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Complexidade e sustentabilidade : teoria e uma aplicação para a gestão da água no Triângulo Mineiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCOS HENRIQUE GODOI GONZALEZ

COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE: TEORIA E

UMA APLICAÇÃO PARA A GESTÃO DA ÁGUA NO

TRIÂNGULO MINEIRO

CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCOS HENRIQUE GODOI GONZALEZ

COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE: TEORIA E

UMA APLICAÇÃO PARA A GESTÃO DA ÁGUA NO

TRIÂNGULO MINEIRO

Prof. Dr. Ademar Ribeiro Romeiro

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, área de concentração em Economia Agrícola e do Meio Ambiente.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO MARCOS HENRIQUE GODOI GONZALEZ E ORIENTADA PELO PROF. DR. ADEMAR RIBEIRO ROMEIRO.

CAMPINAS 2018

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ORCID: 0000-0001-9257-2097

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia

Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Godoi, Marcos Henrique,

G547c GodComplexidade e Sustentabilidade : Teoria e uma aplicação para a gestão da água no Triângulo Mineiro / Marcos Henrique Godoi Gonzalez. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

GodOrientador: Ademar Ribeiro Romeiro.

GodTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

God1. Economia ecológica. 2. Sustentabilidade. 3. Água. I. Romeiro, Ademar Ribeiro, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Complexity and Sustainability : Theory and an application for water

management in the Triângulo Mineiro

Palavras-chave em inglês:

Ecological economics Sustainablity

Water

Área de concentração: Economia Agrícola e do Meio Ambiente Titulação: Doutor em Desenvolvimento Econômico

Banca examinadora:

Ademar Ribeiro Romeiro [Orientador] Daniel Sander Hoffmann

Paulo Antonio de Almeida Sinisgalli Roberto Donato da Silva Junior Wilson Cabral de Sousa Junior

Data de defesa: 13-12-2018

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCOS HENRIQUE GODOI GONZALEZ

COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE: TEORIA E

UMA APLICAÇÃO PARA A GESTÃO DA ÁGUA NO

TRIÂNGULO MINEIRO

Defendida em 13/12/2018

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Ademar Ribeiro Romeiro – Presidente

Universidade Estadual de Campinas

Prof. Dr. Roberto Donato da Silva Júnior

Universidade Estadual de Campinas

Prof. Dr. Daniel Sander Hoffmann

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

Prof. Dr. Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli

Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Wilson Cabral de Sousa Júnior

Instituto Tecnológico de Aeronáutica

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Em primeiro lugar, agradeço a minha avó, Lucia Crivelaro Godoi, sem a qual eu nem seria a pessoa que escreveu essa tese.

Agradeço ao meu orientador, Ademar Ribeiro Romeiro, pelo apoio ao longo deste doutorado (e bota longo nisso), em especial na reta final quando eu já estava exausto.

Agradeço aos amigos que, direta ou indiretamente, me levaram em direção das ideias que desenvolvo aqui por meio das tantas conversas que tivemos.

Agradeço a Alexandra Elbakyan e aos outros anônimos que disseminam o co-nhecimento por meio de suas plataformas. Sem eles, esta tese não teria sido escrita.

Agradeço ao filosofo anônimo que atende pela alcunha de Fuck Theory, cujas ideias me apresentaram todo um mundo de referências que foram essenciais para a construção deste trabalho. Sua obra pode se encontrada em https://www.patreon.com/ fucktheory/posts

Em função da legislação vigente agradeço ao Programa Quali-UFU da Universi-dade Federal de Uberlândia pelo apoio financeiro nos primeiros quatro meses deste dou-torado.

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accordance with your nature to live to old age, to be rich, and be healthy. But if your view of yourself involves being part of a whole, then, for the sake of the whole, circumstances may make it right for you to be sick, go on a dangerous journey, endure poverty, even die before your time. Don’t complain; just as it would not be afoot, don’t you realize that in isolation you would not be a human being? Because what is a human being? Part of a community – the community of gods and men, primarily, and secondarily that of the city we happen to inhabit, which is only a microcosm of the universe in toto. Epictetus, Discourses (II, 5, §25 e 26)

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Um dos mais eminentes problemas complexos que emergiram em tempos recen-tes e que não encontra um tratamento adequado dentro das abordagens convencionais é a questão da sustentabilidade. Este trabalho constitui uma tentativa de desenvolver um arcabouço teórico-metodológico para lidar com esta questão de maneira a evitar ao máximo o reducionismo, considerando o problema no maior grau de complexidade pos-sível dentro das limitações de um único pesquisador com poucos recursos. Para isso, é desenvolvida, nos primeiros dois capítulos, uma teoria baseada na abertura dos sistemas e no caráter não totalizante das representações usadas para tratá-los analiticamente, ten-do como pilares as contribuições de Robert Rosen, Henri Bergson e Nicholas Geor-gescu-Roegen. Nos capítulos seguintes esse arcabouço é aplicado à gestão de recursos hídricos, por meio de revisão de literatura e da aplicação do método Multi-Scalar

Inte-grated Analysis of Societal and Environmental Metabolism(MuSIASEM) para analisar a

situação dessa gestão na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, usandoa metodologia da Pegada Hídrica para fazer a contabilidade dos fluxos de água. A partir dessa aplicação, conclui-se que a situação dessa região é sustentável no que diz respeito à água, uma vez que o consumo para atender às necessidades da população da região é apenas 7,4% da água usada pela sociedade, enquanto 92,6% é “exportada”.Mesmo con-siderando a água total utilizada, ela corresponde a 1,92% da água presente nos corpos superficiais de água e 1,1% da água subterrânea disponível. No entanto, também se con-clui que as grandes áreas de pasto correspondem a um grande desperdício de água “ver-de”, por terem baixo rendimento econômico em relação à quantidade de água incorpora-da nos produtos pecuários, devido à sublotação dos pastos.

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Among the issues identified as complex in recent times, sustainability is maybe the most important, and it has yet to find a proper treatment in economics. This work is an attempt to develop a theoretical and methodological framework to deal with it avoid-ing reductionism for as long as it can, consideravoid-ing the limitations of a research done by a sole scholar with limited resources. To do that, we have developed a theory based on the openness of systems and on the non-totalizing character of representation, based on the contributions of Robert Rosen, Henri Bergson and Nicholas Georgescu-Roegen. On the following chapters, this theoretical mark is applied to water management, both by literature review and by the application of the Multi-Scalar Integrated Analysis of Soci-etal and Environmental Metabolism to analyze the situation of the Triângulo Mineiro and Alto Paranaíba region. To account for the water flows, we used the Water Footprint methodology. From this application, we concluded that the region’s water consumption is sustainable, since water needed to sustain the populations life is only 7.4% of what is actually used in the region, effectively exporting 92.6% of this total water use. Even if we consider this total water use, extraction from water bodies is only 1.92% of the total available water and from the underground, only 1.1%. Nonetheless, the huge pasture ar-eas in the region constitute a waste of “green” water, as it is incorporated in cattle prod-ucts with low monetary yield due to very low livestock density.

