função de garantia se traduz numa “vantagem injustificada” para o credor.

(…) Assim, para que a venda em garantia seja válida, é mister que o devedor (e também o constituinte da garantia, se não houver coincidência entre ambos) fique em condições de controlar ou dominar a eventual diferença entre o valor do bem alienado e o quantum do débito. Não está, por outro lado, o devedor impedido de invocar a invalidade do pacto por usura (art. 282), se se verificarem os respectivos pressupostos.»

Desse modo, segundo o mesmo Autor, se harmonizaria “a atendibilidade social da venda em garantia” com a proibição do pacto comissório.

Não sofre dúvida que o contrato de compra e venda do imóvel em causa celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, registado em 28/10/2009, em conjugação com o acordo de arrendamento e de promessa de compra e venda entre aquela sociedade e o R. a que se refere o ponto 1.4 dos factos provados, não consubstancia qualquer pacto comissório estabelecido no âmbito de hipoteca ou de qualquer outra garantia real tipificada na lei mediante estipulação de transmissão da propriedade de bem onerado para o credor em caso de incumprimento do devedor, conforme o previsto no artigo 694.º do CC.

Como consideraram as instâncias, da conjugação desses contratos resulta, quando muito, a celebração de um negócio fiduciário atípico ou de alineação em garantia, nos termos do qual aquele contrato de compra e venda teve em vista garantir à sociedade compradora P...., Ld.ª, o pagamento de um valor que o R. havia recebido.

É certo que não se provou a versão do R., no sentido de que a referida sociedade lhe tivesse emprestado a quantia de € 15.000,00 a pedido do pai do sócio da mesma EE (ponto 2.2), nem que essa sociedade tivesse exigido ao R. o pagamento imediato de uma quantia ainda sobrante de € 7.500,00, aquando do falecimento de EE, com a justificação de que se iria proceder a partilhas judiciais (ponto 2.3).

Todavia, em face dos factos provados, não é menos certo que a transferência da titularidade do prédio ora reivindicado da esfera do filho do R. para a sociedade P...., Ld.ª, ocorreu porque o R. precisava de dinheiro (ponto 1.6) e que tal negócio teve como condição que o R., juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que, no dia do pagamento total do valor recebido pelo R., o imóvel ficasse desonerado daquele “encargo” (ponto 1.7). Daí que se possa inferir a finalidade específica do dito acordo de arrendamento e de promessa de compra e venda - este pelo preço de € 16.000,00 -, a favor do R., a que se refere o ponto 1.4, firmado entre este R. e a sociedade adquirente.

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janeiro de 2010 e novembro de 2013, no total de € 7.500,00 (ponto 1.10), este não conseguiu pagar à P...., Ld.ª, o valor acordado para reaver o imóvel (ponto 1.11).

Deste bloco negocial decorre quanto basta para ter por assente, como tiveram as instâncias, que a compra e venda do imóvel em causa celebrada entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, visou garantir o pagamento a esta sociedade da quantia recebida pelo R., facultando ao mesmo a possibilidade de adquirir o imóvel logo que satisfizesse essa quantia, mediante a realização do contrato prometido, sem prejuízo de poder continuar a habitar o prédio com o seu agregado familiar.

Tal concerto negocial reconduz-se ao género atípico de negócios fiduciários com fim de garantia (fiducia cum creditore), na modalidade da chamada alienação em garantia, que, segundo JANUÁRIO GOMES[4], consiste no seguinte:

«(…) utilização de um tipo contratual de alienação (normalmente a compra e venda) como tipo de referência, para um fim indirecto de garantia. Mais especificamente, (…) um contrato construído através da adjunção ao negócio de alienação de um pactum fiduciae, que disciplina os termos em que o fiduciante-alienante e o fiduciário-adquirente adaptam a operação realizada aos fins da garantia – fiducia cum creditore. Através do pacto fiduciário de garantia, o credor-fiduciário vincula-se (obrigacionalmente) face ao devedor-fiduciante a retransmiti-lhe o bem (a restituir, sob um prisma económico), uma vez esgotado o fim da garantia, isto é uma vez satisfeito o crédito»

Nas palavras de CARVALHO FERNANDES[5], “no negócio fiduciário há ao lado de um acto com eficácia real uma limitação obrigacional do direito atribuído ao fiduciário.”

