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OS SENTIDOS DO LULISMO REFORMA GRADUAL E PACTO CONSERVADOR The meanings of lulismo Gradual reform and conservative pact

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OS SENTIDOS DO LULISMO – REFORMA

GRADUAL E PACTO CONSERVADOR

The meanings of lulismo – Gradual reform and conservative pact

Lucas Matos Valadares

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

lucasmatosvaladares@hotmail.com

Fundado em 1980, a partir da articulação de diversos sindicatos operários paulistas, o Partido dos Trabalhadores (PT), historicamente

conhecido por sua defesa ao socialismo, vem operando significativas

transformações socioeconômicas no Brasil ao longo dos mais de dez anos em que está na presidência do país. Seu maior líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encetou um verdadeiro quadro de reformas sociais cujo corolário mais preemente é a redução da miséria e da desigualdade social. Sua sucessora, Dilma Rousseff, segue os trilhos de seu antecessor, adotando como diretriz primordial de seu governo a erradicação da miséria.

Inicialmente um partido radical, de forte cunho esquerdista e com ojeriza ao capital, o PT, ao longo de suas primeiras duas décadas de existência, arrefeceu gradativamente seu discurso e conseguiu chegar à presidência em 2002 com o apoio da classe média escolarizada das grandes cidades. Após quatro anos de governo e significativas mudanças sociais, Lula

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produziu um inédito fenômeno sociopolítico: o lulismo. Em 2006, as classes mais baixas da sociedade brasileira, tradicionalmente temerosas à esquerda por associá-la a desordem, perderam o medo e apoiaram veementemente a candidatura petista. Por outro lado, frustrada pelos escândalos de corrupção noticiados em 2005, grande parte da classe média abandonou o PT e transferiu seus votos ao PSDB. Procurando identificar as causas e significados deste realinhamento eleitoral, André Singer, ex-porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência da República (2003-07) e atualmente professor da Universidade de São Paulo (USP), empreende uma afinada análise das relações de classe e poder no Brasil contemporâneo em seu mais recente livro “Os sentidos do lulismo”, além de delinear um esboço do que, para ele, dominará a agenda política do país nas próximas décadas.

Vitorioso na eleição presidencial de 2002, tão logo assumiu o poder Lula procurou mitigar o temor do empresariado brasileiro quanto a sua postura esquerdista. Adotando na campanha eleitoral um tom brando e não-radical, manteve parte da política econômica neoliberal adotada por seus precursores, Collor e Fernando Henrique Cardoso, com o intuito de evitar qualquer confrontação com o capital. De imediato, o governo deliberou junto ao Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) um aumento da taxa de juros de 25% para 26,5%. Logo em seguida anunciou corte de 14,3 bilhões de reais nos gastos públicos e elaborou um plano conservador de reforma da Previdência Social. Em suma, adotou política econômica conservadora, o que resultou, ao longo de 2003 e 2004, em aumento do desemprego, redução do crescimento econômico e queda da renda média do trabalhador.

Singer (2012) inicia sua análise fazendo uma comparação do princípio pouco promissor do governo Lula com seus momentos finais, auspiciosos, com o crescimento do PIB chegando a 7,5% em 2010 e nível de desemprego

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de 5,3%, “taxa considerada pelos economistas próxima ao pleno emprego” (SINGER, 2012, p. 12). Deste modo, ao cabo dos oito anos do governo Lula pode-se notar uma significativa redução da pobreza e da desigualdade social. Sob esse aspecto, Singer pergunta:

(...) como teria sido possível destravar a economia e reduzir a iniquidade sem radicalização política, numa transição quase imperceptível do viés supostamente neoliberal do primeiro mandato para o reformismo do segundo? (SINGER, 2012, p.13).