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Figura 1 – Visões não-equivalentes de uma mesma pessoa...20

Figura 2 - Ligação entre experiência e teoria no bojo da teoria de sistemas complexos.22 Figura 3 – Tríade Semiótica de Peirce...24

Figura 4 – Exemplos de Holarquias...25

Figura 5 - Caminho Biossintético...42

Figura 6 - Dimensões da sustentabilidade como placas tectônicas...84

Figura 7 - Diagrama de Venn das dimensões da sustentabilidade...85

Figura 8 - Evolução do subsistema econômico no ecossistema...89

Figura 9 - Estado ecológico global e escala das atividades humanas...94

Figura 10 - Crescimento econômico e antieconômico...96

Figura 11 - Holarquia do Desenvolvimento Sustentável...99

Figura 12 - Representação do processo de Governança Multi-Nível...120

Figura 13 – Paradigmas da Gestão de Recursos Hídricos...138

Figura 14 – Componentes do Sistema Hídrico Global...145

Figura 15 – Holarquia do Desenvolvimento Sustentável em relação à água...147

Figura 16 – Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba...156

Figura 17 – Unidades de Planejamento das Bacias Hidrográficas e Situação em Relação ao Plano Diretor em 2015...157

Figura 18 - Domínios Descritivos Não Equivalentes: Watershed e Problemshed...159

Figura 19 – Representação Esquemática dos Componentes da Pegada Hídrica...172

Figura 20 – Rede de Relações entre Variáveis para Água de Diferentes Níveis Holárquicos...180

Figura 21 – Análise da Sustentabilidade no MuSIASEM para Água...184

Figura 22 – Área de Ocorrência do Aquífero Bauru-Caiuá em Minas Gerais...187

Figura 23 –Área Plantada de Café no Triângulo Mineiro em 2006 (hectares)...190

Figura 24 – Área Plantada de Cana-de-Açúcar no Triângulo Mineiro (hectares) em 2006...190

Figura 25 – Área Plantada de Milho no Triângulo Mineiro em 2006 (hectares)...191

Figura 26 - Área Plantada de Soja no Triângulo Mineiro em 2006 (hectares)...192

Figura 27 – Uso do Solo no Triângulo Mineiro em 2013...193

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Tabela 1 - Contribuição do Cerrado para os recursos hídricos das regiões

(11)

Quadro 1 – Representações Não Equivalentes...161

Quadro 2 – Variáveis extensivas para água...161

Quadro 3 – Variáveis extensivas para valor adicionado...163

Quadro 4 – Variáveis extensivas para terra...164

Quadro 5 – Variáveis extensivas para atividade humana...165

Quadro 6 – Estimativas de Consumo Doméstico de Água...169

Quadro 7 – Pegada Hídrica do Consumo per capita da População do Triângulo Mineiro (m3)...171

Quadro 8 - Pegada Hídrica do Consumo da População do Triângulo Mineiro (m3)...171

Quadro 9 –Relações Sociedade-Ambiente na Holarquia Considerada...180

Quadro 10 – Variáveis Intensivas...182

Quadro 11 – Reservas Subterrâneas de Água em Araguari...187

Quadro 12 – Irrigação (Água Superficial) no Triângulo Mineiro em 2006...189

Quadro 13 – Estoque de Carbono por Tipo de Fisionomia Vegetal em 2006/2007...194

Quadro 14 – Matriz Multi-Nível para Teste de Congruência...204

Quadro 15 – Variáveis Extensivas para os Pastos em Grandes e Pequenas Propriedades...208

Quadro 16 – Variáveis Intensivas para os Pastos em Grandes e Pequenas Propriedades...208

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(1) Equação Geral de Estado...29

(2) Equação de Estado da Partícula sob Força Externa...30

(3) Equação de Estado de um Sistema So Isolado...30

(4) Equação de Estado de um Sistema So Isolado com Parâmetros Adicionais...30

(5) Equação Geral de Estado...36

(6) Dinâmica Determinada pela Soma dos Observáveis ...36

(7) Equação de Decaimento Radioativo ...37

(8) Diferencial de Tempo em um Sistema Hamiltoniano ...38

(9) Equação de Estado do Sistema Hamiltoniano ...39

(10 Função Hamiltoniana Expandida por Série de Taylor...39

(11) Derivada da Função Hamiltoniana Expandida por Série de Taylor ...39

(12) Conjunto de Observáveis Mi eNi...39

(13) Relação entre o Diferencial de Tempo Hamiltoniano e o de Tempo Intrínseco...40

(14) Equação Geral de Estado com um Conjunto ai de Parâmetros Adicionais...45

(15) Efeito Observado como Soma dos Diferenciais de Tempo Intrínseco ...47

(16) Soma de Observáveis como Composição de Funções em Modelos Analíticos...51

(17) Diferencial de Tempo na Equação de Balanço Hídrico...173

(18) Equação de Balanço Hídrico...173

(19) Equação de Penman-Monteith...174

(20) Equação da Evapotranspiração de Referência...174

(21) Equação da Pegada Hídrica de Água Cinza...175

(22) Equação da Carga Crítica de Poluentes em um Corpo de Água...175

(13)

Introdução...15

1 COMPLEXIDADES E SISTEMAS...19

1.1 Identidade e Estrutura Holárquica...20

1.2 Discrepância entre o Sistema Natural e o Formal e suas Consequências para a Mo-delagem...……...29

1.3 Dinâmica de Sistemas Complexos: Processos em Diferentes Níveis e Tempo Com-plexo...……...35

1.4 Dinâmica de Sistemas Complexos: Evolução e Adaptação...41

1.5 Dinâmica de Sistemas Complexos: Identidade e Relações Causais...45

1.6 Dinâmica de Sistemas Complexos: Modelos analíticos e sintéticos...49

1.7 Dinâmica de Sistemas Complexos: Forma e qualidade...53

1.8 Dinâmica de Sistemas Complexos: Evolução e o Trade-off entre Eficiência e Adap-tabilidade...………...80

2 – SUSTENTABILIDADE...83

2.1 O Triple Bottom Line...84

2.2 Economia Ecológica...86

2.3 Visão Sistêmica da Sustentabilidade...98

2.4 Operacionalizando a Visão Sistêmica da Sustentabilidade...113

3 – SOCIEDADES INDUSTRIAIS, RECURSOS HÍDRICOS E O CERRADO...135

3.1 Manejo dos Recursos Hídricos em Sociedades Industriais...135

3.2 Situação dos Recursos Hídricos do Cerrado...149

3.2.1 O Triângulo Mineiro...155

4 – ANÁLISE MULTIESCALAR INTEGRADA DO USO DOS RECURSOS HÍDRI-COS NO TRIÂNGULO MINEIRO………...158

4.1 Representações Não Equivalentes da Holarquia do Desenvolvimento Sustentável na Gestão de Recursos Hídricos...159

4.2 Estimação dos fluxos de Água Efetivos e Virtuais: a pegada hídrica...168

4.2.1 Água azul, ciclo hidrológico e a equação de balanço hídrico...173

4.2.2 Água verde, evapotranspiração e a equação de crescimento da planta...174

(14)

