• Nenhum resultado encontrado

Quem são essas pessoas? - arquivos pessoais inseridos no âmbito do teatro, à luz da teoria arquivística

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Quem são essas pessoas? - arquivos pessoais inseridos no âmbito do teatro, à luz da teoria arquivística"

Copied!
57
0
0

Texto

(1)

DEPARTAMENTO DE CIENCIA DA INFORMAÇÃO – GCI CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUIVOLOGIA

FABIANA SIQUEIRA FONTANA

QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? – ARQUIVOS

PESSOAIS INSERIDOS NO ÂMBITO DO

TEATRO, À LUZ DA TEORIA ARQUIVÍSTICA

NITERÓI 2017

(2)

FABIANA SIQUEIRA FONTANA

QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? – ARQUIVOS PESSOAIS INSERIDOS NO ÂMBITO DO TEATRO, À LUZ DA TEORIA ARQUIVÍSTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Grau de Bacharel. Área de Concentração: Arquivologia.

ORIENTADORA:Prof.ª Dr.ª Clarissa Moreira dos Santos Schmidt

Niterói 2017

(3)

FABIANA SIQUEIRA FONTANA

QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? – ARQUIVOS PESSOAIS INSERIDOS NO ÂMBITO DO TEATRO, À LUZ DA TEORIA ARQUIVÍSTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Grau de Bacharel. Área de Concentração: Arquivologia.

APROVADO EM: / / BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Clarissa Moreira dos Santos Schmidt (Orientadora) Universidade Federal Fluminense

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Margareth Silva

Universidade Federal Fluminense

______________________________________________ Prof. Dr. Renato de Mattos

Universidade Federal Fluminense

Niterói 2017

(4)

Dedico este trabalho aos amigos do Cedoc/Funarte, por dividirem comigo as angústias, as incertezas e a imensa satisfação que marcam o cotidiano de quem lida com a preservação do patrimônio documental, em especial, do teatro brasileiro.

(5)

AGRADECIMENTOS

Nenhuma jornada como a que busco encerrar agora se faz sozinho. Por isso, agradeço: Antes de todos, aos meus pais - Maria Aparecida e Erlons - pela credibilidade que deram a uma nova aposta que parecia, às vezes, ser um recomeço. O interesse deles pela minha trajetória acadêmica, feita em zigue-zague, é comovente.

A minha irmã Carolina, pela cumplicidade que existe na nossa condição de “gêmea”. A professora Clarissa Schmidt, não só por aceitar orientar este trabalho, como também por me fazer insistir nesta formação. Sua compreensão quanto àquilo que se impunha muitas vezes como empecilho para o prosseguimento de meus estudos em Arquivologia foi essencial para que eu chegasse até o fim.

Aos professores Margareth Silva e Renato de Mattos, por aceitarem compor a minha banca de Trabalho de Conclusão de Curso. Ao segundo, agradeço ainda, a oportunidade, no âmbito da UFF, de reencontrar, já no encerramento desta minha graduação, os motivos que me conduziram até ela: os arquivos permanentes e, em específico, os arquivos pessoais.

A todos os amigos feitos no Cedoc/Funarte, a quem já dediquei este trabalho. Entre eles, é preciso, no entanto, frisar, três pessoas em especial. Joelma Neris Ismael, por me ensinar a enxergar o consulente com a devida atenção e amabilidade que merece. Cristina Flores Penha Valle, por me acolher em sua casa, e pela torcida e apoio nos momentos finais deste percurso. E Caroline Cantanhede; com ela divido quase que uma espécie de fascínio pelos elementos que compõem a equação que constitui este trabalho: os arquivos pessoais, a arquivologia e o teatro. Sei que muitos dos meus pensamentos, expressos nas linhas seguintes, têm sua origem nas trocas que estabelecemos ao longo de mais de 10 anos de parceria – os quais resultaram numa grande e indispensável amizade.

Aos amigos e professores do teatro, Tania Brandão, Natasha Corbelino, Lincoln Vargas, Jussilene Santana, por acompanharem e compreenderem os sentidos dos meus passos. Aproveito para deixar expressa minha gratidão aos docentes do Curso de Teatro da UFSJ, com quem dividi um cotidiano de trabalho em meio a etapas cruciais desta outra formação que se encerra. Ressalto o nome de Berilo Nosella, pelos arranjos nas grades de horário e pelas conversas sobre documentação, teatro e história.

(6)

RESUMO

O presente trabalho se insere no debate sobre os arquivos pessoais, e objetiva tratar do estatuto arquivístico dos conjuntos produzidos por indivíduos e famílias. Para tanto, admite como campo empírico os arquivos pessoais que formam parte do patrimônio documental do teatro brasileiro; especificamente, aqueles que estão sob a custódia do Centro de Documentação e Informação da Fundação Nacional de Artes. Como inicio da discussão, serão examinados aspectos da relação estabelecida entre a Arquivologia, os arquivos pessoais e o teatro. Depois, serão apresentadas algumas características gerais sobre os processos de produção documental dos arquivos de artistas e críticos. Por fim, o debate se encerra com a análise de alguns tipos documentais presentes nos arquivos pessoais observados. Este estudo pretende mostrar que existem, no âmbito do teatro, noções, funções e práticas específicas que devem ser observadas na lida com os arquivos pessoais resultados das trajetórias de indivíduos inseridos neste terreno.

Palavras Chave: Arquivos. Patrimônio documental. Teatro

(7)

ABSTRACT

The present work is inserted in the debate about personal archives and aims to deal with the archival regulations of document sets produced by individuals and families. Therefore, it admits as an empirical field the personal archives that partially composes the Brazilian theater's documentary heritage; specifically those in custody of the Centro de Documentação e Informação da Fundação Nacional de Artes. As to begin the discussion, aspects of the relationship established between archives, personal archives and theater will be examined. Right after, will be presented some general characteristics about the documental production process of archives of artists and critics. Lastly, the debate will end with the analysis of some types of documents found on those personal archives previously examined. This study intend to show the existence, in the theater field, notions, functions and specific practices that must be taken in consideration when dealing with personal arquives that are fruit of the path of the individuals in this area.

Keywords: Archives. Documentary heritage. Theater.

(8)

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...9 1.1 APRESENTAÇÃO...9 1.2 OBJETIVOS...10 1.2.1 Objetivo Geral...10 1.2.2 Objetivos Específicos...10 1.3 JUSTIFICATIVA...11 1.4 METODOLOGIA...13

2. ACERCA DE MARGINALIDADES: OS ARQUIVOS PESSOAIS E O TEATRO NA ARQUIVOLOGIA...15

2.1 OS ARQUIVOS PESSOAIS E A ARQUIVOLOGIA...15

2.2 ARQUIVOS PESSOAIS E O DESCONFORTO QUANTO A NATURALIDADE E A IMPARCIALIDADE DOS DOCUMENTOS DE ARQUIVO...18

2.3 OS ARTISTAS DE TEATRO, SEUS ARQUIVOS E A ARQUIVOLOGIA...22

3. O TEATRO E OS CONTEXTOS DE PRODUÇÃO DOCUMENTAL DOS ARQUIVOS PESSOAIS...25

3.1 O FOCO NO CONTEXTO DE PRODUÇÃO E ABORDAGEM ARQUIVÍSTICA...25

3.2 O PESSOAL DO TEATRO E SUAS FUNÇÕES SOCIAIS...26

3.3 AS ORGANIZAÇÕES TEATRAIS: COMPANHIAS, GRUPOS, EDIFÍCIOS TEATRAIS...31

3.4 OS EVENTOS E OS ARQUIVOS PESSOAIS NO TEATRO ...36

4. ESPÉCIES E TIPOS DOCUMENTAIS NOS ARQUIVOS PESSOAIS DO TEATRO...39

4.1 OS TIPOS DOCUMENTAIS, OS DOCUMENTOS DE ARQUIVO PESSOAL E O TEATRO...39

4.2 A TIPOLOGIA DOCUMENTAL, OS OFÍCIOS TEATRAIS E OS MODOS DE PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO...40

4.3 O USO COMO JUSTIFICATIVA NO ESTUDO DA GÊNESE DOCUMENTAL...48

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...52

(9)

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho se insere no terreno da preservação do patrimônio documental arquivístico, e tem como objetivo central a discussão sobre determinados aspectos da constituição dos arquivos pessoais, analisados a partir da observação de conjuntos documentais formados num âmbito muito particular: o do teatro.

