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A GERAÇÃO DE 1927 E FEDERICO GARCÍA LORCA

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 65-70)

Afinal, o que foi a Geração de 1927 na Espanha, qual seu significado? Optamos por definir a Geração de 1927 como um conjunto de escritores, pintores e até cineastas (Buñuel, por exemplo) que nasceram em anos próximos, tiveram formação intelectual com influências semelhantes e tiveram por base guias canônicos comuns. Lorca é desta geração o escritor mais influente. Ao mesmo tempo que Lorca é o mais espanhol por sua temática e seu destino, é o mais local, o que mais absorve a temática regional, de sua terra natal: Andaluzia, incluindo o idioma dos ciganos em seu Cante Jondo. Andaluzia é um dos locais de maior influência árabe na Espanha, assim, na poética de Lorca, também há, de forma indireta, reflexos do arabismo andaluz, da cultura árabe que durante séculos dominou a Península Ibérica, e que refletirá na poesia de Lorca não só no léxico, mas no ritmo e na temática.

O significado da Geração de 1927 na Espanha transcende a questão meramente estética, é uma geração de intelectuais que busca entender o lugar da nação, após a perda da hegemonia da antiga metrópole e império colonial. É chamada de Geração de 1927, por terem nascido em anos próximos, terem recebido formação intelectual com influência semelhante, e terem por base literária ícones comuns: o espanhol Gôngora e o latino-americano Rubén Darío. Como eram todos jovens, renovaram a linguagem literária, com o uso do coloquial e do popular, ao mesmo tempo que iam buscar palavras perdidas ou não descobertas da Espanha. Criaram cânones libertários e renovadores não só na poesia, mas também no teatro, com o próprio Lorca; no cinema, com Luiz Buñuel; e nas artes plásticas com Salvador Dalí. A geração constituiu-se como tal após o manifesto da comemoração do nascimento de Luis de Góngora y Argote, que foi considerado o poeta por excelência, pela limpidez de seu verso, focado no equilíbrio sem os exageros românticos. Esta geração criou relações pessoais e políticas, tinham consciência de serem um grupo, criando e escrevendo em revistas literárias comuns — Caballo Verde, Revista Sevillana Grécia, etc — e em atitudes estéticas e políticas coletivas, assim, a temática popular e espanholista era comum a obra de quase todos.

Temáticas da Geração de 1927: esta geração, ao mesmo tempo que fazia a apologia do equilíbrio e da simplicidade, acabou enovelada em contradições do

seu próprio tempo, em que a dialética marxista causava grande impacto na estética literária (ainda que o grupo não tivesse nenhum escritor que seguisse uma estética de influência marxista), é que a confrontação de classes sociais e as revoltas populares, que inspiraram inclusive a República, acabavam por se impor no tom de crítica social de muitas obras, e no inconformismo dos costumes, tanto na atitude antiburguesa pessoal e de vida, quanto no experimentalismo estético. Assim, eram temas da Geração de 1927, sempre em contradição:

1) o equilíbrio na forma e a contradição no conteúdo; de um lado o equilíbrio buscado na poesia de Góngora, um verso límpido, fluido, sem os exageros românticos; de outro lado as contradições que assolam a própria Espanha, em suas lutas para sair da influência feudal e se modernizar, com a pressão da classe trabalhadora, que elegeu um governo socialista;

2) o intelectual e o sentimental; De um lado a busca de um equilíbrio e da eliminação das influências românticas, vistas como decadentes e burguesas; de outro lado, o retorno do lírico, na transcrição dos cantos populares.

3) Pureza de sentimentos e revolução temática, chegando ao surrealismo (inclusive política); De um lado a busca de sentimentos estáveis e sem arroubos, de outro os sentimentos revolucionários, inclusive os trágicos (presença recorrente da morte). Se no início a Geração de 1927 busca o equilíbrio na poesia, com o crescimento da influência surrealista (com seu subjetivismo, onírico, louvor do id), todos os temas, inclusive os escatológicos e mórbidos, entrarão na poesia da Geração de 1927;

4) Cânon culto e influência estética e linguística popular; Uma das maiores contradições da Geração de 1927, que se inaugura como corrente fazendo a apologia do Góngora e do cultismo; logo em seguida, até pelos compromissos políticos, esta geração vai se contaminar dos temas e da estética popular, o que era completamente estranho ao cânon culto original, o manifesto “Para uma poesia impura”, que é de Pablo Neruda, e que, em geral, os estudos sobre a Geração de 1927 não o ligam a esta geração, pelo fato de Neruda ser chileno, é uma boa síntese do pensamento desta geração. Lorca vai coletar as variantes ditas incultas da fala popular e até do dialeto cigano;

5) Universalismo e internacionalismo versus o espanholismo (ultraísmo), ou seja a busca de uma glória e de uma identidade perdida que na verdade ninguém sabia onde buscar, apologia de Mancha e Andaluzia, como mitos originais de

fundação da Espanha ideal, apologia do local e do particular universalizados. Devido à debilidade da classe dominante, da burguesia espanhola, a nova identidade era buscada na vida e na linguagem das classes populares e marginalizadas;

6) Tradição e respeito aos clássicos e renovação e experimentalismo nos modelos literários; A Geração de 1927 vai chegar ao experimentalismo extremo com a mescla entre a pintura de Dalí, o cinema de Buñuel e a pintura de Lorca, o pictorismo e o surrealismo expressos na poesia, o surrealismo será o avant-garde dos experimentalismos desta geração.

Vê-se que o movimento se processa em contradição hegeliana, na negação da negação, sempre em tensão dialética entre o passado e o futuro, a ruptura e a tradição, a busca de um novo caminho e o reconhecimento do ser espanhol. Isto, em lugar de levar a uma estagnação, levou a uma grande riqueza de formas, já que todos os cânones não eram fixos, havia um experimentalismo em busca do que seria esta nova identidade. Na verdade, o movimento refletia o momento da própria Espanha, um signo de uma contradição de um sentimento nostálgico de um passado perdido, e as rupturas revolucionárias que acabarão por gestar a República. O tragicismo dos poemas de Lorca, acabariam profeticamente por prenunciar o genocídio ao qual sucumbirá a jovem República e a própria tragédia pessoal do jovem escritor.

A Geração de 1927 receberá a influência passadista de Góngora e do cultismo, ou seja, de limpeza e elegância nos versos, de jogos de palavras sem arrebatamentos românticos; contraditoriamente, receberá também a influência de Gustavo Adolfo Bécquer, e sua poesia pós romântica, que ainda que tenha lirismo, tem comedimento em seu sentimentalismo e influência da poesia francesa pós romântica; por último, Rubén Darío e as inovações vanguardistas, o poeta latino- americano que mais influenciou Espanha, mas que dialogava com toda a vanguarda europeia.

A Geração de 1927 também sofreu a influência de Antônio Machado e da assim chamada Geração de 1898, geração esta que também vivia a contradição entre o ultraísmo e a busca de um novo cânone espanhol. Os poetas da Geração de 1898 vivem as mesmas questões históricas da Espanha no início do século XX, e enfrentam problemas estéticos de renovação e de temática semelhantes. Além de Antônio Machado, influenciarão a Geração de 1927 Ortega e Gasset, Ramón Gomes de la Sierra, Juan Ramón Jimenez. Assim, a elegância e a limpeza nos versos,

musicais e sem exageros ou desesperos românticos é síntese de todas estas influências.

A Geração de 1927, a partir destas influências vai cada vez mais fazendo uma poesia mesclada, “impura”, para além dos cânones que a inspiraram, se distanciando das vanguardas e dos experimentalismos e se aproximando do engajamento e do compromisso Político (Lorca, Miguel Hernández). Também surge o surrealismo, aproximando a poesia da pintura, mas também do subconsciente, do onírico, do pictórico. Há o casamento da geração literária com o cinema e a pintura através das relações estéticas e da amizade (as vezes agressiva e contraditória) entre Lorca, Dalí e Buñuel, que moraram juntos na residência dos estudantes em Madrid, em 1920. Há rumores e evidências inclusive de um caso de amor entre Lorca e Dalí, a homossexualidade de Lorca tão discutida, teria expressão trágica na sua poesia (Ode a Walt Whitman). O surrealismo será o experimento mais vanguardista da Geração de 1927, incorporando à estética espanhola o onírico, o subconsciente, o sonho, a agonia, o diálogo com Thanatos e Eros.

O grupo se reuniu como Geração no natalício dos 300 anos de falecimento de Luis de Gôngora, a partir daí começou a influenciar toda a literatura e a arte espanhola. Em Málaga, resultado deste encontro e manifesto, a revista Litoral, dirigida por Emílio Prados e Manuel de Altolaguirre, publicou um número especial em homenagem a poesia deste grupo de poetas. Por conta desta revista, Ignácio Sánchez Mejía, famoso toureiro espanhol, os convida a ir a Sevilha ler seus poemas numa tertúlia literária aberta ao público. Compareceram neste evento: Federico García Lorca, Rafael Albertí, Jorge Guillén, Dámaso Alonso e Gerardo Diego. A partir daí o grupo se torna conhecido e influente em toda Espanha e lança várias revistas, seus livros obtém relativo sucesso e a Geração de 1927 passa a ditar o novo cânone literário, através das revistas literárias e de suas obras, passam a ser a estética a ser seguida a partir daí.

Importante ressaltar que esta geração não se fixou somente na poesia, foi uma geração que trabalhou em todas as áreas das artes. Além do trabalho de poesia, houve ensaístas como Dámaso Alonso (também prolífico poeta), Pedro Salinas, dramaturgos como García Lorca y Alejandro Casona; Buñuel, que era cineasta e artistas plásticos, influenciados por estes poetas com os quais conviveram na residência de Madrid: Almada Negreiros, Manuel Ángeles Ortiz, John Armstrong, Maurice Asselin, Rafael Barradas, Juan Bonafé, Francisco Bores, Norah

Borges, Pancho Cossío, Salvador Dalí, Robert y Sonia Delaunay, Francesc Domingo, Apelles Fenosa, Pedro Flores, Luis Garay, Federico García Lorca, Gabriel García Maroto, Ramón Gaya, Ismael González de la Serna, Juan Gris (muere en 1927), Marcel Gromaire, José Gutiérrez Solana, Wladislaw Jahl, Cristóbal Hall, Manolo Hugué, Maruja Mallo, Joan Miró, José Moreno Villa, Jesús Olasagasti, Santiago Ontañón, Benjamín Palencia, Joaquín Peinado, Santiago Pelegrín, Pablo Picasso, Gregorio Prieto, Pere Pruna, Olga Sacharoff, Alberto Sánchez, Ángeles Santos, Pablo Sebastián, Josep de Togores, José María Ucelay, Adriano del Valle, Daniel Vázquez Díaz, Esteban Vicente y Hernando Viñes.

Os artistas plásticos que foram influenciados ou tiveram relação com esta geração se moveram entre o cubismo, o neoclassicismo, a figuração líricas, os realismos de novo tipo e o surrealismo, estes “ismos”, nas palavras de Eugenio Carmona, são como «um repertorio de que podem extrair soluções específicas para problemas concretos». Com nomes relacionais a Geração de 1927 como os de Dalí, Miró e Picasso, mostram a extensão e a influência desta geração.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 65-70)