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As mulheres do Cariri e os caminhos da legitimidade política

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANTÔNIA EUDIVÂNIA DE OLIVEIRA SILVA

AS MULHERES DO CARIRI E OS CAMINHOS DA LEGITIMIDADE POLÍTICA

NATAL 2019

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ANTÔNIA EUDIVÂNIA DE OLIVEIRA SILVA

AS MULHERES DO CARIRI E OS CAMINHOS DA LEGITIMIDADE POLÍTICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGCS/UFRN), como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências sociais.

Área de concentração: sociologia

Orientadora: Prof.ª. Drª: Berenice Bento

NATAL 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN SISTEMA DE BIBLIOTECAS – SISBI

CATALOGAÇÃO DE PUBLICAÇÃO NA FONTE. UFRN - BIBLIOTECA SETORIAL DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA

Silva, Antônia Eudivânia de Oliveira.

As mulheres do Cariri e os caminhos da legitimidade política / Antônia Eudivânia de Oliveira Silva. - Natal, 2020.

160f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal Rio Grande do Norte, 2019. Orientadora: Profa. Dra. Berenice Bento.

1. Primeiras-damas - Tese. 2. Política formal - Tese. 3. Campanhas - Tese. 4. Legitimidade - Tese. 5. Representação - Tese. I. Bento, Berenice. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.62:32-055.2

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Nome: Antônia Eudivânia de Oliveira Silva

Título: As mulheres do Cariri e os caminhos da legitimidade política

Tese apresentada ao Programa de pós-graduação em Ciências sociais da Universidade Federal do Rio grande do Norte (PPGCS/UFRN), como requisito para obtenção do título de Doutora em Ciências sociais.

Aprovada em ___/___/______

Banca Examinadora

Orientadora: Prof.ª. Drª. Berenice Bento

Assinatura_______________________________________________________ Prof.º. Drª. ______________________ instituição________________________ Julgamento_____________________ Assinatura________________________ Prof.º. Drª. ______________________ instituição________________________ Julgamento_____________________ Assinatura________________________ Prof.º. Drº. ______________________ instituição________________________ Julgamento_____________________ Assinatura________________________

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A todas as mulheres que insistem e resistem em fazer política em nosso país e assim possibilitam, mesmo com os riscos a que seus corpos são sujeitados, a esperança de uma enfim democracia.

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“O corpo é nosso campo de batalha, e é por ele que lutamos”.

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AGRADECIMENTOS

Se estivéssemos em Araripe-CE, cidade dos meus pais e onde cresci, e fosse época de eleições, a melhor forma de expressar meu agradecimento a alguém, seria votando e fazendo campanha para os mesmos candidatos dessa pessoa, ou votando e fazendo campanha para ela mesma, caso fosse candidata. Apesar de não ser uma forma muito lícita de se conduzir política, aconteceu assim por muito tempo e ainda é possível observarmos esse tipo de agradecimento (reciprocidade) se perpetuando em lugares como Araripe.

Se eu não discordasse dessa prática e algumas das pessoas a seguir fossem candidatas, eu, com certeza, votaria e faria campanha para elas em sinal de agradecimento.

Elegeria o corpo docente de professores do PPGCS/UFRN, pela multiplicação do conhecimento durante as disciplinas e a disponibilidade em nos dar retorno diante das nossas dúvidas. Já que estou falando do programa, gostaria de dar um voto a Otânio Costa e parabenizá-lo pela competência com que realiza seu trabalho na secretária do PPGCS, trabalho esse que me ajudou mais do ele imagina.

A minha vinda para a UFRN, se deu pelo fato de eu ter elegido Berenice Bento como orientadora dos “meus estudos de gênero”, sem ela sequer ter se candidatado à vaga. Achei que cursar uma disciplina com ela e/ou talvez tê-la como avaliadora em minha possível banca, seria o suficiente, mas tive o privilégio de estar com ela enquanto orientadora. Isso já seria o suficiente para que eu não só votasse nela, mas convencesse toda minha família a fazer o mesmo. Obrigada Berenice, pela compreensão e orientação durante o processo de doutoramento. Ter você como exemplo de profissional e ao mesmo tempo seu apoio nessa caminhada é especial para mim enquanto cientista social.

Em toda eleição aparecem aquelxs candidatxs que nos fazem pensar em porque elx não foi candidatx antes? Eloquentes, inteligentes, roubam a cena nos debates televisivos e nos fazem pensar que ainda temos chances. Essas são Carla Cabral, Rozeli Porto, Tânia Mara e Fagner de França, obrigada por trazerem suas

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candidatarem e eu poder votar? Me avisem.

Tenho a impressão, que algumas pessoas sempre estiveram do meu lado, incentivando, dando apoio e coragem para continuar. Assim, gostaria de votar na minha querida Iara Maria de Araújo, que também comporá minha banca de tese e que tem sido presença em minha formação desde que foi minha primeira orientadora ainda na graduação em Ciências sociais. Ao longo dos anos tem se tornado uma amiga necessária e conselheira sábia. Obrigada Iara, por se fazer presente em minha formação acadêmica e vida pessoal.

Votarei também, nos amigos Lucas Cordeiro, que há alguns anos embarcou comigo numa jornada com destino incerto e acabou me presenteando com, provavelmente, a amizade mais sincera que mantenho; a Jakeline Alves, amiga de sempre, que compartilha não só alegrias, mas as angustias da vida; a companheira de doutorado Mikelle Gomes, que em pouco tempo já considero uma amiga, pois esse processo de construção e escrita de trabalhos acadêmicos é na maioria das vezes solitário, e ter quem entenda e compartilhe do mesmo cotidiano, pode ajudar a nos manter saudáveis. Quero votar em um grupo de colegas/amigos de profissão, Felipe Valdevino, Ana Carolina, Isabella Torquato, Guilherme Mariano, Charles de Sousa Silva e Rodrigo Tomás, obrigada a todos pelas risadas, pela companhia, pelo cuidado de amigo; esse tempo com vocês foi tão importante para realização dessa tese quanto o tempo dedicado as leituras.

Por último, darei votos em forma de gratidão para minha tão pequena família, que agora cresce. Sempre fomos meus pais e eu, esses não mediram esforços para que eu fizesse o que queria, mesmo sem entenderem direito do que se tratava, foi assim com as Ciências sócias, por exemplo. Por isso, obrigada mãe e pai, por me ajudarem a ser o que eu queria me tornar. E nos últimos cinco anos, pude contar com o companheirismo de Gaspar, que muitas vezes, acredita em mim mais do que eu mesma e com isso me impulsiona a fazer tudo e qualquer coisa que me venha a cabeça. Obrigada por se fazer/desfazer esse marido e agora pai do nosso Elói, que chegou há apenas seis meses, e já me fez sentir mais do que senti em todos os outros anos de minha vida.

Como se diz em Araripe, “não dei voto perdido”, pois sei que meu agradecimento hoje é justa reciprocidade, sem a qual, não estaria aqui nesse momento. Obrigada a todos.

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SILVA, Antônia Eudivânia de Oliveira. As mulheres do Cariri e os caminhos da legitimação política [tese]. Natal – RN: Programa de pós-graduação em Ciências sociais, UFRN, 2019.

RESUMO

A proposta desse estudo é investigar o lugar de mulheres primeiras-damas da região do Cariri cearense nas relações de poder local. A partir de problematizações do campo da política como redes de significados (BARREIRA, 1998), das eleições como rituais de representação (TURNER, 2013) e dos gêneros enquanto performances inacabadas (BUTLER, 2010), questiono como essas mulheres constroem capital político, a ponto de se legitimarem enquanto representantes de seus municípios? Para tanto, realizamos trabalho de campo durante as campanhas eleitorais de 2016 em cinco municípios do Cariri, foram realizados levantamentos de dados junto a órgãos federais e estaduais eleitorais; observações em convenções, reuniões e comícios nas cidades da região, bem como entrevistas semiestruturadas com primeiras-damas e ex-primeiras-damas, afim de construir suas trajetórias em busca da construção/manutenção desse poder local. Ao final dessa investigação, inferimos, que apesar de o campo da política dificultar a entrada e permanência de corpos entendidos como femininos em seu interior, essas mulheres têm encontrado estratégias para participarem do espaço público da política formal. Nesse contexto especifico, mulheres utilizam do título de primeiras-damas para obtenção de experiência, de construção de capital político e palanque para demonstrar suas capacidades administrativas. Outra estratégia para se firmarem enquanto representantes do povo é acionar características pessoais, compreendidas simbolicamente como femininas e antes afastadas do campo político, como demanda para se fazer uma renovação na política atual, aqui, a instituição família tradicional é acionada e negociada enquanto plataforma política.

