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3 – ELEIÇÕES MUNICIPAIS E PERFORMANCE DE GÊNERO: EMOLDURANDO CONCEITOS

Nesse momento do texto trago uma tentativa de emoldurar minha compreensão sobre a relação/imbricação entre eleições municipais e performance de gênero; tendo em vista, que as molduras nunca encerraram ou determinaram realmente o que é visto ou pensado pelos sujeitos concretos. Há sempre algo ultrapassando as molduras, reiterando novas possibilidades no momento mesmo em que a reiteração é feita. Ciente disso, o quadro que apresento recorta conceitos que acredito corroborarem com a ideia da política enquanto uma rede de significados que reiteram as eleições como rituais de representação e uma concepção dos gêneros enquanto performances inacabadas.

Começo a moldura do quadro refletindo junto a Hannah Arendt (2007) sobre o papel dos preconceitos na dinâmica sociail. Diz ela, que não existe nenhuma estrutura social que não se baseie mais ou menos em preconceitos, através dos quais certos sujeitos são permitidos e outros excluídos. O perigo disso, é que esse preconceito reside no fato de originalmente estar sempre ancorado no passado e, por causa disso, torna-se impossível uma experiência verdadeira do presente (ARENDT, 2007).

O passar dos anos tem tornado mais difícil falar de um sentido, motivo ou necessidade da política. Nesse texto especifico, Arendt, parte de experiências reais que se manteve com a política, que desencadeou desgraças no século passado – e que continuam a empreender tragédias nesse século –, e aponta que a pergunta deixou de ser, qual o seu sentido? Para ser, ainda existe sentido? Pois segundo ela, a princípio, o sentido da política é a liberdade, mas o que dizer quando ela mesma promove a separação, o isolamento e a restrição? “Se é verdade que a política nada mais é do que algo infelizmente necessário para a conservação da ‘humanidade’” (ARENDT, 2007: 40), então, ela mesma ameaça sua conservação quando regula disposições afetivas e éticas que permitem a salvaguarda de grupos sociais em detrimento de outros, ou seja, seu sentido transformou-se em falta de sentido.

No entanto, é nesse sentido, ora ameaçado, que reside o que Arendt chama de o “milagre da liberdade” (2007, p. 43). Nele está contido um poder-começar, que

por sua vez, está contido no fato de que cada sujeito é em si um novo começo, é como se a ideia de liberdade estivesse diretamente ligada à ideia do novo, à ideia de ser livre para escolher o que ninguém escolheu. A própria autora justifica esse pensamento por parecer tão longe dos ideais do campo da política, diz ela:

Se esperar um milagre for um traço característico da falta de saída em que nosso mundo chegou, então essa expectativa não nos remete, de modo nenhum, para fora do âmbito político original. Se o sentido da política é a liberdade, isso significa que nesse espaço e em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres (ARENDT, 2007, p: 44).

É preciso compreendermos o que Hannah Arendt quis dizer com liberdade em política. A coisa política ou a política não são exatamente um meio para possibilitar aos sujeitos a liberdade, uma vida livre. Posto que para viver no estado, entre seus pares, o sujeito já devia ser livre em outro sentido, ele não podia estar sujeito à coação de outro, nem mesmo como trabalhador que precisa de seu sustento. Primeiro, ele precisava ser livre, ou libertar-se para a liberdade.

Assim, o sentido da coisa política é que os sujeitos tenham relações entre si em liberdade para além da força, da coação e do domínio. “Iguais com iguais, que só em tempo de guerra, davam ordem e obedeciam uns aos outros” (ARENDT, 2007, p. 48). Vale perguntar, quando a guerra começou e se algum dia ela cessará? Não estaríamos tratando aqui das políticas da diferença e da normatividade em que essa política, desde sempre nos enquadrou?

Ao final dessa discussão, Arendt afirma que a política não é necessária, em absoluto, seja no sentido da natureza como fome ou a aliança, seja no sentido de uma instituição necessária para o convívio humano. Aliás, ela só começa, onde cessa o reino das necessidades materiais e da força física. A política existe quando poderes sociais estão em disputa, quando esses poderes reconhecem vidas como passíveis de entrar no jogo ou não, e esse jogo determina as vidas que merecem ser representadas.

As concepções de Arendt elucidam, desse modo, que o campo político exerce de fato um efeito de censura ao limitar e prescrever discursos que estruturam aquilo que é pensável politicamente. Problemas levantados, tomadas de decisão, a

fronteira entre o que é dizível ou não dizível, pensável ou impensável são dadas pelas mesmas leis que regem a entrada nesse campo. Devido as suas especificações, instrumentos e produtos, Pierre Bourdieu (2009, p: 166) diz que, “o mercado da política é, sem dúvida, um dos menos livres que existem”.

Para Bourdieu (2009) compreender e apreender o jogo de linguagens das coisas materiais e simbólicas que sustentam o campo e que se geram nele é, ao mesmo tempo, explicar e tornar necessário o jogo. Cada campo se caracteriza pela busca de uma finalidade específica, capaz de favorecer investimentos por parte de todos os que possuem as disposições requeridas para aquele campo. Em Bourdieu participar da Ilusion científica, literária, política ou qualquer outra, é o mesmo que “levar a sério os móveis dessa competição, os quais, nascidos da lógica do próprio jogo, conferem seriedade ao jogo” (2007, p. 21), isso implica na crença de que a disputa por capital naquele campo tem recompensas que valem a empreitada. O poder dessa Ilusion vem de uma inscrição na experiência prática que nasce do encontro entre um universo de símbolos, operadores, regras e agentes dispostos a reiterar o campo.

A lógica específica de um campo se institui em estado incorporado sob a forma de um habitus específico, ou melhor, de um sentido do jogo, ordinariamente designado como um ‘espírito’ ou um ‘sentido’ (filosófico, literário, artístico, etc.), que praticamente jamais é posto ou imposto de maneira explícita. Pelo fato de operar de modo insensível, ou seja, gradual, progressiva e imperceptível, a conversão mais ou menos radical (conforme a distância) do habitos originário requerido pela entrada no jogo e consequente aquisição do habitos especifico acaba passando despercebida quanto ao essencial (BOURDIEU, 2007, p: 21).

Isso pode ser observado, quando mulheres falam dos entraves para suas entradas no campo da política, mas veem nela a única alternativa para mudanças substanciais na vida de mulheres8. Essas dificuldades derivam do fato de que o

investimento originário para adentar em qualquer campo não tem em si sua origem, pois ele antecede ao que é compreendido como originário. Para Bourdieu (2007) isso

acontece de tal modo que quando decidimos entrar no jogo os lances já se encontram mais ou menos feitos. Assim, todo campo social será um lugar de regime de racionalidade instituído sob a forma de constrangimentos os quais, objetificados e manifestados numa certa estrutura social encontram cumplicidades no que Bourdieu chama de disposições adquiridas (2007, p. 137).

Com Bourdieu (2009), o campo da política é entendido ao mesmo tempo como campo de forças e como campo de lutas que tem como propósito transformar a relação de forças que confere a este campo a sua estrutura em dado momento.

O que faz com que a vida política possa ser descrita na lógica da oferta e da procura é a desigual distribuição dos instrumentos de produção de uma representação do mundo social explicitamente formulada: o campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados estão do lugar de produção (BOURDIEU, 2009, p: 164).

Há uma expectativa sobre o corpo do sujeito político. Espera-se dele um sentido do jogo, sentido esse que permita aos sujeitos preverem as tomadas de posição dos outros políticos e que os tornem, também, previsíveis. Desse modo, serão seguidores das regras, entendedores do seu campo, competentes, dignos de confiança, prontos a desempenhar de forma constante e sem surpresas um lugar na estrutura do jogo. Para Bourdieu, o domínio de uma certa linguagem, o vestir-se e o debate necessário são uma espécie de iniciação, com suas provas e seus ritos de passagem, que inculcam “o domínio prático da lógica imanente do campo político” (2009, p. 169).

Em algumas ocasiões, tive a oportunidade de passar algumas horas antes e/ou depois dos comícios junto aos candidatos e suas equipes; esses eram momentos em que reavaliavam o que aconteceu e/ou organizavam a ordem das falas e o que falar; em cada distrito de cada município era feita uma leitura das necessidades locais, previsões de recepção do público, a ponto de eles conseguirem prever antecipadamente a quantidade de pessoas, quem os receberiam em casa e quem não. Por vezes, chegavam a desmarcar um evento horas antes, porque, devido a

atividades de seus opositores, seus números seriam baixos e demonstrariam fraqueza, assim como, marcar reuniões na mesma localidade da chapa concorrente, prevendo maior número de eleitores para demonstrar força política não só à coligação concorrente, mas garantir estabilidade ao seu eleitorado que naquele momento saberia “que não estava dando voto perdido”.

Isso tem a ver com uma percepção da política que a trata como rede de significados em forte relação com a cultura. Mesmo cientes que a vida cotidiana está permanentemente entrelaçada ao mundo da política, essa relação nos parece pouco visível (as notícias sobre política, sobre gestão ou funcionamento) e se apresentam distantes, como “coisas de política” segundo Irlys Barreira (1998). É nesse contexto, que me volto às campanhas eleitorais, por compreender que sua efetivação exige a participação física dos sujeitos concretos, tanto para quem entra de forma direta na disputa eleitoral – pleiteando um cargo eletivo – quanto para quem entra reiterando o campo enquanto eleitor – que não deixa de pleitear algo – ao mostrar disposições e justificações para efetivação do campo político.

Estar em campo no momento das eleições municipai (2016) me fez perceber que campanhas políticas não são apenas uma disputa por cargos eletivos, elas são capazes de evocar novos e antigos padrões de comportamento e regras de conduta (BARREIRA, 1998).

A reconstituição da sociedade em dois grandes blocos (eleitores e candidatos), incluindo aí subgrupos criados a partir de formas diferentes de adesão, comanda também cenários plenos de ritualidade. Do lado dos candidatos, desde o café da manhã, passando por suas preferências pessoais até a divulgação de suas biografias, percebe-se a existência de uma contabilidade de gestos, imagens e palavras que caracterizam uma publicidade permanente da vida cotidiana, típica do período eleitoral. Os eleitores, portando a condição de ‘vontade geral decisiva’, participam de forma contundente de eventos ou acenos discursivos frequentes, que aparecem nos discursos através de noções como ‘povo’, ‘cidadãos’ ou nas várias formas de cumprimento, tais como ‘companheiros’, ‘irmãos’, ‘conterrâneos’ (BARREIRA, 1998, p: 32)

Compreendo, ainda, que as eleições, oportunizam, ao mesmo tempo, novas possibilidades de cosmologias, a partir do momento em que “o tempo da política” caracterizado como um tempo de disputas, oportuno para explicitação de

conflitos que, em circunstancias cotidianas, estão submetidos a regras e controles da vida social, encontra nesse período oportunidades de alteração de sentido das sociabilidades, deixando vir a luz disposições e desejos que podem fazer emergir novos e também velhos sentidos da disputa pelo poder (BARREIRA, 1998) .

Em todas as cidades em que estive, havia uma preocupação se após as eleições aconteceriam mudanças ou continuidades, o que deixava as pessoas, nesse período, imersas num tempo de suspeição, onde tudo parecia estar em disputa. Foi de observações como essas, que passei a vislumbrar as campanhas eleitorais como rituais, não só de passagem, mas também rituais de representação (BARREIRA, 2008).

3.1 – As eleições como rituais de representação

Para a Sociologia Clássica, os ritos se configuram em chaves importantes para se compreender a vida social. Durkheim afirmava em As formas elementares da vida religiosa (2008), que não existia nenhuma sociedade que não sentisse a necessidade de provar e afirmar em intervalos regulares seus sentimentos, valores e ideais coletivos. Ele reifica a ideia de ligação entre crenças e práticas coletivas, onde o ritual seria um lugar relevante para a transmissão e reprodução desses valores sociais.

Autores contemporâneos também expressam a importância dos rituais, entendendo-os como sistema de comunicação simbólica, como um texto a ser interpretado. Em O processo ritual de Victor Turner (2013), Mônica Wilson explica em um dos prefácios, que os rituais revelam os valores sociais e morais no seu nível mais profundo: “[...] os homens expressam no ritual aquilo que os toca mais intensamente e, sendo a forma de expressão convencional e obrigatória, os valores do grupo é que são revelados” (WILSON, 2013, p. 23).

Em Chuva de papeis: Ritos e símbolos de campanhas eleitorais no Brasil de Irlys Barreira (1998), compreende-se que a política é apresentada através de grandes rituais coletivos, nas mais diversas sociedades. Os rituais da política são, desse modo, focos privilegiados para se entender o próprio sentido da política e seus

mecanismos, pois esses rituais, ao invés de constituir um homogêneo “nós”, “podem congregar partes diferenciadas de uma mesma totalidade. [...] os rituais são, nessa ordem de ideias, indutores ou expressivos de conflitos” (BARREIRA. 1998, p: 34).

Sobre os ritos de passagem, Arnold Van Gennep (2011) foi pioneiro em não tratá-los como fenômenos universais. Para ele, os rituais acompanham toda mudança de lugar, estado, posição social, idade, e são compostos de fases de separação e incorporação à sociabilidade, existindo entre eles um período marginal no qual o sujeito se apresenta para adquirir status no plano coletivo. Assim, eles podem ser entendidos como modos de se realizar uma transição entre estados ou posições sociais.

As fases dos ritos sociais se configuram segundo Van Gennep (2011) da seguinte forma: a primeira é chamada de separação, e compreende os comportamentos simbólicos que explicitam o distanciamento do indivíduo ou grupo da relação ou posição que ocupam na trama social ou no conjunto das condições culturais que definem seu lugar. Nos rituais de campanhas eleitorais, podemos acompanhar, nesse período, as propagandas dos tribunais eleitorais anunciando a chegada das eleições. Assim, o povo começa a se preparar, os candidatos montam suas chapas e se desligam de seus cargos oficiais de trabalho; em cada município é montada uma equipe que vai coordenar os trabalhos das campanhas e eleições, voluntários são convocados e já percebemos outras relações de forças se organizando.

Na convenção de Jati, me aproximo de um grupo de senhores que comentavam a apresentação da candidata, e eu me admiro para eles da quantidade de pessoas presentes em uma cidade tão pequena. Um deles, seu Crispim de 77 anos, para explicar a importância das campanhas para o lugar, diz que em ano de eleição tem que se preparar desde cedo para renovação em sua casa – trata-se de um ritual popular católico comum nos sertões nordestinos, em que se realiza uma cerimônia com rezas, cânticos e comidas para renovar votos de casamento e/ou votos de fé em agradecimento às bênçãos concedidas, sendo que no Cariri, esse ritual religioso ganhou ainda mais força por ser incentivado pelo Padre Cícero – porque nesses anos, aparece gente em sua casa que ele diz não saber de onde saiu. Explica, ainda, que em anos normais tem que sair lembrando ao povo o dia da renovação, mas que em ano de política, a renovação fica importante que só [sic].

Acompanhamos aqui a separação, o distanciamento do que é comum, a preparação para dias seguidos de campanha, em que alguns candidatos em cidades maiores chegam a mudar radicalmente seus hábitos a fim de ter mais resistência física para as campanhas. Os eleitores, por sua vez, começam a reorganizar afetividades, aproximar laços e as rodas de conversas e/ou fofocas passam a ser lugares privilegiados para se entender valores e ideais da comunidade. Norbert Elias e John Scotson (2000) em Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade, tratam da natureza e função das fofocas concebendo-as como uma espécie de termômetro da integração de uma comunidade. Assim a fofoca não se constitui um fenômeno independente de outras interações, pelo contrário, o que é digno dela depende das normas e crenças coletivas e das relações comunitárias.

Para Elias e Scotson (2000, p: 122) “uma comunidade coesa precisa de um fluxo constante de mexericos para manter o moinho em funcionamento e conta com um sistema complexo de centros de intrigas”. Em tempos de eleições esse fluxo se intensifica aprofundando associações e grupos políticos reconhecíveis e identificáveis a cada nova notícia.

Cada um sabia como se situar em relação aos outros. Havia poucas barreiras à comunicação. As notícias sobre uns e outros, sobre todas as pessoas publicamente conhecidas, tornavam a vida mais interessante (ELIAS; SCOTSON. 2000, p: 122).

Durante as campanhas emanam tipos específicos de preconceitos coletivos (a determinação de quem é fora e de dentro é construída a partir de uma linha tênue identificável, muitas das vezes, por poucos sujeitos de um grupo), que fazem parte da justificativa da superioridade e legitimidade do próprio grupo em administrar a cidade e da inferioridade do outro grupo para a responsabilidade do cargo. Desse modo, a fofoca precisa de dois grupos:

Aqueles que a circulam e aqueles sobre quem ela é circulada. Nos casos em que o sujeito e o objeto da fofoca pertencem a grupos diferentes, o quadro de referências não é apenas os mexeriqueiros, mas a situação e a estrutura dos dois grupos e a relação que eles mantêm entre si. Sem esse quadro de referência mais amplo, é impossível responder a uma pergunta crucial: saber porque a fofoca pode vir a ser [..] um recurso eficaz para ferir e humilhar os membros

do outro grupo a para assegurar ascendência sobre eles (ELIAS; SCOTSON, 2000, p: 130).

Em campo, todas essas facetas da lógica da função da fofoca foram vislumbradas, ora, como estratégia de campanha, ora, como instrumento de reconhecimento e exaltação de valores grupais. Elias e Scotson (2000), enfatizam ainda, que a atribuição de falhas, a indivíduos que pessoalmente nada fizeram para merecê-las além de pertencerem ao grupo do outro, é um fenômeno universal, em nosso estudo, encontrado em todas as campanhas observadas.

Dando continuidade a caracterização das fases dos ritos de passagem, para Van Gennep a segunda fase, chamada marginal – ou como prefere Turner (2013) “liminar” – é caracterizada por uma ambiguidade, pela criação de um momento de exaltação em que os significados “normais” aparecem invertidos, de maneira que os fracos ganham força e todos os símbolos da sociedade em questão são postos em suspeição. Ruth Cardoso (2011) em Os símbolos e o Drama na antropologia política explica que essa fase é o “entreato, em que aqueles que se submetem a um rito de passagem sentem-se em contiguidade e comunicação perfeitas reunidos numa mesma condição e afastados das diferenças que os separam” (CARDOSO, 2011, p: 149). Ao apagar distinções, essa situação cria um congraçamento entre classes, gêneros e linhagens e coloca os participantes em um estado de humildade, aceitação do sofrimento e loucura. Essa homogeneidade tem um preço. Segundo Cardoso (2011), implica a entrega total do sujeito ou do grupo que vivendo esse momento cria uma nova sociabilidade que é por si mesma, criadora de novos símbolos, novas oportunidades de comportamento, novos discursos.

Van Gennep dedica parte de seu texto O processo ritual estrutura e antiestrutura (2013) a descrever o tempo de liminaridade nos rituais. Para ele, o que entendemos por liminaridade não está perto ou longe de nós, está em meio às posições, e ordenadas pela lei, pelos costumes e convenções. Seus símbolos sempre ambíguos e indeterminados frequentemente são comparados com a morte ou ao estar no útero. Para os que passam pelo ritual, é esperado um comportamento passivo e humilde no sentido de aceitar as provações. Durante as campanhas eleitorais