Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Funcionalidades avançadas de controlo de
potência para melhoria da segurança de operação
de micro-redes nos momentos subsequentes ao
isolamento
João Paulo da Costa Seia Moreira
Dissertação realizada no âmbito do
Mestrado Integrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores
Major de Energia
Orientador: Prof. Doutor Carlos Coelho Leal Monteiro Moreira
Coorientadora: Doutoranda Clara Sofia Teixeira Gouveia
Resumo
Uma Micro-rede (MR) consiste numa rede de distribuição em Baixa Tensão (BT), onde se encontram ligados sistemas de produção de energia elétrica em pequena escala, denominados na literatura como Micro-fontes (MF) ou Microgeração (MG), dispositivos de armazenamento de energia, e cargas dotadas de capacidades de controlo e de deslastre. Além destes sistemas, inclui-se também no conceito de Micro-rede toda a arquitetura de gestão e de controlo, apoiada por toda uma infraestrutura de comunicação.
A principal funcionalidade que distingue as Micro-redes de outros sistemas de energia elétrica semelhantes é a sua capacidade de passar a funcionar isoladamente da restante rede a montante. Perante a ocorrência de uma falha na rede de distribuição em Média Tensão (MT) a que se encontra ligada, ou caso seja necessário tirar a interligação de serviço por motivos de manutenção, a Micro-rede é capaz de se isolar, passando a operar como um sistema isolado, tal como acontece nas ilhas físicas.
A transição para modo isolado possui algumas implicações para o funcionamento da Micro-rede. Em cenários em que esta esteja a importar potência da rede a montante antes do isolamento, a passagem para operação em modo isolado não só provoca um transitório na rede, como também pode provocar a perda do balanço de potência e de energia entre as Micro-fontes e as cargas.
A solução mais eficaz para corrigir esta perda de balanço é o deslastre de carga dentro da Micro-rede. Este corte de carga garante que as Micro-fontes Controláveis (MFC) têm capacidade de resposta para suportar a carga previamente alimentada pela rede MT, possibilitando assim um balanço de energia durante a duração do transitório entre as cargas, a Microgeração Controlável e os sistemas de armazenamento de energia.
Para garantir que é feito do deslastre de carga mínimo necessário para o bom funcionamento da Micro-rede durante o transitório de isolamento, são necessárias ferramentas computacionais capazes de prever o comportamento dinâmico da rede e dos seus componentes. No entanto, as principais ferramentas com este objetivo são computacionalmente pesadas, pois requerem simulações dinâmicas difíceis de realizar em equipamentos de controlo e gestão da rede, inviabilizando a sua aplicação.
É objetivo desta tese apresentar uma abordagem simplificada ao problema que é a determinação do corte de carga mínimo, recorrendo a modelos algébricos simplificados, inspirados nas respostas dinâmicas dos componentes da Micro-rede, capaz de ser implementado em dispositivos de controlo dotados de gestão em tempo real.
Abstract
A Micro-grid is a Low Voltage distribution network, to which are connected small scale electricity generation systems, commonly known as Micro-sources or Micro-generation, energy storage devices and loads endowed with monitoring and load shedding capabilities, as well as all the control and management architecture, supported by an communication infrastructure.
The main feature that separates Micro-grids from similar electric power systems is their ability to function as an isolated network, separated from the upstream network. With the occurrence of a failure in the Medium Voltage distribution network to which is connected, or if becomes necessary to disconnect the link between both networks for maintenance reasons, the Micro-grid is able to isolate itself, operating as an isolated system, similar to what happens in physical islands.
The transition to isolated mode has some implications regarding the operation of the Micro-grid. In scenarios where the Micro-grid is importing power from the upstream network before the isolation, the transition between operational modes not only causes a transient in the network, but can also provoke the loss of power and energy balance between the Micro- sources and loads.
The most effective solution to correct this balance is with load shedding actions in the Micro-grid. This load shedding ensures that the Controllable Micro-sources have the capacity to support the load that was previously supplied by the MV network, guarantying an energy balance during the transient period between the loads, the Controllable Micro-sources and the energy storage systems.
To ensure that the minimum load shedding necessary that guaranties the Micro-grid proper operation during the transient isolation is implemented, computational tools are needed to predict the dynamic behaviour of the network and its components. However, the main tools for this purpose are computationally heavy, since they require dynamic simulations difficult to implement in typical control and management equipment, which making its implementation impractical.
The objective of this thesis is to present a simplified approach to the determination of the minimum load shedding problem, using simplified algebraic models, inspired by the dynamic responses of the Micro-grids components, able to be implemented in real time control and management devices.
Agradecimentos
Com os melhores agradecimentos ao Prof. Carlos Moreira e à Eng.ª Clara Gouveia, que me apoiaram durante a realização desta dissertação.
Aos meus colegas e amigos, que me ajudaram durante toda esta jornada.
Aos meus pais, João Figueiredo e Isabel Costa, e à minha irmã, Joana Moreira, por tudo o que fizeram por mim.