Palavras-chaves: Primeiras-damas; política formal; campanhas; legitimidade; representação.

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legitimação política [tese]. Natal – RN: Programa de pós-graduação em Ciências sociais, UFRN, 2019.

ABSTRACT

This study goal is to investigate the place held by women first ladies in the local power struggle inside the Cariri region in Ceara state. From political problematizations such as the network of meanings (BARREIRA, 1998), elections as representation rites (TURNER 2013), and gender as incomplete performance (BUTLER, 2010), I question: how do these women build political capital in order to legitimate themselves as city representatives? To answer it I did field work during 2016 election campaigns in five Cariri cities, during which I collected data with electoral state and federal agencies, observed conventions, meetings and rallies in these cities. I also did semi-structured interviews with the first ladies and ex-first ladies in order to engineer their trajectories for this local power build/maintenance. By this investigation’s end we inferred that, although the political field hinders the bodies comprehended as females entrance and permanence in its core, these women have found strategies to share the formal politics public space. In the specific context, women use the first lady title to acquire experience, build political capital and stage to show their administrative competence. Another strategy to steady themselves as public representatives is to trigger personal features, symbolically understood as female, which were away from the political field, as demand to renew contemporary politics.

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1 – Mapa do estado do Ceará com região do Cariri em destaque...24

2 – Mapa do Cariri com cidades onde as convenções foram observadas em destaque...26

3 – Perfil das primeiras-damas acompanhadas no Cariri...28

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CMDM ...Conselho Municipal de Defesa da Mulher CNDM...Conselho Nacional de Defesa da Mulher

FBPF...Federação Brasileira para o progresso feminino IBGE...Instituto Brasileiro de Geografia e estatística LBA...Legião Brasileira de Assistência

NEIM...Núcleo de estudos interdisciplinares da mulher OAB...Ordem dos Advogados do Brasil

URCA...Universidade Regional do Cariri UFPB...Universidade Federal da Paraíba

UFRN...Universidade Federal do Rio Grande do Norte USP...Universidade de São Paulo

PC do B...Partido comunista do Brasil PFL...Partido da frente liberal

PSDB...Partido da social democracia brasileira PT...Partido dos trabalhadores

TRE...Tribunal regional eleitoral TSE...Tribunal superior eleitoral

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1 – INTRODUÇÃO ... 14

2 - ENTRE POLÍTICA E GÊNERO: CAMINHOS E DESCAMINHOS DO ITINERÁRIO METODOLÓGICO ... 21

2.1 – Das convenções como organizadoras do olhar investigador: as relações observadas ... 26

3 – ELEIÇÕES MUNICIPAIS E PERFORMANCE DE GÊNERO: EMOLDURANDO CONCEITOS ... 38

3.1 – As eleições como rituais de representação ... 43

3.2 – Sobre gênero enquanto performance inacabada ... 55

3.3 – Das lutas de mulheres pelo direito político no Brasil ... 65

4 – PERFORMANCES FEMININAS EM CONTEXTOS POLÍTICOS LOCAIS: NEGOCIAÇÃO ABERTA ... 73

4.1 – As campanhas em Crato ... 76

4.2 – As campanhas em Juazeiro do Norte ... 84

4.3 – As campanhas em Farias Brito ... 90

4.4 – As campanhas em Jati ... 97

4.5 – As campanhas em Araripe ... 103

5 – CONSTRUINDO NOVOS ESPAÇOS NA POLÍTICA: DA MULHER PRIMEIRA-DAMA À MULHER CANDIDATA ... 111

5.1 – Primeira-dama candidata: transitando pelos poderes locais ... 125

5.2 – Novos tempos, novos sujeitos: os discursos de legitimidade ... 138

CONCLUSÕES ACERCA DAS MULHERES DO CARIRI... 149

REFERÊNCIAS ... 152

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1 – INTRODUÇÃO

A escrita desse texto teve início há cerca de dez anos, quando ingressei no curso de Ciências Sociais na Universidade Regional do Cariri. Mesmo sem saber direito do que se tratava, fui selecionada para uma bolsa de iniciação científica cuja pesquisa investigava novos territórios de trabalho para mulheres e a relação disso com o crescente número de casos de violência doméstica e familiar registrados na recente criada delegacia da mulher de Crato. Eu estava no segundo semestre da graduação e lembro-me quando li pela primeira vez Simone de Beauvoir; passei os meses seguintes me negando a fazer qualquer coisa que me tornasse mulher, mas não funcionou muito. Esse foi o começo do meu interesse pelas questões que se aproximavam dos estudos de gênero.

Ao longo da graduação, segui envolvida em projetos de iniciação científica que se debruçavam sobre o estudo da violência doméstica e familiar. Para tanto, pelos anos seguintes da graduação estive inserida como pesquisadora na Delegacia de Defesa da Mulher de Crato, onde tentei identificar quem eram as mulheres usuárias da DDM bem como seus agressores, além de perceber os entraves na efetivação da Lei Maria da Penha. Ao final desse estudo, percebi que as dificuldades do segundo objetivo se relacionavam à impossibilidade de se concretizar o primeiro, ou seja, as dificuldades enfrentadas pelos funcionários da Delegacia em fazer funcionar a lei Maria da Penha como prescrita estava no fato de aquela instituição não atender a nenhum perfil específico. Conforme relatou a Delegada à época: “minha filha, aqui vem de tudo! ”.

Estar na DDM de Crato, mostrou-me, pela primeira vez, como funciona a interseccionalidade sobre os sujeitos. Entendi que a lei Maria da Penha era resultado da ação de movimentos feministas no Estado, que agiam através das DDM’s em um grupo de funcionários formados para lidar com a lei, os quais acreditavam que as mulheres que usavam a DDM não estavam “dando valor” à Lei criada para defendê-las, uma vez que elas procuravam aquela instituição e aquela lei, de acordo com as suas necessidades e não para a criminalização da violência que é sua real função.

Acompanhei, nessa delegacia, o caso de uma mulher que já tinha registrado sete boletins de ocorrência contra o mesmo companheiro; o de uma mulher

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que ameaçou outra por estar com quem já foi seu companheiro; outra mulher emprestou dinheiro a um homem e ao cabo de dois anos sem realizar o pagamento disse lhe que ele ia pagar de um jeito ou de outro e, então, resolveu fazer uma denúncia contra ele; outra que decidiu comunicar ao marido que não queria continuar casada com ele, e fez o anúncio ali porque achava mais seguro; e, por último, uma senhora que já vinha sofrendo violência há alguns anos e fez a denúncia para nunca mais voltar aquele relacionamento, segundo o relato dela: “quando vi [ele] quebrar minha mesa de mármore, foi a gota d’água”.

Os casos, que ali acompanhei, mostraram que os modelos generificados de mulheres e homens são tensionados a partir do contexto social do campo em que se apresentam, e não existe uma única condição ou forma de ser e estar dos gêneros, mas sim, uma fluidez de identidades que gerava naquele lugar um conflito entre instituição delegacia, movimentos feministas locais e usuárias da DDM. As militantes da cidade faziam uma crítica feroz à delegacia porque, segundo elas, os funcionários não cumpriam com a lei por sua vez, os funcionários diziam que a lei é mais bonita que a prática [sic] e que nem sempre dá para seguir à risca o que está escrito, porque as mulheres não querem o que a lei determina. Elas queriam muitas outras coisas, como: seu marido de volta; a mesa de mármore que foi quebrada; vingança; seu dinheiro; e até mesmo criminalizar seu companheiro. Isso tudo porque elas não correspondiam ao modelo de mulher objeto da lei Maria da Penha, tão pouco ao que o movimento espera delas, apesar das repetições de verdades.

