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CONCLUSÕES ACERCA DAS MULHERES DO CARIR

As mulheres do Cariri, é um projeto que venho construindo desde meu ingresso nas ciências sociais em 2006, de lá até aqui, investiguei trabalhadoras do calçado; violência doméstica e familiar; vereadoras ligadas aos movimentos sociais da região, e no texto apresentado, tento tensionar questões referentes as disputas por poder político a partir dos corpos de mulheres que são ou já foram primeiras-damas nos municípios do Cariri. Esse percurso me permitiu apreender, corporalmente, que eu não lidava com a idéia de ‘Mulher’, enquanto objeto de estudo, mas que me encontrava diante de possibilidades reais de constituição de sujeitos, que não por acaso, se identificavam todas como mulheres.

A diferença entre a mulher que com o trabalho de um salário mínimo na fábrica de calçados mantém toda sua família, para a primeira-dama que descobre no andor de Santo Antônio o momento para se fazer candidata é gritante. Não só em termos sócio/econômicos como: classe social, acesso à educação e trabalho. As diferenças se dão na cor da pele, na fala, nos seus investimentos, ou seja, no que faz as pessoas se posicionarem em determinado discurso e não em outro. As diferenças se dão inclusive nos comprometimentos emocionais, fazendo com que a mulher encontrada em cada um desses universos investigativos seja uma reiteração em ato do que compreendemos sobre mulher. São a partir dessas observações que apresento minha primeira consideração: as mulheres do Cariri não são uma só. Elas são sujeitos reais, concretos – não são fruto de idealizações –, elas (re)existem e suas possibilidades se dão e são reiteradas e reinventadas em seus cotidianos caririenses. De maneira semelhante, as eleições ao mesmo tempo em que reiteram verdades e valores de um grupo social, são rituais indutores e expressivos de conflitos. Em seu momento de liminaridade os sujeitos envolvidos, carregam consigo suas paixões, desejos e verdades mais intimas, tornando os candidatos verdadeiros estandartes de crenças e valores. Por esse mesmo motivo, as eleições podem se configurar em momentos excepcionais para a queda e construção de novos paradigmas. Aqui, considero o fato de que no Cariri, as eleições mobilizam sujeitos diversos e esse encontro emaranhado de investimentos é creditado por mulheres

inseridas nesse espaço, como possibilidade. Possibilidade de tornar outras representações possíveis, de nivelar gêneros e/ou manter suas famílias no circuito de poder local.

Minha terceira consideração, se dá sobre a leitura do campo da política feita pelas mulheres que lá estão. Para elas, a política está desacreditada pela maioria da população brasileira, pois a forma como tem sido conduzida ao longo do tempo, tornou o estado uma instituição apartada do seu povo e que não o respeita nem o compreende. A partir dessas “constatações”, essas mulheres fazem emergir um discurso sobre a necessidade de um outro representante do povo diante do estado. Esse representante, deve ter vivencias de gestão do coletivo, precisa ter um olhar especial para vida pública, onde sejam privilegiados os descriminados, além de ter experiência com o cuidado de quem precisa. É a partir de discursos como estes que essas mulheres se apresentam e se legitimam no campo da política formal, como a possibilidade da mudança, como esse novo representante do povo.

As mulheres que estão fazendo política no Cariri, se vêm dignas e capacitadas para estarem em disputa por esse espaço, e elas creditam isso a sua condição social, psíquica e política, enquanto gênero feminino. Observamos nesse campo de estudo, que são as qualidades compreendidas como femininas que as tornam, segundo elas, próprias para ocuparem um cargo político, mais que isso, o campo da política precisa e se tornou carente das qualidades femininas: “só assim para a política de fato, servir a sua comunidade”, disse a primeira-dama de Campos Sales. Desse modo, o que antes as afastava da política formal é o que legitima nesse campo: suas qualidades femininas.

Por último, é preciso refletir sobre as construções de gênero ali engendradas, pois, acompanhar as eleições em cidades distintas reifica a ideia de os gêneros serem atos reiterados e performatizados em todo e qualquer campo social. No espaço da política formal Caririense é exigido dessas mulheres negociações e estratégias de apresentação que consideram os contextos culturais locais, tornando essas mulheres desde católicas caridosas e mães exemplares à motoristas de campanha e carregadoras de andor. Se o corpo é uma situação, entendo que o corpo dessas mulheres sempre esteve interpretado por significados culturais, porém, as performances “hiperbólicas desse feminino natural” no campo da política, através do essencialismo estratégico, pode a curto prazo abrir espaço para legitimação política dos corpos femininos, mas a longo prazo, corre-se o risco de se reduzir os sujeitos a

uma “essência” simplificadora e estereotipada que tanto nega a multiplicidade das experiências quanto naturaliza os efeitos da dominação.

O fato de essa legitimação se efetivar a partir de estratégias que lançam mão de todo um aparato de bio-poder ideológico, burocrático, estatal que consideravam essa mesma mulher incapaz de estar nas estruturas públicas de poder, pode no futuro, tanto frear a participação política das mulheres nas esferas formais de poder, quanto deslegitimar sujeitos sociais que não performatizam o modelo vigente dos gêneros femininos e masculinos.

É preciso tempo, para observar e analisar os resultados desses investimentos. Nesse momento, os dados aqui apresentados, se fazem importantes, sobretudo se ampliarmos o quadro nacional de representatividade e acontecimentos recentes da nossa história, como o impeachment da primeira Presidenta da república brasileira, e o assassinato de uma vereadora negra, lésbica e periférica no Rio de Janeiro. Esses fatos ajudam a refletir pelo menos duas questões. A primeira, é que 85 anos depois das mulheres terem conquistado o direito ao voto, nós ainda estamos contando as primeiras. Os espaços ainda estão sendo percorridos, muitas mulheres ainda estão longe de se reconhecerem ou reconhecer mulheres como representantes políticas, os espaços formais de atuação política ainda são fechados para corpos não inteligíveis. O que me leva a segunda reflexão: a política pode ser um campo perigoso para corpos cujos hábitus, interações e intersecções cobram novos posicionamentos e respostas do estado com os seus e os corpos femininos carregam essa possibilidade/potencialidade de mudança.

Ai fim de tudo, o que apresento nesse estudo é que a participação efetiva das mulheres na política e nas estruturas formais de poder é um caminho a ser construído e trilhado, e por esse mesmo motivo, acredito que os estudos de gênero e/ou mulheres estão longe de um momento estacionário, como aludem alguns.

Diante do turbilhão de acontecimentos em que estamos envoltos, nosso dever enquanto pesquisadores, é mergulhar cada vez mais fundo nas criações que mulheres e homens elaboram diariamente para conduzir suas vidas. E o todo complexo em relação aos gêneros que entrelaçamos, ainda despertará milhares de olhares científicos e de indagações sobre o que somos? Como somos? E para onde vamos? Afinal é essa inconstância constante que impulsiona a continuarmos aqui.

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ANEXOS