E, como se refere no acórdão recorrido, nem a essa caraterização obstará o facto de ter figurado como alienante da coisa o filho do R., sendo, como foi, a garantia conferida à adquirente P...., Ld.ª, credora-fiduciária, com a recíproca vinculação obrigacional desta perante o R., como devedor-fiduciante, de lhe transmitir a coisa assim alienada logo que, por este, fosse satisfeito o crédito garantido.

Posto isto, resta saber se o referido negócio de alienação em garantia viola a proibição do pacto comissório nos termos prescritos no artigo 694.º do CC.

Neste particular, as instâncias, de modo convergente, seguiram, no essencial, o entendimento adotado no acórdão do STJ de 16/03/2011, proferido no processo n.º 279/2002.E1.S1[6], traçando a diferenciação estrutural e teleológica entre o pacto comissório previsto no artigo 694.º do CC e a atípica venda fiduciária em garantia, para concluir pela não aplicação, nem sequer por via extensiva, da proibição ali consagrada a esta modalidade de venda fiduciária.

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no processo n.º 2037/13. 0TBPVZ.P1.S1[7], no domínio de vigência do Código Civil de 1867, era prevalecente, na doutrina nacional então assumida pela jurisprudência, a tese da inadmissibilidade absoluta dos negócios fiduciários, por se considerar que, no respeitante ao contrato de compra e venda com o fim de garantia, a causa do típico contrato de compra e venda não correspondia à causa inerente à garantia do crédito, o que tornava estruturalmente incompatível esse contrato translativo com o pacto fiduciário, negando-se assim a sua validade.

Todavia, já no domínio de vigência do Código Civil de 1966, começou a prevalecer, quer na doutrina quer na jurisprudência, a tese da validade dos negócios fiduciários, mormente, em virtude do princípio da autonomia da vontade negocial decorrente do disposto nos artigos 405.º e 1306.º do referido Código, e da diferenciação entre a causa-função concreta do contrato e a causa-função típica da espécie contratual em referência e até em face do acolhimento dos contratos de alienação fiduciária em garantia, na nossa ordem jurídica, através do Dec.-Lei n.º 105/2004, de 08/05, que transpôs a Diretiva n.º 2002/47/CE, do Parlamento Europeu e Conselho relativa aos acordos de garantia financeira.

Nessa linha, como se assume no referido acórdão do STJ, de 26/04/2018, tem vindo a ser considerado acertado o entendimento de que “a celebração de negócios jurídicos fiduciários enquanto negócios atípicos é, em abstrato, válida no ordenamento jurídico português, sem prejuízo de se poder sindicar a licitude do respetivo objeto em face do disposto no artigo 280.º do Código Civil, em particular, na vertente de fraude à lei.”

Por sua vez, no indicado acórdão do STJ, de 16/03/2011, proferido no processo n.º 279/2002.E1.S1, foi destacada a diversidade jurídica estrutural entre a figura do pacto comissório prevista no artigo 694.º do CC e a venda fiduciária em garantia, imediatamente geradora de um efeito transmissivo do direito de propriedade, obstando, como tal, à direta subsunção desta última categoria ao programa normativo contido naquele preceito, confinado como está ao plano das garantias reais das obrigações, vedando ao credor a autotutela resultante da faculdade de apropriação da coisa onerada no caso em que o devedor não cumpra a obrigação garantida.

Mais precisamente, foi ali considerado, no essencial, que:

«Não é de admitir a “extensão teleológica” da proibição contida no citado art. 694.º, determinante do vício de nulidade, à venda fiduciária em garantia de bens imóveis, por tal envolver restrição desproporcionada do princípio fundamental da segurança e confiança no comércio jurídico, ao facultar aos outorgantes a invocação e a consequente oponibilidade da nulidade a terceiros de boa fé, subadquirentes do imóvel alienado, nos termos do art. 291.º do CC, mesmo nos casos em que o pacto fiduciário estivesse oculto e dissimulado, relativamente às clausulas contratuais integradoras do negócio formal de alienação e do teor do respetivo registo, de modo a afectar a consistência jurídica dos direitos que aqueles fundadamente supunham ter adquirido.»