4.3 Análise dos Resultados...181

4.4 Uma Proposta de Política Combinada...202

4.5 Discussão...214

CONSIDERAÇÕES FINAIS...223

REFERÊNCIAS...227

ANEXO 1 – Balanço hídrico médio 1980-2003 em Uberlândia...243

APÊNDICE 1 – Pegada hídrica azul da mesorregião...244

APÊNDICE 2 – Pegada hídrica verde da produção agrícola...245

APÊNDICE 3 – Pegada hídrica cinza da produção agrícola...247

APÊNDICE 4 – Pegada hídrica do consumo da população por alimento...248

APÊNDICE 5 – Consumo residencial de água na mesorregião...251

(15)

INTRODUÇÃO

Grandes mudanças vêm acontecendo nas últimas décadas, e que não puderam ser tratadas de forma adequada dentro do marco teórico que havia se constituído para se estudar a economia de forma científica. No centro deste debate está a necessidade de se tratar a economia como um objeto complexo, enquanto as teorias hegemônicas estabelecidas no século XIX e consolidadas no século XX tratavam-na de forma mecanicista, em função das limitações da época.

Se em sua alvorada a ciência econômica pôde se dar ao luxo de não tratar os problemas de forma complexa, isso se deu ao caráter incipiente do pensamento científico aplicado às relações sociais de produção e suas relações com o ambiente que as envolvem. A economia, como objeto de pesquisa separado da política, é assunto recente em termos históricos, tendo menos de 200 anos de idade.

Mas, como os primeiros pensadores da ainda denominada economia política já reconheciam, há rendimentos decrescentes para qualquer atividade na qual se invista por tempo demais, e algo de mesma natureza ocorreu com a ciência econômica: esgotados os assuntos mais relevantes que podiam ser tratados de forma mecanicista, essa abordagem vai encontrando cada vez menos oportunidades para fazer avançar este ramo do conhecimento humano.

Um dos mais eminentes problemas complexos que emergiram em tempos recentes e que não encontra um tratamento adequado dentro das abordagens convencionais é a questão da sustentabilidade. Se antes da Segunda Guerra Mundial o esgotamento de recursos naturais e a degradação ambiental ocorriam de forma localizada, o desenvolvimento das forças produtivas no pós-guerra atingiu uma escala suficiente para afetar todo o planeta, levando alguns autores a considerar os chamados Golden Years como o período de “Grande Aceleração”, no sentido de que houve um aumento exponencial da pressão das atividades econômicas sobre a estabilidade dos ecossistemas (ANDRADE et al., 2012).

A complexidade da questão ambiental aparece na multiplicidade de problemas que a compõe. Problemas ambientais surgem em inúmeras formas, como efeito estufa, contaminação de lençóis freáticos, acúmulo de metais pesados nos ecossistemas, redução da polinização em função da redução da quantidade de abelhas, entre muitos outros. Esses problemas têm diferenças tanto qualitativas quanto de escala que tornam o tratamento

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simultâneo de todas elas uma tarefa impossível. Não obstante, o enorme sucesso da ciência baseada na mecânica newtoniana, que permitiu ao ser humano operar em escalas de uso de matéria e energia apenas longinquamente imagináveis para as pessoas no período pré-moderno, por muito tempo fez parecer que havia a possibilidade de uma teoria que tudo explicasse. A física, de Newton até o fim do século XIX, se destacava como a ciência com o maior poder de generalização. Porém, dentro desta mesma ciência, surgiram as primeiras evidências de que isto não seria possível, com o surgimento da mecânica quântica e a constatação de que um corpo poderia, em uma escala subatômica, se comportar tanto como partícula como onda. A partir daí, acumularam-se situações onde a redução de uma formulação específica em uma mais geral se revelava impossível (PRIGOGINE, 2000).

As formas mais tradicionais de teoria econômica são fortemente assentadas sobre o pensamento reducionista, buscando uma formulação única e geral para todos os fenômenos de ordem econômica. Estes fenômenos, porém, existem no mundo e não é possível produzir uma análise adequada ignorando as relações da economia com o mundo no qual ela existe. E, ao lidar com fenômenos com enormes diferenças qualitativas, a ciência econômica se comporta de forma reducionista buscando uma medida homogênea que torne a formulação geral e totalizante possível.

Para tratar analiticamente os problemas da economia e de sua relação com o meio ambiente, buscando meios para se chegar a uma sociedade mais sustentável, é necessário usar em paralelo diversos pontos de vista diferentes sobre o problema, ou seja, é necessária uma abordagem que utilize mais de uma disciplina. Esta tese é uma tentativa de dar um tratamento transdisciplinar, buscando dar um framework integrado para as diferentes disciplinas, de forma a possibilitar a análise dos trade-offs entre as diferentes dimensões da sustentabilidade. Este trabalho busca não ser uma crítica da economia tradicional, uma vez que esta já foi feita pelos mais diversos ângulos por autores de competência indubitável. O que se busca neste trabalho é construir um marco teórico que permita um tratamento alternativo dos fenômenos econômicos, de forma a evitar ao máximo a redução, trabalhando com o problema no maior grau de complexidade possível. Uma vez que há um referencial complexo à disposição, torna-se mais fácil reconhecer a importância das abordagens reducionistas, que são fundamentais para o avanço da compreensão da dinâmica dos fenômenos. O problema consiste em mau uso destas abordagens, ao tentar eleger uma de suas formulações como a correta, reduzindo todas as outras a casos especiais e isolados. Ao pretender ser mais geral do

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que é possível, abordagens reducionistas, que buscam construir representações dos fenômenos capazes de determinar toda sua dinâmica, acabam engolindo a heterogeneidade qualitativa do mundo, trabalhando com hipóteses cada vez mais irreais. Na economia, as teorias associadas ao tratamento dos sistemas complexos se traduzem nas ideias de que a economia não tem necessariamente um equilíbrio, que tanto se observam rendimentos crescentes como decrescentes, e que a economia não é algo que possua uma existência com regras estáticas, sendo formada por um conjunto em constante evolução de instituições, arranjos e inovações (ARTHUR, 2013).

A teoria tradicional, devido à necessidade de fechamento do espaço de informação, ou seja, de considerar um conjunto de fatores finito, sem o qual não é possível a construção de sistemas formais de inferência que permitam a modelagem da dinâmica dos fenômenos, trata os sistemas formais fechados como representações fiéis de sistemas complexos inerentemente abertos. Os processos cognitivos que permitem criar sistemas de inferência capazes de prever antecipadamente os resultados da dinâmica dos fenômenos, permitindo os enormes avanços produzidos pela ciência moderna, têm limites para a capacidade de modelagem e previsão destes mesmos fenômenos por não poder considerar todo o conjunto aberto e em expansão de relações entre as diversas qualidades dos sistemas complexos. Reconhecendo essa limitação inevitável na modelagem de processos, o paradigma da complexidade transfere o foco da produção de resultados previsíveis a partir da modelagem de sistemas baseados em um número relativamente pequeno de componentes e relações que existem entre as diversas representações possíveis de diferentes aspectos qualitativos dos fenômenos associados a sistemas complexos. Em um ambiente complexo, onde a incerteza é fundamental, a baixa capacidade de prever resultados faz com que seja mais importante analisar os impactos da dinâmica em um nível ou a descrição do sistema sobre os outros, para melhor perceber a estabilidade dos processos que garantem a integridade dos sistemas.