Índice
Resumo ... III
Abstract ... V
Agradecimentos ... VII
Índice ... IX
Lista de figuras ... XII
Lista de tabelas ... XIV
Lista de abreviações ... XVI
Capítulo 1 Introdução ... 1
1.1
Motivação da tese ... 1
1.2
Objetivos desta tese ... 5
1.3
Estrutura da tese ... 7
Capítulo 2 O paradigma da Geração Distribuída e de Micro-‐redes ... 9
2.1
Introdução ... 9
2.2
Conceito de Geração Distribuída ... 11
2.2.1
A mudança de paradigma no SEE ... 13
2.2.2
Geração Distribuída e a Formação de Micro-‐redes Autónomas e Não-‐
Autónomas ... 14
2.3
Principais tipos de tecnologias de Microgeração Distribuída ... 15
2.3.1
Pilhas de combustível ... 16
2.3.1.1
Sistemas de pilhas de combustível ... 17
2.3.2
Microturbinas ... 19
2.3.2.1
Características e aplicações de microturbinas ... 19
2.3.2.2
Tipos de microturbinas ... 21
2.3.3
Painéis Fotovoltaicos ... 21
2.3.3.1
Princípios de funcionamento ... 21
2.3.3.2
Módulos fotovoltaicos ... 22
2.3.4
Turbinas eólicas de pequenas dimensão ... 22
2.3.5
Sistemas de armazenamento ... 22
2.3.5.1
Baterias ... 23
2.3.5.2
Volantes de inércia, flywheels ... 25
2.3.5.3
Supercondutores de armazenamento de energia magnética ... 26
2.4.1
Definição de Micro-‐rede ... 28
2.4.2
Arquitetura de controlo ... 28
2.4.3
Operação em modo de emergência ... 29
2.4.3.1
Single Master Operation, SMO ... 31
2.4.3.2
Multi master operation, MMO ... 32
2.4.3.3
Controlo secundário potência ativa-‐frequência ... 33
2.5
Sumário e Conclusões ... 34
Capítulo 3 Simulação numérica da Micro-‐rede ... 35
3.1
Introdução ... 35
3.2
Mecanismo de simulação dinâmica da Micro-‐rede ... 35
3.3
Modelos dinâmicos dos componentes da Micro-‐rede ... 37
3.3.1
Micro-‐fontes ... 37
3.3.1.1
Pilhas de combustível de óxido sólido (SOFC) ... 38
3.3.1.2
Microturbinas de veio único (SSMT) ... 41
3.3.1.2.1
Controlo de potência ativa ... 42
3.3.1.2.2
Motor da microturbina ... 42
3.3.1.2.3
Gerador síncrono de imanes permanentes ... 42
3.3.1.2.4
Conversor do lado da máquina ... 44
3.3.1.3
Painéis fotovoltaicos ... 44
3.3.1.3.1
Sistemas fotovoltaicos com MPPT ... 45
3.3.1.4
Microturbina eólica ... 46
3.3.1.4.1
Turbina eólica ... 46
3.3.1.4.2
Gerador de indução com rotor em gaiola de esquilo ... 47
3.3.2
Sistemas de armazenamento ... 48
3.3.3
Inversores ... 48
3.3.3.1
Inversor com controlo PQ ... 49
3.3.3.2
Inversor VSI ... 50
3.3.4
Rede elétrica e cargas ... 51
3.4
Sumário e conclusões ... 51
Capítulo 4 Balanço de energia da Micro-‐rede em modo isolado ... 53
4.1
Introdução ... 53
4.2
Sistema de teste ... 54
4.2.1
Estrutura da Micro-‐Rede implementada ... 54
4.2.2
Simplificações adotadas ... 55
4.3
Comportamento da Micro-‐rede nos momentos subsequentes ao isolamento ... 56
4.4
Metodologia de deslastre de carga inteligente de carga ... 63
4.4.1
Modelos aproximados das respostas transitórias das Micro-‐fontes Controláveis
(MFC)
63
4.4.1.1
Metodologia adotada ... 63
4.4.1.2
Modelos aproximados ... 65
4.4.1.2.1
Modelo aproximado da resposta da SSMT ... 65
4.4.2
Modelo iterativo de determinação do corte de carga mínimo após o
isolamento da Micro-‐rede ... 74
4.4.2.1
Principais fatores relacionados com o corte de carga ... 74
4.4.2.2
Modelo iterativo ... 75
4.5
Sumário e conclusões ... 79
Capítulo 5 Resultados obtidos da implementação do método interativo no
modelo da Micro-‐rede ... 80
5.1
Introdução ... 80
5.2
Metodologia adotada nos testes ... 80
5.3
Resultados finais ... 82
5.3.1
Cenário 1 ... 82
5.3.2
Cenário 2 ... 84
5.3.3
Cenário 3 ... 86
5.4
Conclusões ... 88
Capítulo 6 Conclusão ... 90
6.1
Principais contribuições desta dissertação ... 90
6.2
Sugestões para trabalho futuro ... 91
Referências Bibliográficas ... 92
Anexo A – Capítulo 3 ... 96
Anexo B – Capítulo 5 ... 98
Figura 2-‐1 -‐ Estrutura convencional do Sistema Elétrico de Energia (SEE) [10] ... 10
Figura 2-‐2 -‐ Integração de GD no SEE [10] ... 13
Figura 2-‐3 -‐ Geração distribuída e a formação de Micro-‐redes [10] ... 15
Figura 2-‐4 -‐ Constituição básica de um sistema de pilha de combustível [25] ... 18
Figura 2-‐5 -‐ Sistema de uma pilha de combustível [28] ... 19
Figura 2-‐6 -‐ Sistema de uma microturbina [29] ... 19
Figura 2-‐7 -‐ Estrutura de uma bateria [33] ... 24
Figura 2-‐8 -‐ Sistema de armazenamento de energia de uma flywheel [35] ... 25
Figura 2-‐9 -‐ Arquitetura de controlo de uma MR ... 28
Figura 2-‐10 -‐ Arquitetura de uma MR, incluindo MF, cargas e dispositivos de controlo [36] ... 29
Figura 2-‐11 -‐ Esquema de controlo de uma operação SMO [36] ... 31
Figura 2-‐12 -‐ Esquema de controlo de uma operação MMO [36] ... 33
Figura 3-‐1 -‐ Representação do barramento interno e do filtro de acoplamento do inversor ... 36
Figura 3-‐2 – Aplicação das soluções das equações diferenciais das MF para atualização do modelo da rede [10] ... 37
Figura 3-‐3 -‐ Diagrama de blocos de uma MF com inversor [10] ... 38
Figura 3-‐4 -‐ Diagrama de blocos do modelo dinâmico da SOFC [10] ... 40
Figura 3-‐5 -‐ Diagrama de blocos do sistema de controlo da SSMT [10] ... 41
Figura 3-‐6 -‐ Controlo de potência ativa da microturbina [10] ... 42
Figura 3-‐7 -‐ Modelo dinâmico do motor da microturbina [10] ... 42
Figura 3-‐8 -‐ Diagrama de blocos do controlo do conversor do lado da máquina [10] ... 44
Figura 3-‐9 -‐ Configuração de um sistema fotovoltaico com MPPT [31] ... 45
Figura 3-‐10 -‐ Diagrama de blocos do modelo de controlo do inversor PQ [36] ... 49
Figura 3-‐11 -‐ Diagrama de blocos genérico do controlo VSI [36] ... 50
Figura 3-‐12 -‐ Modelo completo de controlo do VSI [10] ... 51
Figura 4-‐1 -‐ Estrutura da MR implementada no sistema de teste [10] ... 55
Figura 4-‐1 -‐ Variação de frequência durante o isolamento da MR ... 59
Figura 4-‐2 -‐ Injeção de potência ativa pelo sistema de armazenamento ... 60
Figura 4-‐3 -‐ Injeção de energia pelo sistema de armazenamento ... 61
Figura 4-‐4 -‐ Modelo de simulação isolado da SSMT ... 64
Figura 4-‐5 -‐ Modelo de simulação isolado da SOFC ... 65
Figura 4-‐6 -‐ Resposta do modelo isolado da SSMT face a uma variação de potência requisitada ... 66
Figura 4-‐7 -‐ Comparação da resposta de potência da SSMT para diferentes cenários ... 67
Figura 4-‐10 -‐ Comparação da resposta do modelo isolado da SOFC para diferentes variações de potência
requisitada ... 71
Figura 4-‐11 -‐ Fluxograma do modelo iterativo de determinação do deslastre mínimo de carga ... 78
Figura 5-‐2 -‐ Comportamento da frequência na MR durante o isolamento no Cenário 1 ... 83
Figura 5-‐3 -‐ Comportamento da injeção de energia pelo sistema de armazenamento no Cenário 1 ... 83
Figura 5-‐4 -‐ Comportamento da frequência na MR durante o isolamento no Cenário 2 ... 85
Figura 5-‐5 -‐ Comportamento da injeção de energia pelo sistema de armazenamento no Cenário 2 ... 85