(18)

Na esteira deste entendimento, afigura-se acertada a consideração feita no acórdão recorrido quando se refere o seguinte:

«E nesta ponderação dos interesses em conflito dos diversos intervenientes não pode/deve olvidar-se que a alienação em garantia tem como efeito imediato a transferência da propriedade para o fiduciário e que a limitação dos poderes inerentes à titularidade do direito – a sua limitação ao fim garantístico – tem natureza meramente obrigacional (cf. art.º 1306.). O alienante sabe que corre o risco de o fiduciário, violando o pacto, vir a transmitir o bem a terceiro na pendência do contrato, mas este não terá modo de saber da existência da convenção fiduciária, confiando naturalmente na definitividade do negócio translativo, para mais nos caos em que se verifique existir a publicidade do registo, pelo que o risco há-de ser em primeira linha assumido pelo fiduciante, que naquele confiou.

Por outro lado, ainda negando a aplicação do regime da nulidade à alienação em garantia não se mostra assegurada a equivalência entre o crédito garantido e o bem transmitido, nem por isso o devedor ficará desprotegido nos seus interesses, podendo obter do fiduciário a indemnização pelos danos sofridos decorrentes da violação das obrigações decorrentes do pacto. Acresce que a subtracção da alienação em garantia ao regime da nulidade estabelecida no art.º 694.º para o pacto comissório não implica que o negócio celebrado não possa ser afectado por outro vícios, encontrando-se naturalmente sujeito, se disso for caso, à disciplina dos art.ºs 294.º e 282.º.»

E, já com incidência no caso vertente, no mesmo acórdão recorrido, observa-se que, muito embora o R. tenha invocado a nulidade do negócio, em bom rigor não alegou que a sociedade vendedora, P...., Ld.ª, tenha agido como fiduciário infiel ao proceder à venda do bem a terceiro, para mais quando se prova que o R., não dispondo da quantia em dívida àquela sociedade, recorreu a novo empréstimo junto de outrem, o que lhe foi concedido, tendo sido causa da transmissão do bem para o A., também aqui com a vinculação deste no sentido de assegurar a transmissão do mesmo para o R. mediante celebração de um contrato-promessa de compra e venda.

Neste quadro factualmente assente, não se descortina fundamento para considerar que a sociedade P...., Ld.ª, tenha infringido as obrigações contratuais emergentes do negócio fiduciário celebrado com o R., mormente a de continuar vinculada, perante este, a transmitir-lhe o bem em causa e a não o vender a terceiro, quando o próprio R. não satisfez a quantia em dívida à referida sociedade, recorrendo antes a novo empréstimo junto de terceiro e celebrando novo contrato-promessa de compra e venda sobre aquele bem com o A. subadquirente. Muito menos, se verifica que a sociedade alienante tenha agido em conluio com o A. no sentido de defraudar o primitivo negócio fiduciário.

Em suma, por tudo o que se deixa exposto, não encontram razões para considerar aplicável ao negócio de alienação em garantia firmado entre a sociedade P...., Ld.ª e o R. a nulidade prescrita no artigo 694.º do

(19)

CC.

Relativamente agora ao contrato de compra e venda do imóvel em causa firmado estabelecido entre aquele A. e a sociedade P...., Ld.ª, conjugado com contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o A. e o R., constata-se que o A. apenas invocou a nulidade daquele contrato por decorrência da invocada nulidade do anterior contrato de compra e venda outorgado entre aquela sociedade e o filho do R..

Ainda assim, supondo que o mencionado contrato-promessa terá assumido também, nesse contexto, a natureza de negócio fiduciário, pelas razões acima expostas, não se encontra fundamento para considerá-lo nuconsiderá-lo por via da aplicação extensiva teleológica do artigo 694.º do CC, além de que se desconhecem os exatos termos em que foi acordado o empréstimo concedido ao R. por DD nem as condições para tanto exigidas por este para a celebração do dito negócio fiduciário firmado entre o A. e o R..

Nem tão pouco se mostra lícito lançar mão da disciplina do negócio usurário prevista no artigo 282.º do CC, que não fora sequer convocada pelo R..

Assim sendo, não merece censura, neste particular, o acórdão recorrido.

