JÚLIO EMÍLIO BRAZ
Crianças na escuridão
Leitor crítico — Jovem Adulto Leitor crítico — 7–a e 8–a séries Leitor fluente — 5–a e 6–a séries
PROJETO DE LEITURA Coordenação: Maria José Nóbrega
O que é, o que é, Uma árvore bem frondosa Doze galhos, simplesmente
Cada galho, trinta frutas Com vinte e quatro sementes?1
Alegórica árvore do tempo…
A adivinha que lemos, como todo e qual-quer texto, inscreve-se, necessariamente, em um gênero socialmente construído e tem, portanto, uma relação com a exterioridade que determina as leituras possíveis. O espa-ço da interpretação é regulado tanto pela organização do próprio texto quanto pela memória interdiscursiva, que é social, histó-rica e cultural. Em lugar de pensar que a cada texto corresponde uma única leitura, é preferível pensar que há tensão entre uma leitura unívoca e outra dialógica.
Um texto sempre se relaciona com outros produzidos antes ou depois dele: não há como ler fora de uma perspectiva interdiscursiva.
Retornemos à sombra da frondosa árvore — a árvore do tempo — e contemplemos ou-tras árvores:
Deus fez crescer do solo toda es-pécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. (…) E Deus deu ao homem este manda-mento: “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer”.2
Ah, essas árvores e esses frutos, o de-sejo de conhecer, tão caro ao ser huma-no…
Enigmas e adivinhas convidam à decifra-ção: “trouxeste a chave?”.
Encaremos o desafio: trata-se de uma ár-vore bem frondosa, que tem doze galhos, que têm trinta frutas, que têm vinte e qua-tro sementes: cada verso inqua-troduz uma nova informação que se encaixa na anterior.
Quantos galhos tem a árvore frondosa? Quantas frutas tem cada galho? Quantas se-mentes tem cada fruta? A resposta a cada uma dessas questões não revela o enigma. Se for familiarizado com charadas, o leitor sabe que nem sempre uma árvore é uma árvore, um galho é um galho, uma fruta é uma fruta, uma semente é uma semente… Traiçoeira, a árvo-re frondosa agita seus galhos, entorpece-nos com o aroma das frutas, intriga-nos com as possibilidades ocultas nas sementes.
O que é, o que é?
Apegar-se apenas às palavras, às vezes, é deixar escapar o sentido que se insinua nas ramagens, mas que não está ali.
Que árvore é essa? Símbolo da vida, ao mesmo tempo que se alonga num percurso vertical rumo ao céu, mergulha suas raízes na terra. Cíclica, despe-se das folhas, abre-se em flores, que escondem frutos, que prote-gem sementes, que ocultam coisas futuras.
“Decifra-me ou te devoro.”
Qual a resposta? Vamos a ela: os anos, que se desdobram em meses, que se aceleram em dias, que escorrem em horas.
Árvores e tempo de leitura
DESCRIÇÃO DO PROJETO DE LEITURA UM POUCO SOBRE O AUTOR
Procuramos contextualizar o autor e sua obra no panorama da literatura brasileira para jo-vens e adultos.
RESENHA
Apresentamos uma síntese da obra para que o professor, antecipando a temática, o en-redo e seu desenvolvimento, possa avaliar a pertinência da adoção, levando em conta as possibilidades e necessidades de seus alunos.
COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA
Apontamos alguns aspectos da obra, consi-derando as características do gênero a que Há o tempo das escrituras e o tempo da memória, e a leitura está no meio, no inter-valo, no diálogo. Prática enraizada na expe-riência humana com a linguagem, a leitura é uma arte a ser compartilhada.
A compreensão de um texto resulta do res-gate de muitos outros discursos por meio da memória. É preciso que os acontecimentos ou os saberes saiam do limbo e interajam com as palavras. Mas a memória não funciona como o disco rígido de um computador em que se salvam arquivos; é um espaço move-diço, cheio de conflitos e deslocamentos.
Empregar estratégias de leitura e desco-brir quais são as mais adequadas para uma determinada situação constituem um proces-so que, inicialmente, se produz como ativi-dade externa. Depois, no plano das relações
interpessoais e, progressivamente, como re-sultado de uma série de experiências, se trans-forma em um processo interno.
Somente com uma rica convivência com ob-jetos culturais — em ações socioculturalmente determinadas e abertas à multiplicidade dos modos de ler, presentes nas diversas situações comunicativas — é que a leitura se converte em uma experiência significativa para os alu-nos. Porque ser leitor é inscrever-se em uma comunidade de leitores que discute os textos lidos, troca impressões e apresenta sugestões para novas leituras.