Durante o mestrado, me propus a investigar como se efetivou a entrada de um grupo de mulheres para participar da política formal (aquela que dá direito à governabilidade) no cariri cearense, enquanto legisladoras de seus municípios1

(SILVA, 2014). A ideia era refletir sobre os entraves na participação política feminina e quais as estratégias utilizadas por elas para o enfrentamento das dificuldades. Passei um ano acompanhando as parlamentares nas sessões das câmaras e realizando entrevistas. Sem uma trajetória em comum, essas mulheres eram desde esposas de políticos/ex-candidatos a militantes dos movimentos de mulheres e, dentre elas, as que se tornaram legítimas para o cargo de vereadora foram as que apresentaram maior capacidade de adaptação ao campo e negociação dos gêneros ali representados.

1 Mestrado realizado na UFPB sob orientação do Professor Dr. Charlinton José dos Santos Machado,

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Uma dessas vereadoras2 me contou que quando chegou à primeira sessão

da Câmara municipal, tentou falar, mas ninguém a escutava. Em entrevista concedida a mim em 2014, ela relata: “eu só via aqueles homens falando alto, batendo na mesa, parecia uma batalha, e depois foi que eu percebi que era mesmo”. Para ela, o funcionamento normal da Câmara era estranho e ela não estava acostumada. Continua: “fui ensinada a agir, me comportar de outra forma, entende? Mulher não fala gritando, minha mãe me ensinou a falar baixo”. Mas sua vontade de estar lá era maior, conforme relatou. Então, como vereadora, se tivesse que aprender a falar gritando e a bater na mesa, ela faria. Naquele campo, uma identidade fixa não garante permanência política. Vários relatos nos apontavam a necessidade de se ter fluidez no desenvolver das atividades públicas.

Com respeito à dinâmica da Câmara municipal, outra vereadora, interlocutora na pesquisa que deu origem a minha dissertação, contou o quanto achava aquele lugar instável, dizendo que um dia ela se comporta como uma mãe para os colegas vereadores, chegando a dar conselhos e conforto, e no outro dia, se ela age da mesma forma, dirão que ela não está pronta para o cargo. Em seu depoimento ela nos contou: “estava um dia na plenária com tanta raiva do prefeito, que minha voz engasgou e sumiu. Aí no outro dia foram dizer na rádio que eu estava chorando na Câmara e que eu devia deixar a política com meu marido”. Ela disse ainda, nessa mesma entrevista, que aprendeu a ser homem e mulher ao mesmo tempo, durante esse primeiro mandato.

Foram esses trabalhos que me falaram de um sujeito não unificado, sobre negociação e deslocamento desses sujeitos face às instituições sociais. E é nesse contexto que começo a vislumbrar as mulheres primeiras-damas como relações de poder e gênero relevantes para a compreensão do lugar da mulher na política. Em algumas visitas às Câmaras Municipais do Cariri cearense, sempre ouvia comentários acerca dessa mulher. Um vereador, ao reclamar da incompetência do prefeito, ressalta dizendo que “o prefeito não sabia escolher nem a mulher, como é que ia saber fazer escolhas para prefeitura”. Para Amaral (2016), traçar esse tipo de relação tornou-se comum, sobretudo, a partir do século XX, quando a figura da primeira-dama despontou como peça fundamental para prolongar e consolidar o estatuto, o poder e

2 Esses são trechos de entrevistas, realizadas por mim entre 2012 e 2013, com vereadoras do Cariri

para escrita de Dissertação defendida em 2014, intitulada: Entre gêneros e ação política: narrativas de mulheres parlamentares do Cariri cearense.

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a popularidade do marido, passando a ocupar espaços aonde ele não chega; a produzir discursos e representar papéis que são “melhores entendidos” pelo fato de partirem de uma mulher. Nesse sentido, a figura da primeira-dama estaria relacionada diretamente a uma “identidade de gênero”, na qual à mulher caberiam as atividades de cuidado. Aqui, os discursos sobre a feminilidade da mulher, interpretada como disposição para servir aos outros, vocação para doação e bondade, ganha maior visibilidade quando se torna mulher de um governante e passa a ser requisitada como suporte às ações do marido.

Diante disso, nessa tese proponho tensionar a suposta identidade de gênero fixo a partir de um entendimento do gênero enquanto plural, que supõe a problematização entre gênero e subjetividade, perpassada por um entendimento do “corpo como um significante em permanente processo de construção e com significados múltiplos” (BENTO, 2014, p. 95). Acredito que a ideia do múltiplo e da desnaturalização dos gêneros ganha espaço nesse contexto, especificamente, quando se complexifica o campo de pesquisa com a entrada das primeiras-damas na disputa eleitoral, pois aqui o caráter performativo das identidades de gênero se destaca diante dos rituais eleitorais. Barreira (2008) afirma que uma campanha eleitoral, circunstância legítima de competição envolvendo o uso de imagens, faz florescer, de modo complexo, valores cotidianos e papéis sociais parcialmente aparentes, no qual se permite detectar tendências ou situações inusitadas que presidem as escolhas de candidatos ou candidatas.

Assim, direciono meu estudo especificamente para as primeiras-damas e questiono: como essas mulheres constroem capital político, a ponto de se legitimarem como as representantes políticas dos municípios? Tendo como foco de análise suas performances de gênero no campo da política caririense, o objetivo geral desse estudo é descobrir de onde vem ou como é construído esse capital político feminino. Seguido dos objetivos específicos, quais sejam: identificar quem são as primeiras-damas dos municípios investigados; avaliar imbricações entre os domínios públicos e privados da vida dessas mulheres; levantar os trabalhos desenvolvidos por essas mulheres antes e durante os mandatos dos maridos prefeitos; e analisar os casos e circunstâncias em que primeiras-damas se tornaram candidatas à prefeita nas cidades escolhidas.

Ao longo do texto, construo como resposta aos objetivos propostos que o período de campanha é momento de renovação política, sendo possível compreender as eleições como um grande ritual nacional de representação política democrática.

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Nesse jogo escolhemos quem tem mais condições de representar nossos símbolos ao mesmo tempo que escolhemos aqueles que têm mais condições de buscar resoluções de fora para a população local. Desse modo, inferimos que enquanto campo social, nos termos bourdieusianos, a política, a partir de suas regras e distinções, tem dificultado a entrada e permanência de corpos entendidos como femininos em seu interior, fazendo com que esses sujeitos precisem de estratégias diferenciadas para participarem do espaço público da política formal. Assim, algumas mulheres usam o título de primeira-dama como lugar de obtenção de experiência, de construção de capital político e palanque para demonstrar que são capazes de administrar e reger o poder local. Não sendo o suficiente para se firmarem enquanto representantes do povo, essas mulheres acionam características femininas – como sensibilidade, cuidado com os necessitados e maternidade – antes afastadas do campo político para se legitimarem nesse espaço, é aqui também, onde a instituição família tradicional é acionada e negociada enquanto plataforma política. Elas constroem diante de um quadro de descrédito e decepção com a política nacional a demanda por outros sujeitos políticos que seriam elas mesmas.

Disponho os resultados acima da seguinte maneira. No primeiro capítulo intitulado: Entre política e gênero: caminhos e descaminhos do itinerário metodológico, traço o percurso de inserção no campo de estudo, desde as idealizações do projeto de pesquisa, até ao trabalho concretizado nas campanhas eleitorais das cidades do Cariri. Apesar de o Cariri ter sido lócus de meus trabalhos anteriores, trabalhar com primeiras-damas me coloca diante de um universo completamente novo – de escolaridade, de classe e etnia - de mulheres da região. Por outro lado, desde o início desse estudo me propus a investigar relações em uma região que engloba vinte e sete municípios, necessitando de um recorte que foi feito no próprio percurso de investigação. Por esse motivo, junta-se às discussões teórico/metodológicas uma descrição pormenorizada dos momentos das convenções municipais para apresentação dos candidatos, pois foram durante a observação desses momentos que organizei meu olhar e pude delimitar as relações a serem estudadas.