A resposta para esta pergunta é a chave para se entender os motivos do realinhamento eleitoral de 2006, acontecimento primordial do fenômeno denominado lulismo. De início, pode-se dizer que a adoção de políticas de combate à pobreza sem qualquer confrontação com o capital, associado à conjuntura internacional favorável ao Brasil, resultou em um fortalecimento do mercado interno, cujos ganhos se refletiram diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores. Isso teria provocado, juntamente com os escândalos do mensalão, um novo reordenamento eleitoral no Brasil: a classe média se afasta da base eleitoral do PT e passa a apoiar o PSDB, ao passo que o subproletariado faz o caminho inverso. É importante ressaltar que o realinhamento eleitoral cristalizado em 2006 é apenas a superfície de um fenômeno mais profundo, qual seja, a definição de um novo ciclo político longo, uma nova agenda política para um país que se mostra renovado, onde as relações de classes mudaram, bem como as demandas da população.

Como argumenta André Singer, esse realinhamento eleitoral só foi possível graças às mudanças estruturais introduzidas pelo governo Lula que, por sua vez, foram diretamente ao encontro das demandas da classe mais empobrecida e numerosa da população brasileira: o subproletariado. Tendo optado pela adoção de política econômica neoliberal associada a um reformismo fraco, Lula conseguiu ativar o mercado interno nacional e, aproveitando o boom internacional de commodities, acelerou o crescimento

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econômico e ampliou o número de postos de trabalho, além de reduzir a miséria com os programas de transferência de renda. Singer identifica neste novo modelo de gestão econômica um perfeito alinhamento do governo com o subproletariado, a partir do qual surge o lulismo. Assim, a plataforma lulista caracteriza-se pelo fortalecimento do Estado como uma estrutura capaz de ajudar os mais pobres sem confrontar a ordem, culminando numa significativa redução da desigualdade e ampliação do padrão de vida do brasileiro além, como dito, da forte adesão proletária à plataforma lulista. Pode-se dizer que o realinhamento eleitoral de 2006 denota uma mudança significativa de um padrão histórico de comportamento político, particularmente das camadas mais baixas do Brasil, localizadas, em sua maior parte, no Norte e Nordeste do país. Tal mudança proporcionou o surgimento de nova polarização no cenário político nacional, que tradicionalmente separava esquerda e direita, a partir de 2006 passou a opor pobres a ricos, estes atrelados ao PSDB e aqueles ao PT, exatamente o oposto do que demonstravam as eleições anteriores. Deste modo, os que esperavam do governo petista uma radicalização da contenda entre burguesia e proletariado foram frustrados em função da singular plataforma lulista que conjugava reformismo com respeito ao capital, numa perspectiva que acabou por esvaziar o discurso de classes.

O subproletariado se firma no suporte a Lula e ao PT, na expectativa de que se cumpra o programa de inclusão, enquanto a classe média se unifica em torno do PSDB, na procura de restaurar o status quo ante (...). (SINGER, 2012, p.46).

Singer demonstra que é possível perceber claramente a influência direta das políticas de Lula no comportamento eleitoral daqueles mais fortemente afetados por elas. A despeito da alta votação recebida por Lula nas regiões Norte e Nordeste – áreas com maior concentração de beneficiados pelo Programa Bolsa Família (PBF) –, sua candidatura obteve mais votos entre as mulheres de baixa renda, exatamente o público-alvo do PBF (uma vez que são

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as mães que recebem o benefício). No entanto, este programa por si só não explica a expressiva votação de Lula em 2006. Segundo o autor, o fator que mais contribuiu para o apoio ao então candidato foi o controle de preços posto em prática em seu primeiro mandato, cujo resultado foi o aumento do poder de compra das camadas mais pobres. Singer chama atenção para o aumento do preço da cesta básica em Porto Alegre e São Paulo entre 2003 e 2006, enquanto em Fortaleza e Recife houve, respectivamente, redução e pequeno aumento do preço. Por conseguinte, Lula perdeu no Rio Grande do Sul e em São Paulo nos dois turnos, ao passo que em Pernambuco e Ceará venceu com larga vantagem. Não obstante, o aumento real do salário mínimo em 24,25%, durante o primeiro mandato de Lula, impactou de maneira ainda mais proeminente do que o PBF no direcionamento de votos ao PT e, certamente, todos estes fatores juntos contribuíram sobremaneira para a dinamização das economias locais pouco desenvolvidas, aumentando a base eleitoral petista.