Dessa forma, a presente tese se propõe a oferecer uma abordagem que possa tratar de problemas complexos como a sustentabilidade ecológica em relação com a economia e a sociedade, de forma a evitar o reducionismo científico intrínseco às abordagens convencionais, tendo como hipótese que o método apresentado aqui é capaz de oferecer tal abordagem. Para tal, será apresentado um referencial teórico-metodológico capaz de levar esta tarefa. O elemento mais fundamental desta abordagem é a estrutura holárquica usada para organizar os diversos fenômenos que ligam economia, sociedade e meio ambiente, explicada

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no primeiro capítulo, que também traz as consequências do uso desta estrutura na modelagem para a dinâmica dos fenômenos modelados. No segundo capítulo utilizam-se os conceitos trazidos à tona no primeiro capítulo para caminhar em direção a uma holarquia do desenvolvimento sustentável que possa integrar os conhecimentos que a ciência econômica já acumulou ao longo de sua existência à abordagem complexa baseada em teoria de sistemas, de forma a permitir um tratamento complexo de problemas qualitativamente heterogêneos, com múltiplas relações com o ambiente em diversas escalas de espaço e tempo.

Após estabelecer o marco teórico, será proposta uma formulação mais específica desta para o problema do gerenciamento de recursos hídricos no Triângulo Mineiro. O terceiro capítulo trará uma revisão de literatura sobre gerenciamento de recursos hídricos e a descrição de sua situação no Triângulo Mineiro hoje, bem como uma breve contextualização histórica.

Por fim, o quarto e último capítulo traz a aplicação de um modelo quantitativo de análise multiescalar integrada que possa orientar a tomada de decisões visando soluções para um problema concreto, nomeadamente o gerenciamento de recursos hídricos na mesorregião do Triângulo Mineiro. Uma vez que os problemas de abastecimento se tornaram evidentes nos últimos anos no país, esta tese busca respostas para o seguinte problema: considerando que a relação entre ecossistemas e sociedade, no que tange ao fornecimento e uso dos recursos hídricos, é um problema complexo, é possível utilizar uma metodologia não reducionista para lidar com um problema concreto como encontrar a melhor distribuição de usos de solo no Triângulo Mineiro para aumentar o fornecimento de água para as bacias hidrográficas que recebem água desta área de drenagem, sem perda de renda para os produtores rurais?

Na aplicação do método para o caso concreto do Triângulo Mineiro, a hipótese da tese é testada ao se utilizar essa metodologia baseada em modelos integrados para as variáveis terra (classificadas de acordo com os tipos de uso de solo) e atividade humana, em relação a fluxos de água e valor adicionado, para verificar a possibilidade de testar cenários que forneçam subsídios para a elaboração de políticas públicas que permitam tratar adequadamente o problema do fornecimento de água para a mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

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1 –COMPLEXIDADE E SISTEMAS

Para podermos tratar a economia como um objeto complexo, é necessário renunciar à caracterização da sociedade que se tornou dominante nos últimos séculos. Enquanto a teoria dominante dentro da ciência econômica representa a sociedade como um agregado de indivíduos completamente independentes uns dos outros, é necessário resgatar a interconexão que existe entre as diversas entidades consideradas no processo econômico para que se possa avançar para além de uma formulação mecanicista do funcionamento da economia. As pessoas não são completamente independentes umas das outras, apenas casualmente trocando bens e serviços para aumentar seu bem-estar, e nem são independentes do ambiente no qual vivem. A relação das pessoas umas com as outras e com o ambiente que as cercam precisa ser adequadamente representada para que seja possível lidar com problemas complexos.

Por complexidade entende-se a representação de um fenômeno por meio de um conjunto de relações aberto e em expansão. Ou seja, a complexidade está no processo de observação e não no objeto em si, sendo necessário atentar também para as características do observador no momento de se escolher a representação mais adequada para o objeto de análise (GIAMPIETRO, 2003). Quando se busca uma abordagem complexa, torna-se implícito que o objeto não é totalmente conhecível, que não se pode representá-lo em toda a sua diversidade de qualidades de uma única forma. Com isso, é possível afirmar que não há apenas uma representação correta para cada objeto.

Este capítulo trata das diferenças entre sistemas complexos e sistemas simples, mecanicistas, e as consequências destas diferenças para a análise da dinâmica e estabilidade dos sistemas, e se constitui de seis seções: a primeira trata da questão das múltiplas identidades que um sistema complexo pode ter, em função de sua estrutura holárquica; a segunda trata das consequências da utilização de modelos simples para a modelagem de sistemas complexos; a terceira trata dos efeitos de diferentes velocidades nas dinâmicas de diferentes níveis hierárquicos de uma estrutura holárquica; a quarta trata da evolução dos sistemas holárquicos e do processo de adaptação de seus diferentes subsistemas; a quinta trata das diferentes relações causais que produzem diferentes representações não-equivalentes das múltiplas identidades de um sistema complexo; a sexta trata de como a representação destas múltiplas identidades produzidas por diferentes modos de causalidade afetam a composição

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da representação em termos de forma e qualidade entre diferentes representações não-equivalentes;e a sétima e última trata do trade-off entre eficiência e adaptabilidade na evolução de sistemas complexos.

1.1 Identidade e Estrutura Holárquica

Além de se considerar a riqueza qualitativa do mundo, adotar uma abordagem complexa no tratamento dos objetos é reconhecer as interdependências que ocorrem entre agentes e estruturas em um dado contexto como fundamentais para a dinâmica do mesmo. As duas proposições se unem no sentido de propor que diferentes representações não-equivalentes dos objetos podem ser corretas a depender do contexto. Aqui, se faz necessário um exemplo para esclarecer esta ideia, fornecido na figura abaixo:

(21)

Figura 1 – Visões não-equivalentes de uma mesma pessoa (GIAMPIETRO, 2003, p. 5)

Na figura 1, vê-se a mesma pessoa representada de quatro formas diferentes: a figura 1a mostra a pessoa vista por meio de um microscópio; a figura 1b mostra a pessoa como esta -mos acostumados a representá-la, por meio de uma foto; a figura 1c -mostra a pessoa em meio à multidão; e a figura 1d mostra a pessoa vista por meio de raio X.

Embora o objeto representado seja o mesmo, diferentes descrições ocorrem com diferentes propósitos. As figuras 1a e 1c mostram a pessoa em escalas difediferentes, enquanto as fi -guras 1b e 1d estão na mesma escala mas mostram aspectos diferentes do objeto representado. Na figura 1a, é possível identificar algum problema com a saúde da pessoa que ocorra em ní -vel microscópico; na 1b, é possí-vel identificar a pessoa de forma que se possa reconhecê-la ao encontrá-la na rua; na 1c, é possível apreender algo sobre a comunidade em que essa pessoa vive; e na 1d, é possível ver se a pessoa tem algum problema ósseo.

