• Nenhum resultado encontrado

Seara de grandes controvérsias e mesmo polêmicas, os arquivos pessoais vêm se afirmando como um campo de atuação profissional e de pesquisa cada vez mais importante na atualidade. O reconhecimento do tema, entretanto, como sendo objeto próprio da Arquivologia, ainda carece de discussões centradas tanto nos aspectos que marcam suas especificidades, quando comparados aos denominados arquivos institucionais, quanto no enfrentamento de conceitos da teoria arquivística na apreciação dos processos de constituição que lhe são próprios.

Diante do exposto, este trabalho procurou aproximar-se dos arquivos pessoais estabelecendo como dois vieses de um mesmo debate, o contexto de produção e a tipologia documentais. Porque ambos incidem para o mesmo ponto, a gênese dos registros que formam tais conjuntos, seja em termos de criação ou acumulação, foram eles escolhidos na apreciação dos arquivos de artistas e críticos inseridos no teatro brasileiro do século XX.

Utilizando como base conceitual expoentes da teoria arquivística dedicados, principalmente, ao tema (mas não apenas a ele), buscou-se observar aspectos dos processos de constituição de fundos produzidos por personalidades da chamada classe artística, a fim de lhes defender a sua natureza de arquivo. Para tanto, o foco da análise foi os próprios documentos que compunham esses conjuntos, já que o que difere os arquivos são as partes que os compõem, os documentos de arquivo.

A razão pela eleição de uma categoria de produtores tão específica não teve apenas origem no contato prévio com os arquivos pessoais sobre a custódia do Cedoc/Funarte – conforme exposto na introdução desta pesquisa. Além desse motivo, outros dois devem ser mencionados.

Em primeiro lugar, acredita-se que sendo os arquivos pessoais “interdisciplinares por excelência” (BELLOTTO, 2014, p. 108), para a lida com esse material é preciso respeitar (no sentido de conhecer) as dinâmicas próprias dos diferentes campos de atuação e participação sociais nos quais seus produtores se inserem; os quais, muitas vezes, correspondem a áreas de conhecimento específicas. Logo, para além de biografias, o arquivista tem que estar atento ao terreno que o sujeito, titular de um fundo, se encontra estabelecido. Pois é tal ambiente que dita, muitas vezes, os modos como são desenvolvidas ações e relações que impactam a produção documental na esfera da vida privada. Sendo assim, como uma possível conclusão deste estudo, acredita-se que, no âmbito dos arquivos pessoais, é mais do que necessário o investimento em pesquisas realizadas por equipes de profissionais oriundos de diferentes

domínios. Apenas assim, parece ser possível corresponder à complexidade que caracteriza os arquivos pessoais e os desafios que cercam seu tratamento técnico.

Outra justificativa para a escolha dos arquivos pessoais produzidos por aqueles que se dedicam ao teatro, como campo empírico deste trabalho, se encontra no fato desses conjuntos serem material propício para o questionamento de noções como intenção e expressão enquanto pilares de edificação dos discursos sobre os fundos constituídos a partir de trajetórias individuais. Frustrando algumas possíveis expectativas, o que os arquivos observados revelam é que a criação e produção artísticas se dão de forma orientada, de acordo com ofícios, funções e atividades, além de organizações, determinados por circunstâncias históricas específicas.

Foi, justamente, devido a isto, ser possível notar a recorrência de contextos de produção documental similares que justificam a presença dos documentos nos arquivos pessoais, inseridos no âmbito do teatro, assim como a existência de tipologias oriundas de práticas e relações que caracterizam o teatro como manifestação estética e setor social. Conclui-se, portanto, que muito embora os arquivos pessoais se formem de maneira mais livre, eles não parecem ser o espaço onde se encontrará o indivíduo na mais plena demonstração de sua autonomia. Pois até mesmo os artistas de teatro, que fazem da expressão seu modo e ganho de vida, são, enquanto produtores de conjuntos documentais, sujeitos que tem suas ações e ligações explicadas no seu vínculo com a sociedade – é o que se verificou no rápido passeio pelos arquivos pessoais que este trabalho tentou promover.

Muitos são os assuntos que precisam com urgência serem explorados no caso dos arquivos pessoais, porém, nenhum deles pode ser desenvolvido sem que o estatuto arquivístico desses conjuntos seja reconhecido. Reconhecê-lo é admitir que tão importante quanto a sua especificidade é a sua natureza enquanto arquivo. E por serem os arquivos pessoais arquivos, seus aspectos singulares se tornam, inclusive, manancial rico para o próprio desenvolvimento da Arquivologia como ciência.

REFERÊNCIAS

ABBIATECI, Camile. Le fonds Copeau-Dasté aux Archives Municipales de Beaune. In: BARAU, Denys (Org.). Quelles mémoires pour le théâtre? . Saint-Étienne: Publications de l’Université de Saint-Étienne, 2009, p. 55-63.

ABREU, Jorge Phelipe Lira de. Arquivos pessoais e teoria arquivística: considerações a partir da trajetória do conceito de arquivo. In: CAMPOS, José Francisco Guelfi (Org.). Arquivos privados: abordagens plurais. São Paulo: ARQ-SP, 2016. p. 24-36.

ALVAREZ, José Carlos. Figurinos. In: Museu Nacional do Teatro - Roteiro. Lisboa: Instituto Português de Museus, 2005, p. 55-72.

AZEVEDO, Elizabeth R. Encontro da Memória. Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto, Belo Horizonte, n. 9, ano IX, dez 2012, p. 17-24. Disponível em:

<http://galpaocinehorto.com.br/wp-content/uploads/subtexto9.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2017. BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos: estudos e reflexões. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

BIET, Christian; TRIAU, Christophe. Qu’est-ce que le théâtre?. Paris: Éditions Gallimard, 2006.

BRANDÃO, Tania. Uma empresa e seus segredos: Companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Sobre espécies e tipos documentais. In: ARDAILLON, Danielle (Apr.). Dar nome aos documentos: da teoria à prática. São Paulo: Instituto

Fernando Henrique Cardoso, 2015, p. 14-30. Disponível em:

http://fundacaofhc.org.br/files/dar_nome_aos%20documentos.pdf. Acesso em: 03 dez. 2017. ______________________________. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, n. 2, p.26-39, jul-dez. 2009. Disponível em:

<http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/2009-2-A02.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2017.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida; BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Dicionário de terminologia arquivística. 3ª Ed. São Paulo: ARQ-SP, 2012.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida; GOULART, Silvana. Tempo e circunstância: a abordagem contextual dos arquivos pessoais. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2007.

CAMARGO, Angélica Ricci. A política dos palcos: teatro no primeiro governo Vargas (1930-1945). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

CANTANHEDE, Caroline; FONTANA, Fabiana. Projeto Memória das Artes Cênicas: um breve histórico de um acervo das artes cênicas e algumas considerações metodológicas. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVII, 2013, Natal. Disponível em:

<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371336800_ARQUIVO_Anpuh2013Car olrevisado.pdf> Acesso em: 30 nov. 2017.

_________________________________________. Arquivos privados e preservação da memória das artes no Brasil: a contribuição do Cedoc/Funarte. Encontro Funarte de Políticas para as Artes, I, 2011, Rio de Janeiro. Disponível em:

<http://www.funarte.gov.br/encontro/wp-

content/uploads/2011/08/Artigo_Cantanhede_Fontana.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2017. CARNEIRO, T. F.; BORGES, G. P.; NOVAES, L. H. Unidades de Informação e Memória especializadas em teatro: o caso do CPMT, do TUCA e da Biblioteca Armelina Guimarães. Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto, Belo Horizonte, n. 9, ano IX, dez 12, p. 25-34. Disponível em: <http://galpaocinehorto.com.br/wp-content/uploads/subtexto9.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2017.

CARVALHO, Marcelo Dias de. A Constituição de coleções especializadas em artes cênicas: do imaterial ao documental. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciência da

Informação) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

CHIARADIA, Filomena. Iconografia teatral: estudo da imagem de cena nos arquivos fotográficos de Walter Pinto (Brasil) e Eugenio Salvador (Portugal). Rio de Janeiro: Funarte, 2014.

COOK, Terry. Arquivos pessoais e arquivos institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Revista Estudos Históricos, v. 11, n. 12, p. 129-150, 1998. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2062>. Acesso em: 01 dez. 2017.

DELMAS, Bruno. Arquivos para quê?: textos escolhidos. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2010.

DOUGLAS, Jennifer. Origens: Ideias em evolução sobre o princípio da proveniência. In: EASTWOOD, T.; M., Heather (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016, p. 47-74.

DUBATTI, Jorge. O teatro dos mortos: introdução a uma filosofia do teatro. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016.

DURANTI, Luciana. Registros documentais contemporâneos como provas de ação. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 49-64, jul. 1994. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1976/2164>. Acesso em: 01 dez. 2017.

FRAIZ, Priscila. A dimensão autobiográfica dos arquivos pessoais: o arquivo de Gustavo Capanema. Revista Estudos Históricos, v. 11, n. 21, p. 59-88, 1998.

FUNARTE. Arquivos e coleções privados Cedoc/Funarte: Guia Geral. Rio de Janeiro: Funarte, 2016. Disponível em: http://www.funarte.gov.br/wp-

content/uploads/2017/04/FUN_Cedoc_mioloweb.pdf. Acesso em: 05 dez. 2017.

________. Política de aquisição e desenvolvimento de acervos de arte e cultura. Rio de Janeiro, 2014. Folheto.

HEYMANN, Luciana Quillet. Arquivos pessoais em perspectiva etnográfica. In: TAVANCAS, I.; ROUCHOU, J.; HEYMANN, L. Arquivos pessoais: reflexões

multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 67-76. ________________________. O lugar do arquivo: a construção do legado de Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa / FAPERJ, 2012.

HOBBS, Catherine. Vislumbrando o pessoal: reconstruindo traços de vida individual. In: EASTWOOD, T.; M., Heather (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016, p. 303-341.

KAGHAT, Fahd. Les traces du spectacle: noter la mise em scène. Grã-Bretanha: [s.n.], 2014.

LACERDA, Aline Lopes. A imagem em arquivos. In: TAVANCAS, I.; ROUCHOU, J.; HEYMANN, L. Arquivos pessoais: reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 55-66.

LOPEZ, André Porto Ancona. Documento e história. In: MALERBA, J. (Org.). A velha história: teoria, método e historiografia. Campinas (SP): Papirus, 1996, p. 15-36. METZLER, Marta. O registro do futuro e as potências do impossível. Da divulgação ao documento, a fotografia no estudo da atriz Alda Garrido. In: WERNECK, M. H.;

BRILHANTE, M. J. Texto e imagem: estudos de teatro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 245-263.

OLIVEIRA, Caroline Brito de. Cooperação, compartilhamento e colaboração em Redes: o caso da Rede de Bibliotecas e Centros de Informação em Arte no Estado do Rio de Janeiro – REDARTE/RJ. Berlim: Novas Edições Acadêmicas, 2015.

OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Os arquivos pessoais de políticos e sua importância para a sociedade. In: VELLOSO, L. M. O. de; VASCONCELLOS, E. (Org.) Arquivos pessoais e cultura: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2015.

_____________________________. Descrição e pesquisa: Reflexões em torno dos arquivos pessoais. Rio de Janeiro: Móbile, 2012.

PLICHART, Eve. Archiver les documents d’un théâtre dans l’invironnement numérique: Le cas du Théâtre national de l’Odéon. Mémoire (Pour obtenir le Titre professionnel “Chef de projet em ingénierie documentaire” INTD Niveau I). Conservatoire National des Arts e Meiers – Institut Nacional dês Techniques de La Documentation, Paris, 2009. Disponível em: <https://memsic.ccsd.cnrs.fr/mem_00524649/document>. Acesso em 03 dez. 2017.

RAMOS, Luciene Borges. Centros de cultura, espaços de informação: um estudo sobre a ação do Gapão Cine Horto. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.

RODRIGUES, Ana Célia. Identificação, uma nova função arquivística?. Revista EDICIC, v.1, n.4, p.109-129, Oct./Dic. 2011. Disponível em:

SCHELLENBERG, Theodore. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

SCHMIDT, Clarissa Moreira dos Santos. A construção do objeto científico na trajetória histórico-epistemológica da Arquivologia. São Paulo: ARQ-SP, 2015.

SILVA, Maria Celina Soares de Mello e. Os arquivos pessoais como fonte: reconhecendo os tipos documentais. In: GRANATO, Marcus (Org.). Museologia e Patrimônio. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2015, p. 177-203. Disponível em: <http://site.mast.br/hotsite_mast_30_anos/pdf/capitulo_06.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2017. SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Cultura. O cartaz no teatro. São Paulo, (198-?).

SAVONA, Frédérique. Traitement documentaire d’um fond théâtre multisupport: la Bibliothèque-Musée de la Comédie-Française. In: DUQUENE, Isabelle. et al. Patrimoines insolites: théâtre, opéra, écrits savants et autres fers à dorer. Villeurbanne: Éditions de l’enssib, 2004, p. 53-93.

TROTTA, Luís Felipe Dias. O arquivo de Leon Eliachar: analisar tipologia do arquivo de um escritor. 2016. Dissertação (Mestrado em Gestão de Documentos e Arquivos) – Programa de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e Arquivos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

ZAVADSKI, Carole. La singularité du travail – Métiers et competénces du spectacle vivant. Théâtre Public, Paris, nº 217, juillet-septembre 2015, p. 49-53.

Documentos relacionados