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30 anos de Itepa Revista CCI Instituto de Teologia e Pastoral

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Revista CCI

Instituto de Teologia e Pastoral

ISSN 1677-860X Ano XXVII - 109 - Agosto/2013

30 anos de Itepa

Pe. Rogério L. Zanini

Pe. Ivanir Antonio Rampon

Pe. Nelson Tonello

Equipe de Pesquisa sobre Religiosidade Popular Mariana

Pe. Jair Carlesso

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Diretoria

Coordenação

Cleber Pagliochi - Coordenador da Revista Tiago André Guimarães – Vice-coordenação

André Varisa – Tesoureiro Alencar Caratti – Secretário Eunice Maria Mallmann – Revisão

Giovani Momo – Revisão Eberson Fontana – Revisão

Douglas Batisti - Revisão Pe. Diego Tonet– Professor Responsável Pe. Anderson Faenello - Professor Responsável

Secretariado Geral

FACULDADE DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS –

ITEPA FACULDADES

Revista Caminhando Com o Itepa - CCI Rua Senador Pinheiro, 350

Vila Rodrigues, Passo Fundo - RS – CEP: 99070-220 Fone: (54) 3045 6272 – E-mail: revista@itepa.com.br

Conselho Editorial : Pe. Alexander Mello Jaeger, Pe. Elli Benincá, Pe.

Ivanir Rodighero, Pe. Clair Favreto, Pe. Claúdio Prescendo, Pe. Valter

Girelli, Pe. Ivanir Rampon, Pe. Elisandro Fiametti, Pe. Ari Antônio dos

Reis, Pe. José André da Costa, Pe. Leo Pessini, Pe. Leomar Brustolin,

Pe. Maicon Rodrigo Rosseto, Pe. Neuro Zambam, João Carlos Tedesco,

Neri Mezadri, Cláudio Almir Dalbosco.

Diretoria do Itepa

Diretor Executivo: Pe. Ivanir Rodighero

Vice-Diretor Executivo: Pe. Ademir Rubini

Administrador – Tesoureiro: Pe. Cleocir Bonetti

Secretário: Pe. Jair Carlesso

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá

ser reproduzida, arquivada em qualquer sistema ou transmitida,

por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos, mecânico,

fotocopiado por outra qualquer) sem a prévia permissão por escrito

dos diretores de Caminhando Com o Itepa.

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

Catalogação na fonte: Bibliotecário Rodrigo Silva Caxias de Sousa CRB-10/1448 C183 Caminhando com o Itepa, Vol. 1, n. 1 (1984-) / Instituto de Teologia e Pastoral. Passo Fundo: ITEPA, 1984-.

v. Trimestral ISSN 1677-860X

1. Teologia - periódicos I. Instituto de Teologia e Pastoral - ITEPA

A revista Caminhando com o Itepa é uma publicação trimestral do Instituto de Teologia e Pastoral (Itepa), fundada em setembro de 1984. Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores e estarão sujeitos à revisão.

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SUMÁRIO

EDITORIAL

Diác. Eberson Fontana ... 7

ARTIGOS

O Reino de Deus e as vítimas da história: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino

Pe. Rogério L. Zanini ... 13

O Caminho Espiritual de Dom Helder Camara

Dr. Ivanir Antonio Rampon ... 23

A Bíblia no Itepa

Pe. Nelson Tonello ... 33

Romaria de Nossa Senhora Aparecida: um encontro solidário entre religiosidade popular e teologia oficial

Equipe de Pesquisa sobre Religiosidade Popular Mariana ... 37

Salmos: a oração do povo de Deus

Pe. Jair Carlesso ... 51

A misericórdia de Deus: raiz de toda profecia

Ir. Deuza Maria da Silva Moura ... 73 Pe. Nelson Tonello ... 73

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Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013Caminhando com o Itepa - Ano XXVII - n° 109 - agosto/2013 - p. 7-9

Editorial

Somos berço de esperança! Buscando tornar cada vez mais vivo o seu lema, o Itepa Faculdades chega aos seus 30 anos de existência. Foi uma caminhada que se deu entre alegrias e dificuldades, tendo em vista a constru-ção do Reino de Deus. A revista Caminhando com o Itepa também faz parte desta história e, por isso, preparamos uma edição comemorativa, brindando você, amigo leitor, com reflexões intimamente ligadas à vida do Instituto.

Queremos, nesta data marcante, estender o nosso abraço a todos os responsáveis por esta história de amor e doação chamada Itepa Faculdades. Muitas pessoas doaram o melhor de suas vidas e de seu esforço para manter em pé este projeto que muito contribuiu com a formação teológico-pastoral de centenas de sacerdotes das dioceses do Norte do Rio Grande do Sul e do Oeste de Santa Catarina, além de milhares de leigos destes locais. É um processo que não pode parar.

Buscando expor de alguma forma a riqueza das reflexões já desen-volvidas no Itepa, o primeiro artigo desta edição, intitulado “O Reino de Deus e as vítimas da história: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino”, é de autoria do Pe. Rogério L. Zanini. O escrito foi feito a partir de sua dissertação de mestrado e visa averiguar a consistência da relação entre Reino de Deus e as vítimas da história. A temática e a abordagem estão ligadas com a vida do Itepa, na medida em que tem presente a Boa Notícia de Jesus ao povo pobre e necessitado de esperança.

Na sequência, o Pe. Ivanir Antonio Rampom brinda a todos com o texto “O Caminho Espiritual de Dom Helder Camara”. O artigo apre-senta sua tese de doutorado, que carrega o mesmo título, recentemente publicada pela Editora Paulinas. Como reflete o autor, a originalidade de sua obra reside na busca por delinear o caminho espiritual trilhado por aquele que foi um dos mais influentes bispos presentes no Concílio Vati-cano II. Seu testemunho de vida e ideais marcaram a vida de fé do povo brasileiro e transformaram a face da Igreja latino-americana.

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Edi

to

ria

l

8 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

“A Bíblia no Itepa”. Com este título, Pe. Nelson Tonello apresenta os elementos centrais que marcam a construção da identidade do Itepa. Foi do Pe. Comblim a provocação segundo a qual “A Bíblia deve ser sempre o coração e a espinha dorsal de uma instituição de reflexão teológica e pastoral”. Sendo “fonte” e “alma” para a vida do cristão, sabemos que a Palavra Viva foi um dos principais pilares para a consolidação da espiri-tualidade experienciada e semeada no Itepa.

Outra marca do Itepa é o empenho dos grupos de pesquisa. A partir de sua experiência de reflexão que atravessa décadas, a Equipe de Pesqui-sa sobre Religiosidade Popular Mariana partilha seu texto “Romaria de Nossa Senhora Aparecida: um encontro solidário entre religiosidade popular e teologia oficial”. A profundidade do escrito, que nasceu de um ousado processo de pesquisa e reflexão, tem muito a contribuir para a compreensão da religiosidade popular em suas especificidades, tanto na região, quanto em âmbito nacional.

Os salmos estão entre as grandes fontes da espiritualidade cristã. Buscando explicitar sua profundidade e riqueza, o Pe. Jair Carlesso partilha a pesquisa: “Salmos, a oração do povo de Deus”. Sua vasta experiência na área bíblica possibilita ao leitor penetrar no complexo terreno da exegese bíblica em um texto que se torna rico por ser acessível em sua linguagem e profundo na sistematização do conhecimento bíblico em relação aos Salmos. Como diz o autor, eles são “a síntese da Bíblia feita oração”.

Encerramos esta edição especial com o texto “A misericórdia de Deus: raiz de toda profecia”. Escrito pela Ir. Deuza Maria da Silva Moura, em conjunto com o Pe. Nelson Tonello, esta breve reflexão aprofunda a analogia entre a profecia e misericórdia. É um texto de esperança, pois “Só a misericórdia nos faz apostar no sonho da fraternidade, alicerçado na justiça e no direito” (Am 5,24).

A equipe da Revista CCI, juntamente com todos os estudantes, professores e a direção do Itepa Faculdades, deseja que você, amigo leitor, possa comemorar conosco este momento ímpar em nossa história. Que

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Di ác . E be rs on F on ta na 9 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

os artigos desta edição possam lhe ajudar a resgatar o espírito dentro do qual o Itepa Faculdades sempre caminhou, e possibilitem vislumbrar luzes para os próximos passos a serem dados.