Como, então, escolher qual das representações é a correta? A resposta é que não há uma representação correta para todos os contextos. Qualquer análise passa, portanto, pela es-colha e delimitação da identidade do sistema a ser analisado.

A identidade do sistema pode ser definida como um conjunto de qualidades relevantes que tornam possível para um observador perceber o sistema sob observação como uma entida-de individual, distinta do contexto e entida-de outros sistemas como os quais interage. A ientida-dentidaentida-de pode ser distinguida em definições semânticas ou formais. A primeira se refere aos conjuntos de qualidades associadas com observações diretas do sistema, sendo, portanto, aberta a novas percepções sobre o sistema. A identidade semântica é a forma pela qual se reconhece um sis-tema como sendo o mesmo enquanto este está sob contínua mudança de acordo com a dinâmica de suas interações com outros sistemas. Essa identidade se torna formal ao eleger um con -junto finito de variáveis que serão usadas para descrever mudanças no estado do sistema (GI-AMPIETRO, 2003). O estado do sistema pode ser definido como a informação disponível que deve ser quantificada nas variáveis escolhidas de forma a possibilitar alguma previsão acerca do sistema considerado.

A partir de um sistema observado, selecionam-se variáveis relevantes ao problema a ser considerado e constrói-se uma identidade formal com base nessa seleção de variáveis (observáveis). O processo de tradução entre um sistema concreto e um sistema formal é representado na figura abaixo:

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Figura 2 - Ligação entre experiência e teoria no bojo da teoria de sistemas complexos

(ROSEN, 2012, p. 72).

Ao se delimitar um sistema formal de análise necessariamente se passa por um proces-so de abstração, no qual inúmeras características do sistema são ignoradas para que se possa dar um tratamento analítico, uma vez que a modelagem se torna cada vez mais difícil com o aumento do número de variáveis e dimensões consideradas. A razão pela qual o processo de abstração é necessário, para que se possa construir um sistema de inferência lógico que possa simular o funcionamento do sistema, é que o conjunto de qualidades observáveis do sistema concreto responde a um conjunto igualmente vasto de condições ambientais, compreendendo uma quantidade de inter-relações com este ambiente que não pode ser totalmente conhecido pelo observador. Para fazer sentido, o sistema formal, em oposição ao realmente existente, precisa possuir um conjunto finito de variáveis e relações a partir dos quais seja possível infe-rir sua dinâmica (ROSEN, 2012).

A abertura dos sistemas naturais é a grande diferença entre estes e os sistemas formais criados para representá-los. Uma vez que não é possível modelar toda a abertura de um siste-ma concreto (o que necessitaria um objeto siste-matemático infinito), toda a representação forsiste-mal pode ser tratada como um subsistema fechado do sistema concreto. Ou seja, o conjunto finito de variáveis é próprio da identidade formal de um sistema maior com um conjunto aberto e em expansão de qualidades e inter-relações (ROSEN, 2012).

Por seu caráter finito e fechado, o sistema formal criado para representar o objeto irá simulá-lo adequadamente por um período finito de tempo. Isso ocorre justamente pela

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abertu-ra do sistema concreto a influências desconhecidas pelo observador: com o tempo, o conjunto de relações não representadas em determinado sistema formal passa a fazer com que a dinâ -mica do objeto difira da do sistema de inferência lógica criado com base em um conjunto fini-to de variáveis para representá-lo. Este período de tempo será tão curfini-to quanfini-to mais importan-tes forem as variáveis desconhecidas para a dinâmica do sistema (ROSEN, 2012).

A disparidade entre o resultado da dinâmica do sistema natural e do sistema formal que o representa é denominada bifurcação. Bifurcações estão intrinsecamente ligadas à exis-tência de diferentes objetivos de análise e à incapacidade de se conhecer todas as inter-rela-ções do sistema, e não a características intrínsecas do sistema observado. O conceito de bifur-cação traz a possibilidade da total perda de relevância de um modelo, ao se variar o objetivo da análise (conquanto esses diferentes objetivos estejam ligados a diferentes processos da di-nâmica do sistema). A existência de independência lógica entre dois modelos (pressuposta pela bifurcação) os torna irredutíveis um ao outro e não diretamente comparáveis por aplica -ção de algoritmos (GIAMPIETRO, 2003).

Uma vez que sistemas complexos possuem várias identidades formais não redutíveis uma a outra, como é possível dizer se determinada identidade formal é uma representação adequada do sistema? A identidade formal é válida, em primeiro lugar, se é útil para a tomada de decisão acerca de um problema concreto por parte de um (ou mais) grupo social. Uma das formas de fazer esta averiguação é usando o conceito da Tríade Semiótica de Peirce (1935). Nesta tríade, o processo cíclico de ressonância entre três passos – Representação, Aplicação e Transdução – é visto como um processo de iteração entre a Pragmática, a Semântica e a Sin -tática (GIAMPIETRO, 2003). Os passos deste processo podem ser vistos na figura 3 abaixo. Como indicam as setas, os passos não precisam ser executados exatamente nesta ordem:

 Sintático: fornece as ferramentas para gerar análises quantitativas (refletindo as identidades associadas aos sistemas relevantes modelados) para a representa-ção (do fenômeno). Torna possível o reconhecimento de padrões, estruturas or-ganizadas, tipos e elementos de uma determinada classe de equivalência1. É o

que fornece o conjunto de ferramentas descritivas que tornam possível a previ-são, que corresponde à transdução nesta etapa;

 Semântica: define a validade dos modelos escolhidos (na sintaxe) em relação aos objetivos e ao contexto. A conjunção entre a semântica e a sintática leva à

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aplicação do conhecimento na pragmática. A transdução aparece aqui como uma internalização da informação obtida;

 Pragmática: interação com o mundo. Aplicam-se as ferramentas produzidas na Sintaxe e validadas na Semântica. Se a interação com os objetos de análise é consistente com os objetivos, os modelos são considerados validados e serão usados para futuras decisões, constituindo a corrente Representação do fenô-meno.

Figura 3 – Tríade Semiótica de Peirce (GIAMPIETRO, 2003, p. 75).

A existência da bifurcação entre o sistema natural e o sistema formal exige que esta validação seja refeita periodicamente, uma vez que a identidade formal irá inexoravelmente se tornar obsoleta em algum momento, devido aos fatores desconhecidos que influenciam a dinâ-mica analisada (esta, por sua vez, escolhida em função dos objetivos de análise).

Conforme apresentado acima, o processo de escolha e construção de uma identidade formal consiste em um processo de abstração de qualidades que são ou imensuráveis ou irre-levantes à dinâmica que interessa à análise. Isso ocorre pelo fato de sistemas complexos terem um conjunto de relações aberto e em expansão. Porém, este processo de abstração não está restrito ao observador: o sistema em si também se organiza de forma análoga. Para entender esse modo de organização, utiliza-se o conceito de holarquia.

