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Expressar a desenhar - Avaliação psicoemocional da experiência de doença em crianças com cancro através de testes grafopercetivos e projetivos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Expressar a desenhar - Avaliação psicoemocional da experiência de doença em crianças com cancro através de testes grafopercetivos e projetivos

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Andreia Raquel Lopes da Silva

Orientação: Professora Doutora Sónia Remondes-Costa

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Expressar a desenhar - Avaliação psicoemocional da experiência de doença em crianças com cancro através de testes grafopercetivos e projetivos

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Andreia Raquel Lopes da Silva Orientação: Professora Doutora Sónia Remondes-Costa

Composição do júri:

Professora Doutora Inês Moura de Sousa Carvalho Relva Professor Doutor José Carlos Fontes Gomes da Costa Professora Doutora Sónia Isabel Remondes-Costa

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Afirmo que toda a informação e/ou ideias presentes são da minha total responsabilidade. Esta investigação foi explicitamente elaborada como dissertação original para a concretização de obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Clínica, sendo apresentada na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Departamento de Educação e Psicologia.

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Agradecimentos

Sou incapaz de encontrar palavras suficientes que consigam descrever e classificar este momento: é o realizar de um sonho. Esta é a forma como se encerra mais um ciclo. Um ciclo de aprendizagem, de crescimento pessoal e profissional e de enriquecimento no âmbito do saber científico. Todo este percurso fez-me perceber que os obstáculos são contornáveis e que a persistência, determinação e a força de vontade podem conduzir-nos a alcançar todos os nossos objetivos.

Este projeto de investigação é o reflexo de um sonho concretizado que foi pensado, construído e resultado do esforço e trabalho dos últimos anos de estudos. A luta pela conquista de alcançar a meta, foi muitas vezes pautada por receios, angústias e inquietações, desta forma, o apoio e a força de todos os que me ajudaram foi indescritivelmente fundamental. Sinto que nada disto fazia sentido sem eles, e por isso, devo-lhes a minha maior gratidão, não podendo deixar de lhes agradecer sobretudo acreditarem e lutarem comigo na conquista deste objetivo, permitindo-me ultrapassar e enfrentar todas as minhas dúvidas, medos, preocupações e adversidades inerentes a todo este processo.

Primeiramente, gostaria de agradecer à minha orientadora, Professora Doutora Sónia Remondes-Costa por toda a disponibilidade, profissionalismo, dedicação, rigor e competência que sempre demonstrou, por toda a força, apoio, sabedoria e exigência que me transmitiu, por todos os conselhos, críticas construtivas, exemplos relatados e saberes partilhados, por me fazer sempre acreditar que tudo é possível e ajudar-me a procurar sempre algo positivo diante cada dificuldade, por ser a professora, a mulher e o ser humano magnífico que é.

Aos meus tesouros…aos meus pais, pelo amor incondicional, por acreditarem em mim, pelo incentivo, força, segurança, coragem, determinação e apoio que sempre me transmitiram e por serem o meu porto seguro em tudo e desde sempre, nunca conseguirei agradecer tudo o que fizeram e continuam a fazer por mim. Por tornarem isto tudo possível, por respeitarem a minha escolha, interessando-se por tudo a ela associado. Acima de tudo, pelo exemplo que são como seres humanos, pais e companheiros de vida, transferindo-me, sempre, os melhores valores e princípios.

Ao meu irmão, à minha cunhada e aos meus sobrinhos, por mesmo longe mostrarem-se sempre tão perto e tão presentes, vivendo este sonho comigo, pelo amor, tranquilidade, confiança, conforto e carinho que sempre me fizeram sentir.

A toda a minha família, de um modo geral, por serem a melhor que podia ter, por comboiarem, desde sempre, todo o meu caminhar e por me auxiliarem, da melhor forma que

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sabiam, em tudo quanto podiam para eu crescer, amadurecer, evoluir sem nunca resignar. São a certeza de que tenho um suporte e amparo para toda a vida.

Ao meu namorado, confidente e amigo, Zé, que foi presença assídua e incondicional em todo este percurso. Obrigada por seres dos melhores seres humanos que já conheci, despertando sempre o melhor de mim, por teres sido incansável em toda esta aspiração. Obrigada por cada palavra na altura certa, por cada lágrima seca, pelo abraço sempre disponível que tão me reconforta e protege. Obrigada pela paciência, tolerância e companheirismo que sempre tiveste para comigo, por nunca me deixares desistir, por acreditares em mim mais que eu mesma, motivando-me a lutar, persistir e nunca baixar os braços. Obrigada por seres o meu refúgio e por viveres todo este sonho ao meu lado.

Aos amigos que a faculdade me proporcionou conhecer, por toda a interajuda, compreensão e partilha. Obrigada por me fazerem sentir que nunca estava sozinha e por entenderem, melhor do que ninguém os meus receios, angústias e preocupações. Obrigada por terem ficado e nunca me terem abandonado, nada disto fazia sentido sem vocês. As recordações de todos os momentos bons e maus que ultrapassamos juntos jamais passará e acredito que há amizades que ficam para a vida, e os da faculdade são sem dúvida exemplo disso. Em especial, agradeço à Xana, pelo amor incondicional, minha verdadeira confidente, cúmplice e melhor amiga que podia ter encontrado, foste, és e serás sempre o meu “tesouro académico”. Obrigada por vivermos este sonho juntas.

Aos amigos de sempre, que embora muitas vezes não tenha conseguido tanta disponibilidade quanto queria para eles, sempre se mantiveram presentes, fiéis, solidários, compreensivos e tolerantes. Obrigada por esse amor sem julgamento, por me apoiarem incondicionalmente. Agradeço, particularmente à Cátia, irmã de coração, prima e companheira de vida, por ter estado sempre lá para mim, por me conhecer como ninguém, por viver os meus sonhos como se fossem dela, por ser um exemplo de garra e coragem para mim, por ser o pilar de sempre, para sempre.

Por último, agradeço à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, por me proporcionar a realização deste sonho, por ser a mais acolhedora das instituições. Agradeço igualmente a todos os professores pelos ensinamentos, partilhas, técnicas e conhecimentos que, sabiamente, me transmitiram. É um orgulho para mim ter estudado nesta Universidade.

Certamente, esta assume-se como uma das fases mais marcantes na vida de um ser humano, e tenho a maior das certezas que jamais esquecerei este momento, tal como tudo e todos os que contribuíram para que isto tudo se tornasse uma realidade.

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O sonho está cada vez mais perto de se tornar real: ser, sentir, pensar e viver psicologia! Não podia sentir-me mais feliz, completa e realizada.

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“Na teoria recebe-se conhecimento, Na prática adquire-se sabedoria.

Somente a experiência de colocar a teoria em prática Transforma o conhecimento em sabedoria”

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xv Resumo

A presente investigação compõem-se por dois estudos científicos que passo a clarificar. O primeiro estudo, que se intitula “Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro através de testes grafopercetivos”, teve como objetivo principal avaliar o sofrimento psicoemocional da experiência de doença, através da expressão gráfica de crianças com e sem cancro, segundo a aplicação de testes grafopercetivos. Para o estudo, analisamos desenhos de quatro crianças com cancro, com idades compreendidas entre os seis e os nove anos de idade, que se encontravam a realizar tratamentos, e desenhos de 12 crianças saudáveis, com as mesmas idades. Utilizaram-se como instrumentos três desenhos grafopercetivos: (1) Teste do desenho livre (Campos, 1993); (2) Teste do desenho da Figura Humana de Goodenought (Goodenough, 1964) e o Teste do desenho da Figura Humana do Teste HTP (Buck, 2003); (3) Teste do desenho da família (Corman, 1967). Os resultados indicaram que existem diferenças nas expressões gráficas das crianças com cancro comparativamente com as crianças sem doença, nomeadamente ao nível da simetria das figuras, das cores usadas, das temáticas empregues, bem como, dos detalhes e pormenores utilizados. O segundo estudo, intitula-se de “ Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro através de testes projetivos”, teve como principal objetivo avaliar como as crianças com cancro projetam o seu sofrimento emocional através da resolução de situações agradáveis e desagradáveis, segundo a aplicação de um teste projetivo. Para este efeito, investigou-se quatro crianças com cancro, com idades compreendidas entre os seis e os nove anos de idade, que se encontravam a realizar tratamentos, e 12 crianças saudáveis, com as mesmas idades. Utilizou-se como instrumento o teste projetivo “Era uma Vez…” (Fagulha, 1997). Os resultados indicaram a existência de algumas diferenças ao nível da escolha das cenas aflição, fantasia e realidade nos diversos cartões, quer nas situações agradáveis como as desagradáveis, entre as crianças com cancro e as crianças sem cancro.