3.4. Quanto à invocada posse do R.

Vem também o R. sustentar a sua posse legítima do prédio reivindicado em ordem a obstar a pretendida restituição.

Neste domínio, dos factos provados colhe-se o seguinte:

- O negócio [contrato de compra e venda celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª] teve como condição que o R., juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que, no dia do pagamento total do valor recebido pelo R. o imóvel ficasse desonerado daquele encargo – ponto 1.7.

- O R. reside no prédio urbano referido em 1.1 desde data não concretamente apurada, porém, há muitos anos com a esposa – ponto 1.8;

- O R. sempre pagou as despesas de água, luz, gás e todas as demais inerentes ao imóvel referido em 1.1 – ponto 1.9;

- Após a celebração dos negócios referidos em 1.12, o R. continuou a habitar o imóvel com o acordo do A. – ponto 1.13.

(20)

P...., Ld.ª, e o filho do R., este R. se manteve a residir no prédio em causa com o seu agregado familiar, com base no contrato de arrendamento, com a duração de 36 meses, a que se refere o acordo indicado no ponto 1.4.

Todavia, em face do contrato de compra e venda entre o A. e a sociedade P...., Ld.ª, e do concomitante contrato-promessa de compra e venda outorgado entre o A. e R., este continuou a residir no prédio com o acordo do A. (ponto 1.13) - o que nem sequer foi questionado por aquele, nomeadamente em sede de recurso -, muito embora no referido contrato-promessa se tivesse estipulado (cláusula 2.ª, n.º 2) que a traditio e a consequente transferência da posse do imóvel prometido vender ocorreria com a celebração do contrato definitivo.

Daqui parece resultar que a traditio não terá sido ali assumida, pelo menos, como garantia de retenção para o caso de incumprimento do respetivo contrato-promessa.

Nesta vertente, na 1.ª instância, foi considerado que o R. não dispunha de título que o legitimasse a permanecer no imóvel, “sendo apenas mero detentor do mesmo, com conhecimento do autor, mas por mera tolerância”, afirmação esta que não corresponde ao teor do ponto 1.13 dos factos provados, no qual se refere expressamente ao “acordo do A.” e não ao seu mero conhecimento.

Por sua vez, no acórdão recorrido, considerou-se que se tratava de uma posse precária nos termos do artigo 1253.º, alínea c), do CC, que poderia, porventura, ser equacionável como comodato, mas que, para além de não constituir legítima expetativa para o R. de que lhe não fosse exigida a restituição da coisa, a questão não fora suscitada pela defesa naquela base, não podendo tal posse ser reconhecida como posse em nome próprio conforme o pretendido.

Vejamos.

Na verdade, dos factos provados resulta, manifestamente, que a permanência do R. no prédio em causa não consubstancia uma posse exercida em nome próprio, à luz do disposto no artigo 1251.º e 1252.º, n.º 2, do CC.

Resta saber em que termos é que deve ser considerada tal permanência mantida “com o acordo do A.”.

Ora, dada a circunstância de o R. ali residir com a sua esposa há muitos anos e de o contrato de compra e venda celebrado entre a P...., Ld.ª e o A., conjugado com contrato-promessa celebrado entre o mesmo A. e o R., ter em vista, de algum modo, garantir o empréstimo que lhe foi concedido por DD, não parece razoável, segundo os ditames da boa fé, interpretar o acordo do A. no sentido de que o R. continuasse a habitar o prédio por mera tolerância daquele, situação que não se compagina, minimamente, com a normal exigência de estabilidade de habitação.

(21)

Por isso, propende-se a considerar esse acordo como um contrato de comodato adicional ao dito contrato-promessa, que, em tais circunstâncias, só pode ser tido como destinado a assegurar a permanência do R. no prédio em causa durante a vigência desse contrato-promessa, ainda que assim não tenha sido qualificado pelo mesmo R..

Sucede que o A. interpôs a presente ação sem fazer qualquer referência a existência desse contrato-promessa nem ao seu acordo em que o R. continuasse a habitar o prédio, razão por que vem condenado como litigante de má-fé.

