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O Triângulo Rosa

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Academic year: 2021

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Resenha

O Triângulo Rosa

Por Vera Brandão O interesse por narrativas autobiográficas faz com que meu olhar esteja sempre muito atento para todos os artigos, sejam de jornais ou acadêmicos, e livros que abordem esta perspectiva. Foi o que me despertou para o artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo, de 10 de abril de 2011, intitulado “O último triângulo rosa”, do jornalista Andrei Netto. Enviado especial para Mulhouse (França), ele relata sua experiência de conversar com Rudolf Brazda, hoje com 98 anos, o último sobrevivente homossexual dos campos de concentração nazista, que relata em livro sua vida, com destaque para o período em que viveu no campo de concentração nazista de Buchenwald.

O livro intitulado Triângulo Rosa. Um homossexual no campo de concentração nazista, escrito por Jean-Luc Schwab, a partir das conversas com Rudolf, enriquecidas com profunda pesquisa histórica e entrevistas com parentes de outros que tinham sofrido a mesma perseguição, relata uma vida homossexual assumida, e marcada pela perseguição.

Rudolf nasceu na Alemanha em 1913, de pais tchecos, e foi duas vezes preso e condenado por sua opção sexual sendo, finalmente, deportado para o campo de Buchenwald no qual permaneceu por 32 meses, até a libertação em abril de 1945. Desde então reside na França.

Ao ser indagado pelo repórter sobre a sobrevivência no campo afirma, depois de instantes de introspecção e silêncio:

"Nós tentávamos sobreviver como podíamos e nos adaptar, sem deixar que aquela experiência nos destruísse [...] De alguma forma aquela perseguição combinava com o nazismo".

O repórter esclarece que o “triângulo rosa" era o símbolo usado nas roupas dos homossexuais, cerca de 10 mil, deportados para campos de concentração durante a 2ª Guerra. Nesta época, cerca de outros “100 mil gays foram fichados pela SS e pela Gestapo por crime de luxúria nos anos mais sombrios da história da Europa”.

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Considera o livro como um “raro documento sobre a vertente menos estudada dos crimes do nazismo: a obsessiva perseguição sexual exercida contra estrangeiros e alemães por Adolf Hitler”.

Esclarece ainda que as leis que puniam os homossexuais não foram criadas pelo führer, mas estavam fortemente ligadas ao sentimento de superioridade da raça que, a partir de 1933, com a ascensão do nacional-socialismo ao poder [...] a perseguição se amplifica, e “Hitler muda o discurso - antes ambíguo, alternando entre o preconceito e o convívio amistoso - e faz do combate aos gays parte da ideologia do sistema”.

O escritor-confidente Jean-Luc Schwab, afirma nesta entrevista que “os judeus eram para Hitler a ameaça à pureza da raça ariana. Os homossexuais, a suposta ameaça à perpetuação da raça".

A leitura da reportagem me levou à leitura do livro, no qual o autor contextualiza, historicamente, o surgimento da lei que punia o homossexualismo, esclarecendo que em 1871 a federação que reuniu os estados alemães proclama o Império Alemão ou II Reich, cujo código penal - parágrafo 175 - estipula que "a luxúria contra o que é natural, realizada entre pessoas do sexo masculino ou entre homem e animal, é passível de prisão; pode também acarretar a perda dos direitos civis” (2011:29).

E completa:

“Em discurso feito em 18 de fevereiro de 1937, o Reichsfuhrer SS Himmler declara, ao falar da homossexualidade e o suposto número de homossexuais na população, que “se continuarmos assim, nosso povo corre o risco de ser aniquilado por essa praga”. Os homossexuais são considerados indivíduos não reprodutores e, assim, como podem assegurar a perenidade da raça? Por esse discurso, a condenação a homossexualidade não parece mais responder a uma exigência moral, mas sim à necessidade de preservar a raça. Começa então o cadastramento dos homossexuais na Central do Reich para reprimir a homossexualidade e o aborto em Berlin”. (Ibid:31)

Na entrevista, ao repórter Andrei Netto, podemos verificar a força desta ideologia da supremacia da raça que aparece na fala do próprio Rudolf, que “considerava heterossexuais como "os normais", e a homossexualidade como uma espécie de deficiência, um defeito que não necessariamente deveria ser escondido. Ser gay, para ele, era um complexo exercício de contradições entre algum grau de vergonha diante do olhar da sociedade e a necessidade de assumir sua diferença sem complexos”.

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"O homossexualismo faz parte da vida porque faz parte da natureza. É a natureza que nos marca [...] Ou não se aceita, ou se aceita. Eu me aceitei. É dessa forma que fui feliz".

Só aos 95 anos, em 2008, quando o governo alemão inaugurou em Berlin um memorial aos gays mortos durante o nazismo - o Homosexuellen-Denkmal, e incentivado por uma sobrinha, Rudolf resolveu falar, e afirma:

"Sempre pensei que minha experiência não interessasse a ninguém, em especial após a guerra, quando todos tinham tantos problemas a resolver".

Revisitando sua trajetória relata que ficou órfão de pai aos 8 anos, e “descobre-se”, ao final da adolescência, homossexual, “encontrando em casa um ambiente de tolerância em relação a sua orientação sexual. Aos 20, cercado de amigas e amigos, expunha sua sexualidade sem constrangimentos”.

"Eu tinha sete irmãos e irmãs, era o caçula e todos gostavam muito de mim. Além disso, sempre recebia apenas meninos em casa. Acredito que eles em algum momento entenderam a minha homossexualidade e a aceitaram bem".