Palavras-Chave: cancro pediátrico; avaliação psicoemocional; testes grafopercetivos; testes projetivos.

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xvi Abstract

1. The present investigation consists of two scientific studies that I will clarify. The first study, titled "Evaluation of the emotional suffering of children with cancer through grafoperceptive tests", had as main objective to evaluate the psychoemotional suffering of the disease experience, through the graphic expression of children with and without cancer, according to the application of grafoperceptive tests. For the study, we analyzed drawings of four children with cancer, aged between six and nine years, who were performing treatments and drawings of 12 healthy children of the same ages. Three graphical procedures were used as instruments: (1) Free design test; (2) Goodenought Human Figure drawing test (Goodenough, 1964) and HTP Human Figure Drawing Test; (3) Family drawing test (Corman, 1967). The results indicated that there are differences in the graphical expressions of children with cancer compared to children without disease, namely the size of the figures, the colors used, the themes used, as well as the details and details used. The second study, titled "Evaluation of the emotional suffering of children with cancer through projective tests," had as main objective to evaluate how children with cancer project their emotional suffering through the resolution of pleasant and unpleasant situations, according to the application of a projective test. For this purpose, four children with cancer, aged between six and nine years, who were undergoing treatments, and 12 healthy children of the same ages were investigated. The projective test "Era una Vez ..." (Fagulha, 1997) was used as instrument. The results indicated some differences in the choice of scenes of distress, fantasy and reality in the various cards, both in pleasant and unpleasant situations, among children with cancer and children without cancer.

Keywords: pediatric cancer; psychoemotional evaluation; grafoperceptive tests;

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xvii Índice

Introdução 1

Estudo Empírico I: Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro 7

através de testes grafopercetivos Resumo 9 Abstract 10 Introdução 11 Método 17 Participantes 18 Material 19 Procedimentos 22 Técnica de Aplicação 22 Técnica de Avaliação 23 Resultados 24

Análise das Fases do desenho na criança 24

Análise do Teste do Desenho livre 26

Análise do Teste do Desenho da Figura Humana 29

Análise do Teste do Desenho da Família 31

Discussão 33

Implicações práticas, limitações e propostas futuras 39

Referências Bibliográficas 41

Estudo Empírico II: Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro 45

através de testes projetivos Resumo 47 Abstract 48 Introdução 49 Método 54 Participantes 54 Material 55 Procedimentos 56 Técnica de Aplicação 57 Técnica de Avaliação 57 Resultados 58

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Análise do Teste “Era uma vez…” por cenas: cartão a catão 58

Análise do Teste “Era uma vez…” por categorias: cartão a catão 60

Discussão 62

Implicações práticas, limitações e propostas futuras 65

Referências Bibliográficas 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GERAIS 73

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Índice de tabelas

Estudo Empírico I

Tabela 1. Caraterização dos Participantes 19

Tabela 2. Fases do Desenho na criança 25

Tabela 3. Teste do Desenho livre 28

Tabela 4. Teste do Desenho da Figura Humana 30

Tabela 5. Teste do Desenho da Família 33

Estudo Empírico II Tabela 1. Caracterização dos Participantes 55

Tabela 2. Análise do Teste “Era Uma Vez..” por cenas: cartão a cartão 59

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Índice de figuras Estudo empírico I

Figura 1. Desenhos livres das crianças com cancro 26

Figura 2. Desenhos livres das crianças sem cancro 26

Figura 3. Desenhos da Figura Humana das crianças com cancro 24

Figura 4. Desenhos da Figura Humana das crianças sem cancro 24

Figura 5. Desenhos da Família das crianças com cancro 31

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1 Introdução

Ao pensarmos no ser humano devemos estar cientes da existência de três fundamentais domínios, ou aspetos, do eu: o físico, o cognitivo e o psicossocial. O desenvolvimento físico corresponde ao crescimento do corpo e do cérebro, às capacidades sensoriais, às habilidades motoras e à saúde. O desenvolvimento cognitivo está relacionado com a aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade. Por último, o desenvolvimento psicossocial refere-se às emoções, à personalidade e às relações sociais (Papalia & Feldman, 2013).

A criança aprende os comportamentos sociais com base na observação e imitação de modelos, isto é, observando figuras de referência (modelos), geralmente os pais e, posteriormente, o grupo de pares) e mostrando as aprendizagens que adquiriu ao realizar os comportamentos observados quando os modelos não estão na sua presença. Desta forma, a criança não tem um papel passivo, mas sim ativo na aprendizagem dos comportamentos sociais pois é ela que elege os modelos e os comportamentos a observar e imitar consoante as suas perceções (Morgado, Dias, & Paixão, 2013).

Ao longo do seu percurso, a criança tem como principais agentes de socialização, primariamente a família e, posteriormente, a escola. Almeida (2014), refere que todas as pessoas se constituem, no âmbito do seu processo de socialização, e a individualização é o objetivo da componente formativa. Deste modo, as experiências vividas assumem-se como fulcrais para, de uma forma, a pessoa refletir consistentemente os padrões da sociedade como o medo, a angústia e o domínio, ou pelo contrário, ser livre e independente. O processo de socialização também engloba a obtenção de novos conhecimentos e padrões sociais impostos para a totalidade das pessoas de uma determinada sociedade, assim como, de outros padrões e normas de conduta que se compõem por intermédio do exercício de certos papéis sociais particulares como por exemplo, o de professor e aluno (Almeida, 2014).

Rocha e Simão (2018) nos seus estudos constataram que a experiência educativa, como experiência social, dá visibilidade de como as ações da criança em contexto escolar fazem parte das suas vidas, e são reguladas pela convivência, pela expressão, pelo lúdico e pelo que desencadeia prazer, pelo mistério de dominar o conhecido e pelo encanto do improvável, pela criação de coisas novas (Rocha & Buss-Simão, 2018).

Todavia, na realidade, nem todas as crianças experienciam a vivência escolar, bem como de outras atividades e brincadeiras próprias do período da infância, em consequência de

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distintas razões (económicas, físicas, psicológicas ou culturais), tal como acontece com muitas das crianças diagnosticadas com cancro.

O cancro pode surgir em qualquer parte do corpo. Começa quando as células ficam descontroladas e eliminam as células boas, o que prejudica e afeta o funcionamento global da criança (American Cancer Society, ACS, 2018).

Há muitos tipos de cancro e, embora possam, de certa forma, ser parecidos, diferem no modo como crescem e se propagam. Geralmente, as células normais dividem-se de forma ordenada, morrem quando se encontram gastas ou danificadas e dão, desta forma, lugar a novas células. Neste sentido, o cancro surge quando as células crescem descontroladamente, e as células cancerígenas formam células novas e expulsam as células normais, provocando problemas na área do corpo onde o cancro surgiu. Estas células, cancerígenas, podem estender-se a outras partes do corpo, formando o que estender-se designa de metástaestender-ses (American Cancer Society, ACS, 2018).

O tratamento do cancro, devido à sua complexidade, deve ser realizado num centro especializado e engloba três diferentes modalidades: a quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia. O tipo de tratamento é selecionado de acordo com a especificidade de cada tumor e consoante a expansão da neoplasia (Ministério da Saúde, Brasil, 2017).