Figura 5-‐6 -‐ Comportamento da frequência da MR durante o isolamento no Cenário 3 ... 87
Figura 5-‐7 -‐ Comportamento da injeção de potência pelo sistema de armazenamento no Cenário 3 .... 87
Figura B -‐ 1 -‐ Respostas de potência do sistema de armazenamento e das MFC, com corte de carga, para o Cenário 1 (Secção 5.3.1) ... 98
Figura B -‐ 2 -‐ Resposta de potência do sistema de armazenamento e das MFC no Cenário 2 (Secção 5.3.2) ... 100
Figura B -‐ 3 -‐ Resposta de potência do sistema de armazenamento e das MFC no Cenário 3 (Secção 5.3.3) ... 102
Tabela 4-‐1 -‐ Cenário de apresentação do problema ... 57
Tabela 4-‐2 -‐ Cenários de teste da resposta dinâmica das SSMT ... 64
Tabela 4-‐3 -‐ Cenários de teste da resposta dinâmica das SOFC ... 65
Tabela 4-‐4 -‐ Cenários de teste para validação dos modelos aproximados ... 73
Tabela 4-‐5 -‐ Comparação dos resultados obtidos a partir do modelo isolado e do modelo aproximado da SSMT ... 73
Tabela 4-‐6 -‐ Comparação dos resultados obtidos a partir do modelo isolado e do modelo aproximado da SOFC ... 74
Tabela 5-‐1 -‐ Características dos cenários de teste ... 81
Tabela 5-‐2 -‐ Resultados obtidos do modelo iterativo no Cenário 1 ... 82
Tabela 5-‐3 -‐ Resultados obtidos do modelo iterativo no Cenário 2 ... 84
Tabela 5-‐4 -‐ Resultados obtidos do modelo iterativo no Cenário 3 ... 86
Tabela A -‐ 1 -‐ Valores de resistência e indutância das linhas existentes na Micro-‐rede do sistema de testes (Secção 3.3.4) ... 96
Tabela B -‐ 1 -‐ Aplicação do método iterativo de determinação de deslastre de carga, no Cenário 2 (Secção 5.3.1) ... 99
Tabela B -‐ 2 -‐ Aplicação do método iterativo de determinação de deslastre de carga no Cenário 2 (Secção 3.3.2) ... 101
Tabela B -‐ 3 -‐ Aplicação do método iterativo de determinação de deslastre de carga no Cenário 3 (Secção 5.3.3) ... 103
AFC Alkaline Fuel Cells
AT Alta Tensão
BOP Balance of Plant
BT Baixa Tensão
CERTS Consortium for Electric Reliability Technology Solutions
CHP Combined Heat and Power
CIRED International Conference and Exhibition on Electricity Distribution
DER Distributed Energy Resources
DMFC Direct Methanol Fuel Cells
DMS Distributed Management Systems
DNO Distribution Network Operator
DNO Distributed Network Operator
GAST Gas Turbine
GD Geração Distribuída
GHG Green House Gases
MAT Muito Alta Tensão MC Microsource Controller
MCFC Molten Carbonate Fuel Cells
MF Micro-Fontes
MFC Micro-fonte Controlável
MG Microgeração
MGCC Microgrid Central Controller
MMO Multi master operation
MPPT Maximum Power Point Trackers
MR Micro-rede
MT Média Tensão
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico PAFC Phosphoric Acid Fuel Cells
PD Produção Dispersa
PEMFC Proton Exchange Membrane Fuel Cells
PI Proporcional-Integral
PMSG Permanent-magnet synchronous generator
RES Renewable Energy Sources
SEE Sistema Elétrico de Energia
SMES Superconducting magnetic energy storage
SPFC Solid Polymer Fuel Cells
SSMT Singleshaft Microturbines
STC Standard Test Conditions
UPS Uninterruptible Power Supply
Capítulo 1
Introdução
1.1 Motivação da tese
O paradigma atual do Sistema de Produção Elétrica, existente à aproximadamente 50 anos, baseia-se na geração centralizada de energia em centros produtores de grande escala (centrais hídricas com albufeiras de grande capacidade, centrais alimentadas por combustíveis fósseis e/ou centrais nucleares), sendo essa energia posteriormente transmitida até ao consumidor final através de uma extensa rede elétrica de transporte e distribuição. Embora o número de países a apostarem na implementação de sistemas baseados em energias renováveis (por exemplo, grandes parques eólicos) tenha vindo a aumentar, a geração de energia elétrica é ainda fortemente dependente de combustíveis fósseis e/ou nucleares. Segundo o International Energy Outlook 2011, relatório anual com as previsões futuras a nível energético realizado pela U.S. Energy Information Administration, admitindo que as atuais políticas energéticas se mantêm inalteradas durante os próximos anos, prevê um crescimento de 53% no total de energia transacionada e consumida. O uso total de energia aumentará de 505 quatriliões de BTU (British Thermal Units1) em 2008 para 619 quatriliões de BTU em 2020 e 770 quatriliões de BTU em 2035. A maior parcela deste crescimento vai se verificar nos países não pertencentes à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), onde a procura energética é potencializada pelo forte crescimento económico a longo prazo. A nível de geração de energia elétrica, é previsto um crescimento de 84%, de 19,1 triliões de kWh (quilowatt hora) em 2008 para 25,5 triliões de kWh em 2020 e 35,2 triliões de kWh em 2035. Embora estes valores tenham sido afetados pela recessão económica que se verificou no período de 2008-2009, que provocou um abrandamento do crescimento da utilização de energia elétrica e uma diminuição nos consumos de eletricidade que ainda hoje se verifica, em 2010 a procura voltou sobretudo graças a fortes crescimentos em países fora da OCDE. Comparando os dois lados envolvidos, os países pertencentes à OCDE, onde os mercados elétricos estão devidamente estabelecidos e os padrões de consumo estão bem definidos, o crescimento do consumo de energia elétrica é mais lento do que aquele que se verifica nos países fora da OCDE, onde grande parcela da potencial procura continua insatisfeita. Referindo alguns valores, o International Energy Outlook 2011 prevê um crescimento médio da geração de energia elétrica nos países fora da OCDE de cerca de
4,0%/ano, enquanto que nos países pertencentes à OCDE este crescimento médio previsto será de 1,2%/ano, no período entre 2008 e 2035 [1].
No caso da União Europeia (UE), as necessidades de energia são sobretudo fornecidas graças a fontes de combustíveis fósseis cada vez mais escassas, que são sobretudo importadas para a UE. Com o crescimento contínuo da procura de energia, esta dependência externa pode aumentar de 50 a 70% em 25 anos, ou menos [2].
Embora a energia seja um fator importante não só para o bem estar das populações como também para a prosperidade das empresas e economias, as emissões relacionadas com a energia representam quase 80% das emissões totais de gases com efeito de estufa da UE, o que coloca em causa todo o atual paradigma energético. Com o objetivo de combater aspetos tais como a ineficiência energética, as alterações climáticas, a falta de sustentabilidade e de segurança, o Conselho Europeu aprovou em 2007 uma série de objetivos ambiciosos para 2020 que se focam nos seguintes objetivos [3]:
• Redução de 20% nas emissões de gases com efeitos de estufa; • Aumento da quota de energias renováveis para 20%;
• Melhoria de 20% na eficiência energética.