Além das medidas de alcance geral, que propiciaram a ativação de setores antes inexistentes na economia (por exemplo, clínicas dentárias para a baixa renda), uma série de programas focalizados, como o Luz para Todos (de eletrificação rural), regularização das propriedades quilombolas, construção de cisternas no semiárido etc, favoreceu o setor de baixíssima renda. (SINGER, 2012, p.68).

É importante perceber, como mostra o autor, que aqueles que votaram em Lula em 2006 não o fizeram por questões ideológicas. Lula, cujo histórico de vida singular combina momentos de miséria e sofrimento até chegar ao sucesso como presidente da república, entrou para o imaginário coletivo como uma espécie de mito. Conforme Francisco de Oliveira (2007) argumenta em “Hegemonia às avessas” 1, “esse é um tipo de liderança que ‘despolitiza a questão da pobreza e da desigualdade”. Em suma, o lulismo teria criado, a

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partir do realinhamento eleitoral, uma auto-imagem tão forte que acabou por levar o eleitorado a decidir seu voto em função da identificação pessoal com o candidato, haja vista que grande parcela dos que elegeram o ex-metalúrgico possuem histórico de vida até certo ponto semelhante. Desta forma, percebe-se que houve, como afirma Singer, uma “desideologização” da política nacional. Significa dizer que na eleição de 2006 “(...) uma parte dos eleitores localizados à esquerda (...) (perdeu) o rumo, retirando à ideologia a influência que esta antes pudesse ter tido no processo eleitoral”. (SINGER, 2012, p.72). Assim, torna-se claro o caráter inovador de Lula no cenário político nacional. Sua ascensão à condição de figura mítica trouxe para a política uma nova força. É necessário ressaltar que tal força não se confunde com o PT. O lulismo é um fenômeno absolutamente pessoal. Prova disso foi a existência, nas eleições de 2006, de uma desconexão entre Lula e PT. Enquanto o presidente teve particular sucesso no Norte e Nordeste do país, seu partido continuou a receber maior parte de seus votos do sul e sudeste. Sob esse prisma, Singer aponta para o surgimento de um viés ideológico que, independentemente da despolitização nacional, se apresenta como forte alternativa às ideologias tradicionais: o lulismo. Sob o mote combate à pobreza

dentro da ordem, Singer identifica o surgimento de uma nova agenda política – emersa das diretrizes fundamentais do governo Lula –, que dominará o debate político nacional nas próximas décadas. Esta agenda, que permanece como tema principal da administração de Dilma Rousseff, é a erradicação da miséria sem confrontação com o capital.

Percebe-se que o aparecimento de uma agenda política baseada no combate à miséria sem qualquer tentativa de confrontação com o capital seria impensável ao PT de 1980. De postura radical, o Partido dos Trabalhadores pregava a subversão da ordem, com a superação do capitalismo em prol de uma sociedade socialista. Singer demonstra o progressivo arrefecimento do

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discurso pesadamente socialista da década de 1980 até a atual posição amigável ao capital, fortemente influenciada pelo posicionamento e liderança de Lula. Nas palavras do autor:

No que concerne às pesquisas universitárias, podem-se distinguir quatro macro-orientações (...). A primeira aborda a crescente moderação de discurso. Com tonalidades diversas, a depender da inclinação do autor, um conjunto de trabalhos nota que o PT não pretende mais revolucionar a sociedade. Uma segunda vertente concentra-se na passagem de partido acentuadamente ideológico, com inserção eleitoral marcada por tal traço, para legenda com acento maximizador, isto é, disposta a qualquer tipo de aliança para conseguir votos. Em terceiro estão os que apontam para o enfraquecimento do vínculo com os movimentos sociais e uma paralela inserção estatal privilegiada. Por fim, encontram-se os textos acadêmicos que salientam o câmbio na origem social dos simpatizantes, com intensa popularização das fontes de apoio. (SINGER, 2012, p.85-86).