No capítulo seguinte, Eleições municipais e performances de gênero: emoldurando conceitos, apresento as construções teóricas que norteiam minha escrita junto a problematizações de relações em um campo que tensiona eleições municipais e performance de gênero. A proposta é fazer surgir uma compreensão do campo da política como um conjunto de significados e signos coletivos de

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compreensão e compartilhamento de mundo, seguido de um entendimento das campanhas eleitorais como rituais de representação de ideias e conflitos personificados em candidatos que reiteram os valores em disputa. Corroboram para o desenho das campanhas como rituais, textos em cordéis compartilhados na região do Cariri no período de campanha. Ainda nesse capítulo, faço uma intertextualidade com estudos de gênero que problematizam a cristalização dos sujeitos em polos opostos e que propõem pensar os sujeitos concretos a partir de performances de gênero inacabadas. Fecho essa discussão com um breve recuo histórico sobre as lutas e incursões das mulheres pelos espaços públicos da política formal.

No terceiro capítulo, Performances femininas em contextos políticos locais: negociação aberta, discuto as disputas locais de representação a partir das performances femininas em campo. Aqui apresento observações mais aprofundadas realizadas em cinco cidades do Cariri, quais sejam: Crato, Juazeiro do Norte, Farias Brito, Jati e Araripe, onde acompanhamos mulheres em tempos de campanha eleitoral. Como proposta do texto, acompanho não só as que concorriam a cargos eletivos, mas sobretudo, as que se apresentavam enquanto esposas de candidatos, ou seja, candidatas3 a primeiras-damas. Nesse capítulo, é interessante notar que em

cada cidade, valores e ideias diferentes são postas em jogo e ganha a eleição quem melhor representa ou negocia com esses discursos.

O quarto e último capítulo é resultado de entrevistas realizadas com primeiras-damas e ex-primeiras-damas que se tornaram candidatas ao executivo nas eleições municipais de 2016. Intitulado: Construindo novos espaços na política: da mulher primeira-dama a mulher candidata a representante do povo, proponho-me, através das falas dessas mulheres, levantar suas atividades e funções enquanto esposas de políticos durante as campanhas e mandados dos mesmos, no sentido de tentar compreender de que forma é possível uma transição de primeira-dama a candidata, quais estratégias são usadas, de que capital lançam mão para se legitimarem nas estruturas de poder local; tendo em vista que só encontramos durante esse estudo candidatas a prefeita na região que antes estiveram na posição de primeiras-damas.

3 Apresento essas mulheres como candidatas a primeiras-damas pois, nos relatos e nas observações

de campo, era comum elas se apresentarem como candidatas ao cargo de primeira-dama. Essa é pois, uma fala de nossas interlocutoras.

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Em todo o texto escolho por não expor diretamente as mulheres com quem dialogo, utilizando para todas elas o termo primeira-dama, independentemente de a mulher em questão já ter sido primeira-dama ou estar em disputa pelo título, acrescido da cidade onde se dão suas relações com a política. Dado a proximidade entre as cidades do Cariri, acredito que a maioria dos moradores dessa região pode identificá-las por suas histórias, mesmo assim, reservo-me a opção de preservar seus nomes oficialmente, pois, além do pedido explicito de algumas delas de não relacionar seus nomes a alguns fatos particulares de suas vidas, que serão apresentados no decorrer no texto. Nas entrevistas que me concederam, essas mulheres entendem que expuseram intimidades de família e de pessoas ligadas a elas, que as mesmas, preferem não comprometer, sobretudo, no último capítulo, já que nele relações íntimas, do casamento e da família, imbricadas ao campo da política são expostas e tensionadas a fim de corroborar com a ideia de que nossa democracia ainda precisa produzir representatividade.

Essas questões tornam-se relevantes quando consideramos as transformações sociais nas últimas décadas, resultado, em especial, da ação de movimentos feministas e de mulheres, que ainda estão em curso, sobretudo diante de tentativas de retrocesso das conquistas por equidade entre os sujeitos concretos.

No cariri essas mudanças são visíveis e devido ao seu contexto particular recente, de ser anunciado midiaticamente como a vitrine da violência doméstica e familiar do Ceará, mudanças no quadro político representacional seguem influenciando a teia das relações fundantes da sociedade caririense. Relevante mesmo é o fato de que nesse trabalho, essas transformações são acompanhadas em tempo real, como diria Barreira (1998) a respeito do tempo de campanha em seu estudo. Estar em campo, nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte, Farias Brito, Jati e Araripe, no período das campanhas eleitorais me possibilitou observar questões da consolidação do feminino no espaço da política da governabilidade que considero importantíssimas para as novas formas e possibilidades de se conceber as relações de gênero.

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2 - ENTRE POLÍTICA E GÊNERO: CAMINHOS E DESCAMINHOS DO ITINERÁRIO METODOLÓGICO

Escrevendo hoje sobre o trabalho de campo desse estudo, me vem ao pensamento o imenso potencial de criação/transformação do mundo pelos sujeitos concretos, ou talvez, como uma mudança de olhar, de perspectiva, de posição no mundo, ou a mais simples ameaça a existência nos coloca diante de objetos, espaços e construções que até então não vislumbrávamos.

Por exemplo, quando elaborei o projeto de pesquisa para ingresso no curso de doutorado, eu sabia dos processos que envolviam uma pesquisa, nunca pensei que seria fácil e resolvi deixar tudo desenhado. Eu pensava em técnicas distintas de construção de dados e em um processo delimitado: análise documental, acompanhamento do processo eleitoral, entrevistas semiestruturadas seguido de análises dos dados e, por fim, a escrita. Ou seja, almejava-se um procedimento objetivo, claro, que seguisse os manuais de pesquisa para uma investigação como a minha. No entanto, meu objeto de pesquisa, como todo bom objeto de estudo, não leu o roteiro de investigação escrito pelo pesquisador (a), e me fez redescobrir e reinventar meu fazer metodológico, me ensinando mais uma vez sobre a riqueza que é estar em campo e se permitir imergir entre relações que de outra forma, não me imaginaria.

Some-se a isso a característica intrínseca às ciências sociais de não termos herdado teoricamente instrumentos que nos permitam recusar a linguagem corrente e as noções comuns. Ao contrário disso, só conseguimos propor explicações através deles. Bourdieu; Chamboredon; Passeron, em O Ofício do Sociólogo (2007), trata o assunto ressaltando que a influência das noções comuns é tão forte que “todas as técnicas de objetivação devem ser utilizadas para realizar efetivamente uma ruptura que na maioria das vezes, é mais professada do que concretizada” (p. 24). É o próprio Bourdieu (2011) que complexifica a relação pesquisador/objeto ao afirmar que os estudos referentes aos gêneros correm um risco maior de reproduzir uma sociologia nos moldes da sociologia espontânea, tão criticada por ele, pois

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Como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos esforçamos por apreender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamo-nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento que são eles próprios produtos da dominação (BOURDIEU, 2011, p.13).

Sair desse círculo não é, de modo algum, uma tarefa fácil. As categorias do conhecimento e as formas de classificação com as quais construímos o mundo e que são alvo de nossos esforços acadêmicos estão ao mesmo tempo de acordo com esse mundo, que muitas vezes despercebidamente, as incluímos em nossas reflexões sem tensionar os processos reais de sua existência social.

Nós, enquanto pesquisadores(as), ainda temos que lidar com as deficiências de nossa formação, já que não fomos treinados para lidar sequer com a desconfiança de nossos sentidos investigadores. Nossa tarefa é provar hipóteses, atestar que estivemos em campo e escrever sem dúvidas. Roberto Cardoso de Oliveira em O trabalho do antropólogo (1998) enfatiza como o olhar e o ouvir são disciplinados durante nosso itinerário acadêmico, nele aprendemos a perceber determinada realidade de uma forma não muito ingênua, já que procuramos exatamente as respostas correspondentes às apreendidas no bojo de nossa formação, por isso ele nos alerta que:

A partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos o nosso olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo [...]. É nesse ímpeto de conhecer que o ouvir, complementando o olhar participa das mesmas condições desse último, na medida em que está preparado para eliminar todos os ruídos que lhe pareçam insignificantes, isto é, que não façam nenhum sentido no corpus teórico de sua disciplina ou para o paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado (OLIVEIRA, 1998, p. 21-22).

Superar essas noções, apreendidas com tanto esforço, durante anos de formação, de modo a não comprometer o olhar sobre o tema investigado torna-se nossa meta. Judith Butler (2015) diz que quando um quadro é emoldurado, diversas

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maneiras de intervir ou ampliar a imagem podem estar em jogo; para ela, a moldura pode ser uma coisa minimalista como um embelezamento para o olhar, ou mesmo um autocomentário da imagem. Nesse caso, o recorte, a apresentação, a moldura do nosso objeto direciona implicitamente a interpretação. Sendo assim, se faz necessário “enquadrar o enquadramento” ou o “enquadrador”. Para Butler (2015, p. 24),

Questionar a moldura significa que ela nunca conteve de fato a cena a que se propunha ilustrar, que já havia algo de fora, que tornava o próprio sentido de dentro possível, reconhecível. A moldura nunca determinou realmente, de forma precisa o que vemos, pensamos, reconhecemos e apreendemos. Algo ultrapassa a moldura que atrapalha nosso senso de realidade; em outras palavras algo acontece que não se ajusta à nossa compreensão estabelecida das coisas.

A moldura pode ao invés de esclarecer, ampliar uma imagem, torná-la turva, podendo ressoar na ideia de incriminação/armação como se tudo fosse uma falsa acusação. Por questões como essa, optei por deixar-me ser “afetada” pela imagem/objeto de estudo. Favret-Saada (2005) apresenta a modalidade de “ser afetado” como uma dimensão central do trabalho de campo; para ela, as confusões e descontinuidades teóricas das ciências sociais giram em torno da questão da desqualificação da palavra nativa e da promoção do investigador. No presente estudo, como poderão ver adiante, é resultado de interação e interlocução com sujeitos inseridos em contextos específicos dos quais eu pouco conhecia. Ouvi-los e acreditar no que me diziam fez parte da metodologia do trabalho.

Além disso, o estudo que ora apresento, refere-se a investigações em um evento nacional, que enquanto cidadã tenho que me posicionar e fazer uma escolha. Assim, o processo eleitoral se impunha a mim também enquanto eleitora, e não me afetar com o que via, tornava-se por vezes uma tarefa impossível. Mas como disse Favret-Saada (2005, p. 159) “o próprio fato de que aceito ocupar esse lugar e ser afetada por ele abre uma comunicação específica com os sujeitos do campo”. Para a autora, quando o pesquisador aceita ser afetado, isso não implica identificar-se com o ponto de vista nativo, nem aproveitar-se da experiência de campo para exercitar seu narcisismo, “todavia, supõe que se assuma o risco de ver seu projeto de conhecimento

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se desfazer” (p. 160), para uma real possibilidade de encontro entre o campo e o que se diz dele.

Desse modo, entendo que ser afetado é entender o princípio das ciências sociais. É saber, que meu objeto de estudo, não é um objeto qualquer, uma vez que não dá para isolar do seu espaço e fazer testes e experimentos. Pelo contrário, ele só existe naquelas relações, e só o entenderei, só fará sentido enquanto imerso em suas teias. Esse sim é nosso objetivo, compreender o que está nas entrelinhas, o que as molduras deixam escapar, o que as teias desvendam, e por sua complexidade, é preciso nos “enganchar”, bem como nosso objeto, se quisermos compreendê-lo.

Sendo assim, é lógico que esse itinerário não se deu da forma como imaginava, e os desvios para a construção dos dados não tardaram a chegar. O primeiro desvio se formulou contra o objetivo geral do projeto. A princípio me indagava como as mulheres primeiras-damas dos municípios da região do Cariri cearense articulavam suas funções públicas e privadas tendo em vista a manutenção ou conquista dos governos municipais. No entanto, estudos teóricos e incursões em novas discussões sobre os gêneros me atentaram para um foco que eu realmente ansiava, mas ainda não sabia como me direcionar para ele. Objetivamente, meu campo de estudo são as relações de gênero, mesmo perpassadas por outros significados e que às vezes parece tomar outros status como afirma Berenice Bento (2014).

Investigar as primeiras-damas, de modo geral, me posiciona em um campo com relações intrínsecas no campo da política, mas aprofundo essa relação quando nesse projeto problematizo a ideia de representatividade política como consagração espontânea de uma totalidade. Irlyz Barreira (1998) compreende que a possibilidade de grupos sociais depositarem sua confiança em alguém demanda a construção de crenças a serem acionadas de forma estratégica. A construção da representação não acontece sem a presença de personagens que se apresentem como dotadas de capacidade para se tornarem porta-vozes de interesses coletivos. Sobre isso, Barreira (1998. p. 205), ressalta que: “Os candidatos, são assim, estandartes de valores e símbolos que se querem dignos de credibilidade”.

A credibilidade em um candidato poderia se dar a partir da correspondência entre expectativas e representantes. Desse modo, os pretendentes a representantes tornam-se ideais de valores e crenças dos grupos a serem porta-vozes. As primeiras-damas são parte dessas idealizações.

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Torres (2002) em seu livro “As primeiras-damas e a assistência social: relações de gênero e de poder” discute a consolidação do ela chama de “primeiro-damismo” no Brasil ao afirmar que seu nascedouro tem uma função política, uma vez que as mulheres dos governantes são chamadas a intervir no “social” através de estratégias de enfrentamento da pobreza. Para a autora, o trabalho das primeiras-damas se constitui, muitas vezes, a principal ação no âmbito da assistência social, o que nos apresenta um quadro de relações já interessantes para se tensionar as identidades de gênero fixas que teriam o espaço doméstico como lugar para realização do seu destino biológico. Porém, o despontar de ex-primeiras-damas ao cargo de governantes complexifica o campo, permitindo-nos pensar em gênero plural.

Tendo por base essas ponderações, em julho de 2016 comecei a pensar em como ingressar no campo de pesquisa. O cariri cearense é uma região com uma área de mais de 15 mil quilômetros e 27 municípios, com características distintas que o torna conhecido e nomeado popularmente como um “Caldeirão de cultura”. Em função disso, tive que delimitar o campo de pesquisa, tendo em vista que as eleições no Brasil ocorrem simultaneamente em todas as cidades, e, nesse caso, tive que fazer escolhas: quais municípios acompanhar e quais relações observar.

Ilustração 1: Mapa do estado do Ceará com Cariri em destaque

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Para tanto, decidi observar algumas Convenções de partidos, momento no qual as chapas que concorrem às prefeituras apresentam seus candidatos e suas propostas. Esse momento é interessante, pois as alianças municipais e regionais são convocadas para expressar seu apoio e as oposições ficam acirradas. É nesse momento que se percebe quem faz oposição a quem. O campo da política me é apresentado nas convenções em formato de “Show”, e nesse evento todos os atributos positivos do candidato são apresentados, inclusive, sua bem-sucedida família, que é trazida para os palcos como forma de demonstrar sua capacidade e potencial administrativo. Entre julho e agosto de 2016 acompanhei 15 convenções em 10 cidades do Cariri e optei por acompanhar 05 dessas campanhas, que aconteceram nas cidades de Crato, Farias Brito, Araripe, Jati e Juazeiro do Norte.

A escrita a seguir fala desse primeiro momento de aproximação com o campo, e como as convenções me foram importantes para organização e direcionamento do olhar investigador durante as campanhas.

2.1 – Das convenções como organizadoras do olhar investigador: as relações observadas

Neste tópico, quero descrever o período das Convenções partidárias e o que vi nesse contexto que me levou à escolha das cidades que integrariam o universo empírico dessa pesquisa e quais campanhas acompanhar. Como foi dito anteriormente, de acordo com o IBGE, o Cariri agrega 27 municípios com estruturas e tamanhos distintos. Com um processo eleitoral simultâneo em todo país, foi necessário delimitar as cidades estudadas durante as campanhas eleitorais municipais de 2016. Desse modo, estive em dez cidades (no mapa a seguir no sentido oeste-leste: Campos Sales; Araripe; Assaré; Farias brito; Crato; Juazeiro do Norte; Missão Velha; Milagres; Jardim e Jati) e acompanhei quinze Convenções de partidos para então escolher quais cidades acompanharia as campanhas e as mulheres.

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Ilustração 2: Mapa do Cariri com cidades das convenções observadas em destaque

Fonte: Elaborado pela autora

O calendário das eleições municipais de 2016 é aprovado pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral um ano antes, conforme o previsto na constituição federal. A eleição aconteceu no dia 02 de outubro de 2016 para o primeiro turno, e no dia 30 de outubro para o segundo turno. Quem pretendia concorrer a cargos eletivos teria que estar filiado a um partido político até seis meses antes da eleição, ou seja, até dia 02 de abril de 2016. Para não correr riscos, o mais comum entre os candidatos é ter toda a família filiada em algum partido. Uma das famílias que tive contato mantém a direção de três partidos em uma única cidade, sendo cada membro (marido, esposa e filho) na presidência de um. Assim não correm nenhum risco de a família ficar fora das coligações municipais.

As convenções para a escolha dos candidatos e a deliberação sobre as coligações também têm um período determinado. Nas eleições municipais de 2016, elas deveriam ocorrer entre 20 de julho e 05 de agosto. Os fatos observados durante esse intervalo de tempo determinaram minha escolha pelas cidades onde estaria durante as campanhas, pois, como disse anteriormente, esse é um momento de apresentação, não só dos nomes que concorrerão às eleições, mas das relações que serão base do próximo mandato.

As convenções são esperadas com ansiedade pela comunidade, pois elas são uma espécie de termômetro do que virá: as campanhas eleitorais. Estas foram

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reduzidas de 90 para 45 dias pela lei 13.165 de 2015, começando em 16 de agosto. Durante esse período, acompanhei cinco campanhas em cinco cidades, Crato, Juazeiro do Norte, Farias Brito, Araripe e Jati.Nesses locais, pude observar discursos dentro e fora de palanques, atividades e reuniões em sítios e distritos, performances e estratégias dos candidatos e suas famílias, sobretudo das mulheres candidatas a primeiras-damas e primeiras-damas candidatas a prefeitas.

Acompanhar esse processo me permitiu entender, na prática, as palavras de Irlys Barreira (1998. p. 203) sobre as campanhas, quando ela afirma que são ritos de legitimação da representação, que ajudam a refazer a ideia de que aquilo que se nomeia de sociedade e o que se denomina de política não são instâncias separadas e autônomas, mas esferas que se alimentam.

Durante as convenções, procurei observar mais atentamente o lugar e as atividades que são desempenhadas pelas mulheres no processo, o que me levou a entender e aprofundar o porquê de alguns escritores defenderem o uso do termo primeiro-damismo (TORRES, 2002). Aqui, gostaria de tratar rapidamente do perfil de primeira-dama com o qual me deparei em campo e que fala muito sobre o campo com o qual estamos lidando e as possibilidades de os sujeitos concretos negociarem com ele. Pude observar quatorze (14) mulheres em negociação com o cargo de primeira-dama (das quinze campanhas observadas, uma delas não tinha primeira-primeira-dama pois se configurava numa chacota política que tinha como candidato um bode). Em algumas cidades acompanhei mais de uma campanha. Em Araripe por exemplo, foram três mulheres, duas ex-primeiras-damas candidatas a prefeitas e uma buscando a reeleição. Em comum, todas brancas, com idade entre 33 e 60 anos, com filhos, todas católicas e com nível superior completo (segue tabela com perfil).

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Fonte: Elaborado pela autora (2019)

CIDADE SITUAÇÃO

FAMILIAR

FILHOS IDADE COR RELIGIÂO ESCOLARIDADE

P. D. Crato 1 Casada 2 Filhos 56 Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Crato 2

Casada 1Filhos 48

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Araripe 1

Casada 2 Filhos 52

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Araripe 2

Casada 3 Filhos 41

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Araripe 3

Casada 1 Filhos 35

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Juazeiro do

Norte 1

Casada 3 Filhos 56

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Juazeiro do

Norte 2

Casada 3 Filhos 52

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Campos

Sales

Casada 4 Filhos 60

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Assaré Casada 3 Filhos 53 Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Farias Brito

Casada 3 Filhos 52 Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Missão Velha

Casada 2 Filhos 48

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Milagres

Casada 2 Filhos 42

Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Jardim Casada 2 Filhos 46 Anos

Branca Católica Sup. Completo

P. D. Jati Casada 3 Filhos 44 Anos

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Dessa feita, no dia 26 de julho de 2016, eu estava em minha primeira convenção. A cidade era pequena, porém, a quadra municipal estava lotada, e fui informada que o lançamento da “outra” campanha tinha sido no dia anterior, mas naquele dia “tinha muito mais gente”; eu estava lá sozinha com meu caderno fazendo anotações, felizmente havia outras pessoas do mesmo jeito: funcionários da rádio local e de jornais de circulação local e regional. Eu era mais uma não-votante naquele meio, o que pode ser um problema para a campanha. No dia seguinte a uma convenção, a oposição conta quantas pessoas haviam “de fora” da cidade no evento, pois estes não têm voto e dessa forma “não contam”. Levar pessoas “de fora” é uma estratégia, segundo eles, para assustar os “outros lados”, fazendo-os pensar que há mais eleitores apoiando um partido do que outro. Os comentários e chacotas no dia seguinte de qualquer evento do tipo são parte importante do repertório que compõe o processo eleitoral.

Os eleitores, partidários e alguns adversários corajosos chegam ao local no horário combinado, às 18h. A espera é demorada e envolta de expectativas: “o prefeito tá aí, será que ele vai falar? ”. Eleitores observam as pessoas que são do “outro lado” (oposição) e que foram bisbilhotar para delatar quem está lá e porque “virou”. Quem “vira” são os eleitores que declaram apoio e voto à campanha rival, mas que aderiram (viraram) ao grupo da convenção. Seus nomes são anunciados nos sistemas de sons e são aplaudidos pelos novos companheiros. Por volta das 19h30min os candidatos chegam para subir ao palco. Até esse momento, eles já decidiram a ordem das falas, que na maioria das vezes começa pelos vereadores, que se apresentam e declaram seu compromisso com a eleição do candidato a prefeito, explicam porque estão de um lado e não do outro e se constroem como representantes condizentes com a demanda do município.

Nessa convenção, especificamente, uma fala me chamou atenção, depois que os vereadores falaram, e vale ressaltar que quanto mais fortes e agressivas eram as palavras, mais aplausos recebiam; foi anunciada a fala do filho do candidato a prefeito. O apresentador/locutor da convenção disse que seus pais não sabiam daquele momento, mas o filho queria falar de sua família. O jovem, de pouco mais de vinte anos, chegou antes dos candidatos à Convenção, ele fazia parte da coordenação da campanha, todos no município o conheciam e falavam dele como um futuro candidato, por isso sua fala se tornou especial para mim.

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Ele se propôs a falar de sua família como legítima representante do povo daquele município, relatando serviços prestados por seu pai médico e por outros membros da sua família que sempre o fizeram, sem nada pedir em troca, e agradeceu por esta prática de ajudar os outros ter se estendido até ele. Naquele momento, ele se lembrava de uma situação que o impressionou na infância: na Semana Santa, o pai estava de plantão no hospital e a mãe (que estava ali presente, no palco), recebia a família em casa ao lado dele e de sua irmã mais nova. Perto das 18h chegou uma mulher em desespero gritando no portão, pedindo a ajuda de seu pai, porque a irmã daquela senhora, que havia chegado de viajem para passar a Semana Santa com ela, estava doente, vomitando e queimando em febre. “Eu que atendi a porta, disse que meu pai não estava, aí minha mãe sai e diz que vai com ela” (Caderno de campo. 26 de julho de 2016).

Ele disse que pensou naquele momento: sua mãe era professora e não sabia curar as pessoas, mesmo assim, ela foi e o levou com ela; chegando lá, na casa da mulher enferma, ela “virou” a noite fazendo compressa, levando alívio e remédios, cuidando daquela mulher e de sua família. O seu pai só chegou pela manhã do dia seguinte, quando o plantão terminou. Ele disse que queria que aquelas pessoas (presentes na convenção) entendessem que todos naquela família estavam dispostos a ajudar e a sua mãe era o maior exemplo disso.

Ele contou que aquela mulher depois de curada, foi até sua casa agradecer e perguntar o que podiam fazer por eles. A mãe respondeu que não fez nada além da sua obrigação. O jovem ouviu a mulher dizer que daquele dia em diante votaria onde a família deles votasse. Ele continua dizendo que sua mãe não fez aquilo pensando em voto, fez porque ela é assim, e reafirma essa ideia lembrando as inúmeras noites que a viu chegar de madrugada depois de acompanhar pessoas doentes, vestir defuntos e arrumar caixões, e que quem o ouvia falar podia ter certeza de que haveria sempre alguém da sua família à disposição, porque todos ali tinham por princípio ajudar os outros.

Na sua fala ele podia ter acessado qualquer memória, mas é a da sua mãe, como personificação da bondade da família que é evocada. E a possibilidade daquela mulher ser a primeira-dama do município satisfaz a muitos ali. Ao encerrar a fala, os candidatos no palco parabenizaram o filho e a mãe que se abraçaram e chamaram o pai candidato para discursar. Emocionado ele falou da importância da sua esposa e

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disse, brincando, que talvez eles não tenham o melhor prefeito, mas com certeza, teriam a melhor primeira-dama do município se ele ganhasse.

A convenção foi encerrada com promessas de dias melhores e com os candidatos a vereadores e correligionários junto à família do candidato a prefeito de mãos dadas e erguidas. Na plateia, os comentários foram sobre como a convenção estava cheia e sobre a piada do prefeito em relação à primeira-dama. Seus eleitores riam e falavam do comovente discurso do filho sobre a mãe, concordando que estariam nas boas mãos da família do candidato. Já a oposição brincava dizendo concordar com o que disse o candidato rival, um dos vereadores da oposição diz ser uma que pena que não podiam votar em um prefeito por causa da mulher, enquanto outros diziam que se fosse ela a candidata seria bem melhor.

Nas 15 convenções que observei, alguns fatos se repetiram, como a apresentação da família como base e exemplo da competência do candidato a prefeito, e o trabalho de escuta das primeiras-damas. Observei em todas as convenções que era comum vê-las andar entre os eleitores no final das convenções, encontrando amigos, abraçando conhecidos, perguntando da saúde e dos familiares, sempre confirmando encontros e reuniões, não só para elas, mas para o marido. Em suas caminhadas no meio do povo elas recebiam pedidos de ajuda, as pessoas diziam quais ruas estavam com problemas de esgoto, que pessoas estavam doentes, e o que o prefeito deveria fazer depois de ganhar a eleição. Elas ouviam tudo e sempre respondiam: “isso não pode ficar assim”, “ele vai saber disso” e “não se preocupe, que a gente dá um jeito”. Às vezes, eu pensava que havia um treinamento para as mulheres primeiras-damas, e aqui se confirmava as palavras de Amaral (2007) ao entender a figura da primeira-dama como fundamental para prolongar o poder e a popularidade do marido.

Em 30 de julho, eu estava em outra cidade para mais uma convenção. Fui porque dois dias antes recebi uma ligação de uma amiga dessa cidade, também estudante de Ciências Sociais, que sabia da minha pesquisa. Ela falou que tinha acontecido uma reviravolta interessante. Dois dias antes da convenção os correligionários se reuniram para decidir sobre quem ocuparia o cargo de vice-prefeito. O prefeito já estava há meses visitando localidades, tentando levantar as demandas da comunidade, e, enquanto médico, fazendo atendimentos de graça à população. O que chamava atenção das pessoas que ele visitava era o trabalho de sua esposa, também médica, que atendia as mulheres e crianças nos quartos, enquanto o marido

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atendia os senhores nas salas. As pessoas atendidas falavam da gentileza dela, e de como era boa médica, tanto que podia ser ela a candidata.

Uma reunião marcada para decidir quem seria o vice-prefeito teve um resultado diferente e escolheram a primeira-dama como candidata a prefeita, e como vice outra ex-primeira-dama. Alguns disseram que o candidato a prefeito corria risco de não ter sua chapa homologada, outros que ele não era unanimidade na coligação, outros ainda disseram que esse era o plano desde o começo, e que só não anunciaram antes o nome dela para que o “outro” partido não se preparasse para essa novidade. Enfim, tínhamos naquele município, pela primeira vez, uma candidata à prefeita, com uma vice também mulher, que eram duas ex-primeiras-damas. Torres (2002, p. 22) aponta que é possível afirmar que, aos poucos, as mulheres primeiras-damas vão se colocando na esfera pública como sujeitos políticos de decisão e gestão, relevando, por vezes, grande potencial de liderança e poder de persuasão junto aos sujeitos sociais com quem mantém relações.

Na convenção do dia 30 de julho, todos estavam ansiosos pela fala das candidatas. O tema da campanha era mudança de verdade, enfatizando a figura feminina. A candidatura de duas mulheres ao executivo do município resultou em mudanças do discurso dos demais candidatos. Alguns vereadores tentavam aproximar suas falas de questões que remetiam ao gênero feminino, como violências e equivalência de direitos. Um dos candidatos a vereador apresentou sua mãe na convenção, agradecendo a ela todo o esforço e carinho na criação dos filhos, dizendo saber que só chegou até ali por causa dela e ainda que era porque conhecia a força de uma mulher que apoiava as duas candidatas.

A candidata entrou na quadra esportiva (várias convenções aconteceram em quadras esportivas), acompanhada do marido e das duas filhas, sua companheira de chapa com o marido, o filho e a nora. Soltaram fogos e confetes caíram; chamaram primeiro a candidata a vice, todos falam bem dela. Quando o marido foi candidato a prefeito pela segunda vez, ela não queria mais ser só primeira-dama, foi candidata a vereadora e foi uma das mais bem votadas do município, ela tinha experiência com apresentações públicas e sabia o que dizer e fazer. Ela tinha um discurso inflamado, forte, dizia que não tinha medo de nada e sabia o que estava fazendo. O público aplaudia na mesma intensidade, um senhor ao meu lado me olhou rindo e disse que ela era “arrochada”, termo empregado para se tratar de pessoas seguras, destemidas, o que sempre foi um bom elogio por lá.

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Finalmente, chegou a hora de apresentar a “futura prefeita” da cidade. Quando a chamaram, o marido pegou o microfone e apresentou as propostas de campanha. Eu olhava para os lados esperando uma reação das pessoas, perguntando quem era o candidato, ele ou ela? Mas não teve nenhuma reação. Fiquei sem entender nada. Ele termina sua fala dizendo que sabe da excelente mãe, mulher e profissional que sua esposa era e por isso sabia que a cidade estava em boas mãos. Ele passou o microfone para ela, que falou baixinho que faria mudança e que tinha competência para isso. Disse como é difícil conciliar o trabalho de médica com as atividades de casa, mas fazia isso feliz, porque ama o que faz, que também amava aquela cidade que a acolheu e, por isso, daria tudo dela para que a cidade prosperasse.

No final, todos se abraçaram, e os comentários eram de que ela estava se acostumando e daqui a pouco ela pegava jeito. A oposição falava que ela não tinha jeito, e que a campanha seria feita pela candidata a vice e pelo marido da candidata a prefeita. Em outro momento, após a convenção, os partidários se reuniram para avaliar a convenção, e a candidata tentou justificar o que aconteceu, falando que não foi criada no meio da política, não tinha costume de falar em público, foi criada como a maioria das mulheres. Sua vice-prefeita a defendeu, ressaltando que aprendeu na prática como se comportar nesse meio, e terminou dizendo que se derem a ela a oportunidade, ela vai aprender.

Barreira (1998, p. 207) diz que uma percepção mais abrangente das campanhas políticas revela que elas constituem momentos que reiteram diferentes sentidos da política e da sociedade. O que leva a considerar que a política “vale a pena”, pois as campanhas são geralmente momentos de “validação de novos representantes”.

Assisti a convenções que tinham trezentas pessoas presentes (Jati), outras com 5 mil (Crato) e/ou 10 mil pessoas (Juazeiro do Norte). Todas elas com peculiaridades advindas das atividades dos municípios, das características dos seus partidários, coligações do tipo PC-do-B com PSDB, que eu julgava ser impossível, mas que dependiam das relações e reiterações daquele contexto específico. Assim, acompanhei convenções em lugares convencionais e alguns inusitados, principalmente para as mulheres na posição de esposas de políticos. Estive em convenções em que a candidata à primeira-dama não compareceu e o público achou ser “falta de respeito”, “uma afronta” com o povo do município; convenção em que o

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vice-prefeito ficou doente e a esposa foi discursar por ele; uma em que a fala mais esperada era a de apoio da ex-primeira-dama, e não do ex-prefeito. No dia seguinte de cada convenção, sempre havia notas sobre as primeiras-damas, como estavam vestidas, se com roupas “sérias” ou “simples”, comentou-se sobre uma delas que “parecia que estava indo a uma festa de forró” (Missão Velha. 28 de julho de 2016); um comentário despertou minha atenção pois dizia que a esposa do candidato já estava vestida “como se já fosse a primeira-dama” (Campos Sales. 01 de agosto de 2016).

Com essa moldura, aparentemente, tudo sobre essas mulheres interessa aos eleitores. E foi a partir de observações dos sujeitos envolvidos em cada contexto que escolhi em quais cidades acompanharia as campanhas. E ali se iniciava outros processos de aproximação. Duas das cidades escolhidas (Jati e Farias Brito, até antes das convenções) só conhecia por nome, não sabia tamanho nem distância até elas. Crato é onde moro atualmente, sendo Juazeiro do Norte sua vizinha sem divisas. Araripe é a cidade onde reside boa parte de minha família o que possibilitava ao mesmo tempo entraves e aberturas.

Antes de chegar às cidades, além de pesquisas nos sites do IBGE e TSE, tentei encontrar colaboradores(as), como ex-colegas de curso que me indicavam pessoas para procurar na cidade que estavam envolvidas com o processo eleitoral. Em alguns casos, esses colegas eram eles mesmos os envolvidos nesses processos. Como alternativa para conhecer os candidatos e outras personagens da cena política local, busquei páginas online das prefeituras em questão, bem como perfis em redes sociais virtuais de coligações nos municípios, o que me ajudou a ter informações sobre eventos e datas de reuniões para encontrar candidatos e presenciar atividades.

Enquanto pesquisadora, meu encontro com as redes sociais se deu a partir desse estudo. É notável o quanto intensificamos o gerenciamos de nossas atividades cotidianas profissionais e afetivas por meio das chamadas redes sociais, para Olivier Godechot (2015), mesmo sem especializar-se em analises de/com/através das redes sociais, um pesquisador em ciências sociais tem hoje empiricamente mais chances de encontrar um objeto que esteja intrinsecamente relacionado as redes sociais.

Essas redes, segundo Florence Maillochon (2015) pode ser considerada tanto um fato social, na medida em que “se imporia por si mesma e faria sentido junto as pessoas implicadas” (p. 157), quanto uma categoria de análise ao ser empregada pelos pesquisadores. Senti sua imposição (enquanto fato social) desde as primeiras

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visitas ao campo, por várias vezes pedi informações a algumas pessoas recebendo como resposta: está lá na nossa página! Segue a gente no Instagram!4 Me procura no

face!5 Essa última recomendação foi a que mais ouvi e por isso mesmo se tornou uma

ferramenta importante para compreensão das relações estabelecidas em cada localidade. Lá, comecei a seguir as páginas das campanhas e as páginas pessoais das primeiras-damas. Curtia publicações e pedia informações. Por vezes, me pediram para compartilhar eventos e imagens de campanha, o que me trouxe indagações por parte de alguns seguidores, já que os partidos das campanhas que acompanhei não eram os mesmos e às vezes concorrentes entre as cidades. No entanto, me via em um espaço (o das redes sociais), em que os números de acessos, curtidas e compartilhamentos são um termômetro das ações praticadas. Eu literalmente seguindo pessoas, precisava ser reconhecida naqueles grupos para poder aprofundar meus acessos.

Foi através dessas redes que consegui ser inserida em alguns grupos de WhatsApp6, isso foi interessante, pois nos grupos os integrantes estão sempre

comentando as falas, as roupas, o que foi bom para o candidato e o que não foi. É o lugar dos “memes” e das piadas sobre as campanhas o que me dava a noção do que para eles era importante durante esse período. Fui adicionada a cinco grupos de WhatsApp, sendo um deles organizado, mas não administrado pela ex-primeira-dama de Crato, que buscava eleger novamente o companheiro; dois compessoas envolvidas nas campanhas de Araripe, um administrado pelo Vereador João de Vilma e outro pela Vereadora Roberta Almino; mais um em Jardim, administrado por um dos cabos eleitorais da campanha que um colega de curso apoiava; e o último em Jati, administrado pelo professor municipal Felipe Alencar, apoiador do bode. Godechot (2015. p. 270), infere que uma rede social, como as “redes altermundialistas7”, reenvia

a um grupo afim pouco burocratizado, mas que tem, no entanto, uma existência coletiva em razão da malha de relações vinculando seus membros. Observar as

4 Instagram é uma rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários que

permite aplicar filtros digitais e compartilhá-los em uma variedade de outras redes sociais, como Twitter, Facebook e Tumblr.

5 Acrônimo de Facebook.

6WhatsApp é um software para smartphones utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios através de uma conexão a internet.

7 Godechot (2015) designa assim as plataformas virtuais que como o facebook, o Flick ou o WhatsApp,

permitem aos membros inscritos compartilhar objetos eletrônicos com outros inscritos na plataforma designados de “amigos” ou afins.

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relações estabelecidas nessas redes permite o encontro com sujeitos que equivaleram seus desejos em uma malha agregada que os tornaram pares.

Esse acompanhamento online das campanhas complementou o trabalho de observação do campo, que se deu nas cinco cidades por 45 dias (período das campanhas eleitorais). Nesse ínterim fui a distritos e sítios distantes, participei de carreatas pelas cidades, segurei bandeiras em comícios e me surpreendi pelo modo como as pessoas ainda são motivadas e movidas por política – estávamos em 2016, as eleições presidenciais de 2018 ainda não tinham arrebatado o meu imaginário, mas os afetos dos envolvidos já se mostravam encarnados. Foi quando achei que ouvir os envolvidos diretamente podia esclarecer algumas dessas motivações, e optei por encerrar os trabalhos de campo com entrevistas semiestruturadas com “candidatas” à primeiras-damas e ex-primeiras-damas candidatas a prefeitas e vice-prefeita.

No capítulo acerca das performances femininas aprofundo questões aqui levantadas fazendo uso das falas construídas nessas entrevistas.

Referências

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