Deste modo, o desenvolvimento de tecnologias de Geração Distribuída (GD) ou Produção Dispersa (PD) e de tecnologias renováveis será a melhor solução para atingir estas metas. É de notar que as tecnologias de PD podem ou não ser baseadas em tecnologias renováveis, e como tal não devem ser confundidas com tecnologias renováveis [4].
A GD pode ser considerada como sendo “levar a produção até às cargas”, garantindo a produção de eletricidade com alta eficiência e baixos níveis de poluição. Ao contrário do que acontece com as grandes centrais produtoras, a GD pode ser instalada perto ou mesmo na própria instalação de consumo [5]. No entanto, de forma a atingir tais metas ambiciosas, as redes elétricas devem estar preparadas para a implementação e integração destas tecnologias a larga escala. A implementação de GD a uma grande escala vai alterar o paradigma de geração de energia de forma bastante significativa, passando de um sistema dominado pela geração centralizada para um sistema onde tecnologias mais limpas serão largamente utilizadas. No entanto, esta mudança de paradigma e a exploração apropriada das fontes de GD pode oferecer vantagens adicionais para os operadores de sistema, visto que contribui para [6]:
• Redução/adiamento de investimentos em redes de transporte e de distribuição;
• Redução das perdas nos sistemas de distribuição;
• Fornecimento de serviços de suporte à rede ou serviços auxiliares.
1.1 - Motivação da tese
interfaces de eletrónica de potência, passou a ser possível a ligação de fontes de GD com determinadas características nas redes de distribuição em Baixa Tensão (BT). Estas unidades, também denominadas de Micro-Fontes (MF), são normalmente modulares de pequenas dimensões, e apresentam potências elétricas não superiores a 100 kW. São normalmente acompanhadas por interfaces de eletrónica de potência que estabelecem a ligação entre a MF e a rede de distribuição, e utilizam tanto fontes de energias renováveis como também combustíveis fósseis em aplicações integradas em sistemas de cogeração (CHP – Combined
Heat and Power). As tecnologias de MF mais utilizadas são: microturbinas, pilhas de
combustível, sistemas fotovoltaicos de pequenas dimensões e micro-eólica, aliadas a sistemas de armazenamento de energia, tais como baterias, volantes de inércia (flywheels) e/ou supercondensadores [6].
No entanto, a aplicação indiscriminada de sistemas individuais de GD podem provocar mais problemas do que aqueles que pode resolver. Uma maneira mais eficaz de compreender o potencial destes sistemas é através da abordagem do sistema em que tanto a geração como as cargas associadas são vistas como um subsistema, ou uma “Micro-rede” (MR). Esta abordagem permite um controlo local da GD, reduzindo ou eliminando por completo a necessidade de uma gestão centralizada de cada MF. Durante perturbações, a geração e as cargas correspondentes podem-se separar do sistema de distribuição, isolando as cargas da MR da perturbação e mantendo assim elevados padrões de qualidade de serviço. O isolamento intencional da geração e da carga tem o potencial de fornecer uma maior fiabilidade local do que aquela que é fornecida pelo sistema de energia como um todo [7].
O maior desafio das MR é garantir uma operação estável durante falhas e diversas perturbações na rede. As transições de modo interligado para modo isolado provocam grandes diferenças entre a geração e as cargas, provocando um severo problema de controlo de frequência e de tensão. As tecnologias de armazenamento de energia, como tal, serão importantes componentes da MR, com a missão de garantir uma operação estável durante perturbações na rede. Deste modo, garantir estabilidade e qualidade de energia durante a operação em modo isolado requer estratégias de controlo sofisticadas que englobem tanto a geração com a procura [8].
Atualmente estão a decorrer inúmeras investigações nos vários aspetos das MR na Europa, Japão e nos EUA. Na Europa, o projeto Microgrids, com 14 parceiros oriundos de 7 países concluiu o seu trabalho no final de 2005, e obtendo diversas soluções técnicas inovadoras. Os principais objetivos deste projeto foram [8]:
• Aumentar a penetração de fontes de energias renováveis (RES – Renewable
Energy Sources) e outras MF de forma a contribuir para a redução das
emissões de gases de efeito de estufa;
• Estudar as principais questões relativas à operação de MR quando interligadas com a rede de distribuição e/ou em modo isolado no seguimento de falhas; • Definir, desenvolver e demonstrar estratégias de controlo que garantam uma
• Definir medidas apropriadas de proteção e ligação à terra que assegurem segurança e capacidade de deteção de falhas, isolamento e operação em modo isolado;
• Identificar as necessidades e desenvolver a infraestrutura de telecomunicação e protocolos de comunicação necessários;
• Determinar os benefícios económicos da operação da MR, propor métodos sistemáticos e ferramentas para quantificar esses benefícios e propor métodos regulatórios apropriados.
Nos EUA, o esforço de investigação, desenvolvimento e demonstração de Micro-redes tem vindo a ser cumprido dentro do Consortium for Electric Reliability Technology Solutions (CERTS), que foi estabelecido no ano de 1999 com o objetivo de explorar as implicações de tecnologias emergentes e influências económicas, regulatórias, institucionais e ambientais para a fiabilidade do sistema elétrico. Desde a sua criação, o possível crescimento da aplicação de GD foi reconhecida como um fator importante, e tem sido um aspeto fulcral na agenda deste projeto. No caso do Japão, atualmente o líder mundial a nível de projetos de demonstração de Micro-redes, governo definiu metas ambiciosas para o aumento da contribuição de fontes de energias renováveis, nomeadamente turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos, embora a alta variabilidade destas fontes possa degradar a o elevado índice de qualidade e fiabilidade do fornecimento de potência. Deste modo, o principal impulsionador dos projetos japoneses de pesquisa, desenvolvimento e demonstração tem vindo a ser a utilização de sistemas de armazenamento de energia com potencial de compensar a intermitência das fontes renováveis, comportando-se como cargas constantes [9].
A implementação de MR arrecada inúmeras vantagens, tanto para os operadores da rede de distribuição (DNO – Distribution Network Operator) como também para o consumidor final [8, 10]:
• A operação de MR é baseada em GD e RES que são caracterizadas pelas muito baixas emissões, que, combinadas com a redução das perdas na rede de distribuição, vai contribuir para uma drástica redução das emissões dos gases de efeito de estufa;
• Os sistemas de microturbinas e de pilhas de combustível instalados numa MR serão utilizados em aplicações CHP de alta eficiência. Explorar aplicações de RES e aplicações de CHP irá contribuir para a redução da dependência da importação de combustíveis fósseis, e assim aumentar a segurança da energia;
• MR possibilitam uma utilização mais abrangente de aplicações de CHP, o que se traduz no aumento da eficiência energética para níveis muito superiores aos que seriam possíveis com geração centralizada. MR irão permitir ao consumidor a possibilidade de ser comprador e vendedor de energia calorífica e elétrica. Esta flexibilidade poderá permitir o desenvolvimento de sistemas
1.1 - Motivação da tese
• A nível do consumidor, a separação entre a MR e a rede de distribuição em caso de perturbações externas, e permitir a sua operação em modo isolado pode aumentar dramaticamente os níveis de fiabilidade.