Após o diagnóstico oncológico, a vida da criança passa por céleres e intensas mudanças. Rapidamente vê-se internada num hospital, rodeada de pessoas que não conhece, num ambiente diferente, no qual é sujeita a um conjunto de exames invasivos e dolorosos (Menezes, Passareli, Drude, Santos, & Valle, 2007).

Quando a criança fica doente, ocorrem um conjunto de sinais e sintomas, um tempo de diagnóstico, maioritariamente narrado como o mais doloroso, o que permite entender que o aparecimento de uma doença oncológica pode desencadear um grande impacto na criança e no seu cuidador. Todo este percurso não pode ser experienciado só pela criança, o seu cuidador tem um papel essencial, pois, não só acompanha a criança em tudo, como acaba por viver também todo o processo (Costa & Gomes, 2018).

Neste sentido, paralelamente ao impacto individual em cada elemento da família, verificam-se alterações ao nível do funcionamento da relação conjugal. Por um lado, alguns casais descrevem a ocorrência de algum afastamento, por outro lado, outros referem união e companheirismo. É frequente surgir uma necessidade de redefinir os papéis e por conseguinte a divisão de tarefas, entendendo-se que transparecem relações funcionais. Destaca-se, ainda, que em termos parentais observa-se uma transformação praticamente transversal, sendo que

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todos os familiares começam por delatar, de uma certa forma, uma carência adicionada de prestar cuidado e atenção face à criança doente, no fundo, um sentimento de exercer uma superproteção (Costa & Gomes, 2018).

Viver com a doença, é uma experiência difícil, que exige necessidade de apoio por parte das figuras significativas. No momento do diagnóstico da neoplasia, a criança, bem como a sua família, confronta-se com uma situação pautada por experiências, rotinas e nomenclaturas médicas novas e diferentes das do seu quotidiano. Por esse motivo, é fundamental que dentro das cambiantes associadas ao processo de terapêutico se proporcione à criança espaço para “ser criança” e continuar a relacionar-se socialmente nos diversos contextos da sua vida. Assim, quer seja por intermédio das atividades escolares, quer seja através de brincadeiras, a criança mantém presente ações que são próprias do período da infância, tal como o brincar e invés de priva-la de viver e experienciar marcos fundamentais e importantes para a sua idade (Amorim Silva, Moura, Albuquerque, Silva Reichert, & Collet, 2017).

Segundo Marques, Garcia, Anders, Luz, Rocha e Souza (2016), prestar “cuidados a brincar” proporciona uma mudança no ambiente hospitalar, no sentido em que permite uma maior aproximação com o contexto infantil, desencadeando-se como uma estratégia positiva para ultrapassar os momentos decursivos da experiência com o cancro, superando as dificuldades da doença. Recorrer à brincadeira enquanto se cuida, pode ter duas funcionalidades, por um lado, ajudar a criança e o adolescente nas diferentes experiências que a doença e a hospitalização provocam e, por outro lado, de forma mais específica, compreender a importância do brincar para a criança e para o adolescente, mostrando-se tão fundamental como todos os cuidados e intervenções médicos (Marques, Garcia, Anders, Luz, Rocha, & Souza, 2016).

É de salientar, que o “cuidar a brincar” assume-se como uma estratégia de valorização do processo de desenvolvimento da criança e do adolescente com cancro, assim como do seu bem-estar. Quando utilizado na prática diária direciona-se a uma abordagem absoluta do cuidar da criança e do adolescente, com relevo numa assistência mais compreensiva e humanizada (Marques, Garcia, Anders, Luz, Rocha, & Souza, 2016). Estes mesmos autores constataram, no seu estudo, que o lúdico é um instrumento capaz de fazer com que os procedimentos do tratamento, mesmo com o conjunto de todas as rotinas, se tornem menos traumatizantes; ajuda a terem uma melhor resposta ao tratamento; criar um vínculo entre a criança, adolescente, família e o profissional de saúde; atenuar o medo que a criança e o adolescente tem do

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profissional; envolver a família no processo; e melhorar o ambiente e condições de trabalho (Marques, Garcia, Anders, Luz, Rocha, & Souza, 2016).

Carvalho e Rocha (2015), num estudo, concluíram que as atividades artísticas no contexto de tratamentos oncológicos pediátricos incrementam: a integração social das crianças quando se encontram com o grupo e com outros indivíduos, o que lhes permite estar ativas e próximas da normalidade vivida no dia-a-dia; a fomentar a sua autoestima com o sentimento de valorização ao olharem para os resultados dos seus trabalhos; o melhoramento do bem-estar e do comportamento refletidos em boa disposição e extroversão na execução das atividades; o apoio na aprendizagem de outras disciplinas, na superação emocional e física no decorrer da prática artística, mesmo em situações de maior complexidade, como por exemplo, diante de uma recaída da doença, após a quimioterapia e tristeza; na evasão à doença e do local em que se encontra para realizar tratamento; e na expressão e comunicação das emoções, fundamentalmente, através dos desenhos, mas também da pintura e música.

O presente trabalho de investigação teve como objetivo geral avaliar o sofrimento psicoemocional de crianças com cancro face à luta contra a doença através de testes grafopercetivos e projetivos e para o efeito é constituído por dois estudos interdependentes. O primeiro estudo, que se intitula “Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro através de testes grafopercetivos”, teve como objetivo fundamental avaliar o sofrimento psicoemocional da experiência de doença, através da expressão gráfica de crianças com e sem cancro, segundo a aplicação de testes grafopercetivos. O segundo estudo, intitula-se de “Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro através de testes projetivos”, teve como principal objetivo avaliar como as crianças com cancro projetam o seu sofrimento emocional através da resolução de situações agradáveis e desagradáveis, segundo a aplicação de um teste projetivo.

Por se tratar de um estudo exploratório, dada a escassez de literatura relativamente a esta temática, considera-se relevante no sentido de que irá ampliar e contribuir para a compreensão de como a criança expressa gráfica e projetivamente a realidade intrapsíquica da vivência da experiência de doença.

Os dois estudos demonstram resultados cujas implicações práticas devem ser consideradas, uma vez que procuram fornecer orientações práticas de avaliação e intervenção psicológica em crianças com um diagnóstico oncológico, não só, no sentido de incrementar e promover o seu desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida enquanto se encontram

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internadas num hospital e vêm todo o seu crescimento prejudicado e o seu quotidiano interrompido, como também permitir-lhes expressar, de forma lúdica, o que sentem.

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Estudo Empírico I

Avaliação do sofrimento emocional de crianças com cancro através de testes grafopercetivos Evaluation of the emotional suffering of children with cancer through grafoperceptive tests

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9 Resumo

O cancro assume-se como uma experiência que acarreta grandes repercussões na vida da criança, comprometendo o seu desenvolvimento, físico, cognitivo, social e emocional, afetando as diversas dimensões da vida da criança (escolar, familiar, pessoal e psicossocial). Uma criança a quem é detetado cancro vê a sua vida rapidamente transformar-se, e dada a idade maturativa, é difícil representar e expressar o que lhe vai no interior em palavras. Este estudo teve como objetivo principal avaliar o sofrimento psicoemocional da experiência de doença, através da expressão gráfica de crianças segundo a aplicação de testes grafopercetivos. Para o efeito foram analisados desenhos de quatro crianças com cancro, com idades compreendidas entre os seis e os nove anos de idade, que se encontravam a realizar tratamentos e desenhos de 12 crianças saudáveis, com as mesmas idades. Como instrumentos grafopercetivos foram utilizados: (1) Teste do desenho livre (Campos, 1993); (2) Teste do desenho da Figura Humana de Goodenought (Goodenough, 1964) e o Teste do desenho da Figura Humana do Teste HTP (Buck, 2003; Campos, 2003); (3) Teste do desenho da família (Corman, 1967). Os resultados indicaram que os desenhos das crianças com cancro encontravam-se na fase anterior à que seria expectável de acordo com a sua idade cronológica, ao passo que os desenhos de mais de metade das crianças sem cancro encontravam-se na fase correspondente à considerada para a sua idade. Verificou-se ainda que os desenhos das crianças com cancro são mais acromáticos, menos pormenorizados e com poucas temáticas abordadas, comparativamente com as crianças sem cancro. Salienta-se, deste modo, a importância de uma avaliação mais íntegra do sofrimento psicoemocional das crianças com cancro em diversos momentos da experiência de doença, de forma a permitir uma melhor compreensão do impacto que a neoplasia acarreta.