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Holarquia pode ser definida como uma hierarquia adaptativa de sistemas dissipativos inseridos uns dentro dos outros. Uma holarquia é um sistema hierárquico composto por hó-lons. Um hólon é um todo composto de partes menores que ao mesmo tempo é parte de um todo maior (KOESTLER, 1969). O termo hólon mostra o fato de que entidades pertencentes a sistemas dissipativos adaptativos organizados em elementos inseridos um dentro do outro (em níveis hierárquicos diferentes) possuem uma dualidade inerente.

Figura 4 – Exemplos de Holarquias (ONE SKY, 2016).

A holarquia é a estrutura formal mais próxima ao efetivo funcionamento de um siste-ma dissipativo. Estruturas dissipativas são sistesiste-mas auto-organizáveis, abertos, distantes do equilíbrio termodinâmico. Devido a isso, eles estão necessariamente em processo de contínua mudança para permanecer os mesmos (PRIGOGINE, 1978). Isto também implica operação em diferentes níveis hierárquicos, onde padrões de auto-organização podem ser detectados adotando diferentes horizontes de tempo e espaço, e também a mudança de identidade com o tempo. O próprio conceito de auto-organização em sistemas dissipativos está ligado à ideia de níveis paralelos de organização em escalas de espaço e tempo diferentes, o que provoca a ne-cessidade do uso de múltiplas identidades e evolução, que implica a mudança no tempo da identidade do sistema, para que o comportamento deste seja descrito de forma útil

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(PRIGOGI-NE; STENGERS, 1981). O tratamento analítico de um sistema dissipativo é necessariamente complexo devido a estas características.

O hólon deve ser considerado tanto em termos de sua estrutura no nível local (repre-sentando as propriedades emergentes geradas pela organização de seus componentes em ní-veis inferiores) quanto em sua interação como resto da holarquia, onde os hólons desempe-nham funções que contribuem para outras propriedades emergentes em níveis superiores, fun-ções estas que são úteis ao hólon hierarquicamente superior ao qual pertencem. A individuali-dade de uma holarquia pode ser associada à sua habiliindividuali-dade de gerar e preservar no tempo a validade de um conjunto integrado de identidades viáveis, em escalas diferentes (KOES-TLER, 1969).

Para que se possam tratar analiticamente os diferentes níveis hierárquicos de uma ho-larquia estável, utiliza-se a chamada leitura tríade, introduzida por Salthe (1993), definindo-se três níveis contíguos:

Nível focal (n): Implica a escolha de uma “janela” de espaço-tempo para observação em que os aspectos relevantes de um hólon particular (expresso em identidade formal) podem ser definidos e estudados usando-se um conjunto de variáveis observáveis. A escolha das variáveis capazes de captar as mudanças nos aspectos relevantes dos siste-mas deve refletir o objetivo da análise e as características do esquema de mensuração, ou seja, os tipos de detectores disponíveis para gerar os dados e as condições usadas para extrair estes dados do objeto concreto;

Nível superior (n+1): A escolha da identidade formal do nível focal de um sistema é baseada na suposição de que as mudanças de características do nível superior são tão lentas que podem ser negligenciadas. O nível superior é tomado como um conjunto de restrições exógenas impostas ao nível focal;

Nível inferior (n-1): Os diferenciais de ritmo entre os processos de diferentes níveis implicam a irrelevância da dinâmica dos componentes do nível inferior e de seus de-terminantes em relação aos dede-terminantes do comportamento do nível focal. Os ele-mentos do nível inferior são tratados em termos estatísticos, com a média das observa-ções reduzindo a variabilidade destas a um ruído. A identidade do nível inferior é tra-tada no nível focal apenas como um conjunto de condições iniciais relevantes para o resultado da dinâmica do nível focal.

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A interação entre os diferentes níveis hierárquicos da estrutura holárquica de um siste-ma complexo leva ao surgimento de propriedades emergentes. A emergência2 é verificada

quando é designada uma nova classe de funções relativas (as propriedades emergentes) que indicam um melhor desempenho de um hólon no nível focal a uma classe já estabelecida de estruturas organizadas, ou ao usar uma nova classe de estruturas organizadas a uma classe já estabelecida de funções relativas. A emergência requer o uso em paralelo de dois domínios descritivos não-equivalentes para modelar apropriadamente o fenômeno. Domínios descriti-vos não-equivalentes são representações de um domínio3 da realidade separado com base nas

escolhas pré-analíticas de como formalizar a identidade do sistema sob análise que não se so-brepõem completamente (pode haver pontos em comum, mas necessariamente um não pode ser reduzido ao outro) (KAMPIS, 1970).

O processo de auto-organização de um fenômeno caracterizado pela presença de pro-priedades emergentes gera em paralelo tanto a estrutura organizada individual como o tipo destes sistemas. O tipo do sistema pode ser definido como um conjunto de relações e qualida-des de um sistema associado com a habilidade de expressar uma propriedade emergente em um dado contexto associativo ou, de forma mais simples, como a categoria que agrupa dife-rentes sistemas individuais que sejam suficientemente semelhantes. A definição de tipo não contém em si uma exigência de escala. Apenas quando uma tipologia particular é definida a escala passa a ser importante. Essa importância se dá pela relação com a definição da identi-dade dos elementos do nível inferior responsáveis pela estabiliidenti-dade estrutural do sistema (no nível focal), ou seja, do que o sistema concreto analisado é feito, e com a definição da identi-dade do contexto (nível superior) no qual o sistema expressa sua função – ou seja, com o qual o sistema interage (ALLEN; HOECKSTRA, 2015).Contexto associativo, por sua vez, são as características de um determinado tipo que sempre são associadas às possibilidades concretas de desempenhar uma determinada função. O tipo deve operar em seu ambiente adequado à sua existência e sobrevivência. Não há estruturas organizadas de sistemas dissipativos concre-tos capazes de desempenhar suas funções (ou seja, manter sua individualidade, sua existência enquanto sistema particular distinto do ambiente) sem as condições favoráveis exigidas por

2O conceito de emergência equivale ao de novidade por combinação presente na obra de Georgescu-Roegen

(1971).

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seu contexto associativo. A validade dos modelos requer a validade e utilidade da relação en-tre tipo, contexto associativo e objetivo dos analistas (KOESTLER, 1968).

Não importa o quanto os modelos sejam sofisticados, ao tratar de propriedades emer-gentes, eles podem apenas “chutar” qual será o tipo que irá emergir4. A quebra de simetria

as-sociada com a emergência requer uma fonte adicional de informação (referencial externo) não incluída na descrição do fenômeno no nível focal para determinar o comportamento da propri-edade emergente. A utilidade do modelo, tomada de modo mais prático, é influenciada pela capacidade de lidar com as propriedades emergentes quando tenta modelar um sistema com-plexo, sendo, portanto, necessário o uso em paralelo de domínios descritivos não-equivalen-tes. Mesmo modelos solidamente validados em situações anteriores não serão, necessariamen-te, bons em prever cenários futuros na presença de propriedades emergentes (GIAMPIETRO, 2003).