Ao contrário da política convencional de conectar unidades de GD nos sistemas de distribuição “fit and forget”, a MR encara as políticas de integração de GD com o objetivo de explorar os potenciais benefícios de uma forma controlada e coordenada. Como tal, GD de Baixa Tensão oferece a possibilidade de obter uma maior valorização dos recursos através da gestão de estratégias ativas aplicadas em sistemas com integração a grande escala de unidades de GD [10]. Como tal, os objetivos da investigação conduzida nesta área são o aumento da eficiência e fiabilidade das redes elétricas Europeias, transformando-as num serviço interativo, interligando consumidores aos operadores, e também a eliminação das barreiras técnicas que impedem a implementação em grande escala e integração eficaz de recursos energéticos distribuídos (DER – Distributed Energy Resources) [11].
1.2 Objetivos desta tese
A principal característica do conceito de MR é a sua capacidade de operarem em modo isolado, desligando-se da restante rede a montante. Também em modo interligado, mas sobretudo em modo isolado, a operação da MR deve assegurar em qualquer instante o balanço entre o fornecimento e o consumo de potência. Ao contrário de sistemas de energia elétrica convencionais, onde máquinas síncronas estão encarregues de garantir a estabilidade a nível de potência ativa/frequência, a MR é uma estrutura elétrica de muito baixa inércia, onde praticamente todas as tecnologias de geração necessitam de interfaces eletrónicas para o acoplamento com a rede. Outro aspeto que dificulta a garantia de estabilidade de potência e também de energia, sobretudo em modo isolado, é a resposta das unidades de GD controláveis. Estas unidades possuem elevados tempos de resposta, o que pode comprometer o balanço os instantes subsequentes ao isolamento da MR. De forma a solucionar este aspeto, são utilizados sistemas de armazenamento de energia com o objetivo de alimentar a rede durante esses instantes. Além desta solução, mecanismos de deslastre de carga não vital são utilizados para cenários em que tanto as unidades de geração como os dispositivos de armazenamento não são capazes de garantir o balanço de energia e potência na MR.
Em suma, embora o conceito de MR disponha de toda uma flexibilidade de que as redes de distribuição convencionais não possuem, nomeadamente a capacidade de funcionar em modo isolado, apoiando-se sobretudo na Microgeração (MG) instalada na própria MR e nas capacidades de controlo acrescidas que esta dispõe, é necessário ter em conta os seguintes aspetos:
• Grande porção da MG instalada numa MR baseia-se em RES, nomeadamente sistemas fotovoltaicos de pequenas dimensões e sistemas de micro-eólicas, que, além de serem de difícil previsão a nível de produção, são bastante voláteis, pelo que a sua variabilidade afeta significativamente a operação dos sistemas;
• Este fator leva a que, em funcionamento normal, seja bastante provável que a MR seja alimentada sobretudo pela rede de distribuição a montante, ou
seja, a produção dentro da MR raramente seja maior que a procura, levando a que esta injeta potência a montante;
• Se, por motivos de avaria ou qualquer outra ação coordenada, a MR tenha de passar a funcionar em modo isolado, as cargas a ela ligadas terão de ser alimentadas na sua totalidade pela MG instalada na MR, o que significa que a MG controlável existente, sobretudo os sistemas de pilhas de combustível e microturbinas, deverão ajustar a sua produção de forma a igualar a procura; • Devido às características de resposta destas tecnologias, o funcionamento da
MR necessita de ser complementado com sistemas de armazenamento de energia (baterias, flywheels e/ou supercondensadores);
• Caso estes sistemas não tenham energia armazenada suficiente para assegurar o funcionamento estável da MR em modo isolado, o procedimento a seguir poderá constituir no deslastre de carga não vital, que posteriormente será novamente ligada à rede assim que a produção por parte da MG seja assegurada.
Nos momentos subsequentes ao isolamento da MR, a perda de potência injetada por parte da rede de distribuição terá de ser compensado pela ação rápida de dispositivos de armazenamento de energia em cooperação com a gestão de MF com capacidade de controlo de produção (Micro-fontes Controláveis, MFC), e com mecanismos de deslastre de carga nas situações mais severas. A questão que se põe, e que foi trabalhada durante a realização desta dissertação é que os mecanismos encarregues de gerir o deslastre de carga baseiam-se sobretudo em modelos dinâmicos completos da MR, capazes de prever o comportamento dinâmico da MR. Devido à complexidade destes modelos (pois englobam todos os modelos dinâmicos de todos os elementos constituintes da MR), estes são de difícil computação, sobretudo em dispositivos dotados de pouca capacidade computacional como aqueles que estarão encarregues da gestão e controlo centralizados da MR. Deste modo, o principal objetivo desta dissertação foi estudar a possibilidade de desenvolvimento de mecanismos de determinação de deslastre de carga mínimo baseados não em modelos dinâmicos das MR, mas sim em modelos aproximados e simplificados, capazes de reproduzir resultados muito próximos daqueles que seriam obtidos através dos modelos dinâmicos. Em suma, os objetivos desta dissertação são os seguintes:
• Caracterização do regime dinâmico de funcionamento da MR nos momentos subsequentes ao isolamento;
• Identificação de características de funcionamento da MR que, em situações severas, coloquem em causa a robustez e condições de operação da mesma, em rede isolada;
• Identificação e desenvolvimento de funcionalidades avançadas de controlo e de potência (envolvendo a carga e a produção), para garantir uma melhoria na segurança e funcionamento da MR nos instantes após o isolamento.
1.2 - Objetivos desta tese
Estas funcionalidades avançadas têm por objetivo serem implementadas no controlador central da MR, possibilitando assim uma gestão mais eficaz e local do mecanismo de deslastre de carga, podendo até operar em tempo real na estrutura de controlo da própria MR. O termo “tempo real” é aqui utilizado corresponde aos ciclos de funcionamento dos controlados existentes na MR, que executam várias funções, pelo que na verdade são monitorizações e avaliações periódicas do estado de funcionamento da MR.
1.3 Estrutura da tese
No Capítulo 2 é apresentado uma introdução ao conceito do paradigma de Geração Distribuída, incluindo os principais impulsionadores e as principais tecnologias envolvidas. É também apresentado nesse mesmo capítulo o conceito de Micro-rede, onde são abordadas a sua arquitetura de controlo e as estratégias de operação.
No Capítulo 3 são apresentados os modelos dinâmicos dos constituintes do modelo da Micro-rede utilizado no âmbito deste trabalho (tecnologias de Microgeração, sistemas de armazenamento de energia, inversores, rede elétrica e cargas).
No Capítulo 4 segue-se o desenvolvimento dos modelos aproximados e do modelo iterativo que permitirão determinar o deslastre de carga mínimo que deve ocorrer na Micro-rede após o isolamento. Os resultados obtidos da implementação destes modelos e a sua validação são apresentados no Capítulo 5
Para finalizar, o Capítulo 6 apresenta as conclusões a esta abordagem tiradas graças aos resultados apresentados no Capítulo 5.
Capítulo 2
O paradigma da Geração Distribuída e de
Micro-‐redes
2.1 Introdução
Nas últimas décadas, todas as etapas relacionadas com a estruturação do sistema elétrico em termos de áreas operacionais seguiam um a estrutura hierárquica (produção, transporte, e distribuição). A produção de energia elétrica é feita em grandes centrais, afastadas dos centros consumidores, ligadas a grandes sistemas de transmissão, que ligam estes sistemas produtores a subestações, mais próximos dos centros consumidores. Ai, a energia é transferida da rede de distribuição para os transformadores de distribuição. A partir desse ponto, linhas de Alta Tensão (AT) realizam a distribuição para subestações localizadas em grandes centros consumidores. Nestas subestações, dá-se um abaixamento do nível de tensão, para Média Tensão (MT), e a energia elétrica é daí transportada para zonas rurais e/ou urbanas através de linhas MT. Finalmente, dá-se mais um abaixamento de tensão nas subestações de distribuição, desta vez para Baixa Tensão (BT), e é distribuída para os consumidores mais pequenos. Este paradigma tradicional de produção e distribuição de energia elétrica pode ser visto na Figura 2-1 [10].
Figura 2-1 - Estrutura convencional do Sistema Elétrico de Energia (SEE) [10]
Este paradigma convencional, apresentado acima, tem algumas vantagens, entre as quais [12]:
• Maior Eficiência das grandes centrais produtoras; • Maior facilidade de operação e gestão;
• Maior simplicidade de operação a nível da distribuição.
No entanto, o paradigma convencional de sistemas de energia apresenta também algumas desvantagens, entre as quais [10, 12]:
• Grandes distância entre os centros produtores e os centros de consumo; • Impactos ambientais mais significativos;
• Fiabilidade do sistema facilmente comprometida;
Devido a estes problemas inerentes ao paradigma atual, têm-se vindo a procurar novas soluções que possam vir a melhorar o SEE. Uma das soluções que têm vindo a ganhar um grande número de apoiantes, sobretudo nos operadores de sistemas de distribuição, possíveis investidores e reguladores, apoiados por fortes pressões politicas resultantes de questões ambientais e do funcionamento do mercado liberalizado, é a da integração de centros produtores de energia diretamente na rede de distribuição, sistemas estes denominados de unidades de Geração Distribuída (GD). Nos últimos anos, vários Governos, incluindo o Governo Português, garantiam a promoção da integração de unidades de GD no sistema através de tarifas atrativas para os promotores desses investimentos, como forma de atingirem metas ambiciosas de redução de emissões de CO2 e de diversificação tos tipos de fontes de energia
2.1 - Introdução
atualmente, estas tarifas têm vindo a diminuir, reduzindo assim o interesse de possíveis investidores. No entanto, um dos principais aspetos de atratividade da GD continua a ser a possibilidade de tornar clientes em produtores em pequena escala, podendo-os integrar num mercado energético mais competitivo, onde a renumeração destes novos produtores seria feita em função dos benefícios que podem trazer ao sistema elétrico (redução de perdas, redução das emissões de CO2, participação em algumas reservas, etc.).
Graças aos recentes desenvolvimentos tecnológicos feitos nesta área, tem-se verificado uma maior integração e melhor aplicação de unidades de GD no sistema, que são utilizadas pelos consumidores finais para a produção de energia no local de consumo, com objetivos diversos tais como a produção de energia elétrica e de calor a partir de sistemas CHP, ou até mesmo para geração de energia caso exista alguma falha do fornecimento a partir da rede de distribuição. Serão apresentadas algumas destas tecnologias mais a frente.
No entanto, a integração de grandes quantidades de GD pode trazer diversos problemas para os sistemas de distribuição de energia. A alteração dos perfis de tensão, aumento das potências de curto-circuito e dos níveis de distorção harmónica, redução da estabilidade e segurança de operação são alguns dos problemas que devem ser estudados com detalhe, e serão abordados nesta tese mais a frente. É de notar que a integração de pequenas quantidades de GD instalada não provocam problemas graves. No entanto, com o crescimento da capacidade instalada da GD ao longo dos anos, estes problemas devem ser devidamente estudados pelas empresas de distribuição.
2.2 Conceito de Geração Distribuída
A Geração Distribuída (também conhecida como Geração Embebida ou Produção Dispersa) é um fenómeno em crescimento na indústria dos sistemas elétricos de energia. No entanto, ainda não possui uma definição universal e formal acordada. É geralmente acordado que qualquer tecnologia de produção de energia elétrica que se encontra interligada diretamente com a rede de distribuição representa uma tecnologia de Geração Distribuída [4]. A um nível mais detalhado da sua definição, realizou-se um questionário da CIRED (International
Conference and Exhibition on Electricy Distribution) no ano de 1999 [13], que concluiu que
alguns países definem GD com base no nível de tensão, enquanto que outros assumem que GD consiste nas fontes de produção ligadas a circuitos elétricos de onde as cargas de consumo são diretamente alimentadas. Outros países definem GD com base nas suas características particulares, tais como a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, cogeração ou planeamento e despacho não centralizados [13]. Na literatura podemos encontrar as seguintes definições de GD [14]:
• O Instituto de Investigação de Energia Elétrica (Electric Power Research
Institution) define GD como sendo a produção entre “alguns kW (quilowatts) até
50 kW”;
• O Instituto de Investigação do Gás (Gas Research Institution) define GD como tendo uma capacidade instalada “tipicamente entre 5 a 25 MW” [14, 15];
• Preston e Rastler definem a capacidade da GD como sendo “entre alguns kW até para lá de 100 MW” [16];
• Cardell define GD como sendo a geração “entre 500 kW e 1 MW” [17];
• A CIGRÉ, International Conference on Large High Voltage Eletric System, define GD como sendo “menor que 50-10 MW” [18].
Além destas definições, e devido aos diferentes regulamentos governamentais, a definição da dimensão de cada estação de produção distribuída varia entre países.
A existência de um grande número de definições permite, no entanto, um grande número de esquemas de geração possíveis. Algumas definições permitem até que grandes parques eólicos ligados à rede de transmissão possam ser definidos como GD, enquanto que outras definições focam-se apenas nas unidades de mais pequena dimensão, ligadas à rede de distribuição. No entanto, um dos critérios mais abordados em todas as definições de GD existentes é a geração de energia elétrica nos pontos de consumo, permitindo que instalações de grandes dimensões ligadas à rede de distribuição pertencentes aos próprios consumidores possam ser definidas como GD [10].
Tendo em conta estas definições, o paradigma atual de geração de energia, tal como foi apresentado na Figura 2-1, deve ser modificado de forma a considerar a integração destas unidades de GD, tal como é apresentado na Figura 2-2. É de notar que o principal impacto desta integração no paradigma atual do SEE é o aparecimento de unidades de produção em posições onde não era prevista a injeção de energia para o sistema, como por exemplo a rede de distribuição. Nestes casos, onde as redes foram preparadas para um trânsito de potência unidirecional, nomeadamente das subestações para os pontos de consumo, graças à presença das unidades de GD podem-se verificar trânsitos bidirecionais de energia.
No âmbito desta dissertação, admite-se que o conceito de GD abrange a produção de energia elétrica localizada nos pontos da rede de distribuição BT. Deste modo, vários tipos de tecnologias podem ser abordadas e consideradas, embora a sua dimensão seja apenas de algumas dezenas de kW, devido à incapacidade técnica da rede de distribuição BT poder receber injeções de potência muito elevadas. De tal modo, as unidades de GD que serão utilizadas ao longo desta dissertação serão referidas como unidades de Microgeração (MG), ou Micro-Fontes (MF), cujas características gerais serão apresentadas mais a frente.
2.2 - Conceito de Geração Distribuída
Figura 2-2 - Integração de GD no SEE [10]
2.2.1 A mudança de paradigma no SEE
Na secção anterior foi apresentada, de uma forma resumida, a integração de unidades de GD no SEE. Nos últimos anos tem-se vindo a verificar que cada vez mais a GD é considerada num contexto mais abrangente, incluindo a utilização de sistemas de armazenamento de energia e cargas sensíveis a determinados eventos e/ou controladas [19]. Este novo conceito te integração de GD no sistema elétrico é normalmente referida como Recursos Energéticos Distribuídos, ou como é descrito na literatura anglo-saxónica, Distributed Energy Recources (DER), e acredita-se que irá alterar por completo o portfólio das empresas do setor elétrico. Com a integração deste novo conceito, pretende-se que a flexibilidade das DER contribua para a melhoria da fiabilidade do sistema, aspeto que esteve sempre ressente na operação de redes elétricas. Nos últimos anos, a política de “fit and forget” [20], adotada para a integração de GD no sistema elétrico de uma forma puramente passiva, isto é, sem oferecer qualquer outro tido de serviços ao SEE, além de gerar energia de forma não regulada, criou sérios problemas, entre os quais limitar consideravelmente a quantidade de GD que pode ser conectada no futuro. Como tal, esta política de “fit and forget” trata as unidades de GD como sendo elementos passivos na cadeia de produção elétrica. No futuro, tal não acontecerá, pelo que o planeamento e expansão da rede de distribuição irá envolver mais do que a simples e massiva integração de unidades de GD na rede. Vai necessitar de conceitos mais abrangentes, que envolvam o controlo e gestão ativos da rede de distribuição, onde as cargas, os sistemas de armazenamento de energia e as unidades de GD possam ser utilizadas em conjunto, com o objetivo de melhorar a eficiência global do sistema, a quantidade de energia elétrica que é fornecida e as condições globais de operação. Serão estes aspetos que irão contribuir para uma rede de distribuição totalmente ativa.
De forma a que a integração de GD nos sistemas elétricos de distribuição sejam feitas de uma forma financeiramente eficaz, devem ser desenvolvidas e implementadas estratégias de gestão ativa no planeamento e operação das atividades do sistema. O uso intensivo de técnicas de gestão ativa permite ao Operador da Rede de Distribuição (DNO, Distributed
Network Operator) maximizar o uso dos circuitos existentes, aproveitando-se do número
significante de variáveis de controlo, que, segundo as estratégias atuais de controlo e planeamento, não podem ser nem monitorizadas nem controladas. Com a implementação de estratégias baseadas em DER, será possível implementar novas funcionalidades, tais como politicas de Gestão de Procura (DSM, Demand Side Management), despacho de potência ativa e reativa das unidades de GD, controlo de tomadas de transformadores, regulação de tensão e reconfiguração do sistema de uma forma integrada [19]. Espera-se que, no futuro, os Sistemas de Gestão de Distribuição (DMS, Distributed Management Systems) sejam capazes de monitorizar e gerir pontos-chave da rede comunicando com os controladores da geração, da carga e dos dispositivos controláveis da rede (baterias de condensadores, tomadas de transformadores, etc.). Através da realização de estratégias generalizadas que visem a implementação destes conceitos de gestão ativa, será possível aumentar a quantidade de GD que pode ser integrada nas redes de distribuição sem implicar investimentos significativos de reforço de rede. Os aspetos chave para uma integração barata e eficaz de GD nas redes de distribuição requer a adoção massiva de novas filosofias de operação e gestão, que permitam a exploração de todos os recursos disponíveis [21].
2.2.2 Geração Distribuída e a Formação de Micro-‐redes Autónomas e Não-‐
Autónomas
Como já foi referido acima, uma das grandes vantagens da cada vez maior interligação de unidades de GD nas redes de distribuição é dar a possibilidade aos clientes ou grupo de clientes de se constituírem como agentes produtores, alimentando os seus próprios consumo e até mesmo vender a energia em excesso para a rede a montante. Desta maneira, surge o conceito de Micro-rede (MR), que pode ser definida como uma rede elétrica de pequena dimensão, a que estão ligadas as suas cargas e também unidades GD, dispondo também de toda uma infraestrutura de comunicação e controlo [22].
Em determinadas condições de operação, estas unidades GD ligadas à MR podem permitir que esta funcione de forma completamente autónoma da rede a montante a que está ligada. Isto é, sendo uma estrutura elétrica com carga e geração, é possível que a MR se isole da rede a montante, garantindo todas as condições operacionais necessárias, de uma forma semelhante ao que acontece em ilhas físicas. Este aspeto pode ser observado na Figura 2-3 [10].
A ideia por detrás deste conceito, além de aumentar a integração de GD no SEE, é aumentar a fiabilidade do sistema. Do caso de algum evento na rede a montante, seja este planeado, tal como a necessidade de desligar a ligação da MR com a rede a montante por motivos de manutenção, ou não planeado, como por exemplo uma falha nessa mesma interligação, a MR será capaz de se isolar, continuando a operar graças a geração nela instalada.
2.2 - Conceito de Geração Distribuída
A promoção da operação em modo isolado e do conceito de MR são aspetos relativamente recentes no domínio do SEE. Deste modo, as opiniões diferem quanto ao nível de tensão e da potência instalada de uma MR. Alguns autores consideram que uma MR pode ser estabelecida ao nível MT [23, 24], enquanto que outros definem a MR como estando ligada ao nível BT, com uma capacidade instalada de produção não maior que 1 MW [22]. Esta capacidade de mudar de modo interligado para um modo isolado, e a capacidade da MR de poder operar eficazmente em modo isolado será um aspeto importante nesta tese, ao que será abordado com mais detalhe mais a frente. A capacidade das redes de distribuição em BT com unidades GD a elas ligadas de operar de uma forma altamente coordenada tanto em modo interligado como em modo isolado é uma evolução resultante da interligação de grandes quantidades de GD às redes de distribuição. No entanto, esta evolução deve ser acompanhada por estruturas e estratégias de controlo inovadoras, que relacionem as estratégias de gestão ativa, de forma a usufruir das vantagens globais que a GD tem para oferecer.