Nem tão pouco, o A. revelou a sua posição sobre a sorte do referido contrato-promessa, o que levou até a 1.ª instância a considerar que nada mais ficou demonstrado quanto ao cumprimento desse contrato, admitindo que, não tendo aquele contrato sido resolvido, sempre poderia o réu fazer valer o seu direito de aquisição, pagando o preço acordado.

Assim, perante a inércia do A. em pôr termo ao dito contrato-promessa, muito embora também o R. não tenha revelado intenção de lhe dar imediata execução, neste caso, considerando os negócios em causa nulos, e tendo em conta que o acordo do A. deverá ser entendido, como foi dito, no sentido de o R. poder continuar a habitar o prédio durante a vigência do contrato-promessa, não se mostra lícito que o mesmo A. exija a imediata restituição do prédio sem também pôr termo ao respetivo contrato-promessa.

Salvo o devido respeito, não parece razoável que se “desaposse” o R. do prédio em reivindicado, admitindo-se, no entanto, que ainda possa vir a ser celebrado o contrato definitivo.

É certo que foi previsto o prazo máximo de 12 meses para a realização do contrato prometido, ficando, em primeira linha, a cargo do promitente vendedor (o A.) a marcação da escritura, sendo que a situação se vem arrastando desde 29/09/2015.

Porém, afigura-se injustificável que o A., ao propor a presente ação, tenha ocultado a existência desse contrato e o seu propósito sobre o destino do mesmo. Uma posição do A. sobre a subsistência ou não desse contrato-promessa poderia, quiçá, proporcionar ao R. o questionamento, numa base mais firme, do equilíbrio entre o preço de € 19.500,00 acordado nesse contrato e o valor do empréstimo garantido.

Assim, a subsistência do referido contrato-promessa e do respetivo acordo adicional de comodato com aquele conexo afigura-se constituir título suficiente para que o R. permaneça no prédio reivindicado, ao abrigo da ressalva constante do n.º 2 do art.º 1311.º do CC, até que seja posto termo a esse contrato, não se mostrando aqui aplicável a regra da cessação ad nutum do comodato prevista no n.º 2 do artigo 1137.º do mesmo Código como foi, mas em caso diferente, considerado no acórdão do STJ, de 26/11/2020 proferido no processo n.º 3233/18.0T8FAR.E1.S1.[8]

(22)

Com efeito, no caso dos autos, o uso da coisa pelo promitente-comodatário encontra-se temporalmente delimitado em função da vigência do contrato-promessa a que qualquer das partes pode pôr termo.

Posto isto, conclui-se que, não obstante o reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre o prédio reivindicado, se impõe reconhecer ao R. o direito de continuar a ocupar esse prédio até que seja posto termo ao contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ambos.

Fica assim prejudicada a questão suscitada sobre o abuso de direito.

IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, decidindo manter o acórdão recorrido relativamente ao reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre o prédio reivindicado, mas revoga-se a condenação do R. na restituição do mesmo, absolvendo-o do pedido, nesta parte, com o alcance acima considerado.

As custas da ação e dos recursos são da responsabilidade das partes na proporção de ½ para cada uma delas, sem prejuízo da dispensa do respetivo pagamento pelo R. em virtude do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

Nos termos do artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo Dec.-Lei n.º 20/20, de 01-05, para os efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com o voto de conformidade das Exm.ªs Juízas-Adjuntas Maria da Graça Trigo e Maria Rosa Tching, que não assinam pelo facto de a sessão de julgamento (virtual) ter decorrido mediante teleconferência.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021

(23)

Manuel Tomé Soares Gomes

_____________

[1] Vide comentário ao art.º 694.º do CC, de ISABEL MENÉRES CAMPOS, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 929.

[2] In Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, p. 94. [3] Ob. cit. pp. 96-97.

[4] In Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pp. 86-87.

[5] In Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 2.ª Reimpressão, 1983, p.388.

[6] Acórdão relatado pelo Juiz Cons. LOPES DO REGO, acessível na internet www.dgsi.pt/jstj.nst.

[7] Acórdão relatado pela Juiz Cons. FERNANDA ISABEL PEREIRA, acessível na internet www.dgsi.pt/jstj.nst. [8] Acórdão relatado pela aqui 1.ª adjunta Juíza Conselheira MARIA DA GRAÇA TRIGO, acessível na Internet www.dgsi.pt/stj.

Referências

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