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Li Jiaqi. Festas Tradicionais de Portugal e da China. Universidade do Minho Instituto de Letras e Ciências Humanas

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Academic year: 2021

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Universidade do Minho

Instituto de Letras e Ciências Humanas

Li Jiaqi

Festas Tradicionais de Portugal e da China

Li J ia qi Fes ta s t ra di ci on ai s de P or tu ga l e da C hi na | 202 1

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Universidade do Minho

Instituto de Letras e Ciências Humanas

Li Jiaqi

Festas Tradicionais de Portugal e da China

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês:

Tradução, Formação e Comunicação Empresarial

Trabalho efetuado sob a orientação do

Professor Doutor Manuel Rosa Gonçalves Gama

e da

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DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada. Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Licença concedida aos utilizadores deste trabalho

Atribuição CC BY

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Agradecimentos

Gostaria de apresentar os meus agradecimentos a todos os que me ajudaram a acabar este trabalho com sucesso.

Um agradecimento profundo aos meus orientadores, Professor Manuel Rosa Gonçalves Gama e Professora Bruna Peixoto, pela sua orientação rigorosa, pela sua paciência, dedicação e apoio.

Também à Diretora do Curso de Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês: Tradução, Formação e Comunicação Empresarial, Professora Doutora Sum Lam pela sua simpatia, apoio, incentivo e disponibilidade ao longo do curso.

A todos os professores do Curso de Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês: Tradução, Formação e Comunicação Empresarial, pela dedicação e pelos conhecimentos transmitidos.

À minha família e aos meus amigos pelo apoio incondicional, especialmente aos meus pais e à minha avó pelo encorajamento para enfrentar este desafio.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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Festas Tradicionais de Portugal e da China

Resumo

Num mundo global, os intercâmbios culturais, comerciais e políticos entre nações tornaram-se cada vez mais frequentes. As relações entre a China e Portugal também ficaram mais próximas. Neste contexto, chineses e portugueses revelam curiosidade recíproca, relativamente a vários aspetos culturais.

As festas tradicionais são uma parte representativa da cultura profunda de qualquer país e também estão bastante relacionadas com a vida quotidiana das pessoas, representando a sua história, tradições, crenças, hábitos e muitos outros aspetos. Essas festividades têm conotações diferentes nas culturas chinesa e portuguesa. A cultura portuguesa tem sido muito influenciada pela religião ao longo da história, dimensão indispensável na vida da maioria dos cidadãos. Na China, a civilização agrícola tem desempenhado um papel importante na vida e na cultura, o que se reflete nas suas festas tradicionais.

A presente dissertação apresenta, caracteriza e compara algumas festas tradicionais importantes dos dois países, identificando as diferenças e as semelhanças de um ponto vista cultural. O objetivo é analisar os fatores que motivam essas diferenças festivas, deixando sugestões para uma melhor compreensão mútua e intercultural. Desta forma, pretende-se contribuir para o fortalecimento das relações sino-portuguesas através da vertente da cultura festiva.

Palavras-chave: China; Portugal; cultura; festas tradicionais; religião; comunicação intercultural.

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Traditional Festivals of Portugal and China

Abstract

In a global world, cultural, commercial and political exchanges between different nations have become more and more frequent. Relations between China and Portugal are also closer. In this context, the Chinese and the Portuguese are very curious about various cultural aspects of each other.

Traditional festivals are a representative part of any country's deep culture and also closely related to people's daily lives, representing their history, traditions, beliefs, habits and many other aspects. These festivals have different connotations in Chinese and Portuguese cultures. Portuguese culture has been heavily influenced by religion throughout history, which is an indispensable dimension in the life of most Portuguese. In China, the agriculture has always played an important role in Chinese life and culture. All of this is reflected in their traditional festivals.

This dissertation presents, characterizes and compares some important traditional festivals in China and Portugal, analyzing differences and similarities of the festivals of the two countries, from a cultural point of view. The goal of this paper is to analyze the factors that motivate these festive differences, leaving some suggestions for a better mutual and intercultural understanding. Thus, contribute to the strengthening of China-Portugal relations through the festive culture.

Key words: China; Portugal; culture; traditional festivals; religion; intercultural communication.

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葡萄牙传统节日与中国传统节日

摘要

在日益全球化的世界中,各个国家之间的文化、贸易和政治交流变得越 来越频繁,中葡两国关系也变得越来越紧密。在这种情况之下,中国人和葡萄 牙人都对对方的各种文化表现出极大的好奇心。 传统节日是任何一个国家深厚文化的代表,也与人们的日常生活息息相 关,更代表着一个国家的历史、传统、信仰、习俗、以及许多其他方面。这些 传统节日在中国和葡萄牙文化中有着不同的内涵。在历史长河中,葡萄牙文化 深受宗教影响,宗教是大部分葡萄牙人生活中不可或缺的一部分。在中国,农 业文明在生活和文化中始终发挥着重要作用。这些都反映在各自国家的传统节 日中。 本文介绍并比较了中国和葡萄牙一些重要的传统节日,从文化角度分析 了两国节日的异同。目的是分析造成两国传统节日差异的因素,并提出一些更 好的可以相互理解与跨文化交流的建议,从而希望通过节日文化促进并加强中 葡两国的关系。 关键词:中国;葡萄牙;文化;传统节日;宗教;跨文化交流

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Índice

Introdução ... 1

Capítulo I Os elementos da cultura ...4

1.1 Definição de cultura e o elemento religioso ... 5

1.2 As festas ... 7

Capítulo II A festa das famílias ... 11

2.1 Na China ... 12

2.1.1 O Ano Novo chinês ... 12

2.1.2 Festa das Lanternas ... 18

2.2 Em Portugal ...20

2.2.1 O Natal ... 20

2.2.2 O Ano Novo em Portugal ... 32

2.3 Comparação entre as festas da família ... 33

2.3.1 Comparação entre o Ano Novo Chinês e o Natal ... 33

2.3.2 Comparação entre a Festa das Lanternas e o Ano Novo português ... 34

Capítulo III O culto aos mortos ... 36

3.1 Na China ...37

3.1.1 A Festa de Qing Ming ... 37

3.1.2 O Dia dos Espíritos ...44

3.2 Em Portugal ... 46

3.2.1 O Dia de Todos os Santos ... 46

3.2.2 O Dia dos Fiéis Defuntos ... 49

3.3 Comparação entre as festas do culto aos mortos ... 50

Capítulo IV A Festa dos Heróis ... 52

4.1 A Festa de Duan Wu na China ... 53

4.1.1 Origem ...53

4.1.2 Tradições ... 54

4.2 O Dia de Camões em Portugal ... 57

4.3 Comparação entre a Festa de Duan Wu e o Dia de Camões ... 61

(10)

4.3.2 Diferenças ...62

Conclusão ... 63

Bibliografia ... 67

Web Links ... 70

Anexos ... 75

(11)

Índice de figuras

Figura 1: Culto ao santo da cozinha ... 14

Figura 2: Versos da Primavera ... 15

Figura 3: Papel recortado na janela ... 15

Figura 4: Gravuras de Ano Novo ... 15

Figura 5: Gravuras de santos das portas ... 15

Figura 6: Jiaozi ... 17

Figura 7: Antiga moeda chinesa ... 17

Figura 8: Aguardar pelo Ano Novo ... 17

Figura 9: Envelope vermelho ... 17

Figura 10: Lanternas coloridas ... 19

Figura 11: Adivinhar enigmas ... 19

Figura 12: Andas ... 19

Figura 13: Dança do Leão e do Dragão ... 19

Figura 14: Tangyuan ... 20

Figura 15: Presépio ... 23

Figura 16: Árvores de Natal ... 25

Figura 17: Pai Natal junto ao trenó ... 26

Figura 18: Bacalhau cozido ... 27

Figura 19: Bacalhau salgado e seco ... 28

Figura 20: Bolo-rei ... 30

Figura 21: Rabanadas ... 30

Figura 22: Galo de Barcelos ... 32

Figura 23: 24 períodos lunissolares ... 38

Figura 24: Primavera na aldeia ... 40

Figura 25: Ponte sobre o rio Bian ... 41

Figura 26: Mercado no centro da cidade... 41

Figura 27: Dinheiro para os mortos ... 42

Figura 28: Coroas de salgueiro ... 43

(12)

Figura 30: Sazi ... 43

Figura 31: Flores de lótus com velas ... 45

Figura 32: Lanternas de Kong Ming... 46

Figura 33: Saco de pano ... 48

Figura 34: Bolos dos Santos ... 48

Figura 35: Abóbora esculpida ... 49

Figura 36: Corrida de barcos dragão ... 55

Figura 37: Zongzi ... 56

Figura 38: Plantas de moxa ... 56

Figura 39: Saquinhos aromáticos ... 56

Figura 40: Pulseiras de cinco cores ... 57

(13)
(14)

Com a crescente globalização e modernização, a relação entre países de todo o mundo vai-se estreitando; o mundo é hoje uma aldeia global. A China e Portugal não são exceção: os intercâmbios culturais, comerciais e políticos entre os dois países tornaram-se cada vez mais frequentes.

A língua desempenha um papel importante nestes contactos, mas, na verdade, falar bem a língua do interlocutor não é suficiente para melhorar o nível comunicacional. O objetivo final da comunicação é que os dois lados do diálogo se entendam mutuamente. Portanto, a comunicação intercultural é urgente e necessária; compreender a cultura, os costumes e os hábitos dos outros países torna-se uma parte indispensável neste processo.

Uma festa é uma solenidade comemorativa referente a pessoas ou factos importantes. A festa tradicional é parte integrante de qualquer cultura, refletindo a história, as tradições, as crenças, os hábitos e outras características de um povo. A China é um país agrícola, pelo que muitas festas são relacionadas com a meteorologia, as estações e as atividades agrícolas. Por seu lado, as festas tradicionais em Portugal, e até toda a sociedade e a sua cultura, são influenciadas pela religião católica. Podemos concluir que as festas estão relacionadas com a vida quotidiana; são como espelhos que refletem os diversos aspetos da cultura e da vida de um país, funcionando também como uma ponte intercultural entre dois ou mais povos.

Tendo em conta o contexto internacional referido acima e conhecendo as festas tradicionais dos dois países, enquanto estudante de mestrado em Comunicação Intercultural Português/Chinês, pretendo investigar, analisar e comparar as festas tradicionais dos dois países.

Os objetivos que nos propomos atingir com a realização deste trabalho de investigação visam fundamentalmente dois âmbitos. Em primeiro lugar, apresentar as festas tradicionais da China e de Portugal, estudando as suas características de uma perspetiva cultural. Em segundo lugar, pretende-se dar a conhecer a cultura de ambos os países, através da análise comparativa das semelhanças e diferenças de algumas das suas festas, fortalecendo por esta via as comunicações e as relações bilaterais.

O presente trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, analisar-se- á, de uma forma necessariamente breve, o conceito de cultura, o elemento religioso e cultural das festas, identificando algumas das suas características e a sua influência.

No segundo capítulo apresenta-se as festas iminentemente familiares dos dois países, que serão alvo de uma análise comparativa. No caso da China, identifica-se duas festas muito

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populares - o Ano Novo chinês e a Festa das Lanternas, abordando a sua origem, as tradições mais importantes e o significado para as pessoas. De igual forma, escolheram-se dois momentos festivos muito importantes para a família portuguesa, o Natal e o Ano Novo.

O terceiro capítulo está relacionado com as festas de culto aos mortos, que também merecerão um estudo comparativo: a festa de Qing Ming, ou Festa dos Espíritos, celebrada na China e o Dia de Todos os Santos e o Dia dos Fiéis Defuntos, festejados em Portugal. Num quarto momento apresentam-se as festividades que celebram heróis nacionais: a festa chinesa de Duan Wu e o Dia de Camões.

A análise das diferenças e das semelhanças das festas tradicionais chinesas e portuguesas sustentará uma conclusão final, realçando os fatores mais importantes de aproximação ou distanciamento. Nesta reflexão deixaremos o nosso entendimento acerca da comunicação intercultural através da divulgação da cultura festiva e algumas sugestões para proteção dessa herança cultural.

(16)

4

Capítulo I

Os elementos da cultura

(17)

5

1.1

Definição de cultura e o elemento religioso

Cultura é um conceito complexo, cuja interpretação não reúne consenso, havendo muitas compreensões diferentes nas diversas áreas. De acordo com Edward B. Tylor, antropólogo considerado o “pai” do moderno conceito de cultura, cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.”1

Do ponto de vista das ciências sociais, consideremos a formulação de Ralph Linton, para quem “como termo geral, cultura significa a herança social e total da Humanidade; como termo específico, uma cultura significa determinada variante da herança social. Assim, cultura, como um todo, compõe-se de grande número de culturas, cada uma das quais é característica de um certo grupo de indivíduos.”2

Em resumo, cultura é um conceito muito amplo e humanístico, um termo coletivo para os diversos elementos da vida humana. Na verdade, é muito difícil dar uma definição precisa de cultura. No entanto, há um entendimento comum nos dicionários e enciclopédias do Oriente e do Ocidente de que “cultura significa todas as atividades espirituais humanas e os seus produtos em relação à política e à economia.”

A cultura inclui assim uma dimensão ideológica, como os valores, a visão do mundo e da vida, bem como uma dimensão não ideológica que inclui a ciência e a tecnologia, a linguagem e a escrita. A cultura é um fenómeno peculiar da sociedade humana, criada pelas pessoas e específica para as pessoas.

Enquanto elemento especial e uma manifestação considerável da cultura humana, a religião reflete-se em todos os aspetos da vida. António José Saraiva afirma que “a religião, a arte, o desporto, o luxo, a ciência e a tecnologia são produtos da cultura.”3 Em suma, é um fenómeno cultural que contribuiu para o desenvolvimento da sociedade humana, parte importante da cultura tradicional, que afeta a ideologia, os costumes e outros aspetos da vida.

Para Clifford Geertz, religião “é um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a

1Tylor, E. B. (2010). Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, art, and custom (Vol.

2). New York: Cambridge University Press, p. 68.

2 Ralph Linton (1968). O Homem, uma introdução à Antropologia. São Paulo: Martins, p. 20.

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espiritualidade e seus próprios valores morais.”4 Num sentido amplo, a própria religião é um tipo da cultura centrada em crenças, sendo, ao mesmo tempo, uma parte da sociedade e da cultura. Ela não se esconde na era antiga, mas mantém a vitalidade na sociedade contemporânea. Não só pode ser encontrada nas obras literárias de estudiosos de todas as épocas, como também regula as ações de inúmeras pessoas comuns. Atualmente, a religião surge ainda em todos os setores da sociedade, influenciando o espírito humano.

Motivadas pelo desconhecimento sobre o universo e pelo desejo de libertação da humanidade, as pessoas acreditavam que havia uma força ou entidade misteriosa sobrenatural. Surgiram assim sistemas de reconhecimento da crença e atividades rituais, com os seus próprios mitos e as lendas, cuja essência é um tipo de alimento espiritual. Atualmente, as principais religiões do mundo são o cristianismo (que engloba o catolicismo, a igreja ortodoxa e o protestantismo), o islamismo, o hinduísmo, o judaísmo, o budismo e o taoísmo.

Em chinês, a palavra religião é formada pelos carateres “Zong” (宗, zōng) e “Jiao” (教,

jiào), que não são uma conjunção unificada, ou seja, cada carater tem o seu próprio significado. "Zong" significa o respeito e a adoração em relação ao universo natural deificado, as divindades e os antepassados humanos. "Jiao" refere-se à educação e à iluminação, concentrando-se depois em expressar a crença e a disseminação de um sistema teórico, estando por isso mais próximo da conotação ocidental. "Zong" e “Jiao” surgiram pela primeira vez em conjunto nas escrituras budistas, no século X.

Nas línguas ocidentais, o termo “religião” tem origem na palavra latina “religio” e está relacionado com os modernos conceitos teológicos. No seu livro Da Natureza dos Deuses, o filósofo romano Marco Túlio Cícero usou “relegere" com o significado original de “repetição/meditação” e “religere”, que significa “atenção” ou “consideração cuidadosa”. Naquele tempo, considerava-se que a adoração a Deus devia ser focada e séria.

A maioria das definições de religião tenta encontrar um equilíbrio entre muitas interpretações extremas e expressões sem sentido. Algumas pessoas defendem uma definição extensa, com recurso a diversas teorias, enquanto outras enfatizam os fatores da experiência, a sensibilidade, a intuição e a ética. O entendimento sobre religião também não é coincidente no Oriente e no Ocidente, devido às diferenças culturais e contextos históricos diversos.

Para o chinês Feng Youlan, a religião “tem o seu próprio significado. As pessoas usam

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7

a forma de consagrar o templo de Deus como uma forma de ensino. Em chinês, uma palavra com o carater ‘Jiao’ pode não ter relação com religião.”5 Os sociólogos e os antropólogos tendem a considerar a religião como uma ideia abstrata, baseada no desenvolvimento da sua própria cultura. Considere-se ainda a definição que consta da Encyclopedia of Religion:

“Em resumo, pode dizer-se que quase todas as culturas conhecidas

envolvem o religioso no sentido de uma dimensão profunda em experiências

culturais em todos os níveis - um impulso, mal definido ou consciente, em direção a algum tipo de ultimação e transcendência que proporcionará normas e poder para o resto da vida. Quando padrões de comportamento mais ou menos distintos são construídos em torno dessa dimensão profunda numa cultura, essa estrutura constitui a religião na sua forma historicamente reconhecível. A religião é a organização da vida em torno das dimensões profundas da experiência - variadas em forma, integridade e clareza, de acordo com a cultura circundante.”6

Religião é essencialmente a expressão simbólica, mítica e alegórica da cultura espiritual das diferentes nações e não pode ser separada do conteúdo da cultura. Desenvolve-se com a sociedade e a história, isto é, o seu sistema ideológico entrelaça-se com várias ideias da sociedade e torna-se uma parte importante da cultura social.

As manifestações religiosas incluem o ritual, o sermão, a comemoração, o culto, o sacrifício, o festival, a festa, o serviço fúnebre, o matrimónio, a oração, a música, a arte, a dança, o serviço público e outras formas de expressão cultural. Todas as religiões têm diferentes manifestações, refletem diferentes contextos culturais e tradições.

Como um modelo tradicional, a religião não só tem um impacto significativo no desenvolvimento social, nomeadamente ao nível da cultura e do pensamento, como também injeta alguns conteúdos específicos numa cultura, num determinado período histórico. O desenvolvimento da religião humana e o desenvolvimento da cultura interpenetram-se mutuamente.

1.2

As festas

Festas são dias importantes e memoráveis, são um conceito relacionado com o tempo.

5 Youlan, F. (1995). History of Chinese philosophy, Volume I, translated by D. Bodde. New Jersey: Princeton University Press. p.

10.

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O calendário formou-se a partir do acumular de experiência humana. Assim sendo, foram criados alguns dias específicos e festivos, a que correspondem costumes especiais. Segundo Rita Amaral,

“Toda a festa se refere a um objeto sagrado ou sacralizado e tem necessidade de comportamentos profanos. Toda a festa ultrapassa o tempo cotidiano, ainda que seja para desenrolar-se numa pura sucessão de instantes, de

que o happening constitui o caso limite. Toda a festa acontece de modo extra

cotidiano, mas precisa selecionar elementos característicos da vida cotidiana. Toda a festa é ritualizada nos imperativos que permitem identificá-la, mas ultrapassa o rito por meio da invenção nos elementos livres.”7

Da análise desta definição se conclui que a festa inclui três partes essenciais. Em primeiro lugar, a repetição periódica da festa é determinada com base no calendário (lunar, solar, lunissolar, etc). De facto, o dia é a substância da festa. De uma maneira geral, a festa ocorre num ciclo anual, mas algumas podem ter um ciclo mais longo. Por exemplo, na China, a Festa da Comemoração do Tambor (鼓藏节, gǔ zàng jié) é celebrada a cada treze anos, enquanto a Festa dos Tabuleiros, em Tomar, se festeja de quatro em quatro anos.

Em segundo lugar, a festa é um dia convencionado, ou seja, pressupõe uma negociação e uma determinação. Frequentemente há regras observadas nestes dias, que têm um reflexo político. Ou seja, algumas pessoas chegaram a um consenso de que certas atividades serão realizadas em determinado dia. O hábito refere-se ao facto de que pode não ser conscientemente construída, mas que conduz naturalmente a certos momentos ou atividades. Todas as nacionalidades e regiões têm as suas próprias festas; algumas têm origem em costumes tradicionais, como a Festa da Primavera e a Festa do Meio do Outono, comemoradas na China, enquanto outras têm origem na religião, como o Natal e a Páscoa.

Existem ainda datas para comemorar alguém ou um evento especial, de que são exemplo a Festa de Duan Wu, o Dia Nacional da China e o Dia de Camões, para além dos dias designados pelas organizações internacionais, como o Dia do Trabalhador, o Dia da Mulher e o Dia da Mãe. Com o passar do tempo, a conotação da festa e a sua comemoração diversificam- se.

7 Amaral, R. D. C. D. M. (1998). Festa à Brasileira-Significados do Festejar no País que\'Não é Sério\'. Tese de Doutorado,

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Em terceiro lugar, a festa traduz-se num dia incomum. Atualmente, as festas costumam ser confundidas com os feriados, mas, de facto, a maioria não é um feriado oficializado, nomeadamente alguns eventos tradicionais chineses como a Festa do Duplo Yang. O conceito correspondente ao feriado é o dia útil e o conceito correspondente à festa é o dia incomum. Além disso, as pessoas distinguem-nas dos dias comuns graças às formas de comemoração: manifestação, espetáculo, comida específica, etc..

A festa e a respetiva cultura festiva influenciam-se mutuamente. A cultura festiva é um fenómeno sociocultural, tomando as atividades, os produtos, os serviços e o contexto cultural como aparência principal; tomando a psicologia nacional, a moralidade, a ética, o espírito, a orientação do valor e o gosto estético como significado profundo, tomando o tempo e o lugar específico como disposição do tempo-espaço, e tomando o tema específico como conteúdo. Segundo a obra de Malinowski, A Scientific Theory of Culture: “um objeto tornar-se-á numa parte da cultura, quando ele é usado pelos humanos, ou seja, quando ele pode satisfazer as necessidades humanas. Todos os seus significados são baseados na sua posição no sistema de atividade humana, nas ideias às quais está associado e em todos os seus valores.”8 Portanto, a cultura festiva não só é parte integrante da cultura humana e um ramo importante da cultura social, mas também é uma cultura folclórica criada pelas pessoas para se adaptarem às necessidades da produção e da vida.

As festas surgiram na sociedade antiga e o seu desenvolvimento, como o de muitas outras coisas, passou de um processo simples a complexo. Ao longo da história, novos conteúdos, conotações e formas foram adicionados às festas, para se tornarem os atuais eventos coloridos e ricos. Obviamente, as festas continuarão a desenvolver-se e a mudar com o tempo. A festa tradicional é particularmente importante, na medida em que reflete a história, as tradições, as crenças, os hábitos e outras características de um povo. Regra geral, tem relação com a vida quotidiana, é como um espelho que reflete os diversos aspetos da cultura e da vida de um país.

Concetualmente, a "tradição" refere-se a ideia, cultura, moral, costume, arte, instituições e comportamentos, que foram passados de geração em geração e que influenciam o comportamento. Simplificando, os fatores sociais que passam de geração em geração são as "tradições" e desempenham um papel herdado do desenvolvimento histórico. As tradições

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positivas promovem o desenvolvimento social, pelo contrário, tradições conservadoras podem impedi-lo.

Em suma, a festa tradicional apresenta uma cultura criada, desenvolvida e transmitida pelo povo durante o desenvolvimento histórico de um país ou uma região. Comparativamente às restantes, a festa tradicional caracteriza-se por ser uma herança do passado. Para além disso, possui objetos de sacrifício ou de comemoração, lendas ou mitos relacionados, figuras históricas, tabus, etc. Finalmente, ela é o resultado da conceção de longo prazo do espírito nacional, num contexto social específico, e a exibição mais proeminente da existência de um povo.

(23)

11

Capítulo II

A festa das famílias

(24)

12

2.1

Na China

2.1.1 O Ano Novo chinês

O Ano Novo chinês (新年, xīn nián), também chamado de Ano Novo Lunar ou Festa da Primavera (春节, chūn jié), é o primeiro dia do calendário lunar chinês (农历, nóng lì), um tipo de calendário tradicional. Portanto, a data da festa varia de ano para ano. O provérbio “na Primavera faz-se planos para o ano, de manhã faz-se planos para o dia.” (一年之计在于春, 一日之计在于晨, yīnián zhījì zaìyú chūn, yīrì zhījì zaìyú chén) revela a importância desta festa para os chineses. Se a China tem uma longa história, com cerca de 5 mil anos, consta que a Festa da Primavera terá cerca de 4 mil anos de existência.

Todos os chineses esperam a chegada deste dia, em que se iniciam as férias oficiais. A maioria regressa à sua terra-natal para a reunião familiar, pois o Ano Novo Chinês significa felicidade, reunião e alegria.

a) Origem

Há diversas teorias sobre a origem do Ano Novo chinês, persistindo atualmente três visões representativas das crenças populares. Segundo uma teoria, a origem das festas tradicionais está relacionada com crenças primitivas, a cultura de sacrifício, a Astronomia e o calendário.

Uma outra versão, mais aceitável para a maioria das pessoas, é a de que o ano novo lunar começou no reinado do imperador Shun (舜, shùn) (2277 a.C. - 2178 a.C.), que introduziu o culto ao céu e à terra. Desde então, as pessoas consideram este dia como o início do ano. Segundo Fan Yumei, “o Ano Novo chinês provavelmente evoluiu das atividades de sacrifício realizadas na era da comunidade primitiva. Durante o sacrifício, as pessoas reuniam-se para beber, cantar, dançar e divertirem-se. Com o desenvolvimento social, muitos costumes do Festival da Primavera formaram-se gradualmente.”9

Existe ainda uma terceira corrente que, como Wang Juan, defende que “a Festa da Primavera deve ter a origem num ritual de bruxaria antiga, que era uma das crenças primitivas dos povos antigos. As pessoas queriam evitar o mal através das suas ações, palavras e

9 Fan, Yumei (范玉梅) (1986). Festivais folclóricos da China (中国的民间节日, Zhōngguó de mínjiān jiérì). Pequim:

(25)

13

espetáculos, obtendo paz e felicidade. Com o tempo, o Ano Novo chinês perdeu, de forma gradual, a sua conotação com a bruxaria e evoluiu para uma celebração.”10

De acordo com Xu Hualong, “antigamente, devido à falta de conhecimento científico e à baixa produtividade, ao chegar o período do Ano Novo chinês, ou seja, os dias mais frios do ano, os idosos e as crianças morriam de fome, frio e várias outras razões. Vendo isso, as pessoas tinham medo, pensavam que tudo isso seria causado por um fantasma ou divindade.”11

Na China persiste ainda a lenda do monstro “Nian” (年, nián), que corrobora esta teoria. O monstro Nian era muito feroz, com um chifre longo e afiado na cabeça. Morava no fundo do mar, mas, na véspera de cada novo ano, vinha à terra devorar animais e prejudicar os seres humanos. Portanto, nesse dia, os aldeões escondiam as crianças e os idosos nas montanhas. Numa dessas ocasiões, um homem de cabelos brancos apareceu na aldeia, pediu permissão para pernoitar e assegurou a todos que iria afugentar a besta. Ninguém acreditou nele e todos fugiram para a floresta. Quando o monstro chegou, foi recebido com uma súbita explosão de fogo de artifício e, assustado com o ruído, a luz e as bandeiras vermelhas que esvoaçavam, fugiu.

No dia seguinte, quando o povo regressou, encontrou a aldeia intacta. O velho tinha partido, mas encontraram os restos dos materiais usados para perseguir a besta. Todos concordaram que o velho seria uma divindade que tinha vindo para os libertar. A partir de então, as famílias passaram a pendurar bandeiras vermelhas e a acender as suas lanternas no ano novo, costume que se espalhou, transformando-se numa grande festa tradicional.

b) Tradições mais importantes

“Pequena Festa do Ano Novo”

Muito antes da festa, os chineses começam a preparar-se para a sua celebração. O dia 23 do último mês do calendário lunar é conhecido como a “Pequena Festa do Ano Novo” ( 小 年, xiǎo nián). Ao chegar este dia, ou seja, uma semana antes do festival, as pessoas compram comida e objetos decorativos e fazem uma limpeza geral à casa.

O evento mais importante da “Pequena Festa do Ano Novo” é o culto ao santo da

10 Wang, Juan (王娟) (1995). A Festa da Primavera da China (中国的春节, zhōngguó de chūnjié). Pequim: Imprensa da

Universidade de Pequim, p. 168.

11 Xu, Hualong (徐华龙) (1997). “A Festa da Primavera tem origem na Festa dos Fantasmas” (春节源于鬼节考, chūnjié

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14

cozinha Zao Wang (灶王, zào wáng), responsável por cuidar da família, sobretudo para não faltar alimentação. Nesta altura, ele é chamado pelo “Imperador de Jade” (玉帝, yù dì), o Deus de todos os santos, e relata as boas e más ações de cada um. As donas da casa fazem doces ou bombons para adoçar a boca do santo, colocando-os num altar em frente à gravura, para que mencione apenas as coisas boas. Desta forma, esperam que o Imperador de Jade abençoe toda a família através do santo da cozinha no ano seguinte.

Figura 1: Culto ao santo da cozinha12

Durante este período festivo fazem-se muitas outras atividades, por exemplo, colam-se Versos da Primavera (春联, chūn lián), também conhecidos como Versos de Ano Novo. A sua popularização começou na dinastia Ming (1368 - 1644), estando relacionada com o fundador da dinastia, Zhu Yuanzhang (朱元璋, zhū yúanzhāng) (1328 - 1398). De acordo com registos históricos, o imperador ordenou que cada família fixasse versos dos dois lados de porta, para dar as boas vindas ao Ano Novo. As pessoas utilizam sobretudo papel vermelho para escreverem os dísticos, cor que tem um significado auspicioso. Os dois versos devem ser simétricos, em léxico e sintaxe, acrescentando-se ainda uma expressão de quatro caracteres na horizontal (横 批, hénɡ pī) em cima da porta.

Os chineses também costumam fixar um grande carater “福” (fú), que significa “bênção”

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e “felicidade”, num quadrado diagonal vermelho, na entrada das casas. Muitas vezes, este é fixado de cabeça para baixo, em alusão ao carater 倒 (dào) que é homófono de 到 (dào) "chegar". Quando um convidado vê este carater, deve dizer em voz alta: “fúdàole”, ou seja, “a felicidade chegou”. Este jogo de palavras é praticado em todas as variantes da língua chinesa, simbolizando a chegada da sorte, da felicidade e da prosperidade.

Fixar papel recortado e gravuras do Ano Novo nas janelas é também muito comum. A arte de papel recortado foi classificada como Património Cultural Imaterial da UNESCO em 2006. Os chineses acreditam que o recorte de papel vermelho traz felicidade e sorte, enquanto as figuras, por exemplo, dos santos da porta, servem para afastar o azar e a doença.

Figura 2: Versos da Primavera13 Figura 3: Papel recortado na janela14

Figura 4: Gravura de Ano novo15 Figura 5: Gravura de santos das portas16

c) A véspera do Ano Novo chinês

13 http://www.fs323.com/huangli/20140128/1749.html, consultado a 20 de abril de 2020.

14 http://m.homeinchengdu.cn/kuaizhidao/topicarticle/237.html, consultado a 20 de abril de 2020.

15 https://m.sohu.com/a/125312650_479634, consultado a 21 de abril de 2020.

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A véspera do Ano Novo chinês, chamada de 除 夕 (chú xī), normalmente é celebrada

no dia 30 do último mês do calendário lunar. Chuxi tem um significado especial no coração do povo chinês: “除” significa “remover” e “夕” significa “noite”, portanto, o ano velho termina e o ano novo começa.

Quase todas as pessoas voltam à sua terra-natal para se reunirem com as suas famílias e observam muitos costumes tradicionais, como pendurar lanternas vermelhas. O grande jantar de Ano Novo (年夜饭, nián yè fàn) tem um papel muito importante na vida familiar dos chineses. Sendo uma ocasião para juntar toda a família, o jantar do Ano Novo é servido em abundância, simbolizando uma vida próspera e feliz. Para além de todos tipos de carnes, na mesa do jantar não pode faltar peixe, porque este 鱼 (yú) tem a mesma pronúncia do carater chinês para “abundância” (余, yú), que simboliza a riqueza e o bem-estar material. O peixe normalmente é o último prato da refeição a ser servido, simbolizando um “ganho extra”. As pessoas acreditam que comer o peixe na ceia de Ano Novo chinês traz prosperidade (年年有余, nián nián yǒu yú). Mas o prato mais conhecido e popular no norte da China é o jiaozi ( 饺 子 , jiǎozi), um ravioli com mais de 1800 anos.

Ravioli (饺子 Jiaozi)

O costume de comer Jiaozi durante o Festival da Primavera remontará à dinastia Ming (1368-1644), estando relacionado com o método de contagem das horas na China antiga, porque a sua pronúncia é semelhante à expressão “passagem da última hora do ano antigo, para a primeira hora do ano novo”. Além disso, ele tem um formato semelhante à moeda de prata que circulava na China antiga, ou seja, comer Jiaozi simboliza ganhar dinheiro, atrair sorte e felicidade. Os jiaozi podem ser recheados com carnes, vegetais e marisco e serem cozinhados de diversas formas, por exemplo, cozidos, cozinhados ao vapor ou fritos.

Nas zonas mais frias, o povo come-os desejando que as orelhas não fiquem queimadas com o frio, pois estes têm uma forma muito semelhante à da orelha, sendo, por isso, um prato indispensável na festa de passagem de ano.

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Figura 6: Jiaozi17 Figura 7: Antiga moeda chinesa18

d) Aguardar o Ano Novo

Depois do jantar, os anciãos distribuem um envelope vermelho (红包, hóng bāo) com dinheiro às crianças. Acredita-se que o dinheiro do envelope vermelho pode eliminar os espíritos malignos, assim, a geração mais jovem terá paz e segurança durante o ano que chega.

A seguir, toda a família aguarda pelo Ano Novo o que, em chinês, se chama Shou Sui

( 守 岁 , shǒu suì). Todas as luzes da casa devem estar acesas durante a noite, incluindo as lanternas vermelhas no exterior, costume que estará relacionado com a lenda do monstro Nian. À meia-noite, o fogo de artifício explode no céu, levando as melhoras expetativas de um ano novo.

Figura 8: Aguardar pelo Ano Novo19 Figura 9: Envelope vermelho20

17 https://www.sohu.com/a/222932765_100116568, consultado a 25 de abril de 2020.

18 http://item.secoo.com/33959685.shtml, consultado a 25 de abril de 2020.

19 https://m.sohu.com/a/222707256_823054, consultado a 25 de abril de 2020.

20 https://jingyan.baidu.com/album/6c67b1d69dcbad2787bb1e9e.html?stepindex=2&st=5&os=1&bd_page_type=1&net_type

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e) Desejar Bom Ano

No 1º dia da primeira lua, cada família queima panchão21, para que o barulho afugente o monstro Nian. De seguida, as pessoas visitam-se mutuamente, para desejar um bom ano novo (拜年, baì nián), por exemplo, as filhas casadas visitam os pais. As crianças vestem roupa nova e a geração mais jovem deseja boa saúde aos mais velhos, oferecendo pequenos presentes como vestuário e comida. No dia seguinte, visita-se outros parentes e amigos próximos, com votos de feliz ano novo. Existem atividades específicas até ao 15º dia, quando se encerra as comemorações do Ano Novo chinês com a Festa de Lanternas.

2.1.2 Festa das Lanternas

No dia 15 surge a primeira lua cheia da Primavera e, com ela, a Festa das Lanternas (灯节, dēng jié), também chamada de Festa de Yuanxiao (元宵节, yuánxiāo jié). A noite é central, com o carater 宵 (xiāo), ou seja, “noite” a revelar a essência desta festa. As famílias saem para visitarem feiras de rua ou nos templos, onde se vende artesanato e doces, apreciarem as lanternas coloridas e fazerem jogos populares.

a) Origem

De acordo com documentação histórica e fontes de folclore, o imperador Wudi da dinastia Han Ocidental (202 a.C. - 8 d.C.) prestou muita atenção à primeira lua cheia da Primavera. Na altura, era tradição utilizar luzes como sinal de sacrifício aos deuses e à noite. Com a introdução do budismo na China, na dinastia Han Oriental (25 - 220), este passou a desempenhar um papel importante na formação dos costumes do Festival. O imperador Ming ordenou que se iluminasse os palácios e os templos no dia 15 do primeiro mês lunar, numa homenagem a Buda. Posteriormente, com a expansão do taoismo, a Festa das Lanternas tornou-se cada vez mais popular.

b) Tradições mais importantes

Pendurar e apreciar as lanternas coloridas

Como oportunamente se referiu e como o próprio nome indica, a Festa das Lanternas tem relação estreita com a luz. Um pouco por toda a China, são organizadas feiras, em parques,

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praças, ruas ou avenidas, enfeitadas com todos os tipos de lanternas coloridas. As lanternas tradicionais - geralmente feitas de bambu e cobertas de papel ou seda, com uma vela no centro - são grandes e pintadas, imitando a arquitetura chinesa antiga. Mas atualmente vê-se lanternas de diferentes formas e materiais, de vidro ou plástico, com iluminação elétrica. No nordeste da China enfeita-se as ruas com lanternas gigantes montadas em gelo, que atraem turistas de todo o mundo. Nesta ocasião, as famílias vão para a rua e participam em atividades populares, como adivinhar enigmas e outros entretenimentos folclóricos. Em algumas regiões, o governo local organiza espetáculos de dança do Leão, dança do Dragão e com andas.

Figura 10: Lanternas coloridas22 Figura 11: Adivinhar enigmas23

Figura 12: Andas24 Figura 13: Dança do Leão e do Dragão25

c) Comer bolinhos Tangyuan

22 http://www.dzwww.com/tupian/wyzp/201202/t20120207_6896845_14.htm, consultado a 25 de abril de 2020.

23 http://kejiao.cntv.cn/2013/02/22/ARTI1361522263109660_4.shtml, consultado a 25 de abril de 2020.

24 http://www.scio.gov.cn/ztk/wh/01_1/11/1/Document/434794/434794.htm, consultado a 25 de abril de 2020.

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A comida tradicional da Festa das Lanternas é chamada Tangyuan (汤圆, tāngyuán) ou Yuanxiao (元宵, yuánxiāo). Trata-se de um bolinho pequeno, redondo, feito de farinha de arroz glutinoso, que pode ser recheado com gergelim, pétalas de rosa, pasta de feijão vermelho, tâmara ou pasta de semente de lótus. O doce pode ser cozido, frito ou cozido ao vapor. Popularizado na dinastia Song (960 - 1279), com o tempo, o Tangyuan tornou-se uma tradição importante: a sua forma redonda simboliza a união, a coesão e a felicidade familiar.

Figura 14: Tangyuan26

Talvez não seja incorreto comparar esta festa ao Carnaval português, em que todos estão envolvidos e se divertem. Os encontros ocasionados pela festa deram origem a não poucas histórias de amor, vertidas em poesia, lendas, contos e até em óperas regionais.

A Festa das Lanternas marca o fim da celebração do Ano Novo. Desde a véspera do Ano Novo até este dia, todas as atividades comerciais e produtivas estão encerradas, sendo tempo para dedicar à família, parentes e amigos. Depois desta data, retoma-se a rotina normal das lojas, fábricas e escolas.

2.2

Em Portugal

2.2.1 O Natal

O dia 25 de dezembro do calendário ocidental é Dia de Natal, uma festa tradicional importante quer para os portugueses, quer para a maioria dos ocidentais.

A civilização ocidental tem uma matriz cristã. Circunstâncias históricas propiciaram uma profunda influência do cristianismo também na sociedade portuguesa, sendo a maior parte da população católica. Os portugueses começam a sentir a atmosfera natalícia, refletida nas decorações nas lojas e nos rostos das pessoas, muitos dias antes da data. Na quadra do Natal,

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os portugueses também costumam ter alguns dias de férias e reunir-se com as suas famílias. A conotação religiosa inicial deu lugar, gradualmente, a um festival global, com uma intrínseca e colorida cultura religiosa, que se funde com outras tradições culturais ao redor do planeta.

a) Origem

Para os católicos, o ponto alto do Natal é a “Missa do Galo”, celebrada na véspera à noite (dia 24 de dezembro). O Natal comemora o nascimento de Jesus Cristo, descrito na Bíblia

da seguinte forma:

“Adão, o antepassado da humanidade, caiu por causa do pecado. A fim de salvar as pessoas do todo mundo e resgatá-las do pecado, Deus decidiu deixar o seu filho unigénito, Jesus Cristo, reencarnar e enviou-o para salvar o mundo”.

De acordo com a Bíblia, Deus fez arranjos cuidadosos para a vinda do seu filho ao mundo. Jesus nasceu numa pequena cidade judaica, sendo a mãe Maria, noiva de José, um carpinteiro da pequena cidade de Nazaré (no norte da Palestina). Um dia, o anjo Gabriel apareceu a Maria em sonhos e disse que ela tinha sido escolhida para uma missão muito especial: dar à luz o Salvador do mundo. A criança chamar-se-ia Jesus, que significa “o Senhor salva”, porque Ele salvaria as pessoas do pecado. Nessa altura, o imperador romano ordenou um recenseamento, pelo que José viajou até à sua cidade natal para se registrar, levando Maria consigo. Já em Belém, chegou a hora de nascer o menino, mas eles não

encontraram lugar na hospedaria, pelo que Maria deu à luz numa manjedoura.27

Antes do século IV, quase não existem relatos sobre o dia do nascimento de Jesus. De acordo com a Igreja Oriental do início do século IV, a data do nascimento de Cristo seria 6 do janeiro. A igreja de Jerusalém apenas celebra o nascimento de Jesus neste dia, no entanto, a Igreja Católica Romana comemora o nascimento de Jesus em dezembro. Muitos historiadores localizam a primeira celebração em Roma, no ano 336, quando Constantino I oficializou o cristianismo como a nova religião do império.

Inicialmente, a celebração deste dia esteve associada a rituais pagãos, para assinalar o Solstício do Inverno (que não tem data fixa, podendo acontecer entre 21 e 25 de dezembro), festa posteriormente cristianizada. Os pagãos que adoravam o deus Sol comemoravam nesse dia a esperança da primavera e o início da recuperação de tudo. Por esse motivo, a Igreja

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Romana escolheu essa data, sendo uma das primeiras tentativas da igreja de cristianizar costumes pagãos. No ano de 440, o Papa designou oficialmente a data de 25 de dezembro como Natal. Assim, quando os ingleses colonizaram o continente norte-americano, levaram consigo costumes, rituais e festas religiosas com raízes pagãs.28

Embora a maioria das igrejas aceite o dia 25 de dezembro como o Natal, devido aos diferentes calendários usados, as datas específicas não podem ser unificadas, por isso há a designação “período do Natal”, que vai de 24 de dezembro a 6 de janeiro do ano seguinte (Dia de Reis). As igrejas locais podem celebrar o Natal durante este período, de acordo com as condições locais.

Em resumo, as raízes do Natal nada têm a ver com o cristianismo. Este foi eficaz ao absorver no seu sistema religioso o espírito das festas pagãs e a mitologia romana. Com a expansão do cristianismo, o Natal tornou-se uma festa importante para cristãos e não-cristãos. Em muitos países ocidentais, o Natal é valorizado pelas pessoas, que trocam presentes e enviam cartões de Boas Festas, contribuindo para um dia de celebração universal.

b) Tradições do Natal em Portugal

Os portugueses criaram muitas atividades interessantes, novas e modernas relacionadas com o Natal. Contudo, os costumes tradicionais ainda são muito respeitados.

i) Presépio

A história do nascimento de Jesus inspirou a tradição do presépio. Em Portugal o presépio tem tradições populares muito antigas. Os portugueses gostam muito de montar o presépio em casa, nas igrejas e noutros locais, com diversas figuras: São José, a Virgem Maria, o Menino Jesus, os pastores, os três Reis Magos, o burro, o boi e restantes animais.

O presépio tradicional pode incluir outras figuras com características portuguesas ou que aludem a atividades antigas. É o caso do moleiro e o seu moinho, a lavadeira, o bailarino de um rancho folclórico, uma mulher com um jarro na cabeça, uma banda de música e muitos outros elementos interessantes. Em 2013, Portugal entrou para o Guiness com o maior presépio do mundo.

Diz-se que a notícia do nascimento se espalhou rapidamente e muitas pessoas

28 Cf. Karnal, L., Pundy, S., Fernandes, L. E. & Morais, M. V. (2007). História dos Estados Unidos, das origens ao século XXI.

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presentearam o menino Jesus. Por exemplo, os três Reis Magos (Gaspar, Baltazar e Belchior) viajaram do Oriente conduzidos por uma estrela. Os materiais que carregaram para oferecer têm um profundo simbolismo: o ouro representa a realeza, a mirra é símbolo da paixão e o incenso representa a divindade de Jesus.29

É de destacar a simplicidade do local onde Jesus nasceu, Ele não nasceu num palácio ou outros lugares luxuosos, mas no meio dos animais. Animais estes que também carregam alguma simbologia. O boi representa a bondade e a força pacífica, o povo hebreu e o sacrifício. O burro simboliza a humildade e os pagãos;30 o galo informa a chegada de Jesus como uma boa nova; as ovelhas demonstram que Jesus veio ao mundo para se sacrificar.

Figura 15: Presépio31

ii) Árvore de Natal

A árvore de Natal é indispensável para celebrar a quadra, se não houver árvore enfeitada, a atmosfera festiva será bastante reduzida. Antigamente, os pagãos decoravam a casa com galhos verdes, simbolizando o renascimento da vida após o frio do inverno. No século XVI, os alemães começaram a decorar árvores, por altura do Natal.

“A árvore de Natal com as velas acesas surgiu somente por volta do ano 1600 na Alemanha. Utilizavam-se pequenos buxos em cujas pontas se colocavam

29 Cf. Devellard, J.R. (dezembro de 2001). “Símbolos do Natal”. Em Revista Magis – Cadernos de Fé e Cultura, vol. 39, p. 25.

30 Idem. Ibidem., p. 6.

31 https://www.mulherportuguesa.com/lazer/festas-tradicoes/o-presepio-de-natal-e-uma-tradicao-antiga, consultado a 26 de

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velas. As pequenas árvores de buxos, enfeitadas apenas com velas significavam simbolicamente que numa Noite Sagrada viera a Luz para a Terra (…) Mais tarde utilizaram-se árvores maiores, tipo pinheiro, com a mesma finalidade. Contudo, durante longo tempo as velas continuaram como único enfeite das ‘árvores de Natal’”.32

Outros países da Europa Ocidental não tinham esta tradição até o século XVIII mas, no início do século XIX, o costume foi introduzido em Inglaterra. No fim desse século, os emigrantes levaram-na para a colónia americana e, gradualmente, a tradição espalhou-se a todo o mundo. A primeira árvore de Natal de que há registo em Portugal foi feita pelo marido, alemão, da rainha D. Maria II.

O autor António Cabanas, no seu livro Eh Madeiro, refere-se aos ornamentos ou enfeites colocados na árvore de Natal:

“Quando, no Outono, as folhas caíam, os antigos, que acreditavam no espírito das árvores, pensavam que este as tinha abandonado e receavam que não voltasse na Primavera seguinte. Para atraírem de novo o espírito das árvores, enfeitavam-nas com objetos coloridos. As luzes lembram e simbolizam o sol; pois é do renascimento do sol e do retorno da luz depois do solstício que estamos a falar. A estrela significa para os cristãos a interpretação do anúncio do nascimento de Jesus feito aos Magos. Também é frequente colocar algodão ou borrifar de farinha nas agulhas do pinheiro, simbolizando a neve e o frio da época invernal; mas quer os pinheiros, quer a neve que os cobre estão relacionados com as influências nórdicas. Anjos, bolas coloridas, pais Natal de chocolate e outros símbolos natalícios adornam também os seus ramos. As prendas amontoadas junto ao tronco completam a decoração, misturando-se por vezes com o presépio. Em toda a parte se generalizou o uso deste tipo de elementos, quase sempre relacionados, desde tempos ancestrais, com as celebrações do solstício.”33

32 Sass, R. V. (1906). O livro do juízo final. São Paulo: Ordem do Graal na Terra [1969], p. 12.

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Figura 16: Árvores de Natal34

Com o advento da era industrial, a árvore natural – usualmente um pinheiro - foi substituída por uma artificial, e as maçãs e velas por bolas de vidro coloridas e pequenas luzes. Em Portugal, as praças e os centros comerciais ostentam grandes árvores de Natal desde o início do mês de dezembro e as cidades investem em iluminação festiva, que atrai um grande número de visitantes.

iii) O Pai Natal

A figura do Pai Natal tem origem no folclore, inspirando-se Nicolau, uma pessoa rica, gentil e generosa, que morou na Ásia Menor (Turquia atual) no século IV. Ele doou os seus bens aos pobres, tornou-se padre, chegou ao cargo de bispo, sendo canonizado depois da sua morte. A sua imagem é a de um homem de barba branca, trajando um casaco vermelho com gola, chapéu e calças vermelhas. Lentamente, as pessoas habituaram-se a chamá-lo de Pai Natal.

O Pai Natal, tal como o vemos atualmente, apareceu pela primeira vez num anúncio da Coca-Cola em 1920. Hoje, esta personagem carinhosa, barbuda e de fato vermelho é bastante popular em todo o mundo.

As crianças gostam muito desta personagem, pois é-lhes explicado que transporta os presentes num trenó puxado por nove renas. Em muitos países, na véspera de Natal, as crianças preparam uma meia ou sapato para que o Pai Natal coloque os presentes. Nos Estados Unidos,

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pendura-se as meias na lareira, porque se acredita que o Pai Natal descerá pela chaminé, e deixa-se alguns biscoitos para ele comer. Diz-se que ele observa os comportamentos das pessoas, presenteia os bons e castiga os maus, filosofia que serve para motivar as crianças.

Figura 17: Pai Natal junto ao trenó35

iv) A ceia de Natal

Tradicionalmente, as famílias portuguesas reúnem-se no dia 24 de dezembro, ou seja, na véspera de Natal, para uma grande e animada refeição: a Consoada. A ceia de Natal é equivalente ao jantar de véspera de Ano Novo chinês, sendo igualmente rica.

“Segundo a tradição portuguesa, a Consoada consiste principalmente em bacalhau cozido, seguido dos doces. Em algumas regiões do país (principalmente no Norte), o polvo guisado com couves e batatas também consta da mesa de Natal. Em Trás-os-Montes, peru no forno, canja de galinha e assados de borrego, porco ou leitão também marcam o Natal, enquanto na Beira Alta, o cabrito é uma tradição. No Alentejo e no Algarve, o peru recheado

assado são pratos que podem constar das mesas.”36

35 https://www.joulupukkitv.com/en/santatelevision-santa-claus-tv/, consultado a 26 de abril de 2020.

36 Lusopatia Especial Natal (2014). Disponível em https://lusopatia.wordpress.com/2014/12/14/lusopatia-especial-natal,

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Figura 18: Bacalhau cozido37

Em suma, para os portugueses, o bacalhau é rei na mesa de Natal. De resto, este é um ingrediente muito apreciado no quotidiano; diz-se que os portugueses têm catalogadas 1001 maneiras de preparar este peixe, sendo bastante popular o bacalhau com natas, bacalhau à Brás, bacalhau assado com batatas a murro ou os pastéis de bacalhau.

A predileção dos portugueses por bacalhau remonta ao período áureo dos Descobrimentos.

“No século XVI se encontra registos das frotas portuguesas que pescavam bacalhau nas costas da Terra Nova (atual Canadá), que se acredita ter sido descoberta por navegadores portugueses. A pesca do bacalhau aparece, assim, intimamente associada ao apogeu das viagens marítimas portuguesas. Sendo o bacalhau um peixe de águas frias, era conservado em sal de forma a suportar a longa viagem de regresso. A marinha inglesa fornecia proteção a estas frotas de pesca a troco de sal, um bem

extremamente valioso na época, e que Portugal produzia em grandes quantidades.”38

37 https://www.reddit.com/r/AskEurope/comments/7jtfcy/what_are_the_most_typical_christmas_dishes_sweets/, consultad

o a 26 de abril de 2020.

38 “Porque é que os portugueses comem tanto bacalhau?!” (2015), em https://portoalities.com/pt/porque-e-que-os-portugues

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Figura 19: Bacalhau salgado e seco39

Na Idade Média, a Igreja Católica ainda mantinha um rigoroso calendário com os dias em que os cristãos deveriam jejuar, ou seja, a dieta alimentar as carnes consideradas "quentes". O bacalhau era uma comida "fria" e ficou cada vez mais popular nos dias de jejum. Gradualmente, passou a ter forte identificação com a religiosidade e a cultura do povo português. Segundo Marília Abel e Carlos Consiglieri, em O Bacalhau na Vida e na Cultura dos Portugueses:

“O número de dias de jejum e abstinência a que se sujeitavam anualmente os portugueses era considerável, não se limitando ao período da Quaresma, a época do ano em que o bacalhau era "rei" à mesa. Segundo Carlos Veloso, durante mais de um terço do ano não se podia comer carne. Assim era na "Quarta- Feira de Cinzas e todas as Sextas e Sábados da Quaresma, nas Quartas, Sextas e Sábados das Têmperas, (n)as vésperas do Pentecostes, da Assunção, de Todos- os-Santos e do dia de Natal e ainda nos dias de simples abstinência, ou seja, todas as Sextas-Feiras do ano não coincidentes com dias enumerados para as solenidades, os restantes dias da Quaresma, da Circuncisão, da Imaculada Conceição, da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.”40

O rigoroso calendário deixou de ser observado, mas a tradição do bacalhau mantém-se forte nos países de língua portuguesa até aos dias de hoje, principalmente no Natal e na Páscoa, as datas católicas mais expressivas, que comemoram o Nascimento e a Ressurreição de Cristo. Segundo dados do Conselho Norueguês das Pescas, Portugal consumiu cerca de 33.596

39 www.srbacalhau.com/produtos/?id=11&title=bacalhau-salgado-seco&idioma=pt, consultado a 30 de abril de 2020.

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toneladas de bacalhau até outubro de 2017 e aproximadamente um milhão de quilogramas no mês de dezembro daquele ano. Os índices de popularidade do “rei dos mares” são tão altos no território lusitano que, em qualquer supermercado ou mercado local, existem refeições pré- cozinhadas de bacalhau.41

Portugal possui ainda uma frota de mais de uma dezena de bacalhoeiros, que pescam nas águas da Terra Nova e da Noruega. Os países para onde Portugal mais exporta bacalhau, nas suas diversas formas de apresentação, são o Brasil (que absorve 40% das exportações), França, Angola e Itália.42

O bacalhau é chamado “fiel amigo” dos portugueses, tornou-se num símbolo da sua identidade e desempenha um papel indispensável na sua gastronomia. Como Eça de Queiroz escreveu a Oliveira Martins: “Os meus romances, no fundo, são franceses, como eu sou, em quase tudo, um francês – exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho, e no justo amor do bacalhau de cebolada!”

Diferentes doces também fazem parte da ceia de Natal, nomeadamente rabanadas, formigos, bolo-rei, pão de ló, filhós de abóbora, aletria, arroz doce, entre outros. O bolo-rei é, talvez, a sobremesa mais popular desta época, quase todos os supermercados vendem este tipo bolo em forma de coroa. O seu nome tem origem nos três Reis Magos. Diz-se que quando os Reis Magos viram a estrela que anunciava o nascimento de Jesus, disputaram entre si quem teria a honra de ser o primeiro a brindar o Menino. Para acabar com a discussão, um padeiro confecionou um bolo escondendo no seu interior uma fava: aquele que a apanhasse, seria o primeiro a entregar o presente. Diz-se que a côdea do bolo simboliza o ouro, as frutas simbolizam a mirra e o açúcar simboliza o incenso. Para além das frutas cristalizadas, o bolo- rei é feito com passas de uva, frutas secas e alguma bebida alcoólica, como vinho do Porto. Até há bem pouco tempo, ditava a tradição que quem recebesse a fatia com a fava, teria de oferecer o bolo-rei no ano seguinte.

41 Segundo dados do Conselho Norueguês das Pescas, disponíveis em https://cod.fromnorway.com /pt/norway/norwegian-

seafood-council/, consultado a 26 de abril de 2020.

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Figura 20: Bolo-rei43

Além do bolo-rei, outros doces típicos são associados ao Natal. É o caso da rabanada, uma sobremesa frita também chamada de fatia dourada. Faz-se com pão fatiado, demolhado em leite, vinho ou calda de açúcar, depois envolto em ovo, que se leva a fritar ou assar.

Figura 21: Rabanadas44

Na Consoada é tradição comer muitos tipos de frutos secos (nozes, amêndoas, pinhões) e é impossível faltar o vinho, principalmente tinto, para acompanhar a refeição, bem como o vinho do Porto. Quando acaba a refeição, os restos da comida não devem ser levantados, por respeito aos mortos: muitas vezes há um lugar vazio na mesa, que simboliza os familiares

43 www.luso-flavours.shopbuilderpro.com/product/natal-2016-bolo-rei-1kg, consultado a 26 de abril de 2020.

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31 falecidos ou que estão longe.

À meia-noite, é habitual os portugueses trocarem prendas, troca que também pode ser feita na manhã do dia 25. Esta tradição tem origem nos presentes dados pelos Reis Magos: o ouro simbolizava a realeza e a proteção de Deus; a mirra em óleo foi oferecida para limpar do corpo de Jesus, protegendo-o de doenças, enquanto o incenso daria proteção através da crença, da fé e da oração.45 Ou seja, o presente simboliza os melhores desejos para a família e amigos neste momento especial. Existem atualmente muitas opções de presentes, dos brinquedos, à roupa, telemóveis, chocolates, etc.

v) Missa do Galo

Como o Natal é uma festa de origem católica, uma das tradições mais importantes é a missa que acontece à meia-noite do dia 24 de dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. A Missa do Galo é uma grande celebração da igreja que acontece desde o ano 330, quando o povo romano celebrava a festa do sol invicto, e que, com a conversão de Constantino, passou a ser uma festa católica.

O nome recorda que “um galo teria cantado fortemente, como nunca ouvido de outro animal semelhante, anunciando a vinda do Messias, filho de Deus vivo, Jesus Cristo.” O galo também anuncia o início de um novo dia, por isso, para os portugueses, simboliza a esperança do surgimento do sol após o longo período de inverno.

Destaque-se, neste contexto, a lenda peculiar de Barcelos, no norte de Portugal. Diz-se que um peregrino foi injustamente preso e condenado à forca, por roubo, e que, antes de ser morto, pediu que o levassem à presença do juiz. O magistrado recusou-se a acreditar nas suas afirmações de inocência e, preparando-se para jantar, fez sinal para executarem o peregrino. Para provar a sua inocência, este apontou para o frango assado na mesa e disse: “É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar”. E, de facto, o galo ergueu-se na mesa a cantar, pelo que o juiz o absolveu. Desde então, o galo passou a ser considerado um símbolo de justiça e de boa sorte. O Galo de Barcelos popularizou-se, tornando-se um dos símbolos portugueses impresso em postais, porcelanas e outros tipos de artesanato.

45 Cf. “Bolo-Rei: história, receita caseira e segredos de confecção” (2017). Disponível em https://www.vortexmag.net/bolo-rei-

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Figura 22: Galo de Barcelos46

O Natal é hoje uma festa global, com a conotação religiosa a (con)fundir-se com as tradições culturais ao redor do mundo. Os comerciantes usam uma grande variedade de métodos promocionais para atrair os consumidores nesta quadra: mais do que uma reunião com a família, o Natal é hoje um momento de consumo.

2.2.2 O Ano Novo em Portugal

Por comparação ao Natal (uma festa familiar), o Ano Novo (um momento de folia) não é tão importante em Portugal.

O dia 1 de janeiro do calendário gregoriano é o primeiro dia do ano, que começa a ser festejado na noite anterior. Muitos portugueses saem de casa para se juntarem em grandes praças ou no centro da cidade (Praça do Comércio em Lisboa, Avenida dos Aliados no Porto e Avenida Central em Braga), onde acontecem diferentes programas artísticos, nomeadamente espetáculos e concertos gratuitos, que se prolongam pela noite dentro, com músicos e artistas nacionais.

As pessoas juntam-se nestes lugares alegremente, esquecendo as adversidades do ano velho, bebendo, dançando, conversando e apreciando os espetáculos. A meia-noite é anunciada com a contagem regressiva e, à meia-noite, começam os espetáculos de pirotecnia, que podem durar vários minutos (sendo o mais famoso o da ilha da Madeira).

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Em Portugal existem algumas tradições especiais para formular desejos para o ano seguinte, deixando para trás o que está a terminar. Os portugueses comem 12 passas enquanto pedem 12 desejos para os meses do ano que estão a chegar. Alguns vestem peças de roupa de acordo com os seus desejos mais profundos: a cor mais utilizada é o azul, para atrair bem- estar e saúde, o amarelo simboliza riqueza e sucesso, o vermelho é usado para atrair o amor, o branco simboliza paz e harmonia e o verde significa natureza, vida e bem-estar geral.

Os portugueses também têm algumas superstições interessantes para atrair a sorte no Ano Novo: saltar de uma cadeira, beijar alguém, ter dinheiro na mão, mergulhar no mar gelado, dançar ao ar livre ou pular com o pé direito à meia-noite. Na noite da passagem de ano é habitual fazer-se muito barulho com apitos, buzinas e tampas das panelas, para afugentar tudo o que de mau houve no ano anterior.

2.3

Comparação entre as festas da família

2.3.1 Comparação entre o Ano Novo Chinês e o Natal

a) Semelhanças

Em primeiro lugar é de referir que o Ano Novo Chinês e o Natal são as festas mais importantes na China e em Portugal, representando o momento mais feliz e a reunião da família. Os dois países têm uma tradição comum na véspera das duas festas: um grande jantar.

Estas duas festas assumem uma forte atmosfera festiva. Ao longo de todo o ano, chineses e portugueses esperam a chegada do Ano Novo Chinês e do Natal, respetivamente. Pode dizer-se que são uma grande motivação para as pessoas estudarem e trabalharem com afinco.

A atmosfera alegre e o chamamento da família fazem com que a maioria das pessoas regresse à sua terra-natal, apesar dos deveres profissionais e da distância. É tempo para os jovens descansarem e para os idosos verem os seus filhos e netos. As crianças podem vestir roupa nova, comer pratos deliciosos e receber dinheiro ou presentes. Portanto, os povos dos dois países esperam as suas festas, que representam esperança e felicidade, uma espécie de sustento espiritual. No fim do ano e no início da primavera, as pessoas gostam de recordar o que passou, concluir o que está pendente e fazer planos para o futuro.

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As datas da celebração não são coincidentes. O Ano Novo Chinês festeja-se desde o dia 31 do último mês do seu calendário tradicional até ao 15º dia da primeira lua. O Natal celebra- se entre 24 de dezembro e 6 de janeiro do calendário gregoriano.

O Ano Novo Chinês tem uma história longa, tendo raízes no culto aos antepassados. Para se ser mais preciso, o Ano Novo Chinês começou por honrar os deuses e antepassados, para atrair uma boa colheita. A cultura religiosa da China é caracterizada pelo pluralismo; as pessoas não têm uma crença comum, uns acreditam no budismo, no taoísmo ou no cristianismo, e outros são ateus.

O Natal de Portugal serve para comemorar o aniversário de Jesus, desenvolvendo-se numa tradição católica. A maioria dos portugueses partilha a crença em Deus e na fé católica; a religião tem impacto em diversas áreas da vida quotidiana. A visão sobre o mundo e a vida, os valores, os modos de pensar e os hábitos dos portugueses são profundamente influenciados pelo catolicismo.

Os rituais são totalmente diferentes. Os rituais do Ano Novo Chinês refletem características culturais que vão do passar o “Ano Pequeno”, ao culto do santo da cozinha, ao fixar gravuras e versos da primavera, aguardar pelo ano novo na última noite e às visitas aos familiares e amigos. Sendo o Natal uma festa religiosa, os seus rituais refletem a cultura religiosa ocidental. As principais tradições têm uma estreita relação com o catolicismo, como seja o presépio e a Missa do Galo.

A tradição gastronómica do Ano Novo Chinês traduz-se em peixe e jiaozi; enquanto a do Natal se traduz em bacalhau e doces.

2.3.2 Comparação entre a Festa das Lanternas e o Ano Novo português

a) Semelhanças

Nas duas festas existe uma simbologia inerente de rever o passado e olhar para o futuro. A festa de Lanternas pode ser incluída na Festa da Primavera, enquanto o Ano Novo festejado em Portugal pode ser incluído nas férias do Natal. Elas representam o fim da reunião da família e o regresso à rotina de estudo e trabalho. Ambas terminam com fogo de artifício; as pessoas de ambos os países celebram na rua, participando em atividades tradicionais.

b) Diferenças

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relação com a luz: incluem pendurar e apreciar as lanternas coloridas, adivinhar enigmas e comer Tangyuan. Os rituais do Ano Novo em Portugal são mais modernos, incluem concertos e álcool, não havendo um tipo de comida tradicional.

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Capítulo III

O culto aos mortos

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3.1

Na China

3.1.1 A Festa de Qing Ming

A Festa de Qing Ming (清明节, qīngmíng jié) é uma importante festa tradicional da China47 e a única que tem o mesmo nome/data de um de 24 períodos solares (节气, jiéqì). Também conhecida como o “dia da limpeza dos túmulos”, serve para homenagear os mortos. A maioria das festas chinesas tem uma data baseada no calendário tradicional. No entanto, a Festa de Qing Ming é bastante especial em relação às outras, pois a sua data não tem um dia fixo, podendo ser celebrada entre 4 e 6 de abril de cada ano. Para compreender o porquê, impõe-se conhecer os 24 períodos solares do calendário chinês.

3.1.1.1 Divisões lunissolares

A China foi um país iminentemente agrícola, estando as atividades agrícolas intimamente relacionadas com o ritmo da natureza. As 24 divisões lunissolares são um conhecimento da civilização chinesa antiga, resultante da observação do movimento dos corpos celestes, das mudanças do tempo, do clima e da fenologia.

Como se pode observar na figura 23, as divisões solares referem-se aos termos climáticos que representam as mudanças de estação, de acordo com o calendário chinês e a situação da Terra na órbita solar. Os chineses antigos dividiram o movimento anual em volta do Sol em 24 segmentos, correspondendo cada um a determinada posição do astro depois de se mover 15°, e atribuíram um nome específico a cada período.

47 É uma das quatro festas tradicionais mais importantes, juntamente com a Festa da Primavera, a Festa de Duan Wu e a Festa

Referências

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