Abraços fraternos! Diác. Eberson Fontana

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Pe . R og ér io L . Z an in i 13 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

O Reino de Deus e as vítimas da

história: uma abordagem segundo a

cristologia de Jon Sobrino

1

Pe. Rogério L. Zanini2

O objetivo de nossa pesquisa foi compreender a categoria Reino de Deus e sua relação com as vítimas da história. Buscou-se averiguar o que existe de consistência entre Reino de Deus e as vítimas segundo o pensa-mento cristológico de Jon Sobrino. Até que ponto é possível afirmar que o Reino de Deus é das vítimas da história? Outros teólogos, não obstante, questionam esta aliança. Falar das vítimas não é assumir um pensamento vitimista ou sacrificialista? A perspectiva das vítimas não obscurece a transcendência de Deus?

A descoberta da centralidade do Reino de Deus na vida de Jesus é algo muito recente. Por muito tempo o Reino de Deus não foi considerado elemento estruturante na vida de Jesus. Segundo Jon Sobrino, foi somente a partir do começo do século XX que se descobriu a importância do Reino de Deus no centro da pregação de Jesus. Significa dizer que, por mais de dezenove séculos, “nem a cristologia nem os concílios levaram em conta o Reino de Deus pregado por Jesus”.3 Com a descoberta, no entanto, “muitas cristologias,

sobretudo as de caráter conciliar, o converteram em tema central”.4

Foi sobretudo a partir da década de 1960, com o impacto da moder-nidade, que a América Latina se comprometeu com uma cristologia que deu aos cristãos a base da práxis para conduzir os processos históricos de

1 Pesquisa de mestrado apresentada na PUC do Rio Grande do Sul sob a orientação do professor Érico J. Hammes.

2 Mestre em Teologia Dogmática pela PUC-RS. Graduado em Teologia, Itepa, Passo Fundo, RS; Graduado em História, UNOESC, Chapecó, SC.

3 SOBRINO, Jon. O reino de Deus e Jesus. In. Concilium. n. 326, p. 67. 4 Ibidem, p. 67.

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O R ei no d e D eu s e a s v íti m as d a h is tó ria : u m a a bo rd ag em s eg un do a c ris to lo gi a d e J on S ob rin o

14 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

libertação. A reflexão teológica latino-americana levantou suspeitas sobre certas cristologias clássicas e contemporâneas que ignoravam valores funda-mentais da pregação e atuação de Jesus de Nazaré.5 A figura de Jesus ficava

obscurecida, e disso decorriam funestas consequências, especialmente estas três:6 a) redução de Cristo à abstração, mesmo que sublime – separação do

Cristo total da história concreta de Jesus; b) apresentação do Cristo como reconciliação universal sem nenhuma dialética, sem denúncia profética – do Jesus das bem-aventuranças sem as mal-aventuranças, do Jesus que ama indistintamente a todos os homens sem dar atenção ao pobre e ao oprimido; c) tendência à absolutização de Cristo sem vinculá-lo a dialética alguma.

Essa volta a Jesus foi muito fecunda para a construção de uma cristo-logia com novos marcos interpretativos a partir da realidade latino-america-na, bem como para tomar-se consciência da impossibilidade de reconhecer Jesus sem sua referência ao Reino de Deus. Ambos os polos foram, então, se esclarecendo mutuamente.

Atualmente, não sem dificuldades, são muitos os teólogos que con-sideram a realidade do Reino de Deus central na teologia. Esta pesquisa, no entanto, se concentra no pensamento teológico de Jon Sobrino. Mais especificamente: interessa averiguar a importância do Reino de Deus e sua relação com as vítimas da história. Tomamos este teólogo porque seu pensamento teológico é considerado, seja pelo seu volume, seja pela con-tundência de seus conteúdos, uma obra monumental. Sua vasta produção de escritos teológicos, tornam-se passagem obrigatória para uma reflexão teológica, sobretudo se tratando da cristologia, pois é onde sua reflexão mais caminhou durante os últimos trinta anos. Prova disso são as pesquisas já realizadas sobre sua teologia.

Dentro da proposta teológica de Jon Sobrino, as vítimas da história, Jesus histórico e o seguimento de Jesus mantêm uma relação profunda entre si. Por três eixos perpassam a originalidade e a relevância de sua cristologia. Sem considerar esta articulação, dificilmente compreende-se a proposta vital e radicalmente comprometida com as vítimas da história.

5 Cf. Idem. Cristologia a partir da América Latina, p. 13.

6 Cf. SOBRINO, Jon. Cristologia a partir da América Latina, p. 13-16; Cf. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX, p. 368.

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Pe . R og ér io L . Z an in i 15 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

Jon Sobrino, ao tomar como ponto de partida metodológico o Jesus histórico, percebe que Jesus não fez de si o centro do seu anúncio, mas que articulou sua vida tendo como horizonte escatológico o Reino de Deus. Jesus anunciou, viveu e morreu pela causa do Reino de Deus. O Reino foi a razão absoluta da vida e o motivo da sua morte na cruz.

Essa centralidade do Reino de Deus na vida de Jesus foi uma desco-berta muito importante para a teologia. No entanto, aos poucos foi desapa-recendo do pensar cristológico, a tal ponto que séculos seguintes tomaria uma direção na qual o Reino praticamente desapareceria da fé cristã. Com esse eclipse, não se vê mais a necessidade de historização do Reino de Deus anunciado por Jesus.

Tipificando, apareceram na história três formas de distorcer ou enfra-quecer o Reino de Deus. 1. A personificação do Reino na pessoa de Jesus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa. Central e utópico é somente a pessoa de Jesus. É evidente que na pessoa de Jesus existem valores do Reino; mas não exclui seus limites. O Reino de Deus deixa de ser o tipo de realidade histórico-social-coletiva que Jesus pregou para vir a ser outro tipo de rea-lidade, agora pessoal. 2. A eclesialização do Reino de Deus. Aqui trata-se de uma desvalorização mais grave do Reino de Deus. A Igreja se torna o lugar do Reino de Deus, ou seja, identifica-se o Reino de Deus à Igreja. Esta forma perdurou até o Concílio Vaticano II. 3. Reino de Deus centrado no além da História. Tendência que já se impôs com força no século VI, com a deslocação do Reino de Deus para o além, o a-histórico. A consequência mais grave é a desistoricização e o desaparecimento da relação entre Reino de Deus e libertação dos pobres. Depois de quase dois mil anos de Jesus, o Reino de Deus, como mensagem central de Jesus, volta a estar novamente no centro da teologia.7

Voltar a colocar no centro o Reino de Deus tem sido para a Igreja e a teologia a melhor notícia de muitos séculos. Suas consequências se fizeram notar em todos os temas teológicos fundamentais (teologia, eclesiologia, moral, pastoral), não só na cristologia. Pode-se dizer que a missão da Igreja, a fé em Cristo e em Deus, não seriam iguais se Jesus não tivesse anunciado

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O R ei no d e D eu s e a s v íti m as d a h is tó ria : u m a a bo rd ag em s eg un do a c ris to lo gi a d e J on S ob rin o

16 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

o Reino de Deus. Paradoxalmente, no entanto, permanece lacunosa a com-preensão do que seja o Reino de Deus. Apesar de expressão Reino de Deus ser muito utilizada nos Evangelhos, não encontramos sistematicamente uma definição. Jesus, também, mesmo oferecendo novidade e falando muitas ve-zes do Reino de Deus, jamais o define, apenas o compara: o Reino de Deus

é semelhante. Isso exige que se encontre um método que ajude a descobrir

o que Jesus pensava sobre o Reino de Deus.

Na tentativa de verificar a compreensão oferecida por Jesus do Rei-no, seguiu-se, praticamente, o caminho das três vias: nocional, prática e destinatários. A teologia moderna se utiliza mais da via nocional e algumas utilizam também a via da prática. Mas costuma-se ignorar a via do desti-natário fortemente atuante na Teologia da Libertação. Jon Sobrino, por sua vez, baseando-se no exegeta Joaquim Jeremias irá afirmar que o Reino de Deus é unicamente dos pobres. Significa dizer, então, que a centralidade das vítimas está implícita à centralidade do Reino. E a destinação univer-sal do Reino biblicamente se concretiza na pertença preferencialmente às vítimas da história.

Isso explicita que o Reino de Deus e as vítimas também se esclarecem mutuamente. Grande é a tentação humana de separar ou manter distante esta aliança. E, no dizer de Jon Sobrino, a dificuldade principal para não aceitar a centralidade do Reino de Deus consiste em que este não só remete a Jesus de Nazaré, mas inclui central e preferencialmente os pobres deste mundo.

