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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

por

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior Curso de Mestrado em Letras Neolatinas

(Programa de estudos literários: Literatura Hispânica)

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FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas).

Orientador: Prof. Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras.

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FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior

Orientador: Professor Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras.

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas).

Aprovada em ____/____/_____, por

Presidente, Prof. Dr. Miguel Ángel Zamorano Heras (UFRJ)

Prof.ª Dr.ª Silvia Inés Cárcamo de Arcuri (UFRJ)

Prof.ª Dr.ª Helena Días dos Santos Lima (CEFET e UERJ)

Prof. Dr. Víctor Manuel Ramos Lemus (UFRJ) (Suplente)

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A Pricila Regina Teixeira, minha esposa, pelo tempo roubado ao convívio familiar e aos meus filhos, Ana Carolina de Jesus Souza, Bruna de Jesus Souza e Enzo Teixeira Correia Palma.

Ao meu orientador, Miguel Ángel Zamorano pela paciência inesgotável e pelas firme orientação que tornaram possível esta dissertação.

A meu pai, Roberto Ponciano, me deste a retidão que necessita a árvore para crescer, e a minha mãe, Sueli de Jesus Pereira e toda a minha família.

À professora Helena Días, que plantou a semente que originou este trabalho.

À professora Sílvia Cárcamo e, através dela, a todos os professores e professoras do curso de letras da UFRJ.

A Fernando Ladera Cubero, descendente de exilados e lutadores socialistas e republicanos espanhóis, que semeou em mim o amor pela Espanha.

A João Mcormick, que me auxiliou na revisão última dos textos e na formatação final.

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GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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latino-vanguarda da Geração de 1927 na Espanha. Entender Neruda como síntese, simbiose de um tempo histórico chamado por Hobsbawm de “o breve século XX”, a mescla de ismos e vanguardas, que revolucionará a poesia chilena ao trazer a influência de todas as invenções modernas experimentadas na Europa.

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GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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inventions experienced in Europe.

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GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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la chilena y las formas de vanguardia de la Generación del 1927 en España, lo entienden como una síntesis, la simbiosis de una época histórica, que Hobsbawm llama el “corto siglo XX”, la mezcla de ismos y vanguardias, que va a revolucionar la poesía chilena para llevar la influencia de todas las invenciones modernas experimentadas en Europa.

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1. INTRODUÇÃO...11

2. NERUDA PRÉ-ESPANHA...19

2.1 OS PRINCÍPIOS DA POESIA DE PABLO NERUDA...19

2.2 O POETA E SUA PASSAGEM PELO ORIENTE — PARA UMA POESIA IMPURA...27

3. A GERAÇÃO DE 1927 E FEDERICO GARCÍA LORCA...66

4. A GERAÇÃO DE 1927 E A GUERRA CIVIL ESPANHOLA...71

5. A ANÁLISE DA POESIA DE LORCA...78

5.1 LORCA E A INFLUÊNCIA POPULAR — EL CANTE JONDO...78

5.2 LORCA E O PICTÓRICO — O SURREALISMO...88

6. A CONVIVÊNCIA DE NERUDA COM A GERAÇÃO DE 1927, EM ESPECIAL COM FEDERICO GARCÍA LORCA...105

7. SÍNTESE DIALÉTICA: NERUDA PÓS-ESPANHA...119

8. CONCLUSÃO...140

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1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo comparativo da obra do poeta chileno Pablo Neruda, desde seus primeiros poemas, até as duas primeiras Residências na Terra, confrontado estas poesias iniciais com as mudanças de posição estética, política e ideológica — causadas principalmente pelo encontro com Federico García Lorca e a Geração de 1927 na Espanha, e o resultado deste salto qualitativo na sua poesia posterior, utilizando principalmente dois livros principais situados posteriores a esta experiência: Canto Geral e Terceira Residência na Terra. A hipótese é que a passagem de Neruda pela Espanha vai modificar de forma indelével sua poesia, que é um mescla de influências, que vão desde Góngora e Quevedo, a Rubén Darío, Joyce, T. S. Eliot, Walt Whitman, Gustavo Adolfo Bécquer, Mallarmé, Baudelaire, assim como a da Geração de 1927 na Espanha: que no seu vanguardismo fez a síntese dialética entre o passado (representado por Góngora) e as influências da poesia francesa e anglo-saxã, que vão renovar o ritmo e os temas desta geração. Ela vai criar uma forma de fazer poesia que vai recuperar o ritmo livre do poema, com rima internas, liberando-se do petraquismo do verso métrico rimado e experimentando formas e temas. Uma síntese do que foi feito por esta Geração se encontra no manifesto Por uma poesia impura, do próprio Neruda, publicada na revista que ele fundou, Caballo Verde. Este manifesto vai se antepor às tentativas de conservação da métrica antiga, representadas principalmente por Ramón José Jimenez e sues “motivos nobres” para a poesia, que seriam a manutenção da forma poética anterior e dos motivos greco-romanos e “ideais elevados”.

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influxos variados recebidos pela Geração de 1927 na Espanha vão influenciar a poesia nerudiana.

Defendemos a ideia de que Neruda é um poeta inovador e renovador das artes na América Latina: sem se juntar a nenhum manifesto surrealista, foi surrealista antes do surrealismo e realista fantástico antes do realismo fantástico. Ao contrário de muitos que creem que sua poesia foi diminuída por seu engajamento político, demonstraremos nas páginas a seguir, que Neruda não restringiu sua poesia a um panfleto político partidário, nem mesmo na fase em que ele participou ativamente da Guerra Civil Espanhola, ou quando se candidatou e foi eleito senador pelo Partido Comunista Chileno e ajudou a eleger Salvador Allende. Nossa hipótese é que as influências anteriores, panteístas, vanguardistas, surrealistas, realistas fantásticas, líricas, pós-românticas, todas permaneceram, mesmo em seus poemas mais politizados como o Canto Geral.

A importância deste trabalho, num momento de “crise da poesia”, com as desconstruções da linguagem e do sentido pós-modernas, é entender (através de um poeta que vai catalisar todos os ismos do que Hobsbawm chamou de “o breve século XX”) esta relação de ruptura entre tradição de vanguarda, manutenção e revolução, que se realiza em Neruda sem destituir sua poesia de sentido e narrativa. Neste ponto vamos utilizar os conceitos de vanguarda, modernismo, ruptura de um grande poeta e ensaísta latino-americano, Octavio Paz, no seu ensaio Os filhos do barro, no qual ele entende que o modernismo é uma “tradição de ruptura”, e que a questão primordial neste embate, se liga ao processo de reificação que a poesia faz diante da destruição de sentidos e teorias trazidos pelo desenraizamento, que vai ocorrer na tradição ocidental desde a ideia da “morte de Deus”. Ideia esta entendida como ruptura do presente eternizado cristão simbolizado pelo paraíso, e que foi expresso na poesia por Madame de Staël e na filosofia por Nietzsche. A orfandade de um futuro sem mudança, no paraíso (que também pode ser visto como inferno do imobilismo, por uma quimera de futuro sem futuro), esvaziado pela passagem sem volta de Cronos, que engole a todos os seus filhos, os filhos do barro: nós, reles mortais, órfãos de Deus e da imortalidade:

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ressuscitam e voltam. Os marinheiros escutam de noite uma voz que percorre o Mediterrâneo dizendo “Pã morreu”, e essa voz anuncia a morte do deus e também anuncia sua ressurreição.

A lenda náiade nos conta que Quetzalcoarl abadona Tula, imola-se, e se transforma no planeta duplo (estrela da manhã e estrela da tarde), mas que há de regressar um dia para retomar sua herança. Em contraste Cristo só veio à Terra uma vez. Cada acontecimento da história sagrada dos cristãos é único e não se repetirá. Se alguém disser “Deus morreu”, anuncia um fato irreproduzível. Deus morreu para todo o sempre. Na concepção do tempo como sucessão linear irreversível, a morte de Deus é um acontecimento impensável.