Trilhar novas veredas é o desafio; transfor-mar a escola numa comunidade de leitores é o horizonte que vislumbramos.
Depende de nós.
pertence, analisando a temática, a perspec-tiva com que é abordada, sua organização estrutural e certos recursos expressivos em-pregados pelo autor.
Com esses elementos, o professor irá identi-ficar os conteúdos das diferentes áreas do co-nhecimento que poderão ser abordados, os temas que poderão ser discutidos e os recur-sos lingüísticos que poderão ser explorados para ampliar a competência leitora e escri-tora dos alunos.
QUADRO-SÍNTESE
O quadro-síntese permite uma visualização rápida de alguns dados a respeito da obra e de seu tratamento didático: a indicação do gênero, das palavras-chave, das áreas e te-mas transversais envolvidos nas atividades propostas; sugestão de leitor presumido para a obra em questão.
__________
1 In Meu livro de folclore, Ricardo Azevedo, Editora Ática.
Gênero: Palavras-chave: Áreas envolvidas: Temas transversais: Público-alvo: PROPOSTAS DE ATIVIDADES a) antes da leitura
Os sentidos que atribuímos ao que se lê de-pendem, e muito, de nossas experiências an-teriores em relação à temática explorada pelo texto, bem como de nossa familiarida-de com a prática leitora. As atividafamiliarida-des sugeridas neste item favorecem a ativação dos conhecimentos prévios necessários à compreensão e interpretação do escrito. • Explicitação dos conhecimentos prévios necessários à compreensão do texto.
• Antecipação de conteúdos tratados no tex-to a partir da observação de indicadores como título da obra ou dos capítulos, capa, ilustra-ção, informações presentes na quarta capa, etc. • Explicitação dos conteúdos da obra a par-tir dos indicadores observados.
b) durante a leitura
São apresentados alguns objetivos orienta-dores para a leitura, focalizando aspectos que auxiliem a construção dos sentidos do texto pelo leitor.
• Leitura global do texto.
• Caracterização da estrutura do texto. • Identificação das articulações temporais e lógicas responsáveis pela coesão textual. • Apreciação de recursos expressivos empre-gados pelo autor.
c) depois da leitura
São propostas atividades para permitir melhor compreensão e interpretação da obra, indican-do, quando for o caso, a pesquisa de assuntos relacionados aos conteúdos das diversas áreas curriculares, bem como a reflexão a respeito de temas que permitam a inserção do aluno no debate de questões contemporâneas.
✦ nas tramas do texto
• Compreensão global do texto a partir de reprodução oral ou escrita do que foi lido ou de respostas a questões formuladas pelo pro-fessor em situação de leitura compartilhada. • Apreciação dos recursos expressivos empre-gados na obra.
• Identificação e avaliação dos pontos de vis-ta sustenvis-tados pelo autor.
• Discussão de diferentes pontos de vista e opiniões diante de questões polêmicas. • Produção de outros textos verbais ou ainda de trabalhos que contemplem as diferentes lin-guagens artísticas: teatro, música, artes plásti-cas, etc.
✦ nas telas do cinema
• Indicação de filmes, disponíveis em VHS ou DVD, que tenham alguma articulação com a obra analisada, tanto em relação à temática como à estrutura composicional.
✦ nas ondas do som
• Indicação de obras musicais que tenham alguma relação com a temática ou estrutura da obra analisada.
✦ nos enredos do real
• Ampliação do trabalho para a pesquisa de informações complementares numa dimen-são interdisciplinar.
DICAS DE LEITURA
Sugestões de outros livros relacionados de alguma maneira ao que está sendo lido, es-timulando o desejo de enredar-se nas vere-das literárias e ler mais:
◗ do mesmo autor;
◗ sobre o mesmo assunto e gênero; ◗ leitura de desafio.
Indicação de título que se imagina além do grau de autonomia do leitor virtual da obra analisada, com a finalidade de ampliar o ho-rizonte de expectativas do aluno-leitor, en-caminhando-o para a literatura adulta.
JÚLIO EMÍLIO BRAZ
Crianças na escuridão
UM POUCO SOBRE O AUTOR
Júlio Emílio Braz nasceu em abril de 1959. É mineiro da cidadezinha de Manhumirim, mas aos 5 anos veio para o Rio de Janeiro, cidade que adotou como lar. É autodidata. Lê desde os seis anos, e aprendeu a ler so-zinho, com revistas de terror da Editora Vecchi, do Rio de Janeiro. Começou a car-reira de escritor por acaso: acabara de per-der seu emprego e um amigo, que traba-lhava numa editora, insistiu para que ele procurasse o editor das tais revistas e ofe-recesse seus trabalhos. Acabou dando cer-to, e até hoje ele tem histórias em quadri-nhos publicadas em várias editoras no Bra-sil e em outros países. Mais tarde, come-çou a escrever livros de bolso de bangue-bangue sob 39 pseudônimos diferentes. Em 1986, ganhou o Prêmio Ângelo Agostini de Melhor Roteirista de Quadrinhos e, em 1988, publicou seu primeiro
infanto-juve-nil, Saguairu, pela Atual Editora, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Autor Revela-ção no ano seguinte. Escreveu roteiros para o humorístico Os Trapalhões, da TV Globo, e algumas mininovelas para a televisão do Paraguai. Ganhou o Austrian Children Book Award, na Áustria, pela versão alemã do seu livro Crianças na escuridão (Kinder im
Dunkeln); e, pelo mesmo livro, o Blue
Co-bra Award, do Swiss Institute for Children’s Book. Escrever para ele é, antes e acima de tudo, um imenso prazer. Acredita piamen-te no poder transformador da leitura. Ele mesmo pode se considerar o maior exem-plo disso: foram os livros que leu na infân-cia e adolescêninfân-cia que construíram o escri-tor que é hoje. Durante muitos anos, esses livros, e apenas eles, lhe deram esperanças de que poderia ser mais do que era e de que a realização de seus sonhos era
ape-nas uma questão de inteligência, paciên-cia e persistênpaciên-cia.
RESENHA
À porta de um supermercado, Rolinha é abandonada pela mãe. A menina tem ape-nas 6 anos e chora de medo. Andando a esmo pelas ruas, encontra Doca, líder de um grupo de meninas de rua que moram num abrigo improvisado com papelão e pedaços de madeira. Rolinha, assim como as outras meninas, tem de dar duro para não morrer de fome, catando lixo, mendi-gando ou mesmo roubando. Bem que ela tenta encontrar a mãe, mas descobre que é inútil: sua mãe já tem nova família e não quer saber dela. Sua única saída é convi-ver, bem ou mal, com as meninas, cada uma com suas histórias e seus dramas. Através delas, conhece traficantes e outros crimi-nosos e sofre ou presencia violências de todo tipo. Um dia rouba umas meias numa loja e provoca, indiretamente, a morte de sua protetora, Doca, que é baleada por policiais. Nada mais lhe resta, a não ser continuar andando sem rumo: “Eu vou indo, eu vou vendo o que posso fazer para continuar viva”.
COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA
Com poesia, mas também com as cores for-tes da realidade, Júlio Emílio Braz retrata o cotidiano de crianças de rua. A narrativa em primeira pessoa — é Rolinha quem nos fala — é de uma impressionante tristeza e invade nossa alma, deixando-nos tocados diante de tamanha dor, solidão, abando-no, medo. Não é por acaso, portanto, que esta obra mereceu importantes prêmios na Europa, em países em que muitas organi-zações se preocupam com a questão da miséria.
É um texto pungente, que deve ser lido acompanhado de discussões, conversas,
tro-cas de opiniões, para resultar numa cons-cientização mais ampla sobre tão grave problema.
QUADRO-SÍNTESE
Gênero: novela
Palavras-chave: crianças carentes, aban-dono, miséria
Áreas envolvidas: Língua Portuguesa, Geografia, Arte
Temas transversais: Ética
Público-alvo: alunos da 5–a e 6–a séries do Ensino Fundamental
PROPOSTAS DE ATIVIDADES Antes da leitura
1. Analise os elementos da imagem que ilustra a capa de Victor Burton. Sobre os ladrilhos de uma calçada, vê-se uma crian-ça adormecida: o tronco nu, os braços esti-cados em abandono. Será que sonha? O que protege com o corpo?
2. Verifique se os alunos notam a oposição entre o fundo negro em que se destaca o título Crianças na escuridão e o branco do piso em que a criança repousa.
Que sentidos pode ter “escuridão”? 3. Investigue o que os alunos sabem ou pensam sobre as crianças de rua. Como imaginam a vida delas? Que sentimentos nutrem a respeito dessas crianças? Que contato têm com elas?
Durante a leitura
1. Antecipe que o livro que vão ler ganhou prêmios em outros países. Peça que leiam tentando descobrir por quê.
2. O autor usa alguns recursos de lingua-gem que reforçam a expressividade das cenas, como as repetições, as frases curtas, muitas delas nominais — sem verbo. Há várias passagens assim, como, por exemplo: “Meninas. Outras meninas. Várias meninas. Éramos todas meninas e Doca não era a maior delas”.
Peça que os alunos leiam observando es-ses e outros recursos de linguagem ao lon-go da narrativa.
Depois da leitura
✦ nas tramas do texto
1. Abra com os alunos uma discussão sobre o que leram. A idéia que faziam sobre a vida de uma criança de rua foi alterada? Em quê? Investigue que sentimentos a lei-tura despertou neles. Faça um levantamen-to das cenas que mais os levantamen-tocaram.
2. Leia com os alunos o posfácio e discutam as idéias que o autor apresenta sobre seu livro. Ponha em discussão a frase “Nenhum país pode ser feliz se suas crianças choram ou sofrem”. Pergunte se eles acreditam que escrever sobre esse problema pode ajudar a solucioná-lo.
3. Diz ainda o autor a respeito do livro: “Se apenas um coração jovem se indignar di-ante de tanto sofrimento e desesperança, terá valido a pena escrevê-lo”. Proponha aos alunos que lhe respondam através de uma carta ou e-mail, dizendo como se sen-tiram após a leitura.
4. Pergunte se acharam que a obra mere-ceu os prêmios que ganhou.
✦ nas telas do cinema
Os miseráveis é a célebre obra de Victor
Hugo que, no século XIX, retratou a vida dos miseráveis e famintos da França, opri-midos por uma aristocracia egoísta e cheia
de privilégios (soa familiar, não é?). A obra atravessou os séculos, foi transformada em peça teatral e, mais recentemente, em musical de sucesso. Que tal conhecê-la e fazer uma comparação com os miseráveis de hoje?
✦ nos enredos do real
1. O livro denuncia a triste realidade de muitas crianças que, sem direito à infân-cia, perambulam pelas ruas das cidades brasileiras.
Leia, com os alunos, o Estatuto da Criança
e do Adolescente, disponível em sites como
o http://www.cidadaocriancabrasil.com.br e proponha que identifiquem episódios do livro em que são narradas situações de fla-grante desrespeito aos direitos da criança e do adolescente, como, por exemplo: • “O guarda me chutou. Assim, sem mais nem menos, apenas pelo prazer de chutar”. • “O pai bebe de cair e bate em todo mun-do… Pidona é revoltada. Ela não voltou para casa e tinha o corpo todo cheio de marcas, o dedão inchado…”
2. Organize a turma em grupos e peça que investiguem a atuação dos órgãos públi-cos responsáveis pelo bem-estar das crian-ças e dos jovens, como a Febem em São Pau-lo. Como funcionam? São eficazes? Respei-tam o Estatuto da Criança e do Adolescente? Organize um painel de cada grupo com informações e comentários e estimule-os a levantar possíveis ações que poderiam con-tribuir para resolver o problema.
3. O problema do menor abandonado é um dos mais graves e mais tristes de nosso país. Muitas ONGs vêm tentando atenuá-lo, al-gumas com certo sucesso. Convide um re-presentante de uma delas para dar uma palestra à classe, explicando-lhe como atua, como a organização começou, que resultados vem alcançando e como seria
possível aos alunos contribuir na prática para minimizar esse problema. Aí vão al-guns sites para você consultar:
http://www.cidadaocriancabrasil.com.br http://www.pastoraldomenornacional.hpg.ig.com.br http://www.goldeletra.org.br
DICAS DE LEITURA
◗ do mesmo autor
Um sonho dentro de mim — São Paulo,
Moderna
Bença, mãe — São Paulo, Moderna
Numa véspera de Natal — São Paulo,
Moderna
◗ sobre o mesmo gênero e assunto
Amarelinho — Ganymédes José, São
Pau-lo, Moderna
Quando só resta o demônio — Orlando de
Miranda, São Paulo, Moderna
Eu gosto tanto de você… — Leila Rentroia
Iannone, São Paulo, Moderna ◗ leitura de desafio
As aventuras de Huckleberry Finn e As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain
— São Paulo, Ática.
Tom e Huck podem ser considerados dois dos maiores aventureiros da literatura mun-dial. Huck, filho de um conhecido beberrão, era odiado por acharem-no preguiçoso, sem-educação, vulgar e mau; Tom é um ór-fão desobediente e trambiqueiro.
Embora classifiquem os livros como aventu-ra paaventu-ra jovens, são mais do que isso; neles é possível deliciar-se com a grande habilida-de habilida-de Twain como escritor e reconhecer a corajosa denúncia da sociedade escrava-gista americana da metade do século XIX. Tom e Huck são meninos que transforma-ram as ruas em espaço de liberdade e de descobertas.