Figura 2-3 - Geração distribuída e a formação de Micro-redes [10]
2.3 Principais tipos de tecnologias de Microgeração Distribuída
Nas secções anteriores foram apresentados aspetos que contribuíram para a mudança de paradigma no setor energético graças ao aparecimento e forte integração de tecnologias de GD nos sistemas de distribuição. Foram abordados aspetos tais como o conceito de GD, a possibilidade de formação de MR autónomas ou não-autónomas, e os principais fatores que tem vindo a alimentar esta mudança de paradigma.
Nesta secção serão apresentadas as principais tecnologias de GD disponíveis, além das suas características e das suas principais aplicações. Dentro das tecnologias existentes de GD, existem unidades tais como turbinas a gás e a vapor, mini-hídricas, geradores eólicos, e motores alternativos que são utilizados para a produção de energia elétrica na escala dos MW, e como tal, estão interligadas à rede de Média e Alta Tensão [12]. Como esta dissertação
foca as MR estabelecidas sobre as redes de BT com tecnologias de GD de pequena escala interligadas, estas unidades convencionais não serão abordadas nesta secção.
Graças aos recentes avanços tecnológicos nesta área, tem sido possível desenvolver novas tecnologias de GD, denominadas de Micro-Fontes (MF), que englobam tecnologias tais como pilhas de combustível, microturbinas, geradores eólicos de pequena escala e painéis fotovoltaicos. Estas tecnologias encontram-se disponíveis com uma capacidade instalada por norma não superior a 100 kW, e, através de tecnologias de interface (nomeadamente inversores AC/DC/AC ou AC/AC), podem ser interligadas à rede BT. Além das MF, as aplicações GD podem necessitar de unidades de apoio, geralmente sistemas de armazenamento de energia. No âmbito desta dissertação, estes sistemas de armazenamento serão utilizados para fornecimento auxiliar de energia durante o transitório subsequente ao isolamento da MR, que será apresentado com maior detalhe no Capítulo 5. Nas secções seguintes será apresentada uma descrição breve das tecnologias de MG mencionadas acima.
2.3.1 Pilhas de combustível
Pilhas de combustível são dispositivos eletroquímicos capazes de converter energia química diretamente em energia elétrica [25]. Outras tecnologias necessitam de um passo intermédio, onde a energia química é convertida em energia térmica, normalmente graças à combustão de um combustível, que posteriormente é utilizada para acionar um gerador elétrico. Além da falta deste passo intermédio, o apelo das pilhas de combustível reside na sua alta eficiência, excelente performance perante cargas parciais, emissões reduzidas de gases poluentes, e uma vasta gama de capacidades instaladas [25]. Ao contrário de outros sistemas tais como turbinas a gás ou a vapor, os sistemas de pilhas de combustível são capazes de seguir alterações da carga sem penalizações económicas devido à sua relativamente reta curva de eficiência-carga [26]. No entanto, devido ao facto de os processos eletroquímicos das pilhas de combustível levarem a que estas tenham um tempo de resposta elétrica lento face a transitórios de carga, é raro que um sistema de pilhas de combustível esteja encarregue de responder a transitórios de carga frequentes [10]. Relativamente à sua eficiência, estes sistemas garantem uma alta eficiência mesmo para condições para as quais as pilhas não foram desenhadas, e tendo um valor de 40% a 50%, para sistemas simples numa gama abrangente de dimensões [25]. Existem diversos tipos de pilhas de combustível, sendo os mais promissores os que se seguem [25]:
• Pilha de combustível com membrana de troca de protões (PEMFC) e pilhas de combustível de metanol direto (DMFC), que utilizam uma membrana de polímero como eletrólito;
• Pilhas de combustível de ácido fosfórico (PAFC), que utilizam ácido fosfórico puro como eletrólito;
• Pilhas de combustível de carbonato derretido (MCFC), que usam uma mistura derretida de carbonatos de lítio, sódio e potássio como eletrólito;
2.3 - Principais tipos de tecnologias de Microgeração Distribuída
Todos estes tipos de pilhas de combustível podem utilizar vários tipos de combustível diferentes, tais como gás natural, propano, diesel, metanol, hidrogénio, entre outros. Esta versatilidade garante que as pilhas de combustível não se tornarão obsoletas por escassez de combustível.
No entanto, esta tecnologia possui algumas desvantagens. O custo inicial bastante alto das pilhas de combustível, que pode ser entre duas a dez vezes o custo de outras tecnologias de GD baseadas em combustíveis fósseis pode ser um fator dissuasor [27]. Além disso, trata-se de uma tecnologia relativamente recente, ainda a ser testada e não possui uma longa história de utilização comercial, pois grande parte dos sistemas em utilização são meramente para demonstração. A degradação da performance durante a vida útil é outro parâmetro de performance num sistema deste género, embora os efeitos da degradação ainda não sejam totalmente conhecidos [28]. A sensibilidade das pilhas de combustível a impurezas no combustível e a necessidade de pessoal altamente qualificado para realizar a manutenção destes sistemas, são mais contributos para o aumento dos custos de operação [27].
2.3.1.1 Sistemas de pilhas de combustível
Embora o desenvolvimento de pilhas de combustível necessite de um grande esforço multidisciplinar, o conceito chave é simples: uma pilha de combustível é um dispositivo eletroquímico que converte energia química diretamente em energia elétrica. Tal como numa bateria, uma pilha de combustível consiste num par de elétrodos e um eletrólito. No entanto, ao contrário do que acontece numa bateria, a espécie consumida durante as reações eletroquímicas é continuamente reabastecido, de modo a que nunca seja necessário recarregar a pilha. Os componentes básicos de uma pilha de combustível estão ilustrados na Figura 2-4. O combustível, normalmente hidrogénio, é fornecido ao ânodo da pilha de combustível. No ânodo, o combustível é oxidado, perdendo eletrões, que percorrem um circuito exterior. No cátodo, o oxidante é reduzido, consumindo eletrões provenientes do circuito exterior. Os iões viajam através do eletrólito para equilibrar o fluxo de eletrões que circulam no circuito exterior. As reações no ânodo e cátodo e a composição e direção do fluxo dos iões livres varia com o tipo de pilha de combustível [25].
Devido ao baixo valor de potência gerada por uma única pilha de combustível, o desenvolvimento de sistemas de pilhas de combustível práticos requer a associação de várias pilhas de combustível, de forma a que sejam atingidos níveis adequados de tensão e de potência para cada aplicação. Além do empilhamento, sistemas práticos de pilhas de combustível requerem outros componentes e subsistemas, que são normalmente denominados de Balanço da Instalação (BOP – Balance of Plant), representado na Figura 2-5 [22].