O ponto de virada do Partido dos Trabalhadores, isto é, a mudança de uma postura radical para um posicionamento mais moderado ocorre, segundo Singer, com o lançamento da “Carta ao Povo Brasileiro”, de junho de 2002. Neste documento, Lula, então candidato à presidência, comprometeu-se com as exigências do capital, de modo a evitar o temor do empresariado caso viesse a ser eleito. Em suma, Lula rompeu com a velha alma radical do PT, dando o pontapé inicial para o que viria a ser o mais expressivo fenômeno sociopolítico brasileiro das últimas décadas, o lulismo. Para melhor explicitar a virada programática do PT, cito a comparação de Singer:

No programa da Coligação Lula Presidente, divulgado no final de julho de 2002, há perceptível câmbio de tom em relação ao capital. Em lugar do confronto com os ‘humores do capital financeiro globalizado’, que havia sido aprovado em Dezembro de 2001, o documento afirmava que “o Brasil não deve prescindir das empresas, da tecnologia e do capital estrangeiro’” (Diretório Nacional do PT, Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil, Lula 2002, São Paulo, mar. 2002, p.15). (SINGER, 2012, p. 96).

A mudança do discurso petista conduzida por Lula foi o substrato a partir do qual o então candidato foi alçado à presidência e ao qual se apoiou

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para realizar o singular projeto político de conciliação entre reformismo e neoliberalismo. Sem esta “nova alma petista”, moderada e amigável ao capital, não teria havido, ao longo dos oito anos de governo Lula, as fortes transformações socioeconômicas já mencionadas. O surpreendente crescimento do PIB em 2010 – 7,5% -, sustentado pela redução do desemprego, da desigualdade social e pela ampliação do consumo, acabou por criar uma atmosfera imaginária no Brasil a ponto de alguns o compararem com a democracia americana de meio século atrás, quando Franklin D. Roosevelt implantou o New Deal e reduziu drasticamente as consequências negativas da crise de 1929, tendo proporcionado aos americanos a situação de prosperidade econômica que fez dos Estados Unidos um “país de classe média”. Note-se que as mudanças socioeconômicas iniciadas por Roosevelt no contexto do New Deal foram eminentemente coordenadas pelo Estado, em um movimento que conciliou crescimento industrial com ajuda estatal às classes mais afetadas pelo crash de 1929. Do mesmo modo o fez Lula em seus dois mandatos, tendo optado pela forte presença do Estado na economia, com o intuito de direcionar recursos aos estratos menos privilegiados ao mesmo tempo em que proporcionava o crescimento econômico.

A despeito da elevação da renda de milhões de brasileiros, da redução do desemprego, da ampliação do consumo e da ascensão de inúmeras famílias à classe média, o New Deal brasileiro não passa de sonho. A começar pela classe média brasileira, que longe de poder ser comparada à americana, de forma alguma possui o mesmo padrão de vida; o fraco crescimento técnico-industrial brasileiro (a propósito, recentemente tem-se falado em desindustrialização da economia nacional), a ainda baixa renda da grande maioria da população (a julgar pelos 32,7% da população que recebem salário-mínimo, R$622 em 2012, e outros 6,6% que não possuem rendimento mensal ou recebem menos do que 25% do valor do salário mínimo, segundo último

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censo do IBGE realizado em 2010), as condições precárias dos empregos criados na “era Lula”– cujo paralelo mais realístico é a situação exploratória característico do proletariado quando do início da Revolução Industrial na Europa-, o baixíssimo nível da educação, a permanência de quantidade significativa de brasileiros na miséria e a desigualdade social que, embora tenha se reduzido, ainda faz do Brasil um dos países com maior concentração de renda do mundo, atuam conjuntamente para fazer do ideário rooseveltiano no Brasil uma quimera. É preciso admitir que a vida “decente” nos moldes da sociedade norte-americana é uma realidade bastante distante para a maioria dos brasileiros. No entanto, Singer argumenta que o conjunto de mudanças levadas a cabo por Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff, podem não ser o ponto de chegada à situação próspera da economia americana quando da implementação do New Deal, mas significa o ponto de partida para um caminho - quilométrico - a ser percorrido nas próximas décadas.

Referência

SINGER, André. Os sentidos do lulismo. Reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, Companhia das Letras, 2012.

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