1.1 APRESENTAÇÃO

A pesquisa que aqui se impõem tem origem na minha própria trajetória como documentalista e pesquisadora, e na interdisciplinaridade, nem sempre fácil de ser exercida, que hoje define, inclusive, meus anseios de atuação profissional. Pois foi em decorrência da minha experiência no Centro de Documentação e Informação da Fundação Nacional das Artes (Cedoc/Funarte) que optei por enfrentar uma segunda graduação. O desafio foi gerado por uma ânsia de conhecimento (e de legitimação profissional enquanto formação acadêmica) que pudesse, então, fundamentar a minha relação com aquilo que, desde o meu primeiro envolvimento com o Centro, vinha se tornando a minha mais nova obsessão: o patrimônio documental do teatro. E de forma mais restrita e especial, os arquivos produzidos por indivíduos que tinham suas carreiras inseridas no terreno das artes cênicas.

O Cedoc/Funarte é espaço de referência para aqueles que se dedicam à história e memória do nosso teatro, principalmente no que tange às realizações ocorridas no século XX. O seu acervo, de importância inconteste, é extremamente rico, tanto pela diversidade de seus registros, no que concerne suporte e gênero, como pela sua extensão. Ele guarda um número grande de conjuntos produzidos por personalidades expoentes da arte e cultura brasileiras, como: Djanira, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Tatiana Leskova, etc.

A minha ligação com o Cedoc/Funarte teve inicio cedo, quando eu ainda era recém-formada no Bacharelado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Lá, como prestadora de serviço, trabalhei em diferentes projetos que visavam à organização de conjuntos documentais de natureza privada1. Esses são um dos três tripés que formam, atualmente, o acervo do Cedoc/Funarte. Além das coleções e arquivos produzidos por indivíduos, compõem o patrimônio documental sob a sua responsabilidade o

1 Os momentos de minha atuação no Cedoc/Funarte correspondem a projetos realizados pela instituição entre

2006-2007, 2010-2011 e 2012-2013. Entre 2014 e 2015, trabalhei na biblioteca do órgão, no serviço de referência, auxiliando pesquisas que buscavam registros no acervo privado da casa, entre outras atividades.

(10)

arquivo institucional da Fundação Nacional das Artes2 e os dossiês3, fotográficos ou de impressos, material sob a tutela da Biblioteca Edmundo Moniz e do setor Audiovisual, ambos conectados ao Centro.

Ainda que, nos dias de hoje, eu não esteja mais ligada ao Cedoc/Funarte, este projeto tem origem nas indagações oriundas da minha lida cotidiana com os arquivos pessoais que formam o seu acervo, e pretende discutir à luz da teoria arquivística, aspectos acerca da constituição desses conjuntos, em termos dos seus processos de produção e dos tipos documentais que os compõem. Acredita-se, portanto, que um debate concentrado em tais questões possa ser útil para provar o estatuto de arquivo dos arquivos pessoais, a fim de que estes conjuntos documentais possam ser melhor preservados em consonância com a sua especificidade e natureza.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

 Analisar aspectos dos arquivos pessoais produzidos no âmbito do teatro a fim de contribuir com o debate sobre a especificidade dos conjuntos documentais acumulados por indivíduos ou famílias, à luz da teoria arquivística.

1.2.2 Objetivos específicos

 Verificar como a relação direta entre a noção de personalidade artística, forte no campo do teatro, e do indivíduo, como a entidade que carrega a titularidade de um arquivo pessoal, esconde contextos de produção documental mais complexos, que extrapolam o âmbito do sujeito e da expressão.

 Analisar algumas espécies e tipos documentais comumente produzidos no século XX no Brasil, de acordo, principalmente, com as funções e atividades ligadas à criação, produção e difusão do espetáculo, e aquelas decorrentes dos modos de funcionamento e gerenciamento de uma companhia ou grupo teatral.

2 O arquivo institucional da Funarte reúne diferentes fundos produzidos pelas entidades que compõem a história

administrativa da instituição. Sendo assim, está sob sua guarda a documentação acumulada no interior da Fundacen (Fundação Nacional de Artes Cênicas), da FCB (Fundação do Cinema Brasileiro), do Inacen (Instituto Nacional de Artes Cênicas), do IBAC (Instituto Brasileiro de Arte e Cultura), e do SNT (Serviço Nacional de Teatro). Todo este material é formado por registros de ações governamentais realizadas visando o

desenvolvimento da arte e cultura no Brasil, a partir da década de 1930 (FUNARTE, 2014).

3 A coleção de dossiês do Cedoc/Funarte é formada por documentos agrupados por temas identificados em geral

em torno das seguintes categorias: personalidade, espetáculo, grupo, evento, instituição, assunto e espaço cultural (FUNARTE, 2016).

(11)

1.3 JUSTIFICATIVA

Não é raro encontrar, na literatura dedicada aos arquivos pessoais, menções a opções metodológicas indevidas a organização de um arquivo, no tratamento de conjuntos documentais produzidos por indivíduos. Tais abordagens antiarquivísticas baseiam-se em “critérios originários das bibliotecas” e privilegiam as razões da pesquisa na classificação dos documentos de arquivos pessoais, em detrimento da análise dos contextos em que estes foram gerados (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 37). Desta forma, os arquivos pessoais perdem suas características de arquivo, já que suas peças são exploradas a partir do potencial informativo que guardam. Entendidos, então, como coleções, os arquivos pessoais sofrem, frequentemente, mutilações.

O cenário descrito acima, infelizmente, não é, no meu caso, apenas um quadro observado de longe, traçado a partir do contato com as obras de referência sobre os arquivos pessoais. Tais práticas formam o contexto institucional do Cedoc/Funarte, de modo que expor, aqui, um pouco mais da minha trajetória pessoal é salientar a necessidade, tão aclamada por diversos profissionais, quanto aos arquivos pessoais serem de fato reconhecidos como objeto de pesquisa próprio à Arquivologia, a fim de que possam ser, inclusive, tratados como arquivos.

Minha relação com o Cedoc/Funarte tem como marcos dois importantes momentos para o mesmo no que se refere à atenção dada aos arquivos pessoais em seu interior:

 2006 - Criação do chamado Setor de Arquivos Privados; acontecimento marcado pelo trabalho realizado com os arquivos da Família Oduvaldo Vianna e de Paschoal Carlos Magno (CANTANHEDE; FONTANA, 2011).

 2016 - Publicação do primeiro instrumento de pesquisa da instituição – intitulado Arquivos e Coleções Privados Cedoc/Funarte: guia geral.

Quanto à instauração do Setor de Arquivos Privados, é apenas com ele que os arquivos pessoais, no Cedoc/Funarte, ganharam atenção enquanto conjunto a ser preservado em sua integridade. Referindo-se aos dois fundos citados acima, Helena Ferez, então coordenadora do Centro, explicitava a novidade que o tratamento do Arquivo Paschoal Carlos Magno e da Família Oduvaldo Vianna significou para a instituição: “Estes dois grandes conjuntos que privilegiam as artes cênicas são exemplos da originalidade e do ineditismo dos arquivos

(12)

privados sob a guarda do Cedoc”4. Era a primeira vez que, na Funarte, havia uma preocupação em ao menos manter juntos, e olhar de forma relacionada, os documentos que formavam conjuntos produzidos no decorrer da vida e da trajetória de grupos, indivíduos ou famílias, quando transferidos para a sua custódia.

Entretanto, a criação do setor de Arquivos Privados no Cedoc/Funarte é, extremamente, tardia se tomada como referência a época em que começam a ingressar, nas instituições pregressas a Funarte, conjuntos desta especificidade. Grande parte do acervo do Cedoc/Funarte é formada por documentos oriundos de arquivos pessoais doados por artistas e críticos do teatro. Conjuntos que foram desmantelados a fim de comporem os já mencionados dossiês, organizados por temas. Tal tradição só começou a ser, de fato, revista, no Centro, com a instauração do próprio Setor Arquivos Privados. “Até então, a metodologia empregada preconizava a separação de documentos segundo seu gênero e/ou suporte, sem que a organicidade do conjunto fosse preservada.” (FUNARTE, 2016, p. 17). Para tratar, mesmo que sumariamente, desta problemática – que consiste na cultura organizacional do Cedoc/Funarte - convém pular para a última fase da minha atuação na instituição. Trata-se de relatar a experiência que está gênese da publicação de Arquivos e Coleções Privados Cedoc/Funarte: guia geral.

O instrumento de pesquisa, o primeiro da instituição, é resultado de um trabalho de diagnóstico de uma massa documental acumulada, em decorrência, majoritariamente, de campanhas de doação empreendidas por entidades anteriores à Funarte (SNT, Inacen e Fundacen), realizadas a partir do final da década de 1970. Saber o que era, e o que fazer (descarte?), com tal documentação era o objetivo de um projeto empreendido entre 2012-2013, no Cedoc/Funarte, do qual tive a oportunidade de participar. O envolvimento com os conjuntos que compunham tal massa - cerca de 50 armários e 3176 pastas suspensas - deixou claro os procedimentos “inadequados”, antes adotados, no tratamento dos arquivos pessoais.

Percebemos, dessa forma, que o tratamento dos acervos voltados para as artes cênicas preconizado pela instituição acabava por privilegiar os documentos de forma estanque, principalmente a partir do enfoque do registro do espetáculo mediante as fotografias e demais produtos, tais como programas, [croquis de] cenários, figurinos etc. Ao serem selecionados para tratamento, esses arquivos e coleções eram destrinchados segundo a espécie documental que os compunha e, ainda, apenas algumas partes eram contempladas, segundo uma escala de importância, como no caso de Pernambuco de Oliveira, importante cenógrafo, figurinista, diretor e dramaturgo: apenas seus desenhos foram tratados, restando, ainda, sua documentação textual (CANTANHEDE; FONTANA, 2013).

4 Disponível em: < http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/o-projeto/o-cedoc-e-o-projeto-brasil-memoria-das-artes/>. Consultado em: 05 nov 2017.

(13)

Sendo assim, o manuseio com os conjuntos, em confronto com as listagens realizadas no momento de suas doações, mostrava que aquilo que sobrara reunido era, muitas vezes, resquícios de fundos robustos. Partilhadas pelo Centro, suas peças eram classificadas de acordo com os assuntos elencados na formação dos tais dossiês de impressos ou fotográficos. Logo, muitos dos conjuntos que, hoje, compõem o setor de Arquivos Privados, não têm mais a sua composição original, tendo alguns deles, infelizmente, perdido sua especificidade enquanto arquivos.

Este pequeno relato, que trata da interseção da minha trajetória profissional com a jornada, cheia de peripécias, dos arquivos pessoais no Cedoc/Funarte, serve de fundamento para este trabalho que tem como preocupação principal a defesa dos arquivos pessoais como arquivos.

1.4 METODOLOGIA

Objetivando tratar de aspectos da constituição dos arquivos pessoais, a partir de uma discussão centrada em princípios da Arquivologia, este trabalho adota como campo empírico parte do patrimônio documental do teatro, aquela formada por arquivos produzidos por indivíduos ou famílias, inseridos no século XX.

Utilizando-se de exemplos retirados do contato com a documentação guardada no Cedoc/Funarte, exploram-se nesta pesquisa os conceitos de arquivo e documento de arquivo a fim de discutir os processos de formação de conjuntos documentais acumulados por pessoas, e a natureza de seus itens em termos de tipologia documental. Sendo assim, apoiando-se na abordagem contextual (CAMARGO; GOULART, 2007), o trabalho busca tratar de um dos grandes desafios do arquivista, no âmbito dos arquivos pessoais: “identificar as conexões entre os documentos e o que representam” (OLIVEIRA, 2012, p. 12), de modo a “tornar visíveis fatos e atos que deram origem aos documentos do arquivo objeto de análise” (OLIVEIRA, 2012, p. 65).

Quanto ao estudo dos tipos documentais, em especial, ele presta-se, aqui, para revelar a existência de etapas e atribuições específicas que compõem os processos de criação artística, pois “pelo tipo documental [...] reconhecem-se as atividades e os desdobramentos operatórios das funções da entidade acumuladora” (BELLOTTO, 2014, p. 350). Desta forma, este trabalho tem como centro de articulação uma premissa importante, a ser defendida ao longo do seu desenvolvimento. No caso dos arquivos pessoais gerados no seio do teatro, os registros

(14)

oriundos da trajetória de artistas ou críticos não podem ser analisados apenas com foco no indivíduo, pois dizem respeito a práticas e noções partilhadas que compõem contextos socioculturais amplos, no qual se circunscreve a arte. Ou, de forma mais clara, é preciso chamar atenção para o fato de que, ao menos no âmbito do teatro, o contexto de produção do arquivo pessoal é mais complexo que a biografia do seu titular.

Por fim, cumpre apresentar a estrutura do trabalho. Em um primeiro momento serão investigados aspectos da tríade que compõem esta pesquisa: Arquivologia, arquivos pessoais e teatro. Após, serão apresentadas características gerais sobre os processos de acumulação dos arquivos pessoais de artistas e críticos teatrais, chamando atenção para conceitos opostos à subjetividade e expressão, que muitas vezes dominam os discursos sobre arquivos pessoais e a arte. Tal discussão se fecha com a análise de alguns tipos documentais presentes nos conjuntos que formam o campo empírico desta pesquisa. Pretende-se mostrar que existem funções constitutivas do fazer teatral que devem ser observadas na identificação dos documentos de arquivos pessoais.

(15)

2. ACERCA DE MARGINALIDADES: OS ARQUIVOS PESSOAIS E O TEATRO NA ARQUIVOLOGIA

“[...] ao considerar como de arquivo os documentos acumulados ao longo da vida de uma pessoa, é preciso submetê-los aos princípios da ciência arquivística, assumindo as dificuldades e os problemas que a tarefa impõem.” (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 24)

2.1 OS ARQUIVOS PESSOAIS E A ARQUIVOLOGIA

Os arquivos pessoais vêm, atualmente, ganhando atenção, no contexto nacional, não só de pesquisadores que deles usufruem para suas pesquisas, mas de profissionais responsáveis pelos mesmos, em termos de sua custódia. Desta forma, são cada vez mais frequentes eventos e publicações que visam discutir as especificidades que envolvem estes conjuntos documentais e os desafios que guardam o seu processamento técnico e difusão.

Ainda assim, boa parte dos pesquisadores dedicados ao assunto atesta que seu lugar, no seio da teoria arquivística, é ainda periférico.

Uma primeira explicação para o fato reside na ausência dos arquivos pessoais em obras que são consideradas os pilares da teoria arquivística clássica e moderna; obras que, portanto, são fundamentais a própria edificação da Arquivologia, enquanto ciência autônoma, a partir do século XIX. Hobbs (2016) aponta tal carência em relação aos famosos escritos de Hilary Jenkinson e Theodore Schellenberg, por exemplo. Menciona também a consideração de Terry Cook no que concerne ao Manual dos Holandeses: os seus autores “transferiram arquivos privados e pessoais para a alçada das bibliotecas e dos bibliotecários” (COOK, 1997, p. 21 apud HOBBS, 2016, p. 305). Para o canadense (COOK, 1997), a aproximação entre os arquivos pessoais e as bibliotecas atesta a concepção, ainda não totalmente ultrapassada, de que os conjuntos documentais produzidos por indivíduos devem ser considerados como manuscritos históricos – material classificado, por tradição, em consonância aos preceitos da biblioteconomia. Sendo assim, Cook (1997) afirma que há, portanto, uma polarização entre arquivos pessoais e institucionais, em diversos países, a qual interfere no recolhimento dos primeiros por instituições arquivísticas:

Em boa parte da Europa e em muitas de suas antigas colônias, os arquivos nacionais, via de regra, não recolhem papéis pessoais de indivíduos particulares (exceto de políticos e burocratas) em bases iguais às dos documentos oficiais do governo nacional. Esse padrão se repete nos níveis dos governos e arquivos estaduais, provinciais, regionais e locais ou municipais. Quanto ao destino dos arquivos pessoais ou dos manuscritos

(16)

privados, na maioria dos países são adquiridos pela biblioteca nacional, pelas bibliotecas regionais, ou pelas principais universidades e até mesmo por museus e por institutos de pesquisa ou documentação temáticos ou especializados. Assim é que os diversos domicílios institucionais dos arquivos públicos e pessoais reforçam suas diferenças, tanto quanto o fazem suas distintas origens e estruturas legislativas (COOK, 1997, p. 130).

A questão colocada por Cook e Hobbs acerca da marginalidade dos arquivos pessoais na teoria e insituições arquivísticas relaciona-se ao próprio surgimento da Arquivologia e sua trajetória de construção disciplinar a partir do advento dos arquivos públicos. Basta lembrar que o marco para o nascimento da Arquivologia Clássica – momento em que há a definição da Arquivologia como uma área do saber – é a emergência da “centraliação dos arquivos, principalmente a partir dos arquivos franceses no Arquivo Nacional” (SCHMIDT, 2015, p. 46). Neste momento surge “a concepção de arquivo como um ramo especializado do serviço público, ou seja, o arquivo como instituição com funções e serviços específicos, inaugurado a partir da Revolução Francesa” (SCHMIDT, 2015, p. 88). Desse modo, a

trajetória dos arquivos e da arquivologia vem, portanto, assinalada pela institucionalização dos arquivos. A necessidade de regular as relações comerciais, determinar a presença do Estado, registrar os processos de dominação dos povos, controlar a informação sobre a sociedade e assegurar a propriedade promoveu a criação dos arquivos e, principalmente, dos arquivos públicos.” (OLIVEIRA, 2012, p. 32)

Hobbs (2016) mostra que, no contexto internacional, apenas em meados dos anos 1970, os arquivos pessoais passaram a se tornar objeto de interesse dos arquivistas, tendo, então, sido discutidos por importantes nomes da área: Chris Hurley, Richard Cox, Adrian Cunningham, Sue McKemmish, Verne Harris, etc. No Brasil, é também no inicio desta mesma década que estes ganham uma atenção especial ao se tornarem tema de um manual de procedimentos técnicos específico. Trata-se da experiência do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporâneo do Brasil – o CPDOC/FGV (HEYMANN, 2012). É preciso lembrar aqui, para explicitar o “atraso” que se quer apontar, que a Arquivologia em nosso país começa a se estabelecer, de forma efetiva, com a fundação do Arquivo Nacional, em 1838, ainda que a produção documental tenha se iniciado já no período colonial (SCHMIDT, 2015).

A demora pontuada acima não prova apenas a marginalização dos arquivos pessoais na Arquivologia, mas a própria dúvida, que ainda existe na área, acerca do estatuto de arquivo no caso de conjuntos documentais produzidos por indivíduos. Percebe-se isto na própria adjetivação que forma o termo “arquivos pessoais”. Mesmo que o nome defina uma categoria importante na distinção de especificidades que cercam a produção de tais conjuntos de

(17)

documentos, ela atesta a dimensão de um “estranho no ninho” no âmbito da teoria arquivística. Pois, os arquivos institucionais, seja qual for sua origem, são geralmente denominados simplesmente como arquivo; ganhando, muitas vezes, a qualificação “institucional” quando tratados em comparação aos arquivos pessoais.

É precisa ainda pontuar o contexto, de fato, em que há a emergência dos arquivos pessoais na Arquivologia: durante a eclosão dos documentos digitais e o aparecimento da Arquivologia contemporânea. Sendo assim, o fenômeno é, talvez, consequência menos do interesse dos arquivistas pelas particularidades dos arquivos pessoais, e sim da revisitação do estatuto científico da Arquivologia em decorrência da crise que se instala no âmbito dos arquivos dada a interferência da informática na produção documental (ABREU, 2016). Pois se a Arquivologia moderna, preocupada essencialmente com a gestão dos documentos, não pôde absorver os arquivos pessoais, de modo a tratar deles como objeto para o desenvolvimento de si própria como ciência, na contemporaneidade a aproximação junto aos arquivos pessoais ocorre justamente por se questionar os pressupostos que até então formavam a base da teoria arquivística (ABREU, 2016).

Neste sentido é ilustrativo o pensamento de Terry Cook (1998) sobre o problema. Partindo da questão: “os princípios e conceitos arquivísticos tradicionais, que foram desenvolvidos para os documentos de instituições, são também relevantes para os arquivos de indivíduos, famílias e grupos?” (COOK, 1998, p. 129), ele declara ser contrário à polarização entre arquivos institucionais e arquivos pessoais. Porém, tratando pouco do assunto em si, o que Cook deseja é testar, e mesmo invalidar, os preceitos formulados no seio da Arquivologia clássica e moderna, diante do que ele considerava então os novos problemas enfrentados com o surgimento dos documentos eletrônicos.

Thomassen parece, no entanto, mais atento aos arquivos pessoais, mesmo apostando na dissolução da dicotomia que ainda define as discussões sobre o tema. Segundo Abreu (2016), ele

acredita que a contemporaneidade se identifica pela difusão das fronteiras entre o público e o privado, entre o institucional e o pessoal, posto que as tecnologias de informação individualizam a produção de documentos e potencializam a auto documentação. O autor acredita no deslocamento de uma abordagem centrada no Estado para uma abordagem centrada nas pessoas e nesse sentido o foco se deslocaria dos arquivos públicos para o arquivamento privado (ABREU, 2016, p. 32).

A despeito das discussões que envolvem e definem as diferentes correntes arquivísticas, o fato é que a entrada “tardia” dos arquivos pessoais para o âmbito da Arquivologia - consequência do próprio desenvolvimento da disciplina a partir da

(18)

institucionalização dos arquivos públicos - parece ter contribuído para o estabelecimento de duas orientações antagônicas acerca do processamento técnico dos arquivos pessoais:

a primeira é de responsabilidade de teóricos que concordam que as práticas de procedimento técnico aplicadas a arquivos de instituições podem ser integralmente aplicadas aos arquivos pessoais; a segunda é postulada por aqueles que ainda vislumbram espaços para novas explorações e consequentemente afastamentos de tais métodos. (HOBBS, 2016, p. 314). Em ambos os casos, os arquivos pessoais, quando pensados em interseção à teoria arquivística, mantém, de forma geral, seu papel de coadjuvante. Ou são impostos métodos para sua organização não elaborados em vista das particularidades que caracterizam a produção documental de um sujeito ou de uma família, ou se abre mão, às vezes com extrema facilidade, dos preceitos arquivísticos na classificação de seus itens. O arquivo pessoal vai se tornando, assim, a terra de ninguém ou de qualquer um, menos do arquivista.

Dadas as componentes históricas que estão na base da marginalidade dos arquivos pessoais no seio da Arquivologia, outras razões fundamentam o que se poderia definir como o incômodo que conjuntos documentais desta natureza causam aos profissionais e pesquisadores da área. Discuti-lo é travar um debate sobre alguns dos conceitos fundamentais que gravitam em torno das próprias definições de documento de arquivo e, consequentemente, de arquivo.

2.2 ARQUIVOS PESSOAIS E O DESCONFORTO QUANTO A NATURALIDADE E A IMPARCIALIDADE DOS DOCUMENTOS DE ARQUIVO

Em termos conceituais, pode-se dizer que o constrangimento que os arquivos pessoais causam ainda à Arquivologia advém da ideia de que, quando se trata de um indivíduo, a produção documental é encara sempre como intencional. De certa forma parece residir aí a noção de sujeito como um ser autônomo; no âmbito do qual qualquer ação ou decisão, como a de criar e guardar documentos, se desse sempre baseada na liberdade - em contraste com as regras que definem e ditam o desenvolvimento das sociedades.

Sendo assim, a questão da intencionalidade marca, muitas vezes, e de diferentes formas, os discursos acerca dos processos de constituição dos arquivos pessoais; de modo que esses são distinguidos dos arquivos institucionais tanto em relação à elaboração dos registros quanto no que concerne a acumulação dos mesmos na formação do conjunto documental. Em relação ao assunto, Silva (2015, p.182) atesta: “Os documentos produzidos na esfera pessoal, diferentemente da institucional, não necessariamente precisam seguir fórmulas rígidas de

(19)

confecção, nem seguir normativas de guarda e descarte”. Compreende-se, portanto, que a formação

dos arquivos pessoais permite ao seu produtor uma liberdade de acumulação, de organização e de seleção, que pode ser baseada em critérios próprios ou simplesmente pela falta deles. Os critérios podem ser de acordo com o entendimento, o gosto ou as necessidades pessoais de seu produtor, pois é a necessidade individual que prevalece no âmbito doméstico. (SILVA, 2015, p. 182).

Percebe-se que a ideia de liberdade vai se consolidando como a razão da formação dos arquivos produzidos por indivíduo, ainda que em várias referências, como a feita acima a Silva, exista também a menção a necessidade como fator de seleção dos documentos. Um dos estudos mais citados nessa perspectiva é o de Fraiz (1998) acerca do fundo Gustavo Capanema. Tendo encontrado junto ao espólio do político, “documentos de autoria do titular, referentes ao planejamento e à organização do [seu] próprio arquivo” (FRAIZ, 1998, p. 60), o que ela denominaria depois de meta-arquivo, Fraiz, passa a analisar este conjunto como sendo o “projeto autobiográfico de Capanema, na medida em que a construção de seu arquivo pessoal podia ser reveladora da maneira como ele constituía, emprestava um sentido, dava coerência e solidificava seu eu, sua imagem.” (FRAIZ, 1998, p. 60).

O entendimento de que um arquivo, quando pessoal, possa ser visto como algo criado de maneira deliberada - consequência da ideia de autonomia que carrega um sujeito enquanto produtor de um arquivo - concentra, em muito, a razão do distanciamento dos arquivos pessoais da teoria arquivística; já que tal compreensão atinge diretamente a naturalidade como aspecto de definição dos arquivos enquanto conjuntos documentais de natureza específica (HEYMANN, 2013).

A naturalidade “diz respeito à maneira como os documentos se acumulam no curso das transações de acordo com as necessidades da matéria em pauta”, de modo que os documentos de arquivo não são “concebidos fora dos requisitos da atividade prática”, acumulando-se, portanto, de “maneira contínua e progressiva”, coerente e espontaneamente com as ações a que se ligam (DURANTI, 1994, p. 52). A naturalidade refere-se mesmo à própria “causa da produção de um documento de arquivo gerado no âmbito do cumprimento das atividades de seu produtor” (OLIVEIRA, 2012, P. 67). Da naturalidade decorre a primeira qualidade que Delmas (2010) enxerga ao distinguir um documento de arquivo de qualquer outro, no que tange sua diferenciação da ideia geral de documento como uma “unidade constituída pela informação e seu suporte” (CAMARGO; BELLOTO, 2012, P. 41): a necessidade. Logo, um documento é de arquivo porque ele é, primeiro, necessário a realização de alguma ação.

(20)

Conectada a naturalidade, está, inclusive, outra característica do documento de arquivo que, muitas vezes, também é vista como imprópria aos registros que compõem os arquivos pessoais: a imparcialidade.

Camargo (2009, p. 35), apoiando-se em Jenkinson, explica a imparcialidade como “a condição pela qual os documentos de arquivo permanecem alheios aos sentidos que lhes emprestam outros usuários, fora do ambiente operativo de que fazem parte integrante”. Isto significa que a imparcialidade “refere-se ao fato de tais documentos não serem produzidos em razão de outros interesses que não os ditados por sua estrita e imediata funcionalidade.” (CAMARGO, 2009, p. 36). Aqui é importante o entendimento de que a imparcialidade, assim como a naturalidade, está ligada a origem dos documentos de arquivo, e não seu uso como fonte de pesquisa (quando lhe é atribuído um valor secundário, mesmo que relacionado ao seu valor primário).

A naturalidade e a imparcialidade são bastante questionadas no que concerne o arquivo pessoal, não só pelo que já foi exposto acerca da vontade, liberdade e autonomia, entendidas como noções constitutivas dos processos de formação destes conjuntos, como também porque, no terreno do indivíduo, as ações são, geralmente, explicadas a partir de ideias como intenção, experiência e psicologia (HOBBS, 2016). Portanto, não só juntar, como gerar, documentos são, geralmente, condutas analisadas em vista de uma deliberação consciente de produção documental quando no âmbito pessoal.

Com base nisso, muitos profissionais pressupõem que os documentos de arquivos pessoais sejam “refratários a um tratamento convencional” por estarem “eivados de subjetividade”; visto que a constituição desses se caracteriza de um modo distinto dos arquivos produzidos por entidades inseridas no âmbito da cultura organizacional (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 42) – objetos, em última instância, sobre os quais se estruturou a Arquivologia como disciplina.

Porém, ainda que se acredite, aqui, que o indivíduo, quando produtor de um arquivo, não corrompa a naturalidade e a imparcialidade, enquanto atributos indispensáveis para a própria verificação do estatuto de arquivo no caso dos arquivos pessoais, é possível pensar que tais características não se manifestam da mesma maneira, ou de forma tão nítida, como ocorre em relação aos arquivos institucionais. Sua apreensão só se torna possível pela análise do contexto de produção. Camargo (2009) é eloquente, quanto a isto, quando defende:

os arquivos de pessoas devem ser tratados como arquivos, isto é, devem ficar ancorados ao contexto em que foram produzidos. Quando se subverte essa

(21)

relação, [...] os documentos perdem o efeito de representatividade que os singulariza. Em outras palavras, perdem sua função probatória original [...].” (CAMARGO, 2009, p. 36-7).

O valor probatório de um documento de arquivo é inerente, porque ele garante ao registro a possibilidade de apresentar a ação a qual lhe deu origem, depois de sua ocorrência. Sobre o fato de ser o documento, um resultado ou instrumento de uma ação, e de ser ele, portanto, fonte de prova desta, Duranti (1994, p. 50) explica: “[a] capacidade dos registros documentais de capturar os fatos, suas causas e consequências, e de preservar e estender no tempo a memória e a evidência desses fatos, deriva da relação especial entre os documentos e a atividade da qual eles resultam”.

Vale aqui retomar o trabalho de Fraiz (1998), porque nele fica nítida a confusão que pode ocorrer em relação ao valor probatório do documento de arquivo, no caso dos conjuntos com a titularidade atribuída a uma pessoa, quando se abstém de investigá-lo a partir da origem do documento de arquivo - e que fique claro, isso significa dizer: perseguir a razão da produção documental tanto em termos de criação quanto acumulação dos registros.

Alicerçando-se em Schelleberg, a pesquisadora iguala o valor probatório ao informativo dos documentos de arquivos pessoais. Sua justificativa se dá, primeiro, no fato de tais registros terem sua finalidade circunscrita na pesquisa histórica, e, segundo, porque eles não têm, segundo ela, valor legal, pois não são originários de atividades e instituições de caráter público. Logo, para Fraiz (1998, p. 63), no caso dos arquivos pessoais, o “valor de prova é estabelecido de “fora”: é o olhar do usuário do arquivo (o pesquisador por excelência) que capta, daquele conjunto, as “provas” de que precisa para sua pesquisa”. Aqui, as considerações em desalinho aos preceitos arquivísticos estão fundamentadas na indistinção de documentos de arquivo e fonte histórica, tomando tudo como indícios de fenômenos, e não de ações, perscrutados já no rol do usuário.

O perigo da equiparação entre prova e informação (que corresponde a confusão entre valor primário e secundário) é o próprio afastamento do foco do contexto de produção no processamento técnico dos arquivos pessoais; pois conduz a análise documental para a aferição do conteúdo dos registros ou das intenções da preservação do arquivo no âmbito mesmo do produtor. Sendo assim, os documentos de arquivo se tornam uma fonte de informação alheios a sua especificidade, e os arquivos são vislumbrados apenas como conjuntos documentais formados por uma mesma entidade. Trata-se de um respeito parcial ao princípio da proveniência, já que atinge apenas sua aplicação externa, ao manter junto os documentos que formam um determinado fundo (DOUGLAS, 2016). Porém, apenas isto não

(22)

preserva o estatuto de arquivo dos arquivos pessoais, como de nenhum outro. Um arquivo não é apenas um conjunto de documentos acumulados, ele é um todo formado por registros de características muito específicas, oriundas do fato de terem sua existência e sua origem vinculadas ao conjunto a que fazem parte. De modo que os documentos que integram um arquivo “não são como os outros; sua realidade é bem mais complexa do que se costuma pensar” (DELMAS, 2010, p. 55).

Para dar conta de discutir tal complexidade, visando contribuir com a análise dos arquivos pessoais à luz da teoria arquivística, os conjuntos documentais produzidos no âmbito do teatro parecem ser um campo empírico bastante promissor, mesmo que, até o momento, pouco explorado.

2.3 OS ARTISTAS DE TEATRO, SEUS ARQUIVOS E A ARQUIVOLOGIA

No que se observa em termos dos eventos realizados e outros investimentos institucionais de promoção do patrimônio documental arquivístico nacional, pode-se presumir que, no Brasil, a discussão acerca dos arquivos pessoais tem se desenvolvido principalmente em torno de conjuntos formados pelas seguintes categorias de titulares: escritores ou literatos, cientistas e políticos. Elas relacionam-se, claro, com as entidades que vêm se tornando expoentes na discussão sobre os arquivos pessoais: a Fundação Casa de Rui Barbosa, o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, a Casa de Oswaldo Cruz, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, a Academia Brasileira de Letras, entre outras entidades. Desta forma, os profissionais que lidam com os arquivos pessoais de artistas, ou demais funções inseridas no campo das artes (como a crítica, por exemplo), ocupam uma posição ainda pouco relevante no debate acerca desses conjuntos documentais de natureza tão específica.

Como consequência do quadro esboçado acima, os arquivos, produzidos pelos indivíduos que tem suas atividades circunscritas no terreno das artes, é privilegiado enquanto objeto de estudo apenas por pesquisadores inseridos nesta área do conhecimento. Esses, no entanto, tratam dos arquivos pessoais quase majoritariamente na perspectiva do uso, ao apontar as potencialidades de tais conjuntos documentais para o desenvolvimento dos saberes sobre o teatro, a dança, etc.

Nesse sentido, é possível entender que, no amplo campo das ciências da informação, a arte, de modo geral, é pouco valorizada como área do conhecimento:

O campo da informação em arte, embora se constitua campo rico em possibilidades de aprendizado, experiências e estudos em Ciência da

(23)

Informação, é por ela pouco explorado. Observa-se que a marginalização da informação em arte não é exclusiva dos estudos em Ciência da Informação, fazendo-se presente, inclusive, nas políticas públicas de informação [...]. (OLIVEIRA, C.,2015, p. 35)

Não é, portanto, de se espantar a conclusão do único evento ocorrido, no país, neste século, destinado a tratar especificamente da preservação da memória do teatro: “há muito ainda por se fazer em relação aos acervos teatrais do Brasil”, ainda mais no que tange às “questões relativas às teorias do tratamento arquivístico” e “aquelas relativas aos aspectos jurídicos da guarda, permissão de consulta e reprodução do material sob responsabilidade” (AZEVEDO, 2012, p. 23-4). O evento em questão é o I Seminário de Preservação de Acervos Teatrais, realizado pelo LIM CAC - Laboratório de Informação e Memória do Departamento de Artes Cênicas, da Escola de Comunicação e Artes da USP -, ocorrido em 2012.

Não é foco deste trabalho, mas convém chamar a atenção para um fato importante. A revelia da pouca aproximação das Ciências da Informação com as artes, pode-se observar, no país, uma ampliação de ações que incidem na preservação do patrimônio documental, ainda que não só arquivístico, próprio ao teatro. Nos últimos anos, houve a constituição de significativas unidades informacionais ancoradas em tal missão. É possível observar, a partir de meados dos anos 2000, um movimento de fundação de centros de documentação, pesquisa e memória, no Brasil com tal escopo em específico. Vale explicitar o aparecimento de duas importantes entidades, em 2005: do Centro de Documentação e Memória do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), auditório localizado na capital paulista, e do Centro de Documentação do Centro de Pesquisa e Memória do Teatro do Galpão Cine Horto, do Grupo Galpão, sediado em Belo Horizonte (CARNEIRO; BORGES; NOVAES, 2012), além da recuperação, em 2006, do já referido LIM CAC da USP - criado na década de 1990. Completa ainda o quadro até aqui exposto, o panorama desenhado por Ramos (2008) no que se refere à tendência em relação à salvaguarda da memória do nosso teatro:

Na área do teatro, pode ser identificados alguns centros e projetos de memória de destaque, como o Centro de Estudos e Memória do Teatro Paulista, que funciona no Arquivo do Estado de SP; o Centro de Documentação e Memória do Teatro Alfa, de São Paulo; o Projeto Memória do Teatro na Bahia, contemplado com o prêmio Carlos Petrovich da Fundação de Cultura do Estado da Bahia em 2007 e o projeto de criação do arquivo de memória do Teatro Carlos Gomes, de Blumenau. Em Belo Horizonte, a Fundação Clóvis Salgado, sob direção de Chico Pelúcio, inaugurou o Centro de Memória João Etienne Filho, com o mesmo objetivo de preservação e pesquisa, em uma dimensão mais abrangente que aborda também as artes plásticas, a música e a literatura. [...] O Grupo Lume, vinculado à UNICAMP, tem um espaço de memória e informação [...]. (RAMOS, 2008, p. 112)

(24)

Se é mais que urgente a aproximação entre a Arquivologia e as artes cênicas, para a garantia de boas práticas na preservação do patrimônio documental do teatro, os arquivos pessoais formados neste âmbito de produção artística é material rico para a discussão sobre as especificidades que distinguem tais conjuntos documentais e seus registros, no que tange, principalmente, o debate sobre o valor probatório dos documentos de arquivos pessoais, e, consequentemente, o estatuto de arquivo dos arquivos pessoais. E isto porque, no âmbito das artes, a discussão sobre a produção documental ganha uma radicalidade ímpar quanto à naturalidade e à imparcialidade dos documentos de arquivo; haja visto ser o teatro, assim como as demais linguagens artísticas, entendido, no censo comum, como forma de expressão estética, constituindo-se, portanto, no império da subjetividade.

Contudo, onde o indivíduo parece reinar, é possível perceber práticas, ofícios e relações que refratam a liberdade e autonomia que, geralmente, conduzem as discussões sobre os arquivos pessoais e acerca da arte. Pois a prática teatral é antes uma atividade organizada segundo noções, procedimentos e mesmo regras que, se não fundamentadas num contexto jurídico-administrativo propriamente dito, regem, ainda assim, as organizações ou os grupos dedicados à produção e ao gerenciamento da atividade artística, esta, entendida, como serviço ou empreendimento de fins culturais.

(25)

3. O TEATRO E OS CONTEXTOS DE PRODUÇÃO DOCUMENTAL DOS ARQUIVOS PESSOAIS

“O teatro, em seu aspecto pragmático, não se restringe à função expressiva de um sujeito emissor [...], a expressão de um sujeito não é garantia como acontecimento artístico. [...] Assim, o acontecimento de criação ou produção teatral ultrapassa a expressão do sujeito produtor.” (DUBATTI, 2016, p. 27)

3.1 O FOCO NO CONTEXTO DE PRODUÇÃO E A ABORDAGEM ARQUIVÍSTICA

Delmas (2010), ao discorrer sobre o arquivista como ofício, e sua relação com a Arquivologia como disciplina, deixa clara a responsabilidade deste perante o fundo na busca pelo entendimento do processo de formação do arquivo. O que significa dizer, que, enquanto erudito e cientista, sua função é a de reconstituir “o contexto dos documentos”, de modo a permitir “que [eles] sejam identificados” (DELMAS, 2010, p. 86). Procurar pela origem dos documentos de arquivo é, portanto, a maneira coerente de se abordar os arquivos em razão da própria condição de ser ele um conjunto de registros que são “resultado[s] de uma ação passada” (DELMAS, 2010, p. 61).

Tal abordagem, que se concentra no contexto de produção, pode ser sintetizada em duas perguntas: “quando” e “como” (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 21); em contraposição ao “o quê” – interrogativa que conduziria o tratamento documental a uma análise orientada pelo conteúdo. A primeira das questões corresponde “as operações de temporalização”, já que qualquer acontecimento ou ato se insere em algum momento, tendo, assim, início e fim (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 21). A segunda delas “sugere a apresentação das situações concretas de produção e acumulação dos documentos, isto é, as circunstâncias que lhes deram origem” (CAMARGO; GOULART, 2007, p. 23). Essas serão discutidas, aqui, essencialmente, em termos de funções, organizações e eventos.

Evidenciar alguns dos contextos de produção nos arquivos pessoais que formam o patrimônio documental do teatro serve para mostrar que esses conjuntos reúnem documentos que são, antes de tudo, resultado das atividades próprias à criação e produção artística, além de serem também oriundos das ligações que seus titulares mantiveram com outras pessoas, instituições ou demais organizações sociais, inseridas ou não no mesmo meio. Sendo, então, resultados de práticas e relações, são os documentos de arquivos pessoais, mesmo no âmbito da arte, naturais e imparciais; ou, precisamente, gerados de maneira orgânica.

(26)

Logo, o fato da arte ser uma manifestação intencional, calculada, medida, que extrapola o ordinário da vida, não invalida que os registros produzidos em decorrência da sua manifestação sejam documentos de arquivo, e que formem, portanto, arquivos, e pessoais.

Sendo assim, para compreender os contextos de produção documental, no caso do teatro, é preciso se ater tanto quanto ao sujeito à dinâmica do campo. É, por exemplo, do que trata Harper em relação aos arquivos de cientistas: “Não acredito que o arquivista precise entender a ciência. O que o arquivista precisa entender é a maneira como o cientista trabalha e a consequente documentação produzida. O arquivista precisa conhecer o processo, não o conteúdo.” (HARPER, 2006, p. 62-63 apud SILVA, 2015, p. 202).

3.2 O PESSOAL DO TEATRO E SUAS FUNÇÕES SOCIAIS

À revelia da multiplicidade de formas e finalidades que definem o teatro, ao longo dos séculos de sua existência, é preciso entendê-lo como um fenômeno social e, portanto, uma experiência estética organizada; porque são essas dimensões que caracterizam, em grande parte, a produção documental dos artistas ou críticos inseridos neste terreno. Isto significa dizer que, para buscar o contexto que está na origem dos registros acumulados por esses indivíduos, é importante entender antes de tudo o teatro como uma manifestação, comumente, coletiva, que pressupõe a reunião de pessoas, e depende, para sua existência como acontecimento, de uma relação que se estabelece na sua apresentação (BIET; TRIAU, 2006).

Sendo, portanto, o teatro uma arte do presente - que comunga aquele que vê e aquele que faz no instante da sua existência enquanto obra -, é a criação e produção de um espetáculo uma das funções mais simples de serem identificadas na busca pelo contexto de produção documental nos arquivos pessoais, principalmente, de artistas. Ao redor do espetáculo ocorre a produção de muitos documentos; a diversidade desses, em termos de tipologia e gênero, mostra a complexa constituição do espetáculo enquanto noção fundamental nos fundos gerados no terreno do teatro (SAVONA, 2004).

Tais considerações podem ser lidas à luz de Schellenberg (2006), mesmo que este trate de outra categoria de produtores, no que compete à classificação funcional dos documentos de arquivo. Para ele, a função é a “responsabilidade atribuída a um órgão a fim de atingir os amplos objetivos para os quais foi criado”, e pode ser “subdividida em diversas “atividades””, compreendidas como “uma série de ações, levadas a efeito no desempenho de uma função específica” (SCHELLENBERG, 2006, p. 84). As atividades desdobram-se ainda em “diversas operações ou atos específicos” (SCHELLENBERG, 2006, p. 84).

(27)

Se atendo ao núcleo das afirmações de Schellenberg, é possível dizer que a principal (mas não a única) função social do artista, e demais pessoas que trabalham com o teatro, é a criação artística – que se manifesta, neste caso, enquanto cena, ou seja, como espetáculo. Esse é o trabalho desta gente que transforma a expressão em meio de vida, em forma de subsistência. Sendo assim, é em torno do espetáculo que diversas atividades são realizadas, de modo que seus registros são criados porque são essenciais para a efetivação de ações que estão na base da prática teatral. Croquis de cenário e figurinos, programas e cartazes de espetáculos, críticas teatrais e anúncio publicados em jornais, contratos de pessoal, de locação de espaço, recibos de compra de material e até registros em vídeo são, por exemplo, alguns dos documentos que devem ser entendidos como instrumento ou produtos de criação, divulgação, comunicação, difusão que caracterizam a dinâmica do fazer artístico de maneira holística. Consequentemente são muitos desses documentos utilizados, posteriormente, como provas da realização de um espetáculo, em momentos de prestação de contas, ou na validação da trajetória de artistas para inúmeros fins, inclusive, a de pesquisa histórica.

Perceber a multiplicidade de registros que são gerados em decorrência do espetáculo serve ainda para lidar com esse não como tema de documentos, mas como o fato que justifica a criação dos mesmos. Trata-se, então, de fundamentar o espetáculo como contexto de produção documental - já que é uma função dos artistas - a partir da observação da organicidade, uma das características que definem o documento de arquivo, e consequentemente, asseguram seu valor probatório.

Nenhum dos documentos gerados durante a criação e produção de um espetáculo carrega em si o seu sentido total, porque a fabricação deste evento envolve diversas funções, atividades e ações que estão consubstanciadas nos documentos utilizados e gerados, espontaneamente, durante todo o processo de formulação e propagação do mesmo. Consequentemente, são tais registros interligados entre si. Perceber tal implicação contribui para reconhecer o estatuto arquivístico dos documentos gerados em razão de um espetáculo, presentes nos arquivos pessoais. Pois se verifica, neles, a característica denominada como inter-relacionamento por Duranti (1994):

os documentos estão ligados entre si por um elo que é criado no momento em que são produzidos ou recebidos, que é determinado pela razão de sua produção e que é necessário à sua própria existência, à sua capacidade de cumprir seu objetivo, ao seu significado, confiabilidade e autenticidade. (DURANTI, 1994, p. 52).

Em razão dessa condição, “um único documento não pode se constituir em testemunho suficiente do curso de fatos e atos passados” (DURANTI, 1994, p. 52). Ou, de maneira mais

(28)

direta, é a identificação destas “conexões naturais” entre os documentos encontrados num mesmo fundo, de acordo com Oliveira (2012, p.36), uma das respostas à pergunta sempre presente quando se trata de arquivo pessoal: “arquivo ou coleção?”. A questão base que se impõem, portanto, é “Existe relação orgânica entre os documentos? E, se existe, a mesma é perceptível?” (OLIVEIRA, 2012, p. 36). No caso do espetáculo, ela é visível se este é percebido como função e não expressão de um indivíduo. Até porque, todos os documentos oriundos das ações que envolvem a criação dos espetáculos correspondem ao desempenho de atividades que caracterizam ofícios teatrais que podem ser encontrados, comumente, numa ficha técnica, por exemplo: figurino, cenário, direção, elenco (atuação), contrarregra, etc. Tais ofícios mostram ainda que a criação e produção de um espetáculo é um objetivo em torno do qual se conjugam esforços de maneira organizada e determinada – determinada em razão de uma compreensão comum do que seja o teatro em contextos históricos específicos.

O espetáculo é ainda origem de documentos que se referem a fatos não consolidados na prática, mas que representam uma ideia que foi, depois, apartada por motivos diversos. É o caso, por exemplo, de um desenho da artista plástica Lygia Clark presente no interior do arquivo de Paschoal Carlos Magno. Sem status de um croqui - devido à informalidade e inacabamento da obra - o rabisco parecia, quando encontrado, um documento de difícil justificativa em relação ao espólio do qual ele fazia parte. Porém, a partir de notícias, publicadas em jornais, também presentes no mesmo fundo, foi possível identificar que ele era esboço para o cenário da peça 13 degraus para baixo, de Lúcio Fiuza, montada em 1953, no Teatro Duse - edifício teatral construído na casa de Paschoal Carlos Magno. Celso Borges foi quem, depois, assinou a função de cenógrafo. Mas a contextualização do documento foi dada pelo que havia sido planejado, mesmo que não ocorrido. Sendo assim, a ação que o documento representava havia se efetivado ainda que enquanto um projeto.

É preciso deixar claro ainda que o espetáculo deve ser entendido como o fato que individualiza um texto teatral. Em termos de realização cênica, a montagem é, enquanto contexto, aquilo que possibilita a circunscrição da existência de uma obra no palco – episódio, inclusive, ocorrido em determinado momento: que corresponde à temporada de um espetáculo. Isto fica nítido no arquivo de Ernani Fornari, importante dramaturgo do nosso teatro, autor de Iaiá Boneca e Sinhá Moça Chorou, obras de grande repercussão na primeira metade do século XX. Elas, dentre outros títulos, correspondem a categorias, para fins de classificação, que se desdobram em unidades menores, as quais levam, então, o nome dos grupos e companhias que encenaram as peças de Fornari:

(29)

3.0 Iaiá boneca (1938-1961)

3.1 Companhia Brasileira de Comédias (1938-1951) 3.2 Instituto La-Fayette (1942)

3.3 Grêmio Artístico Bandeirantes (1943)

3.4 Teatro do Trabalhador Brasileiro – Serviço de Recreação Operária (1948-1949)

3.5 Eva e os seus artistas (1947 – 1952)

3.6 Grupo dos 16 – Amadores de Teatro (1952 – 1956) 4.0 Sinhá moça chorou (1940-1958)

4.1 Companhia Dulcina-Odilon (1940;1952) 4.2 Muse Italiche (1941)

4.3 Conjunto de Amadores Teatrais “Ana Voges” (1949) 4.4 Instituto La-Fayette (1951)

4.5 Companhia Nydia Licia – Sérgio Cardoso (1954-1955)5

Em torno dos espetáculos, foram acumulados documentos de espécies e tipos já mencionados, além de correspondência. Logo, se Fornari não foi o responsável pelas montagens, a acumulação documental é consequência de ter o dramaturgo juntado registros das apresentações de suas obras no palco. Afinal, é lá, em última instância, que o teatro acontece.

Porém, nem só o espetáculo caracteriza as funções que iluminam contextos de produção documental nos arquivos pessoais daqueles que têm suas trajetórias definidas no teatro. Fato que se relaciona com a complexidade do mesmo como campo de atuação.

Neste tocante, nenhum exemplo parece ser melhor do que a função de animador ou empreendedor cultural de Paschoal Carlos Magno. Homem de grande influência no século passado, ele foi, denominado, por um crítico de sua época, um “ministro sem pasta”6. Em seu arquivo, há grupos de documentos referentes, por exemplo, às sete edições do Festival Nacional de Teatro de Estudantes: mostra, de cunho competitivo, que reunia conjuntos amadores e escolas dramáticas de diversas regiões do país. Não só espetáculos compunham a programação destes festivais, como também aulas, palestras, passeatas, etc.. Em sua última edição, ocorrida em 1975, e dedicada ao teatro infantil, houve, inclusive, um “seminário promovido pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT) a respeito do ensino do teatro nas escolas, visto que a legislação sobre a inclusão de aulas de Expressão Artística no currículo escolar, na época, estava em bases de elaboração”7.

Há ainda, no interior do arquivo em questão, documentos produzidos em decorrência de empreendimentos que não tinham como escopo o teatro. É o caso das duas edições do Encontro de Escolas de Dança do Brasil (1962 e 1963) e da famosa Caravana da Cultura.

5 Aspecto do inventário do Arquivo Ernani Fornari. Cedoc/Funarte.

6 Trata-se de Mario Nunes, em matéria publicada no Jornal do Brasil, em 15 de junho de 1960. Arquivo

Paschoal Carlos Magno. Cedoc/Funarte.

(30)

Realizada em 1964, o projeto levou a 18 cidades, de cinco estados brasileiros (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas), apresentações de teatro, música e dança, além da oferta de livros e discos. Assim como os espetáculos, em torno dessas realizações, se encontram reunidos documentos que se referem a todas as fases de elaboração destes eventos como também os registros de sua repercussão.

Outra ocupação bastante comum destes indivíduos, representada nos seus arquivos pessoais, é a de professor. Os exemplos são inúmeros, podendo ser citados aqui: do crítico Gustavo Dória, do cenógrafo Pernambuco de Oliveira, dos diretores Luiz Antônio Martinez Corrêa e Renato Vianna8. Quanto a esse último, além de exercer o papel de docente durante sua vida, foi ele, um dos diretores da mais antiga escola de teatro do Brasil, a Martins Penna, sediada na capital carioca. Não sendo rara, então, a condução de instituições de ensino, sob o comando do governo, ou a atuação nessas, por membros da classe artística, é comum encontrar nos arquivos pessoais destes sujeitos, aquilo que é, de longa data, já percebido, nos fundos de cientistas, escritores, etc.: a presença de documentos oriundos da administração pública.

Quanto a isto, vale citar outro caso, pois ele dá conta da diversidade de funções que estão representadas nos arquivos pessoais em questão, assim como mostra que, enquanto contexto de produção documental, as funções fundamentam, inclusive, a relação dos indivíduos com as organizações sociais da esfera pública, parte constituinte também do domínio das artes. Existe no fundo Pernambuco de Oliveira muitas plantas ou espécies documentais relacionadas à estrutura de edifícios teatrais. Esse material foi acumulado, pelo artista, em decorrência de uma função que ele exercia periodicamente: a de “consultor do SNT acerca de reformas de teatro em diversas regiões do Brasil” (FUNARTE, 2016, p. 131). Logo, há no seio do espólio do cenógrafo, documentação de prédios situados em cidades da Bahia, Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, etc. A existência de tal função, no âmbito de uma trajetória pessoal, se tornou nítida enquanto origem desses documentos, pois se sabia que o Serviço Nacional de Teatro, à revelia de suas dificuldades, tinha como uma de suas competências, presente já no seu decreto de criação, em 1937, a de “promover ou estimular a construção de teatros em todo o país” (CARMARGO, 2013, p. 80).

Como já mencionado, não é só com o teatro que os artistas e críticos se envolveram, mesmo que suas trajetórias tenham se consolidado neste terreno. Desta forma, as relações

8 Estes atuaram, principalmente, em instituições como: o Conservatório Nacional de Teatro (do SNT), na Escola

de Teatro da FIFIEG (a atual Unirio), na Escola de Teatro Martins Penna, fundada, com outro nome, em 1908, e na Casa das Artes de Laranjeiras (a CAL) – essa última uma entidade privada.

(31)

dessas pessoas com as instituições também extrapolam o âmbito das artes cênicas. É o caso de Bandeira Duarte, crítico teatral do O Globo e do Diário da Noite. Funcionário do Instituto Nacional do Cinema Educativo; “seu arquivo apresenta [...] documentos referentes ao seu interesse pela utilização deste como ferramenta de ensino nas escolas” (FUNARTE, 2016, P. 38). O exemplo de Bandeira Duarte deixa claro que a função do produtor, de extensões sempre muito amplas quando se trata de arquivo pessoal, pode explicar documentos acumulados em torno de interesses, conectados a sua ocupação.

É importante mencionar ainda as ligações que homens e mulheres do teatro tiveram com importantes entidades de classe; pois elas são as razões para parte da documentação encontrada nos arquivos pessoais de artistas e críticos. Muitos deles, no decorrer do século XX, desempenharam cargos de presidente, conselheiro, tesoureiro, ou demais funções, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED), na Associação de Críticos Teatrais (ABCT), e mesmo no Instituto Internacional do Teatro (da Unesco) – só para citar aquelas mais recorrentes nos fundos preservados no Cedoc/Funarte. O fato mostra a vastidão do teatro como campo de participação social e atuação profissional, que deve ser considerada no momento da lida com os arquivos pessoais, em vista de seu processamento técnico.

Se até agora, foram discutidas parte das funções desempenhadas pelos titulares de arquivos pessoais, na busca pelos contextos arquivísticos dos documentos que compõem estes conjuntos, é precisa salientar outras circunstâncias extremamente relevantes quando se trata da produção documental, no teatro. Então, pretende-se desdobrar, aqui, aquela interrogação inicial que envolve o processo pelo qual os registros são gerados, o “como”, em duas variáveis. A primeira, tratada até o momento, mesmo que em termos de indicação, consistiu na busca pela contextualização da produção documental a partir da reflexão sobre o modo como os indivíduos atuam no desenvolvimento de suas competências enquanto classe artística, suas funções. A segunda variável refere-se à forma como eles se organizam para desenvolvê-las.

3.3 AS ORGANIZAÇÕES TEATRAIS: COMPANHIAS, GRUPOS, EDIFÍCIOS TEATRAIS

Analisar as organizações teatrais, pelo menos no que tange os conjuntos que formam o campo empírico deste trabalho, é se aproximar de um paradoxo interessante, já que se trata de

Referências

Documentos relacionados

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

CONCLUSÕES E PROPOSTAS PARA TRABALHOS FUTUROS Nesta dissertação, foi apresentada uma avaliação do desempenho das funções de proteção aplicadas em transformadores de potência,

As rimas, aliterações e assonâncias associadas ao discurso indirecto livre, às frases curtas e simples, ao diálogo engastado na narração, às interjeições, às

Promptly, at ( τ − 2 ) , there is a reduction of 4.65 thousand hectares in soybean harvested area (statistically significant at the 1% level), an increase of 6.82 thousand hectares

Reduzir desmatamento, implementar o novo Código Florestal, criar uma economia da restauração, dar escala às práticas de baixo carbono na agricultura, fomentar energias renováveis

Reducing illegal deforestation, implementing the Forest Code, creating a restoration economy and enhancing renewable energies, such as biofuels and biomass, as well as creating

Considerando a importância dos tratores agrícolas e características dos seus rodados pneumáticos em desenvolver força de tração e flutuação no solo, o presente trabalho

A simple experimental arrangement consisting of a mechanical system of colliding balls and an electrical circuit containing a crystal oscillator and an electronic counter is used