Registro: 2018.0000347160
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº
0008257-80.2013.8.26.0156, da Comarca de Cruzeiro, em que é apelante
TAYNÁ SAMPAIO SEVERINO (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado KATIA
CILENE PEREIRA (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA).
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM
PROVIMENTO AO RECURSO. V.U.", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
COSTA NETTO (Presidente sem voto), ANGELA LOPES E PIVA
RODRIGUES.
São Paulo, 17 de abril de 2018.
Edson Luiz de Queiroz
RELATOR
Voto nº 20672
Apelação nº 0008257-80.2013.8.26.0156 Comarca: Cruzeiro
Apelante: Tayná Sampaio Severino Apelado: Katia Cilene Pereira
Juiz (a): Carlos Eduardo Xavier Brito
Apelação. Ação de Indenização por Danos Morais. Sentença de improcedência.
Ofensas recíprocas através de rede social “facebook”, "in box". Mensagens trocadas de forma particular, sem qualquer publicidade ou exposição em relação a terceiros. Ofensas recíprocas. Não caracterização de danos imateriais.
Sentença mantida.
Honorários recursais. Majoração para R$1.000,00. Inteligência do artigo 85, §11 do CPC. Observância à concessão de gratuidade processual.
Recurso não provido.
Vistos.
Ao relatório da decisão de primeiro grau,
acrescente-se tratar de ação de indenização pode danos morais, sob alegação de
ofensa à honra, decorrente de impropérios proferidos pela ré, em rede
social.
Em primeiro grau, a pretensão inicial foi julgada
improcedente, condenada a autora nas custas, despesas processuais e
honorários advocatícios fixados em R$800,00, observada a gratuidade
processual concedida.
A autora apresentou recurso de apelação,
alegando os danos morais restaram comprovados. As ofensas proferidas
se tornaram públicas, porque divulgada pela ré aos familiares da autora,
nada obstante a discussão tenha ocorrido "in box". Pretende, em suma, a
inversão do julgado.
O recurso foi regularmente processado com o
oferecimento das contrarrazões.
É o relatório do essencial.
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
Inicialmente, anote-se que o julgamento é feito com
base nas disposições do Código de Processo Civil de 2015, tendo em
vista que foi em sua vigência que a decisão foi proferida. Aplica-se o
princípio "tempus regit actum", corolário do sistema de isolamento dos
atos processuais.
DOS FATOS
Sustenta a autora que a ré postou mensagens na
rede social "facebook", ofendendo sua honra, através de "calúnia e
difamação". Esta, por sua vez, esclarece que as ofensas foram
recíprocas, de forma reservada e, portanto, não ocorreu o alegado dano
moral.
RECURSO
Compulsando os autos constata-se que a discussão
entre as partes teve início a partir da cobrança de uma dívida que teria
sido contraída pelo W.F. No desenrolar da conversa, autora e ré se
ofenderam reciprocamente através do "facebook", mas, de forma privada,
"in box", o que afasta a alegação de exposição pública constrangedora e
vexatória.
Incontroversa a reciprocidade de ofensas verificadas
pelos diálogos colacionados aos autos, não há que se falar em reparação
por danos morais.
O douto Magistrado bem enfrentou a questão:
A improcedência do pedido se alicerça pelo menos em três pontos, a uma pela reciprocidade das ofensas, a duas pela falta de prova da publicização, a três pela falta de repercussão dos fatos na esfera psicológica da vítima.
A autora e ré encetaram discussão de "baixo nível", com ofensa recíprocas de parte a parte. Apenas para pinçar alguns exemplos, veja-se, fls. 10, os dizeres da autora, quando do começo da discussão:
"engraçado que dinheiro para dar festinha d noivado falido vc teve....não precisa pagar mais nada fica de esmola..".
Fls 11:
"gosto de cara a cara tbm que pra mete a mão na cara é maisfácil...seus programa ai não tão bombando mais....". "então parte pra dentro q to esperando sentada...kkkkkkk". "pois é peguei todos os seus clientes principalmente os casados"
Assim, vê-se das inúmeras mensagens trocadas que houve agressão verbal, em contraposição à física, por escrito, pelo bate papo do "facebook".
Ainda que ingressássemos no arenoso terreno de quem mais ofendeu e de quem mais ficou ofendida, as conversas se deram em privado, ou seja, "in box", como despontou da prova colhida, documental.
Quanto à prova oral, se captou na mídia digital acostada aos autos: Cintia, irmão da autora, disse que Tayná, a ré, teria mostrado o facebook para toda família. Afirma que a ré estava em fim de relacionamento com seu primo, Alisson e em razão desse relacionamento, tinha acesso a casa da família e reafirmou que
"ela" mostrou para todo mundo. Afirma que sua irmã fica com vergonha e que ela vem vivendo sua vida, No Rio de Janeiro, e que suas amizades são de lá. Disse não saber se Kátia tinha namorado no Rio.
A ré, em seu depoimento pessoal, negou parcialmente os fatos.Disse que proferiu palavras à autora e não ao público. Afirma que teria dito diretamente para a autora que esta seria "piranha", em discussão. Afirma que as ofensas se deram em um bate papo pessoal e que ninguém tem acesso, pois precisa de senha. Aduz que a autora teria dito que ia "arrancar" dinheiro dela, ré. Detalhou que a dívida seria de seu ex-noivo e que a autora se sentiu no direito de cobrá-la. Negou que outras pessoas tenham tido acesso.Disse que a própria autora afirmou ser uma "puta" cara. Afirma que tudo se deu no "calor"da briga. Afirma que a própria autora mostrou para a família inteira (as conversas do face). A mãe da autora não soube dizer se outras pessoas, que não o núcleo familiar, tiveram acesso as discussões travadas entre as partes no facebook. Disseque a autora teria ficado abalada e com vergonha de conversar com outras pessoas. Disse"sei lá se os outros sabiam", em relação a autora. Esclareceu que a filha estava querendo namorar. Não sabe do motivo da discussão. Acha que não houve ofensas recíprocas, pelo que ouviu falar. (fls. 118/119).
Como decidido no AREsp 236.284-DF, Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti, j. 22/10/13:
“Inexiste dever de indenizar, quando constatada a ocorrência de ofensas recíprocas dos litigantes, violando norma basilar de convivência social, que é o respeito mútuo, corolário do princípio da solidariedade.”
Na lição de Sérgio Cavalieri Filho só se deve
considerar como dano moral “
a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angustia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”("Programa de responsabilidade
civil", 2ª edição, editora Malheiros, São Paulo: 2000, p. 78).
Confira-se ainda, os julgados proferidos por esta C.
Corte de Justiça:
Bem móvel. Compra e venda. Ação de indenização por danos morais. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Dano moral. Ausência. Conversa realizada em área
reservada do Facebook (chat), a respeito da dívida confessada pela autora por compras realizadas em loja, efetuada sem emprego de qualquer expediente vexatório, sendo incapaz de desencadear obrigação de indenizar. Recurso não provido.
(Apelação Cível nº 1000991-52.2016.8.26.0210, rel. César Lacerda, j. 19/05/2017).
Ação de Indenização por danos morais. Pretensão em
razão de cobrança por meio de “Facebook” e
“whatsapp”. Sentença de improcedência, sob
fundamento de que as cobranças via “Facebook” e
“whatsapp” não violaram os direitos da
personalidade da autora. Foram atribuídos à autora os
ônus da sucumbência, com verba honorária arbitrada em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade processual. Apela a autora sustentando serem indevidas as cobranças, realizadas inclusive no período noturno. Descabimento. Troca de mensagens pelo aplicativo
“whatsapp”, ainda que realizadas algumas no período noturno, não se mostram ofensivas à honra da autora-apelante. Outras pessoas não tem acesso, além da possibilidade de serem emudecidas ou bloqueadas, se for do interesse da parte destinatária. Mensagem postada no “Facebook”, da forma que redigida, não representa com clareza uma cobrança, a não ser para a própria recorrente, que seria devedora na relação havida entre as partes. Para
terceiros poderia ser compreendida até mesmo como algo a lhe ser pago, a título de acerto de contas. Inexistente circunstância vexatória ou fato extraordinário capaz de suscitar excepcional prejuízo psicológico. Recurso improvido. Majora-se a verba honorária para 15% do valor da causa (§ 11º do art. 85 do CPC/2015). (Apelação Cível nº 1002283-53.2016.8.26.0281, rel. James Siano, j. 21/03/2017)
“APELAÇÃO - Indenização por Danos Morais
Improcedência Ofensas proferidas na rede social
“facebook” Ausência de demonstração das ofensas Mensagens trocadas de forma particular com terceiro e sem excesso danoso capaz de justificar a pretendida indenização Sentença Mantida Aplicação do
art. 252 do Regimento Interno do TJSP. Recurso Improvido.” (Apelação nº 1022098-65.2014.8.26.0100, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador EGÍDIO JACOIA, julgado em 19.05.2015)
Finalizando, não houve prova documental acerca do
repasse dessas mensagens a terceiros.
Nessas condições, a r. sentença deve ser mantida
por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Em decorrência do disposto no art. 85, §11,
CPC/2015, a verba honorária é majorada para R$1.000,00, observada a
gratuidade concedida.
Finalizando, as demais questões arguidas pelas
partes ficam prejudicadas, segundo orientação do Superior Tribunal de
Justiça, perfilhada pela Ministra Diva Malerbi, no julgamento dos EDcl no
MS 21.315/DF, proferido em 08/06/2016, já na vigência CPC/2015:
"o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão (...), sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida".Na hipótese de apresentação de embargos de
declaração contra o presente Acórdão, ficam as partes intimadas a se
manifestar, no próprio recurso, a respeito de eventual oposição ao
julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução n.º 549/2011 do
Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, entendendo-se o silêncio
como concordância.
Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.
EDSON LUIZ DE QUEIROZ
Relator