A separação do sistema em subsistemas para melhor entendê-lo é algo próprio do pro-cesso de observação, mas reflete o modo pelo qual se auto-organizam os sistemas complexos. Porém, assim como a construção de uma identidade formal é a escolha de um conjunto finito de variáveis que possibilitem a inferência lógica da dinâmica simulada (de forma limitada), a organização do sistema em subsistemas também faz com que cada um destes subsistemas tenha um conjunto de relações menor do que o do sistema como um todo. Devido a esta carac -terística, a dinâmica de um subsistema pode ter uma bifurcação em relação ao sistema como um todo (ROSEN, 2012). A bifurcação ocorre tanto em escolhas diferentes de variáveis decodificadoras (escolha entre possíveis identidades formais) ou de nível focal para análise (esco -lha da escala) para estabelecer diferentes modelos para o mesmo sistema complexo. A dife-rença entre o conjunto de qualidades e inter-relações do sistema e do subsistema (este último, com um conjunto menor) torna impossível a redução da dinâmica do sistema como um todo para a da soma de suas partes, da mesma forma que não é possível reduzir uma identidade for-mal a outra (conquanto ambas estejam em domínios descritivos não-equivalentes).

Para sumariar, sistemas complexos, entendidos como aqueles que têm um conjunto de qualidades e inter-relações aberto e em expansão, só podem ser modelados como sistemas fe-chados às influências desconhecidas pelo observador. A discrepância entre o resultado da di-nâmica nos sistemas naturais e nos formais que os representam é resultado da maior abertura do sistema natural. Entre as relações do sistema natural com outros níveis da holarquia na

4Para um tratamento extenso acerca da impossibilidade de se prever um efeito antes de se observar esse efeito ser

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qual se insere que são ignoradas na construção de uma identidade formal, há relações causais ignoradas que afetam a dinâmica considerada. Isto traz algumas consequências para a modela-gem que serão consideradas na seção subsequente.

A seções 1.2, 1.3, 1.4 e 1.5 são na maior parte baseadas no livro Anticipatory Systems de Robert Rosen (2012). A argumentação foi construída buscando ser o mais conciso possí-vel: demonstrações matemáticas detalhadas de toda a argumentação podem ser encontradas no trabalho de Rosen.

1.2 Discrepância entre o Sistema Natural e o Formal e suas Consequências para a Mode -lagem

O sistema natural é muito mais aberto do que o sistema formal criado para o representar. Em um sistema formal, descrevese a dinâmica do sistema por meio de equações de esta -do cujas variáveis representam as características observáveis consideradas na análise. As equações de estado estabelecem relações entre essas características e sua evolução no tempo, como pode ser visto abaixo:

dxi/dt = fi(x1, …, xn), i = 1, …, n (1)

Porém, se o sistema natural tem um conjunto aberto e em expansão de relações, como delimitar onde o sistema (n) termina e onde o ambiente (nível n+1) começa? Para tratar dessa questão, serão resgatadas aqui algumas contribuições da termodinâmica, nomeadamente a di-visão dos sistemas termodinâmicos em três categorias: isolados, fechados e abertos. Um siste-ma isolado é um sistesiste-ma no qual não há nenhusiste-ma entrada nem saída de siste-matéria e energia; um sistema fechado troca calor com o ambiente, mas não matéria; um sistema aberto tem entrada e saída de energia e matéria. Considerando um sistema como definido anteriormente, ou seja, como um conjunto de qualidades, pode-se dizer que no sistema isolado as qualidades do siste-ma não terão nenhusiste-ma relação fora do próprio sistesiste-ma, enquanto num sistesiste-ma fechado há ape-nas uma relação: das qualidades do sistema com a temperatura ambiente.

A distinção entre um sistema mais aberto ou mais fechado passa, portanto, por definir quais qualidades cabem ao sistema e quais cabem ao ambiente. Dessa forma, pode-se afirmar

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que um sistema isolado é construído de tal forma que não é possível inferir nada sobre o que está fora do sistema a partir de seu conjunto de qualidades e relações. A inferência da existência de algo fora do sistema é feita a partir da observação de fluxos descompensados (de entra -da ou saí-da) que age como fonte ou destino desses fluxos (compensando-os). Por fluxo des-compensado entende-se um fluxo que não pode ser explicado pela dinâmica intrínseca do sis-tema.

Porém, ao ser compensado pela relação sistema-ambiente, a influência externa é incorporada à equação de estado do sistema. Rosen (2012) nos traz o seguinte exemplo: uma partí -cula livre de massa m (parâmetro constitutivo do sistema) que pode ser caracterizada em qual-quer instante t pelo deslocamento x a partir de uma posição inicial e por sua velocidade v sob a qual é exercida uma força F = kx, onde k expressa a como um incremento unitário no des -locamento da partícula afeta a velocidade da mesma. A equação de estado da partícula sob essa força externa é:

kx dx + dv mv = 0 (2)

A variável k pertence a uma força externa mas, internalizada dessa forma, pode-se considerar k um parâmetro do sistema, da mesma forma como a massa m. O número de parâmetros indica quantas forças externas foram internalizadas na construção da identidade for -mal. Um sistema com fluxos compensados, como o descrito acima, é um sistema parcialmente aberto.

Mudando a hipótese inicial de fluxos compensados para fluxos descompensados, Ro-sen (2012) nos fornece outro exemplo. Suponha-se um sistema So inicialmente isolado, com

sua dinâmica determinada pelo conjunto α1 ... αn de parâmetros constitutivos (parâmetros esse

que não são alterados por sua própria dinâmica) da seguinte forma: dxi/dt = fi(x1... xn, α1 … αr) (3)

A partir disso, pode-se comparar o comportamento do sistema So com um sistema S

aberto a mais influências ambientais do que o sistema So, considerando-se que, em adição aos

parâmetros constitutivos α1 … αr incluem-se um número adicional de parâmetros αr+1 ... αr+s, de

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dxi/dt = gi(x1 …xn, α1 … αr+s) (4)

Ambos sistemas (So e S) representam o mesmo sistema natural. Vamos supor que no

instante t = 0 os sistemas se encontram no mesmo estado [x1(0) ... xn(0)]. O maior número de

parâmetros influenciando a dinâmica do sistema S (função gi), conquanto estes não tenham

valor nulo, provocaram uma discrepância entre o resultado dos dois sistemas que crescerá com o tempo. Cada parâmetro a mais considerado no sistema S gera um novo fluxo de entrada e saída para o sistema, que precisa ser compensado. Essa compensação contínua de novos fluxos é a dissipação presente em sistemas complefluxos. Dessa forma, como a discrepância au -menta com o tempo, não existindo no instante inicial, não é possível diferenciar um sistema S de um subsistema So mais fechado na ausência desses fluxos (ROSEN, 2012).

A discrepância, portanto, cresce com o tempo até atingir um valor crítico em tc. Neste

instante, as funções fi e gi (representando respectivamente os sistemas So e S) deixam de estar

conjugadas. Porém, o valor de tc depende da dinâmica do sistema (descrita por sua equação de

estado) e de variáveis não mensuráveis que influenciem essa dinâmica. Não é possível, por -tanto, verificar a priori qual será o valor de tc: este só pode ser observado. A bifurcação,

característica de sistemas complexos, aparece aqui como o fim da conjugação entre os dois mapea -mentos (ROSEN, 2012).