Adotar esta perspectiva, no entanto, não significa assumir um ca-minho reducionista da transcendência de Deus, como criticam algumas teologias. Nesse sentido, é sumamente esclarecedora a reflexão de José Maria Vígil a respeito da opção pelos pobres. Para ele, a opção pelos pobres é “uma dimensão transcendental do cristianismo, dimensão que essa teo-logia (latino-americana) teve o mérito de redescobrir – para o cristianismo universal – como vinculada à própria essência de Deus”.8

Portanto, se existe uma relação intrínseca entre Reino de Deus e vítima, torna-se pertinente averiguar em que sentido ambos se apoiam mutuamente. Por um lado, perguntar-se o que a categoria Reino de Deus

8 É muito interessante o artigo de José Maria Vígil A opção pelos pobres é opção pela

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Pe . R og ér io L . Z an in i 17 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

tem a oferecer às vítimas da história. E, por outro lado, o que as vítimas podem oferecer de ajuda para compreendermos mais do Reino de Deus.

A perspectiva das vítimas ajuda a oferecer concretude histórica ao Reino de Deus para que não seja compreendido de forma abstrata, ou univer-salista simplesmente. Sabe-se que os conceitos universais impedem de captar o conteúdo da fórmula como expressão de revelação. Sabe-se igualmente que, diante dos conceitos abstratos, fica a critério da razão preenchê-los de conteúdos concretos, o que pode ser extremamente perigoso. A razão crente pode conferir os conteúdos cristãmente e deixar-se guiar pela história de Jesus. Poderá fazê-lo também inadequamente, mesmo com boa vontade, lendo seletivamente essa história de Jesus, eliminando tudo o que se encai-xa no conceito universal prévio que tem de Natureza, humana e divina. E pode-se fazê-lo ainda pecaminosamente, decidindo por conta própria o que é o humano e o que o divino, mesmo contra a realidade de Jesus.

A falta de concretude pode trazer consequências graves para a fé cristã. É nesse sentido que caminham as observações de Jon Sobrino, por exemplo, a respeito do Concílio de Niceia. 1. Em lugar de um Deus que atua concretamente e historicamente, persiste um Deus que atua universal e transcendental, o criador. 2. Em lugar de um Deus que se assenhoreia de pessoas históricas, persiste um Deus Senhor universal. 3. Em lugar de um Deus que salva oprimidos, pobres, marginalizados, persiste um Deus salvador universal. Assim, Deus deixa de ser Pai dos órfãos e viúvas no AT e também deixa de ser o Abba, a quem podem os pequenos invocar, ou seja, o Deus do Reino que traz esperança para os oprimidos do NT. O perigoso desta precipitação universal poderia ser superado caso se aplicasse na plenitude o concreto e parcial.9

Por isso, as vítimas ajudam a detectar lacunas importantes nas afirma-ções conciliares. Ausência do Reino de Deus e do Deus do Reino. A presença do antirreino e dos ídolos, no nível teologal. Ausência de Jesus de Nazaré e sua relação constitutiva com respeito ao Reino, no nível cristológico. Ajudam ainda a detectar o reducionismo da salvação, no nível soteriológico. Tudo isso costuma passar despercebido em outras perspectivas.

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18 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

As vítimas têm um poder de reverter a história em outra direção.

As vítimas não são metáfora, mas indicam que o mundo está tomando

a direção contrária ao Reino de vida em abundância anunciado por

Jesus. Por mais difícil que seja, é preciso nos perguntar: o que se

entende melhor a partir do lugar teológico das vítimas? a) as vítimas

como o lugar da universalidade, ou seja, a partir de onde todos têm

possibilidade de encontrar Deus, de entendê-lo e de receber a

salva-ção ‘universal’; b) visualizam melhor quem é Cristo, uma vez que

Ele se identificou com os pequenos (

Mt

25); c) fazem perceber que o

ser humano é frágil como a flor de um dia e necessitado de socorro;

d) entende-se melhor a partir das vítimas essência e a identidade da

Igreja como servidora; e) ajudam a compreender quem é Deus, seu

modo de atuar e de ser: amante das vítimas.

Ora, assim as vítimas têm autoridade para abrir os olhos à relação entre Deus e o pequeno. Deus assume e se abaixa até o humano, e respeita não só como diferente dele, mas enquanto pequeno e limitado. Mais: que o ser humano assumido, em sua pequenez, manifesta Deus, embora às vezes como Deus absconditus. Deus se autodetermina a ligar-se ao humano res-peitando-o. E inversamente, o humano e o frágil do humano é declarado capaz de ser portador de Deus, sem deixar de ser humano fraco. Pode-se, então, perguntar: há em Deus uma audeterminação a expressar-se no fraco e pequeno, no pobre e na vítima, no serviçal e no solidário? E, inversamen-te, há nesse pobre e solidário uma conaturalidade ao divino? Esta é uma pergunta cristã.

O Deus que se aproxima das vítimas permanece sendo o Deus Santo e Transcendente. A santidade não é afastamento do histórico, mas sim a máxima encarnação com o objetivo de que os seres humanos possam chegar a ser perfeitamente bons como o é o Pai Celeste (cf. Mt 5,49). O erro con-siste em pensar que se vive tanto mais no mundo do Reino de Deus quanto

menos se vive no mundo histórico.

Portanto, Reino de Deus e as vítimas na história se relacionam

concomitantemente e se esclarecem consequentemente. Por um lado,

o Reino de Deus mantém o horizonte da história aberto à plenitude

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Pe . R og ér io L . Z an in i 19 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

escatológica que pertence exclusivamente a Deus, pois o Reino é de

Deus

. Por outro lado, as vítimas servem de critério para medir o

do

Reino de Deus que se faz presente na história.

Manter a centralidade

das vítimas, portanto, não tem nada de masoquismo, pois o que ele deseja é ser honesto com a realidade e responsável diante dela.

No entanto, apesar da importância irrenunciável dessa perspectiva cristológica, dentro do contexto latino-americano, nem todos comungam desta proposta, de modo particular, o Magistério da Igreja. O Magistério na verdade teme que, ao colocar Jesus histórico como ponto de partida metodológico, conduza-se inegavelmente à negação ou, ao menos, ao obs-curecimento da divindade de Jesus. E ao fazer dos pobres o lugar social e eclesial, acaba-se viciando toda a reflexão, provocando a negação do signi-ficado escatológico e salvífico-universal de Jesus. Jon Sobrino aceita que pode haver acertos e erros e está disposto a corrigir o que está errado. Mas pensa que o caminho mais adequado para corrigir não seja o do monopólio

da verdade, e até mesmo o do mistério de Jesus Cristo, mas o do diálogo e

da fraternidade, em vez do caminho das notificações. Referências bilbiográficas

SOBRINO, Jon. A Fé em Jesus Cristo: ensaio a partir das vítimas. Petró-polis: Vozes, 2000.

_______. A oração de Jesus e do cristão. São Paulo: Loyola, 1981. _______. Cristologia a partir da América Latina: esboço a partir do seguimento de Jesus histórico. Petrópolis: Vozes, 1983.

_______. Cristología sistemática: Jesucristo, el mediador absoluto del reino de Dios. In: ELLACURÍA, I.; SOBRINO, J. (orgs.). Mysterium

Liberationis: conceptos fundamentales de la teología de la liberación.

Madrid: Trotta, v. 1, p. 575-599, 1990.

_______. Centralidad del reino de Dios em la teología de la libertación. In: ELLACURÍA, I.; SOBRINO, J. (orgs.). Mysterium Liberationis: con-ceptos fundamentales de la teología de la liberación. Madrid: Trotta, v. 1, p. 467-510, 1990.

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20 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

_______. Espiritualidade da Libertação: estrutura e conteúdo. São Paulo: Loyola, 1992.

_______. Fora dos pobres não há salvação: pequenos ensaios utópicos--proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008.

_______. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a cristolo-gia. São Paulo: Vozes – Loyola, 1985.

________. Jesus, o Libertador: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1994.

_______. Jesus de Nazaré. In: SAMANES, C. F.; TAMAYO-ACOSTA, J. J. (orgs.). Conceptos fundamentales de pastoral. p.480-513, 1983.

_______. La centralidad del reino de Dios en la teología de la liberación. In: ELLACURÍA, I.; SOBRINO, J. (orgs). Mysterium Liberationis: con-ceptos fundamentales de la teología de la liberación. Madrid: Trotta, v. 1, p. 247-279, 1990.

_______. O Princípio Misericórdia: descer da cruz os povos crucificados. Petrópolis: Vozes, 1994.

_______. Onde está Deus? São Leopoldo: Sinodal, 2007.

_______. O Reino de Deus anunciado por Jesus: reflexões para o nosso tempo. In: AMERINDIA (org.). Caminhos da Igreja na América Latina e

no Caribe: novos desafios. São Paulo: Paulinas, p. 241-261, 2006.