Palavras-chave: cancro pediátrico; avaliação psicoemocional; testes grafopercetivos; expressão gráfica

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10 Abstract

Cancer is an experience that has great repercussions on the child's life, compromising their development, physical, cognitive, social and emotional, affecting the various dimensions of the child's life (school, family, personal and psychosocial). A child who is diagnosed with cancer sees his or her life rapidly changing, and given the maturing age, it is difficult to represent and express what goes on inside in words. This study had as main objective to evaluate the psychoemotional suffering of the disease experience, through the graphical expression of children according to the application of grafoperceptive tests. For this purpose, we analyzed the drawings of four children with cancer, aged between six and nine years old, who were carrying out treatments and drawings of 12 healthy children of the same age. As grafoperceptive instruments were used: (1) Test of the free drawing (Campos, 1993); (2) Goodenought Human Figure drawing test (Goodenough, 1964) and HTP Human Figure Drawing Test (Buck, 2003; Campos, 1993); (3) Family drawing test (Corman, 1967). The results indicated that the drawings of children with cancer were at the earlier stage than would be expected according to their chronological age, while the drawings of more than half of the children without cancer were at the stage corresponding to that considered for your age. It has also been found that the drawings of children with cancer are more achromatic, less detailed and with few themes addressed, compared to children without cancer. In this way, the importance of a more complete evaluation of the psychoemotional suffering of children with cancer at different moments of the disease experience is emphasized, in order to allow a better understanding of the impact that the neoplasm implies.

Keywords: pediatric cancer; psychoemotional evaluation; grafoperceptive tests; graphic

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11 Introdução Cancro pediátrico

O cancro assume-se, atualmente, como uma das principais causas de morte em todo o mundo, com uma incidência de 14 milhões de novos casos, sendo que, 8,2 milhões de pessoas acabam por morrer. Nas próximas duas décadas, prevê-se um aumento de novos casos para 70% (World Health Organization, WHO, 2018).

No ano de 2012, os tipos de cancros mais frequentemente diagnosticados no sexo masculino, foram: cancro do pulmão, da próstata, colorretal, do estômago e do fígado; já no sexo feminino predominam: o cancro da mama, colorretal, do pulmão, do colo do útero e do estômago (World Health Organization, WHO, 2018).

Na Europa, o cancro provoca mais de 20% das mortes. Por ano, surgem cerca de três milhões de novos casos, dos quais 1,9 milhões de pessoas acabam por morrer. Hoje em dia, o cancro é a mais relevante causa de morte na Europa, posteriormente às doenças cardiovasculares. De um modo global, mais de 70% das mortes devido ao cancro, acontecem nos países em desenvolvimento, uma vez que, estes possuem poucos ou praticamente nenhuns recursos que assegurem a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença oncológica. Todavia, independentemente do tipo de recurso, qualquer país pode incrementar os quatro elementos básicos do controlo do cancro: prevenção, deteção precoce, diagnóstico e o tratamento e, deste modo, evitar e tratar os diversos tipos de cancro, assim como atenuar todo o sofrimento que ele acarreta (World Health Organization, WHO, 2018).

Aproximadamente um terço das mortes por cancro encontram-se relacionadas com cinco principais fatores de risco comportamentais e diatéticos: elevado índice de massa corporal, baixo consumo de frutas e vegetais, pouca prática de atividade física, consumo de tabaco e de álcool (World Health Organization, WHO, 2018).

No ano de 2017, apenas cerca de 26% dos países pouco desenvolvidos assumiram ter serviços de patologia disponíveis ao setor público. Cerca de 90% dos países desenvolvidos referiram ter serviços de tratamento disponíveis, em comparação, nos países pouco desenvolvidos, apenas 30% dos países dispõem desses serviços (World Health Organization, WHO, 2018).

O cancro pediátrico retrata menos de 1% dos cancros diagnosticados anualmente. Estipula-se que a mais de 10 mil crianças nos Estados Unidos, com uma idade inferior a 15 anos, foi diagnosticado cancro no ano de 2017. Nas últimas décadas, as taxas de cancro infantil têm vindo a aumentar tenuemente. Devido aos avanços nos tratamentos, nos últimos tempos,

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verifica-se que mais de 80% dos casos de cancro pediátrico têm um bom prognóstico e as crianças sobrevivem, aproximadamente, durante cinco ou mais anos. (American Cancer Society, ACS, 2018). Depois dos acidentes, o cancro assume a segunda principal causa de morte em crianças com idade inferior aos 15 anos. Em 2017, acredita-se que 1.190 crianças com menos de 15 anos possam ter morrido em consequência do cancro (American Cancer Society, ACS, 2018).

Em Portugal, por ano, cerca de 250 a 300 crianças entre os zero e os 15 anos, adoecem com cancro (Chagas, Norton, & Batista, 2007).

O diagnóstico precoce do cancro envolve distintas variáveis, independentemente da idade. No que diz respeito às crianças, implica um cuidado atento dos pais de procurarem ajudas médicas, e do próprio médico, que necessita de ter a sensibilidade e o conhecimento particular para ponderar esta hipótese diagnóstica num período inicial da doença (Pereira, Carrasqueira, Chagas, Paiva, Pedroso, Pereira, Lacerda & Rocha, 2014).

O cancro caracteriza-se por uma combinação de mais de 100 doenças que partilham entre si, o crescimento descontrolado e desorganizado (maligno) de células que invadem os tecidos e os órgãos, e que podem estender-se a outras partes do corpo, formando metástases (Instituto Nacional de Câncer, INCA, 2018; Santos, Júnior, Menezes, & Thierme, 2013). Com uma divisão rápida, as células têm tendência para serem demasiado agressivas e incontroláveis, desencadeando a criação de tumores ou neoplasias malignas. Contrariamente, um tumor benigno define-se por uma massa presente nas células que se multiplicam lentamente e se equiparam ao tecido original, com um risco de vida muito raro (Instituto Nacional de Câncer, INCA, 2018).

Podem ser diversas as causas do cancro, de origem interna ou externa, sendo que há um maior predomínio das externas face à grande exposição aos fatores de risco (Barbosa, Lima, & Trevisan, 2014).

Nas crianças, os tipos de cancro prevalentes diferem dos adultos. Os cancros infantis mais frequentes são: leucemia, tumor cerebral ou outros tumores do sistema nervoso central; neuroblastoma; tumor de Wilms, linfoma; rabdomiossarcoma; retinoblastoma; cancro do osso (sarcoma de Ewing e osteossarcoma (American Cancer Society, ACS, 2018).

No que concerne aos tipos de tratamento, variam conforme o tipo de cancro, bem como da extensão e evolução do mesmo. Os tipos de tratamento mais utilizados são: a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Todavia, podem haver casos em que mais do que um destes tratamentos pode ser necessário (American Cancer Society, ACS, 2018)

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13 Impacto Psicoemocional da Experiência de Doença

Todas as doenças infantis, agudas ou crónicas, acarretam graves repercussões nas crianças, alterando significativamente a organização da família, a resposta social, assim como todo o seu desenvolvimento (Santos, Júnior, Menezes, & Thierme, 2013).

Estar doente, marca de forma significativa qualquer pessoa. Nas crianças esta condição tem repercussões para todo o seu ciclo vital, uma vez que, está numa fase de construção e desenvolvimento da sua personalidade, nesta modalidade, poderá estar impedida de viver as mais distintas situações que garantem o seu desenvolvimento normal, enquanto pessoa e ser social (Festas, 2010).