Como dito anteriormente, podemos considerar um modelo de um sistema natural como um subsistema deste, cuja característica é ser mais fechado do que o sistema que representa, onde apenas as variáveis explicitadas no modelo são consideradas. A presença de bifurcação na relação entre o subsistema mais fechado e o sistema que o contém também ocorre na rela -ção entre o modelo e o sistema representado. Uma possibilidade para se continuar utilizando um modelo que já passou do tempo crítico é recalibrá-lo, ou seja, igualar os estados dos dois sistemas em tc, de forma a reiniciar a “contagem” do tempo. Porém, a calibragem não resolve

o problema, apenas o adia, pois a dinâmica do sistema prosseguirá apresentando discrepâncias que crescem no tempo levando a uma nova bifurcação em um novo tc. Outra forma de se

aumentar o prazo de validade de um modelo é incluir novos parâmetros na dinâmica que repre -sentem a compensação de novos fluxos de entrada e saída do sistema, tornando-o mais aberto. Essa possibilidade também encontra suas limitações no fato de que não é possível conhecer

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totalmente um sistema complexo, ou seja, sempre haverá variáveis ignoradas ou imensuráveis que irão provocar a discrepância (ROSEN, 2012).

Existe ainda um terceiro caminho para lidar com a discrepância entre o modelo e o sis-tema representado. A ocorrência da bifurcação, fruto da maior abertura do sissis-tema natural frente ao modelo, pode ser ignorada enquanto tal e encarada como uma variação estocástica no que de outra forma seria o comportamento normal do sistema, que é descrito pela equação de estado do modelo. Para entender como isto acontece, é necessário ter em mente que tanto a função fi quanto a gi são mapeamentos de relações binárias entre conjuntos de observáveis

(variáveis mensuráveis por meio da observação). Antes do instante tc, há uma relação de

equi-valência entre estes dois mapeamentos. Considerando que haja um conjunto A de resultados possíveis (imagem da função) para fi e um conjunto B de resultados para gi é possível

delimi-tar um subconjunto R A x B que define uma relação de equivalência entre os dois. Essa re-lação de equivalência é válida sempre que respeitar três propriedades: reflexividade, ou seja, para cada resultado fn em A há um resultado gn semelhante em B; simetria, ou seja, para cada

resultado fn que seja semelhante a um resultado fm em A, haverá um resultado gm semelhante a

gn em B; e transitividade, ou seja, se um resultado fn é semelhante a um resultado fm e um

re-sultado gn semelhante a um resultado gm, então o fn é semelhante com gm. Esta relação coloca

os dois conjuntos no que se denomina uma classe de equivalência (ROSEN, 2012).

Considerando que o observador só tem acesso aos resultados que pode medir, é útil to-mar uma perspectiva mais “onisciente” e considerar o que ocorreria com a multiplicação de um número arbitrário r1 que esteja contido tanto no conjunto de números reais quanto no

do-mínio das funções fi e gi. Todo número r R pode ser representado por uma expansão

deci-mal, ou seja, uma dízima periódica cujos dígitos após a virgula são infinitos e se repetem. Como fi e gi pertencem a uma mesma classe de equivalência, fi(r1) = gi(r1), porém, tomemos

por hipótese que a precisão limitada dos instrumentos utilizados na mensuração dos resultados só permite distinguir até as n primeiras casas decimais. Supondo um número r2 arbitrário com

as mesmas características de r1, e multiplicando um pelo outro provoca-se uma quebra da

rela-ção de equivalência. Isto ocorre pois, se denominarmos r1 e r2 da forma como o observador vê

como r1(n) e r2(n), onde n são as n casas decimais que a precisão dos instrumentos alcançam,

te-mos (r1r2) ≠ (r1(n)r2(n)), logo f(r1r2) ≠ f(r1(n)r2(n)). Apesar de que, para o observador, estes parecem

ser os mesmos números, estes estão efetivamente em classes de equivalência diferentes, pro-vocando resultados diferentes do esperado dada a dinâmica como definida pela equação de

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es-tado do sistema. A ignorância do observador quanto ao real valor das observações (para além das n casas decimais que este enxerga) produz uma bifurcação da mesma forma como a igno-rância de variáveis incluídas num sistema aberto S quando comparado com o sistema So mais

fechado (ROSEN, 2012).

Porém, como o observador ignora a fonte da discrepância, o que aparecerá para ele é que o modelo prevê o resultado da dinâmica em grande parte das vezes, ocorrendo apenas um erro aleatório fruto da própria dinâmica do sistema. Um observador que tenha conhecimentos de estatística poderá tratar esse erro aleatório por meio de distribuições de probabilidade, dan -do um tratamento analítico para a discrepância, mas sem identificar sua fonte: variáveis não consideradas que concedem mais graus de liberdade ao sistema do que o observador acredita existir. Rosen (2012, p. 287) descreve acuradamente a situação:

Indeed, it is curious and poignant, and not without deep epistemological signifi-cance, that our observer of the real number system, armed as he is with only a lim-ited capacity for discerning the qualities of numbers, would regard the mathematical view of that system as the abstraction, and his own description as the reality. If our mathematician tried to convince the observer that the real numbers involved unob-served qualities which, when properly formulated, made numerical operations al-ways associative, commutative, distributive, etc., he would be dismissed by the ob-server as a metaphysician; an inventor of abstractions totally divorced from observ-able reality. The relation between the mathematician and the observer which we have just sketched is in fact itself a model for the unfortunate chasm which often separates theoretical from empirical sciences. For the moment, we shall merely note that this chasm exists, and that its roots are visible even in this purely formal discus-sion (…).

O erro produzido pela discrepância, longe de ser completamente aleatório, é uma cara-terística essencial de sistemas complexos. Apenas sistemas simples, mecânicos, não produzem esse tipo de erro. Para averiguar isso, basta pensar na semelhança entre uma máquina constru-ída por seres humanos e um sistema formal: ambos só possuem como suas partes os compo-nentes que foram incluídos nele pelo seu criador, não possuindo um conjunto de relações e qualidades aberto e em expansão5. Para tratar desta questão, Prigogine (2000) utiliza-se da

distinção feita por Poincaré (1957) entre sistemas dinâmicos integráveis, ou seja, aqueles

cu-5Note-se que um mecanismo construído por seres humanos pode apresentar relações que seu criador desconhece,

e assim passará a apresentar discrepância. Embora isso ocorra, no caso de máquinas cuja operação já é conhecida há muito tempo, esta discrepância é tratada estatisticamente. Nesse caso, o tratamento estocástico para a discrepância costuma ser suficiente, mas não é possível garantir que o seja a priori, uma vez que as variáveis ignoradas podem apresentar crescimento exponencial. Uma forma de entender isso é quando uma máquina apresenta defeito: se houver uma série de dados grande o suficiente sobre ela, é possível prever estatisticamente quