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AFINAL, O QUE PENSAMOS DA COPA? UMA BREVE ANÁLISE DOS ENQUADRAMENTOS DO TEMA

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Academic year: 2021

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AFINAL, O QUE PENSAMOS DA COPA? UMA

BREVE ANÁLISE DOS ENQUADRAMENTOS

DO TEMA

Ana Carolina Vimieiro

Queensland University of Technology (QUT)

anacarolsco@gmail.com

Resumo: Esse texto analisa de forma bastante breve algumas das muitas interpretações sobre a Copa 2014 presentes no debate público sobre o tema. Para isso, usamos o conceito de enquadramento e mencionamos exemplos de três perspectivas discutidas: a da festa, a da falta e a da comodificação. Essas visões sobre o evento são vistas aqui como refletindo os dilemas sociais do Brasil contemporâneo.

Palavras-chave: copa; enquadramento; futebol; FIFA; jornadas de junho.

Abstract: This paper analyses in a rather brief way some of the many understandings found in the public space about the World Cup 2014. For that, I use the concept of framing, mentioning examples of three approaches here discussed: one related to a notion of “party”, another that focuses in the scarcity, and the last one around the commodification idea. These views about the event are understood as reflecting the social dilemmas of the modern-day Brazil.

Keywords: world cup, framing, football, FIFA, June journeys.

A Copa do Mundo de 2014 foi nos últimos anos um dos temas mais calorosamente debatidos no Brasil. Como muitos, acompanhei grande parte da discussão que se seguiu ao anúncio do país como sede ainda em 2007. Lembro da animação de muitos com a ideia de que, depois de mais de meio século, o mundial voltaria a ser sediado no Brasil. Também lembro de como os mais céticos já chamavam a atenção para os insucessos do Pan e para os diversos problemas que a África do Sul enfrentava em seus preparativos para a Copa de

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2010. Vi a disputa politiqueira que foi a decisão sobre cidades e estádios-sede e recordo também momentos-chave como a queda do ex-ministro do esporte Orlando Silva e do ex-manda-chuva da CBF1, Ricardo Teixeira. Lembro ainda da

presidente Dilma evitando Teixeira e endurecendo com Jérôme Valcke no episódio do “pé na bunda”, e ainda vi o Congresso aprovar uma Lei da Copa que ficava em cima do muro em questões controversas como a da venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Vi estórias de gente sendo despejada, licitações e concessões controversas de arenas, os protestos que tomaram as ruas do país ano passado, mas também me lembro bem que a “Copa das Manifestações” foi uma das mais bem sucedidas em termos de público e audiência na história dos eventos preparatórios da FIFA2.

Para ser sincera, meu ânimo, assim como o de muitas outras pessoas, acompanhou essas e outras questões, na medida em que elas foram se desenrolando nessa longa jornada de preparação. E eis que agora o evento, amado por boa parte dos brasileiros e ao mesmo tempo odiado quase que na mesma medida (e talvez até pelas mesmas pessoas), vai finalmente acontecer. Como talvez ainda não seja nem o tempo e nem o lugar para nos enveredarmos pelos pormenores das muitas questões em torno da Copa (afinal, ela nem ocorreu ainda), o único e modesto objetivo aqui é discutir alguns poucos dos muitos ângulos do tema, apontando como a Copa tem sido associada a uma pluralidade de ideias e concepções tão diversas quanto o próprio país que a sediará. Para isso, vou usar o conceito de enquadramento como uma lupa para explorar tais variações, que a meu ver revelam na verdade os conflitos mais amplos tendo lugar no Brasil contemporâneo.

1 Confederação Brasileira de Futebol

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Não vou entrar aqui numa discussão detalhada sobre o conceito de enquadramento (ou framing, o termo em inglês). Em outras ocasiões, eu e outros abordamos tanto os aspectos teóricos quanto metodológicos relacionados ao tema (ENTMAN, 1993, 2004; ENTMAN et al., 2009; MATTHES, KOHRING, 2008; VIMIEIRO, 2010; VIMIEIRO, DANTAS, 2009; VIMIEIRO, MAIA, 2011a, 2011b). Basta ao leitor compreender que, de forma bastante simplista, podemos dizer que ao falarmos sobre um objeto, escolhemos (consciente ou inconscientemente) um ângulo (ou vários) pelo qual o abordaremos. Essas escolhas se manifestam, por exemplo, através da forma como definimos o problema, das causas que damos para aquela questão e por outros elementos que associamos ao assunto. Gosto sempre de mencionar o exemplo do tema da obesidade, já que neste caso os enquadramentos são bem diferenciáveis: pode-se falar que a obesidade tem causas individuais (aquela pessoa se alimenta mal e é sedentária), genéticas (ela carrega um gene que propicia o ganho de peso) ou sociais (aquela pessoa não tem acesso, assim como muitos, à alimentação adequada e a locais para se exercitar). Distintas causas carregam consigo uma série de implicações, inclusive em termos das políticas adotadas em diversas áreas para solucionar de uma forma ou de outra um problema. O interessante aqui é pensar em como os enquadramentos estão assim relacionados com disputas de poder entre grupos com visões distintas sobre as causas e possíveis soluções para uma questão. Mas enquadramentos também não são sempre opostos uns aos outros e não necessariamente são tão explícitos como no caso da obesidade. Por isso afirmei que o conceito servirá de lupa, nesse caso para tentarmos compreender um pouco melhor o que pensamos da Copa. Passemos à minha breve análise.

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O que eu chamaria de enquadramento da festa me parece facilmente encontrado nas muitas propagandas mencionando de alguma forma a Copa, e claro, sobretudo naquelas que envolvem produtos e empresas patrocinando o evento. Não preciso fazer uma lista infindável aqui, mas a maioria aciona elementos da cultura popular brasileira como o carnaval e o próprio universo do futebol para demonstrar como a Copa no Brasil será na verdade uma espécie de Copa das Copas --- afinal, os brasileiros sabem como fazer uma “festa”. Indo além, eu diria que tal enquadramento não é exceção da TV e publicidade brasileiras. Um breve exemplo de fora vem da SBS3, emissora pública de TV da

Austrália que irá transmitir o evento. A peça de divulgação da Copa4, que tem

cerca de 30s, mostra crianças jogando bola na praia, imagens do Olodum, jovens jogando capoeira e lindas cenas de uma “ola” dentro de um estádio. Ainda tem uma sequência com jogadores famosos dançando depois de um gol, passistas de frevo, carnaval, futevôlei e uma linda tomada de uma praia carioca no cair da tarde. Tudo isso ao som de Magalenha Rojão e com o slogan “Brazil is coming”. O misto das noções acionadas aqui, como a suposta sensualidade e plasticidade brasileiras, o elemento exótico de uma cultura “quente” e movida pela paixão, te convidam imediatamente a curtir a festa que o Brasil saberia fazer como ninguém.

É nessa lógica também que a abordagem da festa responde a outras perspectivas, como, por exemplo, na associação entre o bordão “Imagina na Copa” com os “pessimistas de plantão” --- a Brahma fez isso em uma de suas peças5. Mas eu não colocaria todos aqueles que criticaram o evento no mesmo

saco. Existe para mim diversos ângulos de discussão da questão, que variaram conforme a fase preparatória se desenrolou. Um dos mais proeminentes durante

3 Special Broadcasting Service – Serviço Especial de Radiofusão. 4 Disponível em: http://youtu.be/3ZlMWKFj31g.

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os protestos do ano passado foi a ideia de que o Brasil não estava pronto para sediar um evento dessa magnitude tendo em vista os diversos problemas que o país ainda apresenta nas áreas de educação, saúde e segurança (os três pontos muitos acionados nesse contexto). O vídeo da brasileira Carla Dauden6 (aquela

mesmo que explica porque ela não estava indo para a Copa) virou hit à época das manifestações e é o exemplo típico aqui.

O problema no caso não é exatamente o evento, mas o país, que supostamente não estaria preparado e nem precisaria disso nesse momento. Para Carla (e para muitos dos que saíram às ruas em 2013), um país com um alto número de analfabetos, com um baixo índice de desenvolvimento humano, um lugar onde milhares ainda passam fome todos os dias, e outros tantos morrem nas filas de hospitais, não deveria gastar cerca de R$30 bilhões com a Copa do Mundo, sobretudo porque a maior parte deste montante estaria sendo destinada à construção de novos estádios. Nesse sentido, o vídeo é um exemplo típico do que eu chamaria de enquadramento da falta, no sentido de que o problema aqui é o próprio país, que não deveria e também seria incapaz de organizar a Copa do Mundo. Entretanto, assim como ganhou muitos adeptos, o vídeo também foi fortemente criticado por apresentar uma visão de classe média acerca dos problemas enfrentados pelas classes mais baixas brasileiras. Para muitos, Carla fez um vídeo sensacionalista em que ela descreve o país de forma simplista e estereotipada e que ignora as mudanças da última década, período inclusive em que a brasileira passou grande parte morando no exterior7.

Uma outra abordagem que é levemente acionada neste vídeo, mas que dominou sobretudo os círculos de pessoas mais ligadas ao futebol em si foi

6 Disponível em: <http://youtu.be/ZApBgNQgKPU>

7 Alguns exemplos desse tipo de crítica podem ser encontrados nos seguintes endereços:

<http://abrazilianoperatinginthisarea.wordpress.com/2013/06/26/sim-eu-vou-a-copa-do-mundo-ao-contrario-da-carla-que-mora-nos-eua/> e <http://cbjm.wordpress.com/2013/06/24/no-im-not-going-to-the-world-cup-a-desconstrucao-de-uma-fraude/>

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aquele que foca na FIFA e no evento como problemas. Muitos foram aqueles que criticaram a entidade maior do futebol e sua forma de fazer negócio, se destacando aqui o papel que teve as denúncias do jornalista da BBC8 Andrew

Jennings, que pesou nas costas do super-poderoso Ricardo Teixeira e também da própria FIFA. Inúmeros jornalistas esportivos como Juca Kfouri e José Cruz esmiuçaram a forma de negociação do evento com os países-sede, ressaltando as obrigações que a FIFA impunha aos governos no caso de aceitarem ser os anfitriões. O ponto principal deste enquadramento, que também adota uma postura crítica em relação à Copa, é a própria entidade máxima do futebol, que obrigaria países em desenvolvimento e em busca da visibilidade que o mundial os propiciaria a fazerem um evento “exógeno” e sem alma, que segue o famoso “padrão FIFA” e não se adapta às realidades particulares. E aí aqui o ponto não seria apenas o que fato de que países como a África do Sul e o Brasil ainda apresentam inúmeros dilemas sociais que acarretariam em necessariamente problemas para o evento, mas também o sentido acultural de um torneio que muda de país, de continente, mas onde as pessoas continuam a beber Budweiser e comer McDonalds. Os protestos de menor expressão envolvendo as baianas do acarajé em Salvador e o tropeiro em Belo Horizonte são bons exemplos de como o que eu chamaria de enquadramento da comodificação é acionado. Aqui, é a modernização do futebol e sua transformação em indústria que é criticada. Em especial, a forma como a entidade maior do esporte monetiza sua principal mercadoria (a Copa) e a falta de transparência e de accountability da organização (assim como da irmã brasileira, CBF) são pontos comuns de crítica.

Eu apenas nomeei aqui três enquadramentos num universo de discussão que tem tantos pontos de vista e abordagens que no final a sensação mesma é de

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incompletude. Por exemplo, não discuti como o enquadramento da falta tem sido contra-argumentado a partir de evidências de pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) de que a Copa das Confederações teria gerado quase R$10 bilhões ao PIB brasileiro e que numa extrapolação a Copa em si geraria R$30 bilhões, o que pagaria os investimentos nos tão criticados novos estádios (RIBEIRO, 2014). Além disso, não explorei as contradições entre a ideia de que “não vai ter Copa” com o fato de que só na primeira etapa de vendas do evento mais de 6 milhões de pessoas candidataram-se à compra de tickets (889,305 tickets allocated during the random selection draw for the 2014 FIFA World Cup, 2013). Sem contar que até o final da segunda fase de vendas, cerca de 65% dos mais de 2,5 milhões de ingressos vendidos tinham ido para as mãos de brasileiros (2.57 million tickets already allocated to fans, 2014). Fora os novos enquadramentos, re-enquadramentos e sub-enquadramentos emergindo em função da disputa eleitoral de 2014.

Enfim, a Copa e suas implicações ainda vão render uma pluralidade de análises de pesquisadores de várias áreas. O que me parece claro é como os argumentos acionados em cada enquadramento e seus respectivos contra-argumentos refletem as disputas maiores tendo lugar no Brasil contemporâneo. Em especial, me parece que eles refletem dilemas maiores que apontam a necessidade de continuarmos a refletir sobre o processo de modernização do país, tema central do pensamento social brasileiro há tantas décadas e que continua fundamental para entendermos os conflitos de hoje.

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Referências

FIFA (Fédération Internationale de Football Association). 2.57 million tickets already allocated to

fans. Zurique. 2014. Disponível em: <

http://www.fifa.com/worldcup/news/y=2014/m=4/news=million-tickets-already-allocated-fans-2312651.html >.

FIFA (Fédération Internationale de Football Association). 889.305 tickets allocated during the

random selection draw for the 2014 FIFA World Cup. Zurique. 2013. Disponível em: <

http://www.fifa.com/worldcup/news/y=2013/m=11/news=889-305-tickets-allocated-during-the-random-selection-draw-for-the-2014--2218428.html >.

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