Qualquer criança, independentemente da sua idade e do quão é cognitivamente capaz de compreender a realidade que a circunda, apercebe-se de que algo grave e assustador está a acontecer com ela. Desta forma, angustiada com a sensação de risco iminente, tem a linha contínua do seu desenvolvimento inesperadamente interrompida (Menezes, Passareli, Drude, Santos, & Valle, 2007).

Uma criança, que se depara com o diagnóstico de cancro, experiencia alterações diversas nos diferentes domínios da sua vida, desde a fase de avaliação até à confirmação diagnóstica. A consciência de que alguma coisa se passa com o seu corpo é acompanhada pela observação das reações dos adultos que a rodeiam (preocupações, receios, dúvidas e angústias começam a estar presentes no seu dia-a-dia). Todo o quotidiano da criança é modificado e o processo de adaptação às situações novas que a doença acarreta, requer esforços com intensidades e extensões que variam (Françoso & Valle, 1999).

A hospitalização desencadeia sentimentos de apreensão e ansiedade na criança, quer pelo afastamento da sua vida quotidiana, quer pelas limitações despoletadas pela patologia. Tais emoções são agravadas quando a criança se depara com a concretização dos invasivos e intensos exames, que lhe são desconhecidos, e que lhe provocam ideias e receios face ao procedimento e prognóstico (Alcântara, Shioga, Lima, Lage, & Maia, 2013; Lanza & Valle 2014).

Na mesma linha de pensamento, diversos autores referem que para além das dificuldades que a própria neoplasia provoca, a questão da hospitalização pode prejudicar a criança na sua totalidade, comprometendo o seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Cada criança, ao ser internada vê ficar para trás o seu próprio mundo: os pais, a sua casa, os seus irmãos, a escola, os amigos, os bichos de estimação e os brinquedos (Pedrosa, Monteiro, Lins, Pedrosa, & Melo, 2007).

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Rocha e Carvalho (2015), no seu estudo, fazem alusão às perdas relevantes na qualidade de vida associadas a elementos provocadores de stress, que o diagnóstico e o consequente tratamento provocam, levam a uma necessidade de um ajustamento social quer dos pacientes como dos familiares (Rocha & Carvalho, 2015).

O cancro pediátrico, descreve-se como um conjunto de experiências geradoras de muito stress e sofrimento, quer para a criança como para a família. A depressão, a ansiedade e os níveis intensos de stress são associados a uma pior qualidade de vida, tanto física como mental da criança. A presença de sintomas da síndrome depressiva e da ansiedade pode corresponder a uma primeira manifestação da presença de perturbações psiquiátricas (Marino, Arcidiacono, & Mendolia, 2010).

Expressão gráfica das emoções

O desenho como exibição gráfica de pensamentos e emoções é um dos modos mais primitivos de comunicação do ser humano. No que concerne ao período da infância, o desenho assume-se como o modo de expressão primário, mesmo antes da criança ter as capacidades de leitura e da escrita desenvolvidas (Weschsler & Schelini, 2002).

O desenho infantil é considerado um dos principais aspetos para o desenvolvimento íntegro do ser humano e representa um componente mediador entre o conhecimento e o autoconhecimento. Através do desenho, a criança estrutura informações, organiza as experiências vivenciadas e pensadas, manifesta a sua aprendizagem e pode expor a sua representação particular do mundo (Goldberg, Yunes, & Freitas, 2005).

Quando a criança desenha fala de si, fala dos seus medos, fantasias, alegrias e tristezas. Desta forma, está implícito um movimento de dentro para fora e vice-versa, mesmo podendo não ter uma compreensão intelectual desse processo. A criança é afetada pelo meio e exterioriza o que ficou no seu inconsciente, sendo modificada pela reprodução do desenho (Jardim, s.d).

Os conteúdos manifestos podem divulgar os desejos, fantasmas e os conflitos da criança com o seu meio envolvente. Melhor do que a expressão verbal, o desenho pode revelar pormenores intelectuais e afetivos, que vão para além da possibilidade ou liberdade da expressão verbal. A interpretação psicanalítica do desenho infantil pode proporcionar a descoberta de indícios da construção do mundo interno da criança (Martins, 2015).

Ao desenhar, a criança expressa a sua própria visão do mundo, encontra algo novo, através do que foi anteriormente conhecido e das suas elaborações. Emoções como a alegria e a tristeza são graficamente expressas, quando verbalmente é mais complicado. Torna-se, assim, indispensável perceber o desenho isoladamente das preocupações e necessidades da criança,

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que maioritariamente são expostas somente através de representações gráficas. Neste sentido, é através do desenho que a criança constrói e reconstrói, de modo individual, formas expressivas (incorporando a perceção, a imaginação, a reflexão e a sensibilidade nas suas reproduções) (Nogaro, Ecco, & Grando, 2014).

O brincar incentiva e promove a comunicação e a interação com a criança de forma a procurar satisfazer as suas necessidades, não só as fisiológicas, como também as do mundo infantil, e assim, proporcionar um tratamento mais completo. A utilização da brincadeira ainda ajuda a atenuar o sofrimento da criança hospitalizada face aos dolorosos e traumáticos procedimentos terapêuticos (Soares, Faria da Silva, Cursino, & Goes, 2014)

Alguns autores consideram necessário proporcionar atividades próprias do mundo infantil em crianças doentes, tal como o brincar. A brincadeira é caracterizada como uma atividade fundamental na vida da criança, tornando-se, assim, indispensável ao longo do seu desenvolvimento motor, emocional, mental e social (Soares, Faria da Silva, Cursino, & Goes, 2014).

Ao permitir a projeção de componentes afetivas, o desenho manifesta aspetos inconscientes do sujeito, bem como aspetos que ele não quer ou não pode desvendar face ao seu conteúdo representativo. Através do brincar e do desenho a criança alivia tensões e angústias ao realizar diferentes tipos de comportamentos que acarretam contribuições para o seu desenvolvimento cognitivo, para a formação e para a adaptação à realidade, segundo a reelaboração das experiências, proporcionando, deste modo, uma maior adesão ao tratamento (Rezende, Brito, Malta, Schall, & Modena, 2009).

Rezende e seus colaboradores (2009), constataram numa investigação que a aplicação do desenho como técnica projetiva, consistia num instrumento que ajudava na perceção da vivência e alargava as hipóteses de compreensão das emoções das crianças e jovens que padecem de cancro na fase de tratamento. Conjuntamente verificaram que o desenho mostra-se como uma excelente condição para a projeção da realidade da criança e do adolescente (Rezende, Brito, Malta, Schall, & Modena, 2009).

A aplicação do desenho em contexto hospitalar pode descrever-se como um recurso designado de “brinquedo terapêutico” (Baldini & Krebs, 1999). Este, baseia-se nos princípios da ludoterapia e pode ser utilizado como facilitador no manuseamento de situações que despoletem stress. Ao brincar a criança pode perceber o mundo que a rodeia e reproduzir as suas próprias frustrações e conflitos (Baldini & Krebs, 1999).

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A expressão da criança através do desenho evidencia-se como uma hipótese de facilitar as relações interpessoais da criança, da família e dos profissionais. Sendo este uma atividade expressiva, permite a objetivação de aspetos mais íntimos e profundos do pensamento. O desenho, particularmente como forma de medir os processos psicológicos, propicia o acesso a aspetos como a compreensão e a interpretação das especificidades da personalidade, bem como, a perceção face aos outros, abrangendo os valores de grupo e culturais (Menezes, Moré, & Cruz, 2008).