A morte de Deus abre as portas da contingência e da sem-razão. A resposta dupla: a ironia, o humor, o paradoxo intelectual; também a angústia, o paradoxo poético, a imagem. As duas atitudes aparecem em todos os românticos: sua predileção pelo grotesco, pelo horrível, pelo estranho, pelo sublime irregular, a estética dos contrastes, a aliança entre riso e pranto, prosa e poesia, incredulidade e fideísmo, as mudanças súbitas, as cambalhotas, tudo enfim, o que faz de cada poeta romântico um Ícaro, um Satanás ou um palhaço não passa de resposta ao absurdo-angústia e ironia. Embora a origem de todas essas atitudes seja religiosa, trata-se de uma religiosidade singular e contraditória, pois consiste na consciência de que a religião está vazia. A religiosidade romântica é irreligião: ironia; a irreligião romântica é religiosa, angústia (PAZ, 2013, 54-55).

Dando uma nova perspectiva à crítica de vanguarda da poesia de Neruda, trazemos a ideia de Octavio Paz, de que a contradição vanguardista da poesia vem da criação romântica de Richter da ideia da morte de Deus e da orfandade da humanidade, ligada à ruptura do tempo cíclico das religiões anteriores ao cristianismo. Desta forma, a tensão permanente entre ruptura e a busca de um refúgio através da poesia, com relação ao caos causado pela irreversibilidade do tempo e da maldição do ser para a morte. Assim surgem todas as utopias de um tempo cíclico, que de certa forma são um retorno a uma era mitológica de perfeição, era de ouro, desde o bom selvagem e o passado idílico da humanidade, às utopias marxistas e anarquistas; todas são de certa forma reações à destruição moderna e sua criação do novo a qualquer custo a todo tempo. Contradictio in adjecto da tradição da ruptura. Ruptura que vira ismo, truísmo e obrigatoriedade, o que é novo hoje, amanhã já é o velho que tem de ser destruído. Os retornos à antiguidade oriental e africana, feitos pelas vanguardas, expressam de certa forma esta nostalgia a um tempo que não seja linear e destruidor de todas as escolas e tradições. Na famosa frase de Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, o que identifica a modernidade é que tudo que é sólido se desmancha no ar, o que trazemos de novo, na pesquisa sobre Neruda, é ligar este desejo de utopia a uma criação imagética poética, o que resulta de uma imagem religiosa, a utopia marxista interpretada poeticamente dentro da tradição ocidental da orfandade de Cristo:

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está assentada sobre o caos e, ao devorá-lo, se devora. Estamos diante da “natureza caída” dos cristãos, mas a relação entre Deus e o mundo se encontra invertida. não é o mundo caído na mão de Deus que se precipita no nada, é Deus quem cai no poço da morte. Blasfêmia enorme, ironia e angústia. A filosofia havia concebido um movido não por um criador, mas por uma ordem inteligente; para Jean Paul e seus descendentes, a contingência é uma consequência da morte de Deus: o universo é um caos porque não tem criador. O ateísmo de Jean Paul é religioso e se opõe ao ateísmo dos filósofos: a imagem do mundo como um mecanismo é substituída pela imagem de um mundo convulsionado que não para de agonizar mas não chega a morrer. A contingência universal se chama na esfera existencial, orfandade. E o primeiro órfão, o grande órfão não é outro senão Cristo. O “sonho” de Jean Paul escandaliza tanto o filósofo, como o devoto (PAZ, 2013, p. 57).

Os vanguardistas, tantos os da reação moderna simbólica latino-americana e espanhola, aos vanguardistas do século XX, retomam este tema: do caos, da contingência do homem na terra. Neste texto vamos situar Neruda dentro desta tradição e colocar a utopia socialista não só como questão política, mas como solução poética da contradição e deste paradoxo permanente. O resultado atual das pesquisas teóricas sobre a obra de Neruda o situam sempre num patamar de ligação entre a poesia latino-americana/chilena e espanhola/europeia (Carlos Rovira, Saúl Yurkiévich), como um poeta engajado e bibliográfico, que traz para a poesia os temas considerados “não nobres”, do quotidiano: a dura vida dos mineiros explorados nas minas de cobre no Chile, o massacre dos povos originais, dos operários e camponeses, a vida dos pescadores e das mulheres pobres chilenas, mas também o bosque chileno, a natureza exuberante de Macchu Picchu, o gato, a cebola, as uvas, o vinho, o mar, os sinos, a chuva, o sexo muitas vezes rude e sem pretensões líricas e românticas. Nosso texto não é inovador no sentido de que traz uma nova grande descoberta à análise de Neruda, mas se justifica como pesquisa acadêmica porque traz em seu bojo uma nova análise destas relações, a ideia analítica de Octavio Paz de que as vanguardas literárias do século XX, ao construir utopias, tentam reificar o destrutivo do tempo linear, inaugurado pela modernidade, e o abandono da utopia cristã do tempo eterno pós mortem. A ideia do ser para a morte heideggeriana é uma ideia que vai ser debelada nas utopias poéticas, construídas que são, de uma certa forma, como um retorno à perfeição e uma proteção à destruição revolucionária do tempo histórico,

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prisão, ou se suicidou, ou foi executada por não conseguir se inserir na ideia destrutiva revolucionária. Assim, nosso trabalho traz a inovação de trazer para a narrativa da história de Neruda este truísmo do poético em sua contradição insolúvel com o revolucionário, como toda a modernidade, a tradição da ruptura, a busca da quimera, da utopia, da revolução; que destrói e retira pela raiz tudo que é velho e representa o passado; do outro lado, a mesma utopia como um espaço de conforto e retiro desta destruição permanente e cotidiana:

(…) crítica da crítica e das suas construções, a poesia moderna, desde os pré-românticos, busca se assentar num princípio anterior à modernidade e antagônico a ela. Esse princípio, impermeável à mudança e à sucessão, é o começo do começo de Rousseau, mas também é o Adão de William Blake, o sonho de Jean Paul, a analogia de Novalis, a infância de Wordsworth, imaginação de Coleridge. Seja qual for seu nome, esse princípio é negação da modernidade. A poesia moderna afirma que é a voz de um princípio anterior à história, a revelação de uma palavra original da sociedade — paixão e sensibilidade — e por isto mesmo é a verdadeira linguagem de todas as revelações e revoluções. Esse princípio é social, revolucionário: regresso ao começo de antes da desigualdade: esse princípio é individual e diz respeito a cada homem, a cada mulher: reconquista da inocência original. Dupla oposição à modernidade e ao cristianismo, que é uma dupla confirmação tanto do tempo histórico da modernidade (Revolução) como do tempo do cristianismo (inocência original). Num extremo o tema da instauração de outra sociedade é um tema revolucionário, que insere no futuro o tempo do começo; no outro extremo, o tempo da restauração da inocência original é um tema religioso que insere o futuro cristão num passado anterior à Queda. A história da poesia moderna é a oscilação entre estes dois extremos: a tentação revolucionária e a tentação religiosa (PAZ, 2013, pp. 54-55).

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restrita a uma autobiografia ou a uma notação da história de Neruda: se assim fosse, não seria um trabalho acadêmico com uma hipótese a ser confirmada, mas necessita desta linha histórica para demarcar o campo sociológico da atuação poética nerudiana. Yurkiévich será utilizado para entender o labirinto teórico de Neruda na Espanha, suas relações com Lorca e a Geração de 1927, mas também o que ele já traz formado em si e o que Neruda dá a Espanha. O manifesto nerudiano,

Por uma poesia impura, é escrito por um chileno, que não é considerado nas análises espanholas da Geração de 1927 como membro desta, mas que é a mais perfeita descrição pormenorizada daquela geração. Entendemos que sim, Neruda, dentro dos possíveis estéticos, será influenciado por esta vanguarda espanhola, mas já traz em si, em gérmen, muitos destes elementos na obra anterior a sua chegada na Espanha, já que Residência na terra será escrita no Oriente, mas

Residência na terra II será escrita em parte e finalizada na Espanha. Usaremos Angélica Cortázar, crítica e biógrafa de Neruda para explicar a marca autobiográfica na poesia de Neruda e as influências da militância política, do marxismo, da Guerra Civil, de como todo este conjunto de vivências ira transformar a poesia de Neruda: as transformações e as permanências das influências anteriores, a negação da negação. De como o Neruda militante político, em lugar de restringir, alarga o campo estético-teórico, ao incorporar novas possibilidades, sem eliminar as experimentações e vivências anteriores.

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Por fim, utilizaremos Octavio Paz para encontrar a síntese dialética do trabalho Nerudiano, para mostrar como as buscas de utopias se assinalam dentro da tradição poética do século XX,: da destruição do vanguardismo e da busca de conforto e reconciliação através de utopias filosóficas, políticas e poéticas, sejam estas poesias revolucionárias socialistas ou mero retorno poético ao passado, o que assinala o novo e a importância do que trazemos no nosso trabalho. Este é o liame que utilizaremos para perpassar o trabalho, que tem fontes literárias muito maiores, compulsamos praticamente toda a poesia de Pablo Neruda e de Federico García Lorca, assim como farta pesquisa bibliográfica teórica, não só literária, mas filosófica e histórica, Em que pese não seja um trabalho de biografia literária, não entendemos a literatura como campo à parte do mundo, que é uma ilusão de alguns teóricos, necessitamos resgatar o tempo histórico e os embates teóricos e filosóficos do tempo de Neruda e Lorca, para entendermos suas poesias, por isto a farta consulta de livros que vão de Hobsbawm a Marx, Nietzsche, Lúcáks, Deleuze, Adorno. Se não entendermos a complexa problematização teórica da literatura no século XX, seus embates e debates, não poderemos traduzir as imbricações teóricas da obra de Neruda e Lorca.

Por fim, nesta introdução, ressaltamos que não é um trabalho de autobiografia literária de Neruda. Mesmo quando há descrição pormenorizada de fatos históricos, estes são pano de fundo para uma análise teórico-literária da poesia de ambos, de Neruda e de Lorca. Impossível, por exemplo, analisar a teoria de Lorca sem entender o que seja o Cante Jondo e a influência árabe e cigana em Andaluzia. Entender a poesia de Lorca sem a historicizar seria girar em falso e criar tautologias, mas a pretensão não é fazer história literária, ao reconstituir a historicidade do truísmo literário, imediatamente se passa a fazer a análise técnica dele por mecanismo da própria literatura e não por mecanismos históricos e ou sociológicos. A ideia deste trabalho não é narrar em detalhes a vida de Lorca, o objetivo é entender as inovações de forma de sua poesia, de onde elas vem, em que nível são um retorno ao passado e de que forma são revolucionárias suas invenções e influenciam na poesia de vanguarda da Geração de 1927.

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2. NERUDA PRÉ-ESPANHA

2.1 OS PRINCÍPIOS DA POESIA DE PABLO NERUDA

Pablo Neruda é, antes de sua passagem pela Espanha, na construção inicial de sua poesia, um poeta metafísico, panteísta (com alguma influência de sua mestra na infância, a também prêmio Nobel de literatura, Gabriela Mistral), com inspiração na natureza e na mulher, com muito talento, mas com pouca preocupação com a temática social. Seus poemas são líricos, com ecos de romantismo tardio, vejamos por exemplo, o texto abaixo, de Proêmio, de Cadernos de Temuco:

Uma rota de sol e uma luz e um roseiral. Nada mais eu pedia e naquela inquietude

pousaram as sedas da minha branda canção (NERUDA, 1998, p. 27).

O poema referido reflete as preocupações iniciais do jovem Neruda. Um poeta pobre, que parte para Santiago para estudar literatura (contra a vontade paterna, que o queria engenheiro), que é extremamente tímido e avesso às badalações, que veste roupas negras e escreve versos ora místicos, ora panteístas, ora românticos, extremamente exagerados em seus arroubos líricos.

Não há nenhum traço que indique que ele será um poeta militante, engajado política e socialmente, como em sua história pessoal das décadas posteriores, de militância política assumida no Partido Comunista Chileno, do qual chega a ser senador e candidato à Presidência. Também não há as características da influência da modernidade espanhola, da temática variada, popular e social, assumida pela Geração de 1927, ou do desespero existencialista e do desencontro do homem com o mundo do século XX.

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em jornais estudantis de cunho anarquista.

Está bem distante de ser o poeta subversivo do futuro, é antes um jovem absorto na leitura de Gôngora, Baudelaire, Rubén Darío, Mallarmé, que tenta publicar seus livros e sobreviver através deles. Suas obras vão refletir, nesta época, as leituras apaixonadas de poetas espanhóis como Gôngora e Quevedo, Bécquer, Garcilaso de La Vega e de hispano-americanos como Rubén Darío e Gabriela Mistral. Ainda não havia a influência da leitura de Walt Whitman e dos poetas estadunidenses e anglo-saxões. Ele navega numa dualidade entre o misticismo panteísta e o lirismo-romanticismo tardio. Ratificamos que a obra nerudiana ainda não tem a marca do político-social em seus primeiros livros, que só aparecerão após a sua estada na Espanha, a convivência com a Geração de 1927 e a tragédia da Guerra Civil, que o marcará indelevelmente. Vejamos, por exemplo este poema de

20 poemas de amor e uma canção desesperada:

Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos, te pareces al mundo en tu actitud de entrega. Mi cuerpo de labriego salvaje te socava y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros y en mí la noche entraba su invasión poderosa. Para sobrevivirme te forjé como un arma,

como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo. Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme. Ah los vasos del pecho! Ah los ojos de ausencia! Ah las rosas del pubis! Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia. Mi sed, mi ansia sin límite, mi camino indeciso! Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,

y la fatiga sigue, y el dolor infinito (NERUDA, 2004, pp. 12 e 13, Poema I).

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poucas características que ela já carrega e será comum a quase todas as suas fases é o seu panteísmo. Mesmo sendo um poeta ateu na sua idade madura, a poesia de Pablo Neruda sempre vai ter a natureza cantada de forma exuberante, num tom quase místico,mítico e panteísta, herdado de sua infância e adolescência acompanhando seu pai pela selva chilena — o pai de Neruda era condutor de locomotivas, e traço da poesia de vanguarda iconoclasta.

Neste período da vida do poeta, na década de 20, ele ainda não tem nenhum posicionamento filosófico definido e nenhum engajamento político-social, o máximo que Neruda se permite é uma aproximação a círculos estudantis anarquistas em Santiago. A natureza e as mulheres são seu principal material inspirador; dotado, que era, de uma sensibilidade incomum e sensualidade sempre constante, forte, com uma ousadia acima da moral da época. A poética nerudiana, todavia, amadurecerá, florescendo pouco a pouco. Já no livro Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, vê-se um poeta que, ainda que continue não engajado em lutar por mudanças sociais, em termos de forma, vive uma grande maturidade na parte estética. Não parece o livro de um jovem escritor, ainda principiante nas letras, mas sim a obra de um poeta seguro esteticamente em seus experimentos e ousadias na linguagem e na forma. Com este livro, Neruda alcançará, ainda muito jovem, fama e prestígio literário, mesmo entre os críticos mais exigentes, que vislumbram no jovem poeta um talento inato.

Vejamos este outro texto lírico do livro 20 poemas, no qual se vislumbra ainda mais o panteísmo, na comparação da mulher com a natureza:

Casi fuera del cielo ancla entre dos montañas la mitad de la luna.

Girante, errante noche, la cavadora de ojos. A ver cuántas estrellas trizadas en la charca.

Hace una cruz de luto entre mis cejas, huye.

Fragua de metales azules, noches de las calladas luchas, mi corazón da vueltas como un volante loco.

Niña venida de tan lejos, traída de tan lejos, a veces fulgurece su mirada debajo del cielo. Quejumbre, tempestad, remolino de furia, cruza encima de mi corazón, sin detenerte.

Viento de los sepulcros acarrea, destroza, dispersa tu raíz soñolienta. Desarraiga los grandes árboles al otro lado de ella.

Pero tú, clara niña, pregunta de humo, espiga.

Era la que iba formando el viento con hojas iluminadas. Detrás de las montañas nocturnas, blanco lirio de incendio, ah nada puedo decir! Era hecha de todas las cosas.

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Tempestad que enterró las campanas, turbio revuelo de tormentas para qué tocarla ahora, para qué entristecerla.

Ay seguir el camino que se aleja de todo,

donde no esté atajando la angustia, la muerte, el invierno,

con sus ojos abiertos entre el rocío (NERUDA, 2004, pp. 36-38, Poema 11).

Neste poema vemos uma alusão à noite em termos figurativos, cavadora de “ojos”, através do seu reflexo na água. A obscuridade da noite revela na verdade a obscuridade do poeta e sua melancolia em torno de suas primeiras experiências sexuais e amorosas. Este poema tem uma musa real, a irmã de um amigo de Neruda, com quem o poeta teve um caso de amor. Evocando inclusive a morte: “Hace una cruz de luto entre mis cejas”, como desespero causado pela ausência e separação. Como nos poemas românticos, a idealização da figura da amada: “ Niña venida de tan lejos, traída de tan lejos”, a distância aqui não alude à distância física, mas a saudade, a ausência do objeto amado. Por isto a recordação do poeta é uma tempestade, um vento que destroça, uma fúria desesperada na impossibilidade de tê-la novamente. Logo uma inversão violenta, numa antítese entre a intensa imagem de seus sentimentos e a delicadeza da musa: “clara niña, pregunta de humo, espiga”. Por fim, os elementos da natureza, era “echa de todas las cosas” ela é tudo: lírios, espigas, “la formadora del viento”. O romantismo tardio de Neruda se vê em estes versos, quando o poeta terá que vencer a ansiedade e a dor e partir — “ansiedad que partiste el pecho a cuchillazos” — até onde, como diria Bécquer, habita o esquecimento, “por el camino que se aleja de todo”. O Neruda do exílio vai se distanciar dos exageros românticos desta fase inicial.

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Neruda traz em toda sua obra a marca de sua infância passada no interior do Chile, quando passeava com seu pai de locomotiva, não só por Temuco, mas por toda a cordilheira andina chilena e encantava-se com a imponência da selva andina. Esta vivência, afastado das grandes cidades, isolado no interior do país, em contato permanente com uma América ainda indomada, vai brotar por toda a vida do poeta em seus escritos, mesmo em sua fase mais militante. Para José Carlos Rovira, um dos mais importantes e respeitados nerudistas, a infância de Neruda em Temuco, o contato estreito com a natureza selvagem chilena vai imprimindo no poeta a impressão fortíssima de uma natureza selvagem e indomada, na qual explodem fenômenos de raríssima beleza, dentro da selva andina. De Rovira, retiramos um pequeno trecho para nossa análise:

En el principio fue la soledad de Temuco, la estación de ferrocarril donde trabajaba su padre, la costa cercana de puerto Saavedra, la naturaleza deshabitada, la flor del copihue, el ruido de los trenes o su silencio, el rumor del mar o todos los sonidos de la naturaleza, agolpados a las palabras que se van aprendiendo para llamar a cada cosa por su nombre. (…) La infancia en Temuco es un aprendizaje de soledad y naturaleza; (…) En Confieso que he vivido narró el poeta ampliamente todas las sorpresas de aquella infancia: la naturaleza que le provoca «una especie de embriaguez», los pájaros y su canto, los insectos, o los juegos infantiles. (…) La narración de infancia tiene un bellísimo momento en su primera llegada al mar, en un vapor a lo largo del río Imperial: (…)«Cuando estuve por primera vez frente al océano quedé sobrecogido. Allí entre dos grandes cerros (el Huilque y el Maule) se desarrollaba la furia del gran mar. No sólo eran las inmensas olas nevadas que se levantaban a muchos metros sobre nuestras cabezas, sino un estruendo de corazón colosal la palpitación del universo».

Pablo Neruda es un poeta que ha reflexionado ampliamente sobre su poesía y sobre su biografía, hasta el punto de resultar imprescindibles sus textos en prosa para adentrarnos en su mundo poético. (…) De los textos anteriores surge la imagen de un adolescente débil, ensimismado, solitario, en continua sorpresa ante diferentes naturalezas que se sitúan ante sus ojos. La prehistoria poética de Neruda se desarrolla además en clave de soledad, tristeza, amargura, dolor, desesperación, etc., como contraseñas adolescentes de mundo poético que se gesta también en reacción a un referente continuo de la naturaleza (mar, lluvia, insectos, etc.) (Rovira, 1991, p. 57).

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ignotos e remotos, que não traduzem de forma fiel um tempo histórico, mas sim todas as suas possibilidades subjetivas e humanas. De certa forma, Neruda é um bardo, o profeta cantador cego das travessias de Homero, Tirésias, que canta não o que vê, mas o que sente, assim, o que ele traduz nas poesias não é simples narrativa linear, mas as inquietações, dores, esperanças das várias gerações de poetas e seres humanos do século XX:

Entre 1920 y 1923 se genera Crepusculario, cuyas resonancias, desde el título, al modernismo y al decadentismo europeo son evidentes. El tiempo biográfico de Crepusculario (Santiago, ediciones Claridad, 1923) coincide con el final de su estancia en Temuco y su traslado a Santiago para seguir estudios de francés en el Instituto Pedagógico. Se trata de una obra que está plenamente integrada en un mundo adolescente de sensaciones que quieren dar cuenta del propio vivir (…). En 1923, Neruda escribe El hondero entusiasta, que se publicará sin embargo diez años más tarde. El poeta narró las circunstancias de creación de la obra años después: «En 1923, tuve una curiosa experiencia. Había vuelto tarde a mi casa en Temuco. Era más de medianoche. Antes de acostarme, abrí las ventanas de mi cuarto. El cielo me deslumbró. Era una multitud pululante de estrellas. Vivía todo el cielo. La noche estaba recién lavada, y las estrellas antárticas se desplegaban sobre mi cabeza. Me agarró una embriaguez de estrellas, sentí un golpe celeste. Como poseído, corrí a mi mesa, y apenas tuve tiempo de escribir, como si recibiera un dictado. Al día siguiente, leí, lleno de gozo, mi poema nocturno. Es el primero de El hondero entusiasta… Me movía en una nueva forma como nadando en mis verdaderas aguas. Estaba enamorado y a El hondero… siguieron torrentes y ríos de versos amorosos…». En 1925 aparece en la Editorial Nascimento Tentativa de hombre infinito, que es la obra que cierra este conjunto de incitaciones poéticas que conforman la prehistoria nerudiana. En Tentativa aparece claramente diseñado un mundo propio y profundamente original que, en alguna medida, cumple el papel de génesis del lenguaje de las Residencias. La obra es un conjunto de fragmentos mediante los que el poeta nos entrega una parcela de su mundo de la infancia, de su naturaleza, junto a la conciencia de su enfrentamiento con el espacio y el tiempo.

La construcción poética inicial, con el desarrollo de los primeros mitos poéticos, se realiza al tiempo que la escritura del amor juvenil, intensificada en el momento esencial de su estancia en Santiago. En 1924, en junio, la editorial Nascimento de Santiago publica los Veinte poemas de amor y una canción desesperada, libro escrito a lo largo de 1923 en su mayor parte, del que habían aparecido ya algunos poemas en la revista Claridad. Los Veinte poemas significan, sobre todo, un ejemplo para entender la fortuna literaria de Neruda, su conexión en 1924 con una sensibilidad adolescente y pos-romántica, una relación con el lector que el tiempo se habría de encargar de acrecentar.” (Rovira, 1991, p. 57).

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dele em Santiago, quando começa a tomar contato com uma outra realidade, que não a vivida em sua infância em Temuco. Pablo Neruda crava seus primeiros acordes, em seus poemas iniciais há a falta ainda das notas político-sociais, mas as outras notas não são menos belas ou impressionam menos, pela força e pela vivacidade da poesia. O poeta carrega consigo Temuco e a natureza do Chile, é o que ele mesmo diz em Confieso que he vivido:

Bajo los volcanes, junto a los ventisqueros, entre los grandes lagos, el fragante, el silencioso, el enmarañado bosque chileno… Se hunden los pies en el follaje muerto, crepitó una rama quebradiza, los gigantescos raulíes levantan su encrespada estatura, un pájaro de la selva fría cruza, aletea, se detiene entre los sombríos ramajes. Y luego desde su escondite suena como un oboe… Me entra por las narices hasta el alma el aroma salvaje del laurel, el aroma oscuro del boldo…

El ciprés de las Guaitecas intercepta mi paso… Es un mundo vertical: una nación de pájaros, una muchedumbre de hojas… Tropiezo en una piedra, escarbo la cavidad descubierta, una inmensa araña de cabellera roja me mira con ojos fijos, inmóvil, grande como un cangrejo… Un cárabo dorado me lanza su emanación mefítica, mientras desaparece como un relámpago su radiante arco iris… Al pasar cruzo un bosque de helechos mucho más alto que mi persona: se me dejan caer en la cara sesenta lágrimas desde sus verdes ojos fríos, y detrás de mí quedan por mucho tiempo temblando sus abanicos… helecho (Neruda, 2005, pp.37).

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que transformar a infância da humanidade num barbarismo atávico não desejável, com a Razão se realizado num eterno e ansiado devir. Mesmo o eterno retorno nietzschiano não é um consolo, haja vista que estar condenado a fazer eternamente e sem ter consciência os mesmos atos com os mesmos erros e acertos, recende a um bramanismo ateu, que pouco consola a quem perdeu o eterno presente do paraíso cristão. O bosque chileno é o refúgio na infância de Neruda:

Un tronco podrido: qué tesoro!… Hongos negros y azules le han dado orejas, rojas plantas parásitas lo han colmado de rubíes, otras plantas perezosas le han prestado sus barbas y brota, veloz, una culebra desde sus entrañas podridas, como una emanación, como que al tronco muerto se le escapara el alma… Más lejos cada árbol se separó de sus semejantes… Se yerguen sobre la alfombra de la selva secreta, y cada uno de los follajes, lineal, encrespado, ramoso, lanceolado, tiene un estilo diferente, como cortado por una tijera de movimientos infinitos…

Una barranca: abajo el agua transparente se desliza sobre el granito y el jaspe… Vuela una mariposa pura como un limón, danzando entre el agua y la luz… A mi lado me saludan con sus cabecitas amarillas las infinitas calceolarias… En la altura, como gotas arteriales de la selva mágica se cimbran los copihues rojos (Lapageria rosea)… El copihue rojo es la flor de la sangre, el copihue blanco es la flor de la nieve…

En un temblor de hojas atravesó el silencio la velocidad de un zorro, pero el silencio es la ley de estos follajes… Apenas el grito lejano de un animal confuso… La intersección penetrante de un pájaro escondido… El universo vegetal susurra apenas hasta que una tempestad ponga en acción toda la música terrestre.

Quién no conoce el bosque chileno, no conoce este planeta. De aquellas tierras, de aquel barro, de aquel silencio, he salido yo a andar, a cantar por el mundo (Neruda, 2005, pp.37).

Em 1924 a editorial Nascimento, de Santiago, publica os Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, no qual se vislumbra uma sensibilidade visceral, pós-romântica, numa relação direta com o leitor que o tempo haveria de aprimorar, com influências que vão de Gabriela Mistral a Gôngora e Quevedo. Ainda não é o Neruda moderno que nascerá no livro Espanha no Coração. Evolução realizada em livros como Memorial de Isla Negra e Residência na Terra III, como o próprio reconhece em Confieso que he vivido: “El mundo ha cambiado y mi poesía ha cambiado. Una gota de sangre caída en estas líneas quedará viviendo sobre ellas, indeleble como el amor”.

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e onde terminará os livros Residência na Terra I e Tentativa del hombre infinito e começará a escrever a Segunda Residência na Terra. Estes livros tem algo de místicos, no sentido poético baudelariano pagão não religioso, e, poderíamos dizer, existencialistas, no sentido mais formal do termo. São dois livros quase niilistas, já que a preocupação do poeta é com sua “vida interior”, com seu “eu interior” apenas e tão somente. Esta é a tríade que caracteriza a fase inicial de Neruda: Lirismo, baseado na figura da mulher; panteísmo, com adoração da natureza e, por último, esta preocupação mística-esotérica, mas sem uma religião definida, que o leva quase ao niilismo, num torvelinho, num turbilhão de emoções que a solidão num país com uma cultura completamente diferente (a qual Neruda não tentou desvendar ou compreender, mas analisou como um estrangeiro exilado) vai levar o poeta.

2.2 O POETA E SUA PASSAGEM PELO ORIENTE — PARA UMA POESIA IMPURA

Neruda já tinha lançado quatro livros em 1926: Crepusculário. Santiago, Ediciones Claridad, 1923; Veinte poemas de amor y una canción desesperada.

Santiago, Nacimiento, 1924; Tentativa del hombre infinito. Santiago, Nacimiento, 1926; El habitante y su esperanza. Novela. Santiago, Nascimento, 1926. Como o próprio poeta falava, ele se refugiava nos livros com a ferocidade de um tímido, mas conseguiu algum prestígio, fama e certo reconhecimento nos meios literários e culturais, principalmente com os Vinte Poemas, que serão fartamente premiados. Como já citado, o poeta pobre e interiorano vai usar do prestígio e do conhecimento alcançados para começar uma carreira diplomática. Seus amigos intercederam por ele junto ao Ministro das Relações Exteriores do Chile e o poeta será nomeado Cônsul do Chile em Rangoon, uma região extrema da Birmânia, onde passará uma obscura vida de burocrata, reduzido a assinatura de pequenos papéis relativos a exportação de chá do Chile para o Oriente.

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explorava os povoados do Oriente, em busca não de experimentações místicas, mas de contato humano. Estas visitas não tinham caráter esotérico ou religioso, é impressionante a dicotomia que há na poesia desta época, com arroubos místicos e a visão materialista direta do mundo. Neruda não se encanta com o Oriente, só consegue ver miséria, tristeza, abandono, no lugar no qual outros poderiam ver o fervor místico. Pelo contrário, o cônsul vai fazer uma relação de efeito-causa e vai depreender o misticismo dos povos orientais de uma necessidade de filosofia estoica de vida, para sobreviver se submetendo a tanta miséria. Isto não o leva a uma atitude de revolta ou de contestação, mas o fato de ele romper as cortinas místicas e enxergar a realidade material concreta, determinada socialmente e não religiosamente, já é o primeiro passo que possibilitará o nascimento do Neruda engajado e militante do futuro. Veja o que Rovira, José Carlos, fala da poesia Nerudiana desta época:

En 1927 comienza la biografía consular del poeta. A través de ella, otra naturaleza, la de oriente, se pone ante sus ojos, para ser la base de una nueva experiencia poética. En 1927, es nombrado cónsul en Batavia (Java); en el 31, en Singapur. Son cuatro años que configuran una nueva construcción en el quehacer literario de Neruda, años de viajes, naturaleza, amores, y años, sobre todo, de definición de un mundo profundamente original que hace entrar al poeta en una dimensión diferente.

En abril de 1933, aparece en la editorial Nacimiento de Santiago, con tirada de 100 ejemplares, Residencia en la tierra (1925-1931). Se trata de la primera Residencia en el momento en que ya se están componiendo los poemas de la segunda parte. Tras un regreso a Chile, en mayo de 1934, es nombrado cónsul en Barcelona. En el 35 es cónsul en Madrid y, en septiembre de ese año, Cruz y Raya publica en dos volúmenes Residencia en la tierra (1925-1935) con las dos partes que integran la obra. Un proceso de escritura se ha cumplido. Al final de él, la experiencia española catalizará la poesía de Neruda en el ámbito de la historia, generando la Tercera residencia, pero eso ya entronca con el devenir hacia la conciencia histórica. Aquí, en las dos Residencias, el poeta es testigo de la tierra, en la perspectiva ya citada de autorrepresentación. Aquí es fundamental la conciencia de la materia, descubierta como en una sorpresa, que determina ese mundo de destrucción y descomposición de la realidad que la crítica aisló hace mucho tiempo en esta obra.

La etapa consular en Asia concluye con un regreso a Chile, en 1932, donde el poeta vive unos meses de angustia económica y de hastío en un oscuro trabajo burocrático. En agosto de 1933 obtuvo un cargo consular en Buenos Aires, donde establece relación con varios escritores, entre ellos Oliverio Girondo, la chilena María Luisa Bombal, y Raúl González Tuñón. En octubre, conoce a Federico García Lorca y vive con él varios episodios, como una famosa conferencia al alimón en la que cada uno va alternando párrafos, narrada en Confieso que he vivido. En mayo de 1934 es nombrado cónsul en Barcelona, puesto que consigue permutar por el de Madrid con Gabriela Mistral al poco tiempo (Rovira, 1991, p. 34).

A poesia de Neruda desta época, Residência na Terra e parte de

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existencialista, que não está, de maneira nenhuma, relacionada a um papel social coletivo, pelo contrário, prefere caminhar pelos labirintos da busca mística, do onírico, do panteísmo, ainda que mantenha um traço lírico erótico que vai perdurar como linha tênue de costura em toda a poesia de Neruda que fala do amor.

Como já observado, há uma dicotomia entre o cônsul que já divisa a miséria no meio do fervor místico e o poeta que se interioriza e constrói um pensamento individualista, como uma forma de proteção àquele Oriente que o assusta, o atemoriza. Pablo Neruda, em nenhum momento vai conseguir se adaptar à vida na Birmânia. Ao contrário do que aconteceu na Espanha, Neruda será apenas um trabalhador, obrigado a fazer uma passagem pelo Oriente, vendo tudo com olhos de turista acidental. Em nenhum momento ele vai conseguir se inserir no contexto daquela realidade tão diferente da que havia em sua terra natal, abrigar-se-á em leituras de poetas vanguardistas, volta a Mallarmé e Baudelaire, mas também lê Joyce, Walt Whitman, T. S. Eliot. ELe está extremamente influenciado por esta vanguarda anglo-saxã europeia e estadunidense. Neruda escreve poemas altamente revolucionários em forma e conteúdo. Vejamos o experimentalismo e os novos temas que Pablo Neruda apresentará, tomando este poema de Residencia en la tierra I:

Caballo de los sueños

INNECESARIO, viéndome en los espejos con un gusto a semanas, a biógrafos, a papeles, arranco de mi corazón al capitán del infierno, establezco cláusulas indefinidamente tristes.

Vago de un punto a otro, absorbo ilusiones, converso con los sastres en sus nidos: ellos, a menudo, con voz fatal y fría cantan y hacen huir los maleficios.

Hay un país extenso en el cielo

con las supersticiosas alfombras del arco iris y con vegetaciones vesperales:

hacia allí me dirijo, no sin cierta fatiga,

pisando una tierra removida de sepulcros un tanto frescos, yo sueño entre esas plantas de legumbre confusa.

Paso entre documentos disfrutados, entre orígenes, vestido como un ser original y abatido:

amo la miel gastada del respeto, el dulce catecismo entre cuyas hojas

duermen violetas envejecidas, desvanecidas, y las escobas, conmovedoras de auxilios,

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aguardo el tiempo uniforme, sin medidas: un sabor que tengo en el alma me deprime.

Qué día ha sobrevenido! Qué espesa luz de leche, compacta, digital, me favorece!

He oído relinchar su rojo caballo desnudo, sin herraduras y radiante. Atravieso con él sobre las iglesias,

galopo los cuarteles desiertos de soldados y un ejército impuro me persigue.

Sus ojos de eucaliptus roban sombra, su cuerpo de campana galopa y golpea.

Yo necesito un relámpago de fulgor persistente,

un deudo festival que asuma mis herencias (Neruda 1998, p. 85).

Algo extremamente interessante e incrível em sua passagem pelo oriente é que Neruda é surrealista, antes do manifesto surrealista, e realista fantástico, antes que exista o truísmo de realismo fantástico. O poema utiliza o material pictórico onírico, parece um quadro de uma pintura de Dalí, e ele pinta sua experiência oriental através de sensações de nojo, medo, recusa, angústia, torpor. Já existe uma grande transformação do poeta anterior lírico e pós-romântico. Também, neste poema se vê algo extremamente forte em Neruda, a utilização autobiográfica de sua poesia. O que facilita nosso trabalho de análise, haja vista que ele expressa sua experiência através das metáforas poéticas, suas aventuras no mundo, como cavaleiro andante de seu próprio romance. Todas as fases expressivas de sua vida estão relatada como sentimento e ideia em sua forma. Neruda, o poeta que pouco leia romances, mas que romanceou sua própria vida, inclusive com dois livros autobiográficos, também fez poesia autobiográfica, expressando em imagem poética sua vivência e fases no mundo. Vejamos como isto se expressa num dos estudiosos mais importantes de Neruda, Hernán Loyola:

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Surpreendente como a poesia de Neruda é de vanguarda, a dessubjetivação do sujeito é algo ainda em debate e em voga na poesia… do século XXI! Sem se prender a ismos e não participando de nenhuma escola, por instinto e por leitura, Neruda vai caminhando por novas rotas, descobrindo, criando novas formas poéticas. O Ego transformado em ID: o "Yo" não é o Eu do sujeito autobiográfico, o poeta autobiográfico cria a biografia do subjetivo e sinestésica das sensações e experimentações internas. Está à frente de seu tempo, e finca marcos bastante claros e novos para a poesia latino-americana, alarga seu campo de temas e formas. Se é um poema quase narrativo, típico das novas vanguardas, não é um poema narrativo de uma experiência puramente descritiva, mas a descrição da complexidade dos sentidos de um exilado voluntário, assim vê Loyola esta fase de Neruda:

Se muestra muy clara, en los ejemplos citados y en muchos otros de la primera Residencia, la intención básica de autodescribirse o autodefinirse a través de un relato introspectivo y pormenorizado en el que predominan, por lo mismo, los verbos transitivos. (amo, oigo, acecho, divido, llevo, hago, visito, llamo, sostengo, recuerdo, tengo, busco, examino, reconozco…). Esto ocurre, sobre todo, en los poemas que integran la primera de las cuatro partes de la primera Residencia. En las restantes zonas del volumen (que parecen reflejar más directamente las vivencias de Neruda a lo largo de sus años asiáticos) cobrarán mayor predominio verbos intransitivos con sentido de movimiento, de actividad, de circunstancias desplazándose, de procesos en desarrollo, de anécdotas: “Paso entre mercaderes mahometanos, entre gentes que adoran la vaca y la cobra” (I, “La Noche del Soldado”); “sueño, de una ausencia a otra” (I, “El Deshabitado”); “Yo trabajo de noche, rodeado de ciudad, / de pescadores…” (I, “Entierro en el Este”); “He llegado otra vez a los dormitorios solitarios” (I, “Tango del Viudo”); “sobrevivo en me dio del mar” (I, “Cantares”) (LOYOLA, 1964).

A transitividade, o uso do acusativo em Neruda, dos verbos transitivos com objetos diretos, são em Neruda um recurso para que esta autorreferência biográfica não seja circular, encerrada em si mesmo. Ainda que marcada duramente por sua experiência pessoal, pelos sentimentos de angústia, que a vida caótica no Oriente causava em Neruda; o poeta não se referência apenas em sua subjetividade, mas faz a descrição poética do seu tempo e do seu espaço. Há uma narratividade poética, que faz os poemas algumas vezes quase descambarem para a prosa pura, tornando o leitor cúmplice da experiência personalíssima de Neruda no Oriente. O poeta-narrador de primeira pessoa, através da subjetivação, faz com que o leitor se transfira para o lugar não-geográfico e para o sentido sinestésico da poesia, numa transferência de sentidos e sensações que vence e transpassa o tempo histórico:

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ocurren en estas mismas zonas de la primera Residencia, tengan igualmente una orientación anecdótica y temporal: “A menudo, de atardecer acaecido, arrimo la luz a la ventana, y me miro, sostenido por maderas miserables, tendido en la humedad…” (I, “El Deshabitado”); “Difícilmente llamo a la realidad, como el perro…” (I, “Establecimientos Nocturnos”); “Cómo amaría (yo) establecer el diálogo del hidalgo y el barquero, pintar la jirafa…” (I, ibid.); “largamente he permanecido mirando mis largas piernas…” (I, “Ritual de mis Piernas”); “y otra vez tiro al suelo los pantalones y las camisas” (I, “Tango del Viudo”); “Daría este viento del mar gigante por tu brusca respiración” (I. ibid).

La desolación física y anímica; la angustia del espíritu y del sexo; la incomunicación; la miseria económica del cargo consular; la nostalgia de la familia, de los amigos, de la tierra propia; los recuerdos de antiguos amores; la vigilia del aislamiento, la constante espera de una carta o de un beso que vinieran de su patria lejana; los eventuales contactos eróticos y los imposibles contactos con una atmósfera extranjera cuya naturaleza, cuya historia, cuya tradición, cuya gente lo rechazaban con violencia, cerrándose frente a sus anhelos de comprender y de incorporarse: tal es el múltiple drama que relatan, en su mayor porcentaje, los versos de la primera Residencia. El segundo volumen de esta obra desenvuelve un clima similar, una, parecida presión lírica, una cierta continuidad de estilo, pero reflejando con claridad una diferente circunstancia biográfica, enraízan o en otro decurso anecdótico. (LOYOLA, 1964).

O sexo puramente físico, quase escatológico, as mais baixas e vis sensações, o incômodo, a náusea, a peste. Para o senso comum que tem uma visão pouco ampla de Neruda, como um poeta militante, ou um poeta lírico, todas as experimentações e vanguardas foram acessadas por ele, como grande e inclassificável criador, não pode ser puramente enquadrado em nenhuma. Mas efetivamente, os poemas de Residencia en la tierra, estão entre o que melhor se fez na literatura latino-americana naquela época, e à altura dos grandes poetas vanguardistas europeus, tanto pela forma impressionantemente livre, quanto pelo conteúdo, incrivelmente extenso e variado:

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Assim, Residencia na terra 2 é um ponto de inflexão na poesia de Neruda, uma busca de formas novas e temas novos, ligados a própria experiência autobiográfica e às leituras da vanguarda europeia. A obra acompanha a mudança de Neruda para a Espanha. Seus poemas são mais límpidos, menos exagerados na figura de linguagem, mais diretos e mais angustiados. Eles traduzem a passagem do jovem chileno para um homem maduro, que agrega à própria vida a experiência do exílio voluntário no Oriente. Pablo Neruda, ao contrário de outros viajantes e escritores, não vai viver um êxtase místico, mesmo ainda não sendo o poeta marxista, vai ver com olhos céticos as manifestações religiosas do Oriente, e vai ligar muitas destas práticas à extrema miséria em que viviam os habitantes da Índia e da Birmânia. Misticismo como complemento necessário desta miséria, o fervor místico para suportar a rudeza e a pobreza da vida. Este poeta cético e niilista prepara o terreno necessário para a passagem a uma poética e a um poeta mais engajado.

Neruda é neste sentido, um escritor moderno, no sentido que empregamos, tomando a classificação do crítico latino-americano Octavio Paz, ligada à morte de Deus e à cisão continuada do tempo, num futuro inalcançável. Com a derrubada da promessa de um eterno presente (através da salvação) a modernidade constrói seus cânones num eterno vir-a-ser, num futuro inalcançável, que é o leitmotiv de todo o fazer literário e poético. O eterno revolucionar-se, a fadiga da eterna destruição, contra o inferno disfarçado em paraíso: do eterno presente imutável. Sem a promessa da salvação, a perfeição não é individual, mas social e inerente à espécie. O construir estético é um contínuo destruir de formas antigas e estabelecimento de novos fazeres, a permanência da mudança. Neste sentido, Neruda é ator destas mudanças, vivamente sentidas na literatura e expressas na poesia do século XX:

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modernidade à realidade cristã e ao cristianismo ao tempo circular da antiguidade são aplicáveis a nosso próprio arquétipo temporal. A superestimação da mudança implica a superestimação do futuro, um tempo que não é (PAZ, 2013, pp. 40-41).

Situamos Neruda dentro desta tradição ocidental da ruptura permanente, (espalhada na poesia por Madame de Staël, e na filosofia por Nietzsche) e da busca de reificação poética dos conflitos de humanidade, que vive uma vida não teleológica e sem esperanças de salvação. Filósofos modernos como Alain Badiou defendem que, com a dessubjetivação do eu e com o fim das grandes narrativas filosóficas, quando a filosofia não pretende mais ser uma narração coerente e que explica o mundo (como o foram grandes sistemas filosóficos como o hegeliano e o marxista) só a poesia então é capaz de reorganizar os sentidos humanos. Utilizando-se o mito da morte de Deus, entende-se melhor o leitmotiv da poesia de vanguarda, mesmo a atéia e maldita, mesmo a blasfema e pagã. A busca de um sentido num mundo órfão de sentido:

A consciência poética do Ocidente viveu a morte de Deus como um mito. Ou melhor, essa morte foi realmente um mito e não um simples episódio das ideias religiosas de nossa sociedade. O tema da orfandade universal, tal como o encarna a figura de Cristo, o grande órfão e irmão maior de todas as crianças órfãs que são os homens, exprime uma experiência psíquica que lembra a via negativa dos místicos: a “noite escura” em que nos sentimos flutuando a deriva, abandonados num mundo hostil e indiferente, culpados sem culpa e inocentados sem inocência. Contudo, há uma diferença essencial, é uma noite sem desenlace, um cristianismo sem Deus. Ao mesmo tempo, a morte de Deus provoca um despertar da fabricação mítica na imaginação poética e assim se cria uma estranha cosmogonia em que cada Deus é criatura, o Adão de um novo Deus. Regresso do tempo cíclico, transmutação de um tema cristão num mito pagão. Um paganismo incompleto, um paganismo cristão tingido pela angústia pela queda na contingência (PAZ, 2013, p. 58).

Dentro desta mitologia poética, se entende melhor a tecitura da poesia de Neruda. Neste sentido, Neruda é tremendamente vanguardista, o poeta sente a náusea, a falta de sentido da modernidade de forma avassaladora nos seus poemas do Oriente. A busca de novas formas acompanha a busca de novos sentidos, a destruição da forma antiga de romantismo tardio é a destruição também da falta de sentido em tudo que ele vê ao seu redor: o horror entendiado do burocrata se choca com a antiga exaltação do poeta, como no poema, em tudo inovador,

Desespediente:

Desespediente

La paloma está llena de papeles caídos,

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Ven conmigo a la sombra de las administraciones, al débil, delicado color pálido de los jefes,

a los túneles profundos como calendarios, a la doliente rueda de mil páginas.

Examinemos ahora los títulos y condiciones, las actas especiales, los desvelos,

las demandas con sus dientes de otoño nauseabundo, la furia de cenicientos destinos y tristes decisiones. Es un relato de huesos heridos,

amargas circunstancias e interminables trajes, y medias repentinamente serias.

Es la noche profunda, la cabeza sin venas de donde cae el día de repente

como de una botella rota por un relámpago. Son los pies y los relojes y los dedos y una locomotora de jabón moribundo, y un agrio cielo de metal mojado, y un amarillo río de sonrisas.

Todo llega a la punta de dedos como flores, y uñas como relámpagos, a sillones marchitos, todo llega a la tinta de la muerte

y a la boca violeta de los timbres.

Lloremos la defunción de la tierra y el fuego, las espadas, las uvas,

los sexos con sus duros dominios de raíces, las naves del alcohol navegando entre naves y el perfume que baila de noche, de rodillas, arrastrando un planeta de rosas perforadas. Con un traje de perro y una mancha en la frente caigamos a la profundidad de los papeles, a la ira de las palabras encadenadas, a manifestaciones tenazmente difuntas, a sistemas envueltos en amarillas hojas. Rodad conmigo a las oficinas, al incierto olor de ministerios, y tumbas, y estampillas. Venid conmigo al día blanco que se muere

dando gritos de novia asesinada (NERUDA, 2004, pp. 36-37).

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antítese), o que salta é o mundo de mata-borrão, papéis, petições, ofícios. O mundo: sem sentido para ele da burocracia e como este mundo contradiz a sua vocação poética, mas que ainda sim vai estar em seus versos. Toda a experiência angustiante, como burocrata no Oriente, o leva a uma mudança de rumos e temas, alargando o campo semântico poético.

É a tentativa do homem infinito, o homem órfão de Deus da modernidade se abriga na poesia, através da poesia ele reifica o caos que o capitalismo instaura em sua destruição das formas estáveis e estamentais da vida, a nostalgia do moderno, como nos explica Octavio Paz:

A nostalgia moderno de um tempo originário e de um homem reconciliado com a natureza exprime uma atitude nova. Embora postule como os pagãos, a existência de uma idade de ouro anterior à história, não insere esta idade numa visão cíclica do tempo; o regresso à idade feliz não vai ser consequência da revolução dos astros, mas da revolução dos homens. Na verdade, o passado não regressa, os homens, por um ato voluntário e deliberado o inventam e o instalam na história. O passado revolucionário é uma forma que o futuro assume; um disfarce. A fatalidade impessoal do destino cede lugar a um conceito novo, herança direta do cristianismo: a liberdade. O mistério que inquietava Santo Agostinho — como se pode conciliar a liberdade humana e a onipotência divina? — transforma-se desde o século XVIII num problema que preocupa tanto o revolucionário como o evolucionista: em que sentido a história nos determina e até que ponto o homem pode desviar seu curso e alterá-la?

O paradoxo da conjugação entre necessidade e liberdade deve se somar a outro: a renovação do pacto original implica um ato de inusitada embora justa violência, a destruição da sociedade baseada na desigualdade entre os homens. Tal destruição é, de certa forma, a destruição da história, já que a desigualdade se identifica com ela; no entanto, é realizada mediante um ato eminentemente histórico: a crítica como revolucionário, o regresso ao começo do tempo anterior à ruptura implica uma ruptura. Não há como negar, por mais surpreendente que esta proposição nos pareça, que só a modernidade pode realizar a operação de volta ao princípio original, porque só a idade moderna pode negar a si mesma (PAZ, 2013, pp. 44-45).

Temos, necessariamente o cerne do paradoxo da poesia de vanguarda, moderna. Não que Neruda, nas duas primeiras residências, já tenha chegado à temática da Revolução. Mas a náusea, o caos, a peste, os temas modernos relacionados com a “morte de Deus”, o desenraizamento, o caos do ser para a morte; são temas comuns de todas as vanguardas e aparecem implícitos em sua poesia. A busca de um tempo infinito e que reifique, restaure o desenraizamento (o

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suprimir a desigualdade entre os homens. Assim, constatamos que até a saída revolucionária é um desemboque de uma solução temática/estéticas, a saída das encruzilhadas em que se colocou Neruda nas duas primeiras Residências na Terra.

Alguns críticos, como Saúl Yurkiévich vão considerar esta duas obras de Neruda no Oriente, as duas Residência na Terra, como obras de vanguarda. Seu isolamento no Oriente fará com que ele busque no místico e na interiorização das emoções, nas imagens anímicas, o suporte para sua poesia, o que vai diferenciar bastante de sua anterior poesia lírica panteísta. Vejamos o que diz um crítico, Saúl Yurkiévich in A través de la trama:

Residencia en la tierra integra, junto con Trilce de César Vallejo y Altazor de Vicente Huidobro, la tríada de libros fundamentales de la primera vanguardia literaria en Hispanoamérica. Posee todos los atributos que caracterizan a la ruptura vanguardista. Surge íntimamente ligado a la noción de crisis generalizada y, promueve un corte radical con el pasado. Participa en la renovación profunda de las concepciones, las conductas y las realizaciones artísticas. Cambio de percepto y cambio de precepto van a la par. Neruda acomete una revolución instrumental porque promueve una revolución mental. Su arte impugna la imagen tradicional del mundo, contraviene sobre todo la altivez teocéntrica y la vanidad antropocéntrica del humanismo idealista; e impugna el mundo de la imagen: la mímesis realista, la visión perspectivista, la representación progresiva y cohesiva, la figuración simétrico-extensiva, la composición concertante, la expresión estilizada, el arte de la totalidad armónica (Yurkiévich, 1984).

A ideia de crise, e não é só crise de cânones, de limites da literatura. Crise real de um mundo que vive o caos existencial de uma curta paz entre duas guerras, e a vivência em tudo transformadora da primeira tentativa vencedora de uma Revolução Socialista, a de Revolução de Outubro na União Soviética. Alguns poetas colocar-se-ão inclusive a serviço do comunismo e da Revolução Mundial, como Brecht, Maiakovski; já outros se refugiarão na poesia, diante de um mundo que não conseguem mais compreender ou desvendar. A poesia é uma válvula de escape, mas não chega a ser um consolo, muitas vezes um ópio (Baudelaire) que não acaba com a dor, apenas a mitiga e a torna suportável. Neruda reflete este turbilhão, é turbilhão também sua poesia neste tempo, poesia sem consolo e sem ilusões, sem paraísos ou utopias, poesia da desarmonia, poesia da agonia, do caos. Com estas construções poéticas ele dialoga com todas as experimentações de vanguarda do seu tempo, não está longe de Joyce ou de Rubén Darío. É um catalisador criativo de influências, sigamos com Loyola:

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valores. Refleja ese estallido de los marcos familiares, de vida y de referencia que trastorna la estabilidad del orden preindustrial (comarcano, aldeano, rural, artesanal), que trastoca el mundo solariego de las relaciones personalizadas, las solidaridades seculares de la comunidad local sometidas ahora al embate de un proceso que masifica y uniformiza aceleradamente. Neruda no adhiere a la modernolatría futurista, no participa de la vanguardia eufórica (la del primer Huidobro, la de los ultraístas), aquella que alaba las conquistas del mundo moderno, la que asume los imperativos del programa tecnológico: avance permanente, incesante renovación de procedimientos y de productos, constante suplantación de lo objetual, perpetua modificación nocional. Neruda no canta la loa del siglo mecánico, no alaba la era de las comunicaciones, de las circulaciones internacionales, de las babeles electrificadas, no multiplica en sus textos los índices de actualidad: no explícita estrepitosamente su modernidad. Aunque ella aparezca a veces, en la literalidad, se manifieste en la ambientación de ciertos poemas donde tierra baldía equivale a contexto urbano, no vale la pena inventariar en Neruda los signos de contemporaneidad explícita. Su modernidad, como la de Vallejo, está interiorizada. Hay que buscarla en su tumor de conciencia, en su representación de la vida fraccionada, del hombre escindido que sufre un doloroso divorcio entre mente y mundo. Su modernidad se detecta en las relaciones dislocadas por una angustiosa inadaptación a la precariedad, a la insignificancia, a la intrascendencia de una vida alineada, acechada por las incertidumbres fundamentales (origen, condición, destino, sentido) (Yurkiévich, 1984).

Ressaltamos a linha revolucionária de Neruda, não só em termos de forma, mas na temática. Não pretende um retorno ultraísta ao passado, nem quer que o homem volte a apascentar cabras e viver no campo, o que vai aparecer na poesia até de alguns revolucionários como Miguel Hernández. A natureza para ele é sempre um panteísmo, uma volta à infância e às origens, mas sempre subjetiva, Neruda é um poeta citadino, conformado com a modernidade, ainda que inquietado e insatisfeito pelo não-lugar que esta modernidade gera. Assim, seus poemas não constroem retornos a mundos idílicos imaginários, nem recai num orientalismo mistificador como acontecerá como outros poetas. O Oriente para Neruda sempre será um incômodo e um acidente, não por outra razão ele se refugia na poesia ocidental para sobreviver na Birmânia e na Índia. Seu retorno às origens é um mergulho onírico no subconsciente e no inconsciente, uma busca de fundar a si mesmo, tentativa do homem infinito, que só pode ser tentativa literária, utopia inalcançável poética: caminante no hay camino, el camino se hace al caminar, com toda inquietação e permanente insatisfação que esta busca incessante causa:

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