E tal liberalidade é verificada quando a família realiza um "almoço de núpcias" para "oficializar" sua relação com Werner, seu primeiro amor. Com ele, passou a viver em uma pensão dividindo o mesmo quarto, sem oposição da proprietária da hospedaria, fiel testemunha de Jeová - outro sinal da liberalidade da cultura local”.

"Werner e eu tínhamos uma vida de casal, com um lar. Vivíamos abertamente".

Frente às mudanças que se seguiram, afirma:

"Quando aconteceu a mudança entre a liberdade e a repressão acabou não sendo muito surpreendente [...] Os alemães estavam obcecados pela idéia da pureza da raça ariana. E eu sempre achei uma idéia absolutamente estúpida e inaceitável."

Em 1936, Werner é convocado para a Luftwaffe - a Força Aérea alemã – e eles se separam, e nunca mais se encontrarão. Afirma ainda Rudolf:

"Eu era feliz com Werner, com quem vivia como marido e mulher. Mas, nessa época, a separação era o caminho natural [...] Claro que foi difícil, mas encarávamos a vida

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nossa".

O repórter relata que depois de duas prisões ele é deportado, em 8 de agosto de 1942, para Buchenwald com 50 outros presos, 4 deles gays, e vive “ o horror em um campo de concentração, e nele as sevícias, a fome, a miséria e as experiências científicas em cobaias humanas - entre as quais a "inversão de polaridade sexual", realizada pelo médico dinamarquês Carl Vaernet (1893-1965 – que ministrava injeções de hormônios e de diferentes substâncias na tentativa de mudar o comportamento dos homossexuais).

Afirma Rudolf:

"Eu sabia da existência dos campos e sabia que os judeus eram enviados para Auschwitz Birkenau a fim de serem exterminados. Mas não acreditava que os homossexuais também pudessem ser mandados para o extermínio [...] Eu sabia que o homossexualismo era reprimido pelos nazistas. Mas jamais imaginei que eu mesmo fosse vítima de um crime contra a humanidade". Em 1950, já estabelecido na cidade francesa de Mulhouse, Rudolf se veste de mulher para brincar o carnaval e, então, conhece Edi, que tem apenas 18 anos, metade de sua idade! Mas, é amor à primeira vista, e Edi afirma:

“Vou amá-lo até quando você tiver cem anos!”.

Trabalharam e construíram uma vida juntos até que uma queda acidental do telhado, durante o trabalho, deixa Edi hemiplégico mas, mesmo assim, seguem a vida.

Schwab relata que:

“Rudolf e Edi não oficializaram sua relação por meio do pacto civil. Mesmo que a possibilidade existisse desde 1999, eles se bastavam a si mesmos [...]”. Os problemas de saúde de Edi vão se agravando e ele morre “na manhã de 25 de novembro de 2003. Tinha 73 anos. Rudolf, fiel até o fim, estava ao lado dele”. (2011:167)

O encontro entre Rudolf e Schwab aconteceu em 2008 quando este último entra para uma associação dedicada ao reconhecimento da deportação de homossexuais. Apos ler uma reportagem sobre Rudolf resolve procurá-lo para um depoimento. Esta aproximação é a raiz do livro que indicamos à leitura, pela atualidade das discussões que pode suscitar, em um momento de “virada”, na qual temos, por um lado, a “caça” e agressão aos homossexuais e travestis, em ruas, praças e avenidas movimentadas da cidade de São Paulo; e por outro, o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da “união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar”.

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Conforme notícia on line, publicada em 05/05/2011, “na prática, as regras que valem para relações estáveis entre homens e mulheres serão aplicadas aos casais gays. Com a mudança, o Supremo cria um precedente que pode ser seguido pelas outras instâncias da Justiça e pela administração pública”.

“O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, concluiu a votação pedindo ao Congresso Nacional que regulamente as consequência da decisão do STF por meio de uma lei. O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte seja justificada. Há, portanto, uma convocação que a decisão da Corte implica em relação ao Poder Legislativo para que assuma essa tarefa para a qual parece que até agora não se sentiu muito propensa a exercer”.

De acordo com o Censo Demográfico 2010, o país tem mais de 60 mil casais homossexuais, que podem ter assegurados direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios” (G1 – Globo, 2011).

Referências

O último triângulo rosa. Por Andrei Netto. Publicado em 10/04/2011. Disponível:

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-ultimo-triangulo-rosa,704289,0.htm

Supremo reconhece união estável de homossexuais. Por Débora Santos (G1, Brasília). Publicado em 05/05/2011 - 21h25. Disponível em:

http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/05/supremo-reconhece-uniao-estavel-de-homossexuais.html

Schwab, Jean-Luc; Bradza, Rudolf. Triângulo Rosa. 7952. Um Homossexual no Campo de Concentração Nazista. São Paulo: Mescla, 2011.

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Vera Brandão - Pedagoga (USP). Mestre e Doutora em Ciências Sociais - Antropologia pela PUC/SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE) do Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia da PUC/SP, Docente do Cogeae - PUC/SP. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares (GEPI) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação/Currículo (PUC/SP). Idealizadora e docente da Oficina: Memória Autobiográfica – Teoria e Prática. Editora assistente da Revista Kairós. Pesquisadora mentora do Portal do

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fundadora do OLHE – Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento. Membro da Equipe fundadora do Ger-Ações - Pesquisa e Ações em Gerontologia. E-mail: veratordino@hotmail.com.

Referências

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