Como método facilitador da expressão de sentimentos, emoções, cognição, personalidade e desenvolvimento, o desenho é caracterizado como um instrumento notável para ser utilizado como substituto da linguagem verbal, podendo ser relacionado com o discurso da criança, completando-o, promovendo, desta forma, as suas associações livres. Em contexto de hospitalização o desenho pode mostrar-se como um método eficaz na comunicação daquilo que a criança sente, manifestando o sofrimento psíquico e as angústias da criança, permitindo intervir nesse sentido (Silva, 2010).

A aplicação, a crianças, de testes que envolvam expressões gráficas, pode ser realizada em dois propósitos diferentes: a expressão gráfica avaliativa (onde se procura conhecer de forma mais profunda algumas dimensões associadas ao modo como a criança funciona, quais os seus pensamentos, emoções, dificuldades e preocupações) e a expressão gráfica terapêutica (arteterapia).

De todos os distintos métodos que constituem o psicodiagnóstico, o desenho caracteriza-se como caracteriza-sendo o procedimento mais natural e de maior satisfação para espelhar o conteúdo oculto e a psicodinâmica infantil. No período da infância a expressão gráfica é intrínseca aos interesses da criança, o que assegura a colaboração da mesma na realização do teste (Cariola, 2006).

Barbosa, Santos e Leitão (2007), definem a arteterapia como um tratamento psicoterapêutico que emprega como medida a expressão artística (dança, teatro, música, entre outros.) ou as reproduções plásticas (pintura, desenho, gravura, modelagem, máscaras e marionetas) (Barbosa, Santos, & Leitão, 2007).

Tendo em conta as diversas modalidades terapêuticas, no ramo da psicooncologia, deve-se realçar a arteterapia, conjeturando-deve-se a pertinência da modificação psíquica produzida pela experiência criativa que pode ser possibilitada à pessoa que padece de cancro, auxiliando-a a realizar conflitos e a encarar experiências de dor, perda e luto resultantes da doença e do processo de tratamento (Vasconcelos & Giglio, 2007).

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A condição de doença e do consequente tratamento (quimioterapia, radioterapia ou cirurgia) conduz a limitações e conflitos na criança bem como nos seus familiares, despoletando inseguranças, medos e angústias. A expressão destas experiências representam aspetos do mundo interno que é um dos interesses da arteterapia com esta população, sendo que para além dos conteúdos conscientemente externalizados nas reproduções, lida-se, também, com os conteúdos simbólicos (inconscientes) de máxima importância para todo o processo de transformação e resinificação, sendo estes fatores determinantes na proposta arteterapêutica na sua perspetiva psicodinâmica (Vasconcelos & Giglio, 2007).

A experiência de doença oncológica, provoca inúmeras e drásticas mudanças na vida de uma criança. Paralelamente aos invasivos, dolorosos e intensos tratamentos e exames subjacentes à doença, a criança vê-se afastada da sua zona de conforto, longe dos que lhe são mais próximos e significativos e privada do próprio mundo infantil: o brincar, o poder ir à escola e de conviver com outros meninos.

O impacto que a neoplasia desencadeia, torna, muitas vezes, inexequível para a criança falar de tudo o que sente. Desta forma, torna-se importante analisar como as crianças expressam graficamente o que sentem face à experiência de doença e de que modo projetam os seus sentimentos, receios e preocupações nas representações gráficas.

Assim, este estudo pretende compreender o impacto psicoemocional da experiência de doença, através de representações gráficas de crianças com cancro, segundo a aplicação de testes grafopercetivos.

Em suma, pretende-se, de forma mais específica, perceber as vivências intrapsíquicas da criança resultantes da experiência com a doença; e identificar e avaliar os principais conflitos internos das crianças com cancro na luta contra a doença. Por forma a garantir a fidelidade dos resultados, pretende-se comparar a expressividade gráfica de crianças com cancro com crianças saudáveis em igual faixa etária, no sentido de explorar as principais diferenças.

Método

Este estudo sustenta-se por uma abordagem qualitativa e clinimétrica, com o propósito de avaliar não o fenómeno, mas o que ele representa, neste caso o significado experiencial que o cancro tem na vida das crianças. Nas investigações de carácter qualitativo, não se procura analisar o fenómeno propriamente dito, mas sim compreender o significado individual ou coletivo que esse fenómeno tem para as pessoas (Turato, 2005). Os investigadores qualitativos procuram entender os fenómenos que estão a ser investigados segundo a perspetiva dos próprios participantes (Godoy, 1995).

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Por forma a salvaguardar a fidedignidade dos resultados, os mesmos instrumentos grafopercetivos foram aplicados a um grupo de crianças sem qualquer doença, da mesma faixa etária das crianças com cancro, com a finalidade de procurar obter uma melhor compreensão e avaliação do impacto psicoemocional através de uma comparação das representações gráficas entre os dois grupos.

Esta investigação é, ainda, de natureza descritiva, uma vez que serão tidos em consideração todos os aspetos associados à recolha da informação. Neste tipo de investigações (descritivas) a informação recolhida apresenta-se segundo palavras ou imagens e não em números e nas produções escritas, os resultados incluem citações, transcrições de entrevistas e notas de campo. Nos estudos descritivos procura-se analisar os resultados na íntegra, respeitando o modo como foram redigidos e transcritos. Na recolha de dados descritivos, os pesquisadores retratam o mundo de modo rigoroso e procuram não descorar os gestos, as piadas, quem participa no diálogo, o contexto e o ambiente onde ocorre a conversa, assim como as palavras especiais que se dizem às quais as pessoas respondem (Bogdan & Biklen, 1994). Participantes

Participaram nesta investigação 16 crianças, com idades compreendidas entre os seis e os nove anos de idade, quatro crianças com cancro (três rapazes e uma rapariga) e 12 sem experiência de doença oncológica (seis rapazes e seis raparigas, selecionados dois de cada sexo para cada idade das crianças com cancro seis, oito e nove anos).

Como critérios de participação no estudo, em ambos os grupos, foi necessário que as crianças estivessem física e mentalmente capazes de compreender a tarefa e assim tornar exequível a sua participação na mesma. De salientar ainda que, relativamente às crianças com cancro era critério de inclusão, no estudo, o facto de se encontrarem, à data da recolha, a realizar tratamento ou terem sido submetidas a alguma cirurgia e, por fim, terem entre seis e 10 anos de idade.

A avaliação, no que concerne ao grupo das crianças com cancro decorreu num Hospital Pediátrico Integrado da zona Norte, ao passo que, a relativa às crianças sem doença realizou-se numa escola básica da mesma zona do país.

Os diagnósticos oncológicos das quatro crianças avaliadas são: neuroblastoma, glioblastoma, tumor medular na cervical e um glioma do quiasmo ótico. Apenas uma tinha sido submetida a radioterapia, três tinham feito quimioterapia e todas tinham sido sujeitas a uma intervenção cirúrgica (ver Tabela 1).

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Das quatro crianças com experiência de doença oncológica, uma nunca tinha frequentado a escola (embora tivesse oito anos), uma vez que o diagnóstico oncológico aos quatro anos obrigou a que o seu quotidiano intercalasse entre a sua casa e o hospital. No momento da avaliação, as restantes três crianças também tiveram o seu percurso escolar interrompido, devido ao surgimento da doença e dos consequentes tratamentos, exames e internamentos.

Tabela 1

Caracterização dos Participantes

Categorias Criança com Cancro

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Criança sem cancro (12) Sexo Feminino 1 6 Masculino 3 6 Idade 6 2 4 8 1 4 9 1 4 Diagnóstico Neuroblastoma 1 0 Glioblastoma 1 0

Tumor medular na cervical 1 0

Glioma do Quiasmo Ótico 1 0

Tratamento

Cirurgia 4 0

Quimioterapia 3 0

Radioterapia 1 0

Material

Teste do Desenho Livre- O desenho livre é definido como um importante meio de

comunicação da criança pelo qual é capaz de expressar e refletir as suas ideias, sentimentos, perceções e descobertas. Para as crianças o desenho é relevante, traduz-se no seu mundo e na forma de o transformar (Goldberg, Yunes, & Freitas, 2005).