_______. Os povos crucificados, atual Servo Sofredor de Javé.

Conci-lium. Petrópolis, n. 232, p. 117-127, 1990/2.

_______. O Reino de Deus e Jesus: compaixão, justiça, mesa comparti-lhada. In: Concilium. Petrópolis, n. 326, p. 67-78, 2008/3.

_______. Opção pelos pobres. In: SAMANES, C. F.; TAMAYO-ACOS-TA, J. J. (org.). Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. São Paulo: Paulus, p. 529-540, 1999.

_______. Os povos crucificados, atual servo sofredor de Javé: à memória de Ignácio Ellacuría. Concilium. Petrópolis, n. 232, p. 117-127, 1990/2. _______. Ressurreição da verdadeira Igreja: os pobres, lugar teológico da eclesiologia. São Paulo: Loyola, 1982.

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Pe . R og ér io L . Z an in i 21 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

_______. Relação de Jesus com os pobres e marginalizados. Concilium. Petrópolis, n. 150, p. 18-27, 1979/10.

_______. Reverter a história. Concilium. Petrópolis, n. 308, p. 138-148, 2004/5.

_______. Ser cristão hoje. Concilium. Petrópolis, n. 340, p. 87-97, 2011/2.

_______. Seguimento de Cristo e espiritualidade. In: BEOZZO, J. O. (org.). Vida, clamor e esperança: reflexão para os 500 anos de evangeli-zação a partir da América Latina. São Paulo: Loyola, p. 153-164, 1992.

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(23)

O Caminho Espiritual de

Dom Helder Camara

Dr. Ivanir Antonio Rampon1

“Tu sabes muito bem Homem, meu irmão, que és sufi cientemente fraco para fazer defl agrar

a 3ª e última Guerra Mundial com o tristíssimo poder

de suprimir a vida na face da Terra. E que tu és sufi cientemente forte para suprimir da terra

a miséria e, sobretudo, a dominação”.

Dom Helder Camara

A Revista Caminhando com o Itepa pediu-me um pequeno artigo so-bre a tese O Caminho Espiritual de Dom Helder Camara. Partilho aspectos da tese transformada em livro pela Editora Paulinas2. Trata-se de um livro

com mais de 500 páginas que aborda o caminho espiritual de Dom Helder por dois vieses complementares. Nos primeiros cinco capítulos faz-se uma

1 Possui graduação em Filosofi a pela Universidade de Passo Fundo (1996), graduação em Teologia pelo Itepa Faculdades (2000), mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofi a e Teologia (2004), doutorado em Teologia Espiritual pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (2011). Atualmente é professor titular de Fundamentos de Espiritualidade, Teologia da Espiritualidade e Teologia da Graça no Itepa Faculdades. Assessora cursos na área de Teologia e Espiritualidade. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Espiritual, atuando principalmente nos seguintes temas: espiritualidade, ecologia, oração, compromisso sócio-evangélico, liturgia, antropologia cristã, graça... 2 Ivanir Antonio Rampon, O Caminho Espiritual de Dom Helder. São Paulo:

Paulinas, 2013.

(24)

O C am inh o E sp iri tu al d e D om H el de r C am ar a

24 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 - agosto/2013

descrição da cronologia espiritual helderiana, mostrando como Dom Hel-der aplicou sua força místico-espiritual no concreto da vida. Nos outros quatro capítulos disserta-se sobre como ele cultivou a força-mística que o sustentava na estrada de Jesus.

Por que estudar Dom Helder?

Helder Pessoa Camara (1909-1999) é, para muitas pessoas, em particular no Brasil, uma das personalidades mais importantes do século XX. Sua grandeza abrange várias dimensões. É considerado, por exemplo, expoente da profecia; figura exemplar de Bispo-Pastor; símbolo mundial da não violência ativa, juntamente com Gandhi e Martin Luther King3. Paulo

VI, com propriedade, considerava-o um místico e um poeta, um grande homem para o Brasil e para a Igreja, alguém com um coração incapaz de odiar: que só sabe amar, que recebeu de Deus a missão de pregar a justiça e o amor como caminho para a paz. João Paulo II, por sua vez, chamava-o de “Irmão dos Pobres, meu Irmão”.

Neste tempo de “mudança de época” em que se “carece de grandes testemunhas”, o testemunho espiritual de Dom Helder é um farol a ilumi-nar a estrada de quem quer viver “banhado de Evangelho”. De fato, Dom Helder consegue ser uma síntese da melhor tradição espiritual da América Latina, pois no dizer do historiador Beozzo, nele encontramos o profetismo e a veia literária de Pedro Casaldáliga, a intrepidez e o senso político de Ivo Lorscheiter, a atenção aos pobres e a capacidade de conciliação de Dom Luciano Mendes de Almeida, a bondade e a intuição teológica de Aloísio Lorscheider, a coragem e a defesa intransigente dos direitos dos pequenos de Evaristo Arns4.

A pesquisa identificou que a Vigília (oração) e a Santa Missa (Euca-ristia) foram fundamentais para que Dom Helder se tornasse “a síntese da melhor tradição espiritual da América Latina”: sem elas, provavelmente, ele

3 Nelson Piletti – Walter Praxedes, Dom Helder Camara: o profeta da paz. São Paulo: Contexto, 2ª Ed., 2008.

4 José Oscar Beozzo, “Apresentação”, in Helder Camara, Vaticano II: Circulares

conciliares, I, XIX (Org. Luiz Carlos Luz Marques – Roberto de Araújo Faria).

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não teria sido o Bispo das Favelas do Rio de Janeiro, o Arcebispo dos Pobres no Nordeste, o Advogado do Terceiro Mundo, o Apóstolo da não-violência ativa, a Esperança de uma sociedade renovada segundo o ideal cristão, o Poeta-Místico e Profeta de uma fé jovem e forte5. Sem a Vigília e a Santa

Missa “não seria possuidor desta espiritualidade madura que nos leva a ver nele um monumento espiritual para a América Latina e para o Terceiro Mundo”6; a vê-lo como “o DOM”: o Dom da paz, do amor, da justiça, da

libertação... o Dom de Deus!7. No livro, cada um dos elementos acima

ci-tados, são aprofundados a partir de textos e falas do próprio Dom Helder. Além disto, destaco que quando se celebrava o centenário do nasci-mento de Dom Helder, muitas atividades comemorativas foram realizadas na América Latina e no mundo, a fim de louvar a Deus pelo amor que Ele nos revelou através do Bispinho. Na ocasião, centenas de estudiosos, autoridades civis e eclesiásticas, comunidades, pastorais, universidades, movimentos populares... lançaram o apelo de que se aprofundasse a herança espiritual helderiana. Baseado naquele contexto, aceitei o desafio de estudar o caminho

espiritual de Dom Helder Camara, a fim de contribuir com uma reflexão

teológico-espiritual acerca dele.

Com este estudo, ainda, desejava tributar honra a Dom Helder. Porém, “somos obrigados a reconhecer que, estudá-lo, é uma honra aos estudio-sos”. Honra que se traduz, sobretudo, em compromisso, pois – como disse o decano de Teologia, da Universidade de Friburgo, quando lhe concedeu o títuto de Doctor Honoris Causa em Teologia Espiritual8 – “por sua vida,

por sua atuação de pastor, por seu testemunho”, Dom Helder é “um autên-tico doutor da fé, um genuíno intérprete da verdade evangélica, ante quem os ‘catedráticos’ de teologia se levantam de suas cátedras e se inclinam”.

Ainda destaco um episódio que ficou gravado em minha memória. Apresentei a tese em 21 de junho de 2011, dia de São Luís Gonzaga,

estu-5 José de Broucker, Helder Camara: la violenza di un pacifico. Roma: Edizioni Saggi ed esperienze, Tipografia Città Nuova, 1970.

6 Nelmo Roque Ten Kathen, Uma vida para os pobres: espiritualidade de D.

Hélder Câmara, p. 102. São Paulo: Loyola, 1991.

7 Ainda na década de 50, o povo começou a chamá-lo de “Dom”. Carinhosamente, também era chamado de “Padrezinho” e “Bispinho”.

8 Benedicto Tapia de Renedo, Hélder Câmara: proclamas a la Juventud, p. 73. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1976.

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dante ilustre da Gregoriana. Naquela ocasião, o professor que coordenou a banca disse que aquele dia era importante por dois motivos básicos. O primeiro por se tratar do dia de São Luís, padroeiro da juventude generosa. O segundo, porque pela primeira vez, naquela Universidade era defendida uma tese sobre Dom Helder, místico e profeta do nosso tempo, que muito nos tem a ensinar no seguimento a Jesus Cristo.

Enfim, as ideias de Dom Helder que não são dele apenas, mas nos-sas – como o Dom gostava de dizer – precisam ser espalhadas a fim de que haja não mais um primeiro, um segundo, um terceiro mundo, mas sim um mundo, “um mundo de irmãos!”. Neste sentido, pode-se dizer que o livro é destinado à agentes de pastoral e outros líderes populares que sonham com um mundo fraterno, justo e sustentável. Sem dúvida, como Helder é modelo de pastor, destina-se aos pastores do povo de Deus. Enfim, é reco-mendável à Vida Religiosa, aos Seminaristas, aos Acadêmicos de Teologia e a quem busca uma graciosa fonte de Espiritualidade cristã e quer fazer parte da abençoada “Família” do Bispinho. Parafraseando o querido Papa Francisco – com o qual Dom Helder estaria/está vibrando – podemos dizer que o Dom de fato, colocou “em jogo a pele e o próprio coração”, sendo um Pastor com “cheiro das ovelhas”, levando a unção pela qual foi consagrado a todos, especialmente nas “periferias” onde o nosso povo fiel o aguardava e o apreciava9. Através de suas palavras, escritos, obras e prece, Dom Helder

continua a nos oferecer o óleo da alegria que Jesus veio trazer (Lc 4,14ss). Qual a originalidade do estudo?

A originalidade do estudo está no fato de apresentar o caminho

espi-ritual de Dom Helder. Em outras palavras, não se trata, apenas, de descrever

características de sua espiritualidade a partir de um momento fixo de sua vida, mas de caminhar com ele, percebendo quais foram as constantes, as

novidades, as mudanças e os progressos (ou as “conversões”, as

“humi-lhações”, os “novos acentos”) no seu modo de viver sob a orientação do Espírito Santo. Por isso, foi dada grande importância aos próprios textos e relatos do Arcebispo.

9 FRANCISCO, Santa Missa Crismal: Homilia do Papa Francisco. Roma, 28 de maio de 2013. In: <http://www.vatican.va> – acesso 28 de maio de 2013. Na década de 50, Dom Helder passou a ser conhecido como “Bispo das Favelas”.

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Ao caminhar com Dom Helder, percebe-se, numa perspectiva dife-rente e mais profunda, como ele viveu unido “à Vida divina da Santíssima Trindade” e, em “união com Cristo”, no decorrer do processo

histórico--espiritual, que envolveu sua vida e ministério. A análise leva a afirmar

que o Dom pode ser apresentado como um modelo de pessoa que se doou sublimemente, na caridade, por amor a Cristo e a sua Igreja. Ele, movido pelo Espírito Santo, ouviu a voz do Pai, adorando-o em espírito e verdade, e seguiu a Cristo pobre, humilde e crucificado-ressuscitado, progredindo no caminho da fé viva, que acende a esperança e age por meio da caridade. Seu relacionamento pessoal e profundo com Cristo era expresso no calor do seu amor, na bondade do seu coração, na verdade de suas palavras, no alento dado à esperança, na beleza da sua prece. Terminada sua vida ter-rena, Dom Helder continua recebendo admiração, afeto, reconhecimento e orações; permanecendo assim, vitalmente unido aos seus irmãos ainda peregrinos na estrada de Jesus. Por meio da partilha de bens espirituais, nossa fragilidade é mais amparada por sua fraterna solicitude.

Que métodos foram usados?

A Teologia Espiritual é uma disciplina teológica que estuda a expe-riência espiritual cristã, descreve o seu desenvolvimento, suas estruturas e suas leis. Devido a sua complexidade, exige um conhecimento interdiscipli-nar, porque, em sua natureza participam, além da teologia, a antropologia, a história, a psicologia... com suas exigências práticas. Para efetivar a pes-quisa, foram utilizados métodos que fossem capazes de garantir o caráter teológico-espiritual.

O método narrativo nos permitiu descrever o caminho. O histórico--crítico foi importante para efetivar a hermenêutica do contexto em que foi possível a caminhada, percebendo as constâncias e novos acentos na cami-nhada espiritual helderiana. O fenomenológico nos permitiu considerar a

singular experiência espiritual helderiana, comparando-a com outras

expe-riências, e analisá-la a partir das leis e das estruturas da Teologia Espiritual. Deste modo, colocamos em diálogo quatro exigências importantes para o nosso estudo: a experiência, a hermenêutica, a sistemática e a mistagogia.

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A pesquisa foi fundamentalmente bibliográfica e contamos com

muitas fontes, pois Dom Helder era um constante e exímio escritor. Seus

textos podem ser classificados em cinco grupos: Conferências, Meditações, Crônicas, Circulares e Entrevistas. Além destas fontes principais, utili-zamos outros importantes escritos sobre o Arcebispo. De fato, inúmeros são os textos em jornais, revistas, sites, livros, monografias, dissertações, teses e biografias, que analisam a pessoa e o pensamento de Dom Helder, abordando-os a partir de diferentes áreas do saber humano.

Qual é o itinerário dos conteúdos?

Nos primeiros cinco capítulos, apresentamos como Dom Helder

apli-cou a sua força místico-espiritual no apostolado e no ministério sacerdotal,

servindo a Igreja, a sociedade e os pobres. Nos outros quatro, analisamos como ele cultivou esta “força”, que lhe dava sustento no “caminho do Senhor”.

O primeiro capítulo abrange o período em que Helder viveu no Ceará (1909-1936) e foram abordados seus primeiros passos no caminho espiritual. Além de descrever a sua infância e juventude, colocaram-se em destaque

ensinamentos espirituais recebidos, que marcaram a sua personalidade.

Evidenciou-se a origem das Meditações do Pe. José, a experiência da pri-meira grande humilhação, a opção radical de realizar Vigílias para “salvar a unidade” e o pecado de juventude.

O segundo capítulo engloba os anos em que o Pe. Helder residiu no Rio de Janeiro (1936-1964), vivenciando forte experiência mística e reali-zando intensas atividades pastorais, através das quais, efetivou um vigoroso

progresso espiritual caracterizado, sucessivamente, pela busca de um novo estilo de santidade (1936-1946), uma nova metodologia e espiritualidade

na ação pastoral (1946-1955) e uma nova aplicação para a sua força mística (1955-1964).

O terceiro capítulo abrange os dois primeiros anos de Dom Helder em Recife (1964-1965). Analisou-se, primeiramente, o Discurso de Chegada, no qual, o Arcebispo adjetivou a sua espiritualidade pastoral. Em seguida, através das Circulares Interconciliares, visualizam-se alguns dramas

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-pastorais vivenciados pelo Pastor, em uma das regiões com alto índice de pobreza, devido, entre outras causas, ao colonialismo interno e a injustiça internacional do comércio.

O quarto capítulo se refere ao período em que Dom Helder esteve em Roma, participando do Vaticano II (1962-1965). O Arcebispo brasilei-ro – considerado entre os mais importantes Padres Conciliares – realizou o apostolado oculto, principalmente nos espaços informais: organizou o Ecumênico e o Opus Angeli, além de ser notável no Grupo dos Pobres e muito apreciado pelos jornalistas. Através das Circulares Conciliares – nas quais ele reza, medita e partilha o Concílio com a Família – vislumbra-se a sua ação em prol de um cristianismo aberto, renovado, libertador e pro-motor da paz.

O quinto capítulo compreende o período em que Dom Helder foi difamado, caluniado, execrado e silenciado pela repressão militar, instalada no Brasil pelo regime político autoritário (1964-1985). Além de registrar a ação das forças que se declararam inimigas do Arcebispo, evidencia-se o crescimento da fama de sua santidade e o auge de sua notoriedade inter-nacional, quando foi indicado quatro vezes consecutivas ao Nobel da Paz e agraciado com dezenas de doutorados honoris causa. Nas páginas deste capítulo, é saliente o modo como o Dom padeceu o sacrifício da cruz que celebrava em cada Santa Missa, sofrendo, solidário, com os presos, tortu-rados, silenciados, martirizados...

O sexto capítulo trata do modo como Dom Helder cultivava a sua espiritualidade, merecendo destaques: a vivência de uma forte amizade es-piritual com um grupo de pessoas especiais, que ele chamava de Família; a

Vigília, na qual meditava a sua união à Vida divina da Santíssima Trindade

e mantinha uma relação pessoal, de camaradas, com Cristo, os Anjos e Santos; as Circulares, nas quais descreve, de modo orante e com pureza de coração, sua missão, sonhos, utopia e espiritualidade; a Santa Missa, ponto mais alto e mais importante do seu dia.

No sétimo capítulo analisamos algumas devoções, através das quais, Dom Helder cultivava a sua espiritualidade. Ele se relacionava intensamente com Maria, tendo a liberdade de chamá-la, carinhosamente, com novos

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títulos, oriundos da situação sócio-existencial; conversava com seu Anjo da Guarda, a fim de considerar os acontecimentos a partir de uma visão

multidimensional; fazia planos com os Santos sobre as lidas em prol da

justiça, da paz, da renovação da Igreja; venerava e seguia as orientações do sucessor de Pedro e, por isso, comentam-se alguns dos encontros de Dom Helder com João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.

No oitavo capítulo analisa-se a experiência mística de Dom Helder expressa nas Meditações do Pe. José. Para isto, utilizaram-se alguns

crité-rios analíticos, oriundos de São João da Cruz e ressaltam-se as principais afinidades espirituais de Dom Helder com Francisco de Assis, Terezinha do

Menino Jesus, Teilhard de Chardin, Irmão Roger de Taizé e Thomas Merton, e, enfim, colocamos em evidência certas semelhanças do Bispinho com Catarina de Sena, Inácio de Loyola e os místicos cearenses – Pe. Ibiapina, Antônio Conselheiro, Pe. Cícero, Beato Lourenço e Dom Hélio Campos.

O último capítulo apresenta, de modo sintético, o legado profético-es-piritual helderiano, especialmente sua participação no caráter “fundacional” da Igreja na América Latina; seu esforço para garantir a tradição espiritual libertadora latino-americana; sua peregrinação pelo mundo, pregando a paz e conclamando as Minorias Abraâmicas, a fim de se unirem, para o exer-cício da pressão moral libertadora, e seu apostolado, irradiante da mística evangélica, na Arquidiocese de Olinda e Recife. Por fim, recorda-se Dom Helder, no “grande silêncio”, recolhido em oração, qual místico no deserto, preparando-se para a “grande viagem”.

Que aspectos do legado helderiano merecem mais estudos?

Antes de tudo, é importante dizer que o horizonte para estudos da espiritualidade helderiana é vastíssimo. O Instituto Dom Helder Camara dispõe, por exemplo, de 7.500 Poemas-Meditações do Pe. José, a grande maioria inéditos. Estudos da experiência místico-espiritual expressa através das Meditações renderia excelentes monografias, dissertações e teses de Teologia Espiritual.

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Uma parte importante do desenvolvimento espiritual de Dom Helder – e que ainda merece mais pesquisas – aconteceu durante o período em que ele habitou no Rio de Janeiro. Há uma grande quantidade de registros inéditos desta época que, provavelmente, serão fontes de inovadores conhecimentos em diversas áreas, tais como a Pedagogia, a Mística, a Espiritualidade...

Da mesma forma, as Circulares Pós-Conciliares, recentemente publi-cadas, nos ajudariam a compreender com mais profundidade a meditação helderiana justamente no período em que eram vividos momentos impor-tantes da eclesiologia, da teologia e da espiritualidade latino-americana, ou seja, durante a primavera conciliar e a fecundidade de Medellín e Puebla.

Portanto, podemos dizer que os escritos helderianos permanecem como uma herança preciosíssima, não somente para nós, mas também para as gerações futuras. Através deles, elas poderão realizar estudos e meditações, sonhar e fazer a paz acontecer. E, assim, o Bispinho continuará cuidando da

Família e conclamando as Minorias Abraâmicas para a união... O Pe. José

continuará ajudando-nos a contemplar o mundo com os olhos transfigurados pela poesia e pela fé, nos remetendo ao essencial:

“Reparte teu pão

porque há irmãos famintos que não podem esperar... Reparte justiça

porque há irmãos oprimidos cansados de tanto esperar... Reparte amor

porque a terra inteira anda sedenta

de compreensão e de amor-Amor...”10.

10 Hélder Câmara, Ano 2000: 500 anos de Brasil, p. 48. São Paulo: Edições Paulinas, 1999.

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Referências bibliográficas

BEOZZO, José Oscar. “Apresentação”, in Helder Camara, Vaticano II:

Circulares conciliares, I, XIX (Org. Luiz Carlos Luz Marques – Roberto

de Araújo Faria). Recife: CEPE, 2009.

BROUCKER, José de. Helder Camara: la violenza di un pacifico. Roma: Edizioni Saggi ed esperienze, Tipografia Città Nuova, 1970.

FRANCISCO, Santa Missa Crismal: Homilia do Papa Francisco. Roma, 28 de maio de 2013. In: <http://www.vatican.va> – acesso 28 de maio de 2013. Na década de 50, Dom Helder passou a ser conhecido como “Bispo das Favelas”.

KATHEN, Nelmo Roque Tem. Uma vida para os pobres: espiritualidade

de D. Hélder Câmara, p. 102. São Paulo: Loyola, 1991.

PILETTI, Nelson; Praxedes, Walter. Dom Helder Camara: o profeta da

paz. São Paulo: Contexto, 2ª Ed., 2008.

RAMPON, Ivanir Antonio. O Caminho Espiritual de Dom Helder. São Paulo: Paulinas, 2013.

RENEDO, Benedicto Tapia de. Hélder Câmara: proclamas a la

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33 Caminhando com o Itepa - ano XXVII - n° 109 -agosto/2013

A Bíblia no Itepa

Pe. Nelson Tonello1

Na abertura das comemorações dos 30 anos do Itepa Faculdades, o Professor Pe. Nelson Tonello abordou o tema “a Bíblia no Itepa”. Publicamos a seguir o texto-base usado em sua conferência.

1. Início de conversa

Os que me precederam lembraram que o ITEPA nasceu de um forte grito levantado por leigos, religiosos e seminaristas que frequentavam o curso de teologia na PUC de Porto Alegre. Também nasceu do sonho de criar um espaço alternativo de formação teológica e que fizesse diferença ao que lhes era oferecido.

2. Muitos temores

Pensar na criação de um Instituto de Teologia interiorano parecia ousadia demais. Na verdade, os Senhores Bispos foram corajosos e rápidos. Dúvidas e questionamentos de toda ordem pipocaram por toda parte. As necessidades eram evidentes e o ponto de partida era claro bem como o ponto de chegada também era claro. O caminho, porém devia ser construído passo a passo.

1 Presbítero da Arquidiocese de Passo Fundo. Especialista em Ciências Bíblicas, Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora Assunção, SP; Licenciado em Filosofia, UPF, Passo Fundo, RS; Licenciado em Pedagogia e Especialização em Filosofia, FAFIMC, Viamão, RS; Bacharel em Teologia, Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, SP; Título Superior de Religião e Catequese, Instituto Nacional de Pastoral, Estado da Guanabara;

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3. Pequenas e grandes perguntas

As questões a serem resolvidas eram muitas: espaço físico? Dire-ção? Biblioteca? Estatutos? Currículo? Metodologia? Que espaço deveria ser reservado às diversas disciplinas? Em especial, que espaço devia ser reservado à Bíblia?

4. A Sagrada Escritura

Tomada a decisão de enfrentar um instituto de teologia e pastoral, muitas reuniões se tornaram necessárias e muitas pessoas foram ouvidas. Entre tantas questões, nos inquietava o lugar que deveríamos dar à Bíblia. Ninguém duvidava que a Palavra de Deus deveria ser o fio condutor que devia perpassar por dentro as diversas disciplinas a serem ministradas. Tam-bém estávamos de acordo que a Sagrada Escritura não devia ser apenas uma disciplina entre as demais. Quem poderia nos ajudar nesse discernimento?

Soubemos que o Padre José Comblin se encontrava em Caxias do Sul assessorando uma semana de estudos. Padre Elli e eu madrugamos e fomos conversar com Comblin. Expusemos a ele nosso projeto, nossas intuições e dúvidas. Ele nos ouviu com simpatia, interrogou e fez ponde-rações sobre vários aspectos, sobretudo o lugar que devíamos reservar às Sagradas Escrituras.

5. Duas metáforas

Nas suas ponderações, o Pe. Comblin formulou duas metáforas: “A Bíblia deve ser sempre o coração e a espinha dorsal de uma instituição de reflexão teológica e pastoral”.

Ao retornar, conversamos muito, tentando entender o que Comblin queria dizer com essas duas metáforas: “coração” e “espinha dorsal”. En-tendemos que o coração é o órgão do corpo humano que garante a vida enquanto bombeia sangue para todas as células do nosso organismo. Sangue é vida. Onde não chega sangue, a vida se esvai. Por outro lado, a espinha dorsal sustenta todo o organismo. Qualquer problema na coluna vertebral

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desarticula o corpo todo. Então, coração e espinha dorsal têm funções es-pecíficas e de fundamental importância. É, pois, necessário prestar muita atenção para o coração e para a coluna.

6. O gancho da “Dei Verbum”

Comblin também nos remeteu ao Concílio Vaticano II, sobretudo ao documento que trata da Sagrada Escritura. Pesquisamos na “Dei Ver-bum” e encontramos duas palavras-chave: “A Sagrada Escritura deve ser a FONTE e a ALMA da teologia e da pastoral” (DV 24). A palavra “fonte” bateu nas nossas raízes. Quando vamos a uma fonte retirar água, quanto mais recolhemos, mais água vai brotando. Em outras palavras a Bíblia, como uma fonte, é inesgotável. Lida e relida, sempre nos surpreende com “água” fresca e limpa.

Por outro lado, a Bíblia é a “alma”, isto é, a Bíblia deve animar o pen-samento teológico e o agir pastoral, dar-lhe vida e consistência. No ITEPA, entendemos, pois, que a Bíblia deve fazer o papel do coração.

E foi isso que procuramos fazer nesses 30 anos de Itepa. Procuramos nos encaixar dentro do movimento bíblico suscitado pelo Concílio Vaticano II. A Bíblia foi sendo resgatada das garras do clericalismo, redescoberta como “fonte” e “alma”, recuperada e devolvida a todo o povo de Deus. Sabemos que resta um longo caminho ainda a ser percorrido. No entanto, os passos dados confirmam o rumo e a direção.

7. Algumas pontuações

1) Entendemos a Bíblia não apenas como um conjunto de livros, mas como Palavra viva, vivida no cotidiano do Povo de Israel e de Jesus de Nazaré, contada e recontada nas famílias e nas comunidades e, posteriormente, recolhida e escrita. Tanto o Antigo Testamento como o Novo Testamento nasceram assim.

2) A Bíblia é “fonte” e “alma” enquanto apresenta modelos de vida, aponta horizontes e proporciona um olhar de síntese provocando con-tinuamente um olhar para trás... para o chão... e para frente.

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3) A Bíblia desempenha papeis fundamentais na reflexão teológica e na prática pastoral enquanto encontramos nas suas páginas uma “LUZ” para a vida e a comunidade... enquanto encontramos o “SAL” ne-cessário e na medida certa para saborearmos a vida com alegria e dignidade... e o “FERMENTO” que nos provoca e motiva para uma contínua e perene conversão. Uma leitura correta da Bíblia jamais nos deixa indiferentes e no mesmo lugar.

4) A Bíblia sempre foi objeto de pesquisa e de muito estudo. A exegese nos oferece muitos instrumentos e bons caminhos desde a crítica lite-rária... a crítica histórica ou a crítica sociológica. Certamente nenhum caminho esgota a “fonte” e nenhum caminho é absoluto. Quando con-seguimos interpretar a vida e a fé à luz da Palavra de Deus, estamos, certamente, num bom caminho.

5) Por outro lado, devemos continuar vigilantes e muito atentos com: * O BIBLISMO: não é verdade que a Bíblia cura, salva ou dá prosperida-de... Também não é verdade que a Bíblia responde a tudo. A Palavra de Deus é maior do que os 72 livros que a compõem!

* O FUNDAMENTALISMO: a Bíblia não pretende ensinar ciências ou fazer história, simplesmente. A Palavra de Deus vai muito além da pala-vra escrita!

* A DESCONTEXTUALIZAÇÃO, certamente, a maior dificuldade. O texto escrito nasceu dentro de um contexto sócio-econômico-político--cultural e religioso. É preciso prestar atenção para os três ângulos: o texto, o pretexto e o contexto, como sempre nos ensina Carlos Mesters. CONCLUINDO: A LEITURA ORANTE é um bom caminho desde que sejamos rigorosamente fiéis ao método proposto. A recomendação do livro de Daniel (Dn 3), levada a sério, nos recolocará, cada dia, no hori-zonte maior. Evidentemente não se trata de “comer, engolir ou ruminar” o papel, mas de ler, reler, estudar, meditar para entender o que o texto diz... o que o texto nos diz e o que o texto nos faz dizer.

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Romaria de Nossa Senhora Aparecida:

um encontro solidário entre

religiosidade popular e teologia oficial

Equipe de Pesquisa sobre Religiosidade Popular Mariana1

Coordenadores: Dr. Elli Benincá e Ms. Selina Maria Dal Moro

Por acreditar que a reflexão é o caminho mais seguro para a realização de uma sólida formação (Constituições Itepa), o Itepa Faculdades instituiu a pesquisa como um dos meios, junto com o ensino e a pastoral, para realizar seus projetos formativos. Fruto dos estudos realizados sobre a Religiosi-dade Mariana, este texto constituiu-se um primeiro e parcial resultado dos trabalhos realizados, tendo como foco de reflexão, as Romarias Marianas da Província Eclesiástica de Passo Fundo.

Esta pesquisa, em andamento, visa como meta abrangente, contribuir para o reconhecimento da religiosidade popular e suas práticas. Sobretudo, deseja oferecer subsídios para qualificação das romarias, especialmente das romarias marianas, sempre na perspectiva do fortalecimento da fé e da cidadania humana e cristã.

O texto foi planejado e é apresentado em três partes. Inicia com uma breve contextualização da devoção mariana manifestada, especialmente pela religiosidade popular; a segunda parte, de modo muito sintético, apre-senta a história da aparição de Nossa Senhora nas águas do Rio Paraíba, em São Paulo e a difusão dessa devoção em Passo Fundo. A terceira parte tece algumas reflexões tendo como base registros de entrevistas realizadas com romeiros em duas romarias (2011/2012) em louvor a Nossa Senhora Aparecida, em Passo Fundo.

1 A autoria do texto é da Equipe de Pesquisa sobre Religiosidade Mariana: Pe. Elli Benincá-ellibeninca@bol.com.br; Pe. Ivanir Rodighero – <ivanir.itepa@bol.com. br>; professora Selina Maria Dal Moro-dalmoro@upf.br; Profª Aneli Terezinha Bourscheidt; Profª Maria Inês Busato-mariabusato@gmail.com; Acadêmicos: Jorge Francisco H. Hahn-franciscohahn_1234@yahoo.combr e Cassiano Pertile - cassianopertile@hotmail.com;

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Ro m ar ia d e N os sa S en ho ra A pa re ci da : u m e nc on tr o s ol id ár io e nt re r el ig io si da de p op ul ar e t eo lo gi a o fic ia l

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1. Maria na Igreja e na devoção popular

A devoção a Maria, Mãe de Jesus, sob as mais diversas denomina-ções, remonta aos primórdios do cristianismo, ganhando, no decurso do tempo, centralidade na religiosidade cristã universal. De modo particular, na história do Ocidente, Maria exerceu no espaço público, grande influência. Diante dessa realidade histórica, Clodovis Boff (2006, p.18), referenciado em estudos mariológicos,2 em sua prática pastoral e teológica, afirma que

“Maria não é na vivência da Igreja uma figura qualquer, é antes, uma figura “central”, embora não seja o centro, que é sempre Jesus Cristo”

Herdeiro da milenar cultura europeia, trazida primeiramente na bagagem dos conquistadores ibéricos e pelos missionários, especialmente franciscanos e jesuítas3, o contexto hispânico-americano e brasileiro está,

indelevelmente, marcado pela presença de Maria.

Missionários e conquistadores trouxeram a Virgem às terras da Améri-ca com as Améri-característiAméri-cas da contra-reforma, envolta na original religiosidade popular luso-hispânica e expressa em imagens e devoções de marcado cunho ocidental. Mas, ao chegar às novas terras, Maria adquire imediatamente uma nova, original e ambígua configuração, especialmente para os indígenas que se sentiam agredidos pelos “conquistadores”. Porém, para estes, sua che-gada às terras americanas configurou-se como fruto do auxílio da Virgem na conquista, a partir disso, os conquistados tiveram que, gradativamente, configurar-lhe uma nova face, a face libertadora (Cfe. DORADO, 1992).

Do alto do morro Tepeyac ao eleger o nativo Juan Diego como por-ta-voz de sua mensagem às autoridades religiosas e ao mundo, dando

visi-2 Andrew M. Greeley afirma que “Maria é, no Ocidente, o símbolo cultural mais poderoso e popular dos últimos tempos” (apud: Boff, 2006, p.19). Miguel Unamuno (1936) declara que Maria se tornou em nossa cultura um símbolo perene (apud: Boff, 2006, p. 19). Embora protestante, o pedagogo cristão Friedrich W. Forster declarou em suas considerações: “O que a Virgo Immaculata foi para a cultura humana supera de longe tudo o que fez a técnica moderna”

3 “Os primeiros missionários traziam consigo uma profunda devoção a Maria e realmente a propagaram. Ficou célebre o Poema à Virgem, composto em dísticos latinos pelo “Apóstolo do Brasil”, o beato José de Anchieta, quando se encontrava refém dos Índios Tamoios durante a perigosa negociação da aliança entre eles e os portugueses (1563). (BOFF, 1995, p. 13).

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bilidade a todos os povos indígenas dominados e explorados, Maria revelou seu papel mediador e libertador. Do mesmo modo, em terras brasileiras, em tempos de escravidão, Maria torna a dar visibilidade ao seu caráter libertador, deixando-se “pescar” nas redes de pescadores empobrecidos e desolados, pela falta de pesca no sempre piscoso rio Paraíba (mais adiante este tema será melhor explicitado). Em outras palavras, fazendo-se presente entre os marginalizados (índios, negros, caboclos), quando da constituição das nações latino-americanas inicialmente, alcunhada de “Conquistado-ra”, pelos conquistadores do território, posteriormente, apropriada pelos desvalidos, Maria toma o título de “Libertadora” (apud: Boff, 2006, p. 20).

A Cruz de Cristo e a imagem da Virgem Maria foram, assim, desde os primórdios da colonização, símbolos da latinidade cristã americana. Diante desta realidade incontestável, o Papa João Paulo II, durante a sua visita à basílica nacional de Aparecida, em 4 de julho de 1980, declarou publicamente que a devoção mariana é um dos traços característicos da religiosidade do povo brasileiro (1980. In: BOFF, 1995, p. 24).

No Brasil independente, e posteriormente republicano, o matiz ilu-minista- positivista dos protagonistas da independência e da república não propiciou a relação de Maria com a constituição oficial da nova nação. Os esforços dos propagadores dessa nova matriz de sociedade, no entanto, não obtiveram êxito no ofuscamento da devoção mariana cultivada no âmbito dos espaços familiares e comunitários. O ânimo mariano da religiosidade popular4, silenciosamente cultivado, foi a força que fundiu histórias cristãs

individuais na mesma história compartilhada, construída à luz do evangelho e tornou-se, sem dúvida, um dos eixos da “evangelização que se inseriu na cultura brasileira” (Cfe. JOÃO PAULO XII, 1991).

4 “A locução religiosidade popular tem um sentido amplo. Tem a ver com religião, ou seja, com a relação do ser humano com a divindade, seja ela cristã ou não. Ela é compreendida também como sendo a religião do povo, ou religião popular. Na América Latina, usa-se também a expressão catolicismo popular, referindo-se ao catolicismo vivido pelo povo a partir de sua evangelização. É chamado também de catolicismo tradicional, em oposição ao catolicismo romano ou romanizado que foi se estabelecendo a partir de meados do século XIX, herdado de Portugal e da Espanha na primeira evangelização, acrescido de elementos da religiosidade natural dos povos indígenas e de procedência africana”. (CIPOLINI, 2010).

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Ro m ar ia d e N os sa S en ho ra A pa re ci da : u m e nc on tr o s ol id ár io e nt re r el ig io si da de p op ul ar e t eo lo gi a o fic ia l

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Reflexo da profunda influência exercida pelo catolicismo popular5

e da devoção mariana, num cenário de profundos conflitos entre o poder hegemônico e a organização popular, provocados pelas políticas excluden-tes do centro do poder republicano, registram-se as presenças de atores e de movimentos de resistência ou reivindicativos articulados em torno à devoção mariana6.

Inserindo-se na sociedade brasileira a partir de meados do século XIX, isolados nas matas do centro e do norte do Rio Grande do Sul, reu-nindo-se em oração junto a uma imagem de Maria, imigrantes e descen-dentes europeus preservaram os princípios de sua identidade católica e implantaram, sobretudo nas terras do sul, os princípios e valores cristãos. (Cfe. BENINCÁ apud, RODIGEHRO, 2011). Assim, pode-se afirmar que a piedade mariana foi com frequência, e ainda o é, um vínculo resistente que conservou e conserva fiel à Igreja a massa dos cristãos (PUEBLA, 1979/284) que foram se localizando em terras latino-americanas, incluindo aqueles que não contaram com atenção pastoral adequada (Cfe. CIPOLINI, 2010).

O reflexo do longo processo de introdução de Maria, tanto nos espa-ços privados, quanto no espaço público, hoje no contexto do norte do RS, especialmente na área de abrangência da Arquidiocese de Passo Fundo,

5 Marca da presença histórica da religião católica no contexto brasileiro, especialmente, no início da colonização ibérica. Com seus personagens sacros e seu calendário festivo, a instituição eclesial católica marcou fortemente a cultura popular brasileira, adquirindo seu ritual diferentes matizes, associados à etnia e à região.

6 Entre eles, pela sua repercussão histórica não há como ignorar o movimento de Canudos liderado por Antonio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antonio Conselheiro. Peregrinando pelo sertão ressequido, perseguido pelos poderes constituídos, Antonio Conselheiro apresentava, Maria, como modelo de paciência e de perdão. Sua arma principal de luta contra as injustiças ele a trazia no seu velho surrão de couro. Tratava-se de dois manuscritos de caráter religioso, dentre os quais se destacava o texto “Prédicas e Discursos”. Neste, Antonio Conselheiro apresentando Maria como modelo de vida exortava os seus seguidores ao não uso da violência e ao perdão dos inimigos.

Relacionando “Maria e Dor” exortava o povo a “acompanhar a Senhora em suas penas e longe de meditar vinganças(...) “lembrar-se” que Maria nunca se queixou de ser tão maltratada na pessoa de seu querido Filho, antes sempre teve um coração cheio de compaixão para com aqueles mesmos cuja impiedade lhe têm causado tantas amarguras” (NOGUEIRA, 1978, P. 78)

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foi conferindo à Maria um “lugar central”, tanto pelo número de paróquias e capelas que a tem como padroeira7, como pelo número de eventos que

anualmente se realizam em seu louvor. Fortemente inscrita nas consciências, a devoção mariana reúne famílias na oração do terço (Cfe. depoimento de romeiros da 32ª romaria-2012), mobiliza massas em romarias e peregrina-ções, preservando a fé em Cristo e o senso de pertencimento à Igreja. É neste contexto que se localiza a mais concorrida romaria de Nª Sª Aparecida da Arquidiocese de Passo Fundo, alicerçada no papel catalisador desta Dio-cese que tem a histórica devoção à Mãe Aparecida, aqui implantada desde os tempos do tropeirismo sul-sudeste (século XIX e início do século XX). 2. Devoção a Nossa Senhora Aparecida: de São Paulo a Passo Fundo

O tema da aparição de Nossa Senhora nas águas do Paraíba mereceu de diversos autores descrições detalhadas e profundas reflexões (RODIGHE-RO, 1996, BRUSTOLONI, J.J., 1994, REIS, 1996, QUEIROZ, http:/www. santuário.com). Neste texto, com base em tais trabalhos, faz-se uma breve descrição dos fatos visando contextualizar a devoção e compreender as razões da influência desta devoção na região norte do estado do Rio Grande do Sul, especialmente na Arquidiocese chamada Passo Fundo.

No início do século XVIII, as marcas do colonialismo português, da escravidão negra e da dominação do trabalhador, da audácia de ban-deirantes, que buscando riquezas minerais preciosas, romperam com os limites traçados pelo Tratado de Tordesilhas (1494), se expandiam sobre todo o território brasileiro, já então considerado Reino Unido a Portugal e

7 Entre as 54 paróquias da Arquidiocese de Passo Fundo, 18 são dedicadas a Maria. Muitos títulos referem-se denominações de Paróquias europeias da origem dos migrantes: Nª Sª dos Navegantes (Barra Funda; Nª Sª da Glória e Nª Sª de Fátima (Carazinho); Nª Sª do Rosário (Charrua); Nª Sª de Lourdes (Nova Alvorada); Nª Sª dos Navegantes (Nova Boa Vista); Nª Sª Aparecida (Catedral); Nª Sª da Conceição (Passo Fundo); Nª Sª de Fátima (Passo Fundo); Santuário Nª Sª Aparecida (Passo Fundo); Nª Sª dos Navegantes (Passo Fundo, Bairro Operário) Nª Sª dos Navegantes (Ronda Alta); Nª Sª do Rosário (Serafina Correa); Nª Sª da Saude (Tapejara); Nº Sª do Rosário de Pompeia (Tapera); Nª Sª do Rosário (União da Serra); Imaculado Coração de Maria (Victor Graeff); Nª Sª da Saude (Vila Maria).

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