Ao desenhar a criança expressa graficamente conteúdos associados às suas vivências emocionais face ao seu contexto social, revelando ainda o modo como lida com as suas capacidades e dificuldades (Rezende, Brito, Malta, Schall & Modena, 2009).

Assim, por esta razão, elegeu-se o desenho livre como método de recolha de dados, no sentido de aceder aos sentimentos, receios, pensamentos, emoções e preocupações da criança, segundo a análise de Campos (1993).

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De uma forma geral, procurou-se compreender como se encontra a criança afetiva e emocionalmente no sentido de explorar tudo aquilo que projeta no desenho, e que poderá não conseguir expressar verbalmente. Pretende-se, concomitantemente, verificar se nessa reprodução espontânea há espaço para algumas questões relacionadas com o contexto de doença e com tudo o que lhe está associada (mudanças no quotidiano, tratamentos invasivos, limitações físicas, pessoais, familiares e sociais). Em suma, perceber se e de que forma, a doença invade o imaginário da criança.

Teste do Desenho da Figura Humana- O teste do desenho da Figura Humana de

Goodenough (1964) é uma prova não-verbal destinada a crianças dos cinco aos 12 anos de idade. Este instrumento avalia duas dimensões do funcionamento psíquico: a inteligência e a afetividade (Harris, 1963). Contudo, na presente pesquisa foi utilizado unicamente para avaliar a dimensão afetiva. Este mesmo autor acrescenta ainda que, o desenho da figura humana poderia ser compreendido como uma medida de “maturidade intelectual ou conceitual”, sendo que a criança ao desenhar a figura humana, expressa o seu conceito de corpo humano e a sua compreensão das características fundamentais que compõem o mesmo (Harris, 1963). Segundo Hutz e Bandeira (2000), o Desenho da Figura Humana é percebido como a reprodução gráfica da autoimagem das crianças que projetam, no desenho, as suas próprias identificações e conflitos (Hutz & Bandeira, 2000). Este teste caracteriza-se por ser um teste projetivo pertinente, em situações em que os indivíduos não consigam expressar verbalmente os seus pensamentos, sentimentos, quer por questões emocionais ou orgânicas, assumindo-se como um ótimo recurso para ser utilizado com crianças, revelando alguns dos aspetos da sua personalidade (Cardoso & Capitão, 2009).

Posteriormente, outras investigações acrescentaram dimensões relevantes para a sua compreensão do ponto de vista cognitivo e emocional. Num estudo, com obesos mórbidos, Santos, Peres e Benez (2002) verificaram através da aplicação do Teste do Desenho da Figura Humana, a presença de traços emocionais nos indivíduos avaliados (dificuldades em conter impulsos, imaturidade, passividade, dependência, insegurança, procura de satisfação no plano da fantasia que não conseguem na realidade, e uma perspetiva da imagem corporal pautada por sentimentos de inferioridade, insatisfação, baixa autoestima e retraimento) (Santos, Peres, & Benez, 2002). Arteche (2006), na sua investigação, com o recurso ao Teste do Desenho da Figura Humana, verificou diferenças entre as reproduções gráficas das crianças que manifestavam certos problemas emocionais, e as das crianças que não tinham problemas

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21

emocionais (Arteche, 2006). Desta forma, o Teste do Desenho da Figura Humana revela-se bastante pertinente na deteção e compreensão de aspetos emocionais nas crianças.

Nesta investigação a utilização deste teste reuniu o propósito de avaliar aspetos relacionados com o esquema corporal, a imagem corporal e a corporalidade. No sentido de compreender como a criança perceciona, sente e vive o seu corpo, constantemente a ser “usurpado”, “apropriado” por práticas médicas (exames e tratamentos) dolorosas e invasivas, enquanto trava a luta contra a doença.

Teste do Desenho da Família- O teste do desenho da Família é um teste projetivo da

personalidade que se destina a crianças a partir dos cinco/seis anos de idade. Tem como principal objetivo medir o estado afetivo da criança e a estruturação da personalidade, e, desta forma, permite compreender a representação que esta tem do seu contexto familiar (Font, 1978). Também, faculta informações relativamente à maturidade psicomotora, expressão da atividade imaginação e à formação do esquema corporal. A forma como a criança se coloca no seio da família permite ir ao encontro dos seus pensamentos e dificuldades (Corman, 1970).

Este teste designa-se de projetivo, principalmente como denunciador precoce de conflitos da criança, sendo que, por exemplo, se a criança se desenha em primeiro lugar, pode indicar presença de egocentrismo, contrariamente, se ela se desenhar em último, pode indicar cerceamento (Freitas & Cunha, 2000).

Este teste evidencia-se como uma técnica de grande interesse para tratar não só as atitudes face à relação com os pais e a fratria, como também face à estrutura familiar (Ortega, 1981). O Teste do Desenho da Família é compreendido como uma prática gráfica expressiva que possibilita avaliar o modo como a criança utiliza o espaço gráfico para representar a visão que tem do seu próprio corpo da dinâmica da sua família, num dado momento (Ortega, 1981).

A seleção do Teste do Desenho da Família teve como principal propósito avaliar o modo como a criança vive por dentro as alterações que a doença provoca na dinâmica familiar; quais são os elementos da família de que necessita de estar mais próxima para lhe transmitir confiança e segurança; e qual a perceção que a criança tem da sua família. Através deste teste procuramos, concomitantemente, perceber a interação e a dinâmica familiar, compreender os sentimentos e atitudes em relação a cada membro da família, o suporte social, conflitos intrapsíquicos da criança, assim como a sua maturação gráfica, emocional e relacional.

Permitindo ainda investigar se, dada a necessidade de apoio emocional de outras pessoas, a criança representa outras figuras significativas de suporte dentro da “moldura familiar”.

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22 Procedimentos

No sentido de tornar possível a realização da investigação, foi crucial fazer, previamente, uma vasta pesquisa teórica de referência no sentido de fundamentar a relevância do tema pretendido para o estudo. Assim, realizou-se uma revisão de literatura no sentido de perceber quais as variáveis em que o estudo se iria focar tendo em conta as investigações que abordavam o tema oncologia pediátrica. Esta revisão pautou-se pelo recurso a repositórios universitários, artigos, livros, jornais científicos e em bases de dados (Pepsic, Oxford, ACS, WHO, Redalyc, Dialnet, entre outros) bem como de outras fontes e procedeu-se, desta forma, à elaboração do enquadramento teórico da temática, como também, à definição do desenho do estudo.

De seguida, efetuou-se a escolha dos instrumentos de avaliação, devidamente adaptados à população portuguesa e que avaliavam, de forma mais adequada, as dimensões pretendidas. Posto isto, selecionou-se as instituições onde se incidiram as recolhas dos dados e procedeu-se à realização dos respetivos pedidos de autorização: primeiro ao diretor do Serviço de Pediatria do Hospital da zona norte do país e depois ao diretor do Concelho Diretivo da escola básica da mesma zona.

Após a obtenção de ambas as autorizações institucionais, iniciou-se a recolha dos dados, primeiro com as crianças com cancro, no Hospital e posteriormente, com as crianças sem experiência de doença, na escola. Cada criança participou, de forma voluntária, segundo autorização dos respetivos progenitores depois de ter sido explicado, autorizado e assinado o consentimento informado, o que lhes possibilitou, conscientemente, decidir relativamente à participação do seu filho/a, ou não, nesta investigação.

A avaliação consistiu em três momentos distintos: (1) foi pedido à criança um desenho livre; (2) solicitou-se de seguida a elaboração de uma pessoa que conhecesse, do mesmo sexo que o seu (rapariga uma menina e rapaz um menino); (3) foi requerido à criança que representasse graficamente uma família que conhecesse.

As crianças com cancro, em média demoraram cerca de 25 minutos a responder à bateria de testes grafopercetivos ao passo que as crianças sem experiência de doença levaram, em média, entre 45 minutos a completar a mesma bateria de testes.

Técnica de Aplicação

De forma a zelar e preservar pelo bem-estar de cada criança, tentou-se, primordialmente, garantir o maior conforto, segurança e descontração na abordagem com cada uma delas,

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assegurando-se que se sentiam capazes e com todas as condições necessárias à realização da atividade proposta.

A recolha de dados ocorreu de forma individual e sem qualquer limite de duração de tempo, tendo assim, cada uma, o tempo que precisasse e quisesse dedicar a cada tarefa.

No que concerne às crianças com cancro, a colheita realizou-se na sala lúdica do hospital de dia, com exceção de uma criança que ocorreu no quarto de tratamentos, uma vez que os tratamentos exigiam isolamento. Relativamente às crianças sem cancro, a aplicação dos desenhos decorreu numa sala desocupada facultada pela escola, ampla e com boa luminosidade.

Foram disponibilizados a cada criança: três folhas brancas em tamanho A4; um lápis de carvão para dois dos desenhos: o desenho da Figura Humana e o desenho da Família; e 12 lápis de cor para o desenho livre, tal como referido nos testes. Existia ainda uma borracha para o caso de a criança a solicitar.

Técnica de Avaliação

Depois de toda a recolha de dados, procedeu-se à analise e interpretação dos mesmos. A avaliação e interpretação dos desenhos foi realizada e discutida por duas cotadoras em paralelo.

Inicialmente, fez-se uma análise detalhada de cada desenho para ambos os grupos: com e sem doença oncológica.

No desenho livre segundo Campos (1993), procurou-se perceber aspetos relacionados com a localização do desenho na página, com o tamanho das figuras, com as cores utilizadas, temas abordados e presença ou não de simetria.

No desenho da figura humana, recorreu-se paralelamente ao desenho da Figura Humana de Goodenought (1964) e ao desenho da figura humana do teste House- Tree-Person, (HTP) de Buck (2003), onde se procurou avaliar aspetos da corporalidade e da imagem corporal, como ausências de partes do corpo, e ainda a localização na página, o tamanho da figura, presença ou não de sombras e rasuras e se tinham simetria ou não.

No desenho da família, avaliou-se a localização na página, o tamanho das figuras, a presença ou não de sombras, a distância entre as figuras. Teve-se ainda atenção ao facto de se a família estava feliz e que família desenhou, segundo um breve questionário realizado depois de cada desenho.

Após a análise de cada desenho individualmente, elaborou-se uma síntese para cada grupo (os desenhos das crianças com cancro e os desenhos das crianças sem cancro) consoante cada teste. De seguida, procurou-se fazer um sumário de cada teste, comparando as crianças

(44)

24

com cancro e as crianças sem experiência de doença, de forma a facilitar a compreensão e interpretação dos desenhos dos dois grupos e assim consolidar, de forma mais precisa, quais as diferenças e quais os aspetos em comum encontrados nos dois grupos.

Resultados Análise das Fases do desenho na criança

No sentido de avaliar e perceber se existem diferenças ao nível da fase de maturação e desenvolvimento do grafismo nas crianças com e sem cancro, a análise e interpretação dos desenhos baseou-se na comparação das caraterísticas dos desenhos das crianças de ambos os grupos.

Considerando as fases do desenho descritas por Luquet (1927) (realismo fortuito, realismo falhado, realismo intelectual e realismo visual) e tendo em conta a idade cronológica dos participantes (entre seis e nove anos), seria espectável que todos se encontrassem na fase do desenho designada de realismo intelectual. A fase do realismo intelectual ocorre por volta dos quatro anos e estende-se até aos 10 anos de idade. Nesta fase, a criança não desenha somente o que observa do objeto como também o que conhece e sabe sobre o mesmo, a criança utiliza distintos processos: a transparência (presença de elementos que poderiam não estar visíveis); a planificação (representação do objeto visto de cima, em forma de planta); o rebatimento (quando algum objeto surge de forma rebatida como se ficassem Figura 1- Desenho da Figura Humana das

Crianças com cancro

Figura 2- Desenho da Figura Humana das crianças sem cancro

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ligados por um eixo) (Luquet, 1927; Lopes, 2014). Ainda nesta fase, a criança já consegue expressar todos os princípios da realidade, pois a componente intelectual vai para além do concreto, ou seja, que podem ser observados por ela ou não. Mesmo aquilo que a criança não vê, mas sabe que existe, ela representa todos os elementos reais, tudo aquilo que já está internalizado nela (Bombonato & Farago, 2016).

Todavia, isso não se verificou, uma vez que os desenhos das quatro crianças com cancro (ver Figura 1), apresentavam caraterísticas de desproporção entre os diversos elementos do desenho, evidenciaram-se ausências de simetria em determinadas partes e ainda ausências de importantes constituintes do corpo como por exemplo, mãos, dedos, pescoço, cabelo, encontrando-se, deste modo, na fase do realismo falhado (ver tabela 2). A fase do realismo falhado acontece entre os três e quatro anos de idade, nesta fase a criança tenta representar o objeto na sua totalidade, mas falha, procura desenhar tudo o que sabe que o objeto tem mas não consegue. Isto acontece devido a dois obstáculos, o de ordem física (motora), quando a criança ainda não atingiu totalmente o controlo dos seus movimentos gráficos; e o de ordem psíquica, relacionada com o caráter limitado e interrompido da atenção infantil (Luquet, 1927; Lopes, 2014).

Comparativamente com os desenhos das crianças com cancro, os desenhos das 12 crianças sem cancro (ver Figura 2), sete encontravam-se na fase esperada para a faixa etária, realismo intelectual, três encontravam-se na fase do realismo falhado, e dois encontravam-se na fase do realismo visual (ver Tabela 2). O realismo visual, surge por volta dos 12 anos, e carateriza-se pela altura em que surge o fim do desenho infantil. É uma fase marcada pela descoberta da expressão de desenhos segundo leis e convenções, uma vez que a criança começa a exprimir-se com uma maior influência do meio, procurando alcançar a perfeição da linguagem gráfica do objeto real. Nesta fase a criança sente-se quase como um adulto, pois já atingiu o controlo das competências e técnicas para o desenho (Luquet, 1927; Lopes, 2014).

Tabela 2

Fases do desenho na criança

Fase do desenho Crianças com cancro (4)

Crianças sem cancro (12)

Realismo Fortuito 0 0

Realismo Falhado 4 3

Realismo Intelectual 0 7

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26 Análise do Teste do Desenho Livre

Com o objetivo de compreender como a criança se encontra afetiva e emocionalmente, explorar tudo aquilo que representa no desenho e aceder aos seus sentimentos, receios, pensamentos, emoções e preocupações, comparamos os desenhos livres das crianças com cancro (ver Figura 3) com os das crianças sem cancro (ver Figura 4).

Relativamente à localização na folha, não se verificam grandes diferenças entre os dois grupos. Das quatro crianças com cancro, três desenharam na folha toda e apenas um desenho desvaloriza a zona inferior. Comparativamente, as 12 crianças sem cancro, 11 desenharam na folha toda, e apenas um na zona inferior da folha.

Quanto ao tamanho do desenho, também não se verificaram disparidades entre as crianças com e sem cancro. Dos desenhos das quatro crianças com cancro, três são normais e um é considerado pequeno, já dos desenhos das 12 crianças sem cancro, todos são normais.

No que diz respeito à simetria presente nos desenhos, observam-se algumas diferenças nos dois grupos. Das quatro crianças com cancro, três desenhos apresentam simetria nos elementos da representação, no entanto, um desenho não tem simetria, ao passo que, nos desenhos das 12 crianças sem cancro, todos os desenhos manifestam a existência de simetria nos seus elementos.

Imagem

Figura 2- Desenho da Figura Humana das  crianças sem cancro
Figura 3- Desenho Livre das crianças com cancro Figura 4- Desenho Livre das crianças sem cancro
Figura 6 -  Desenhos de uma Família das  crianças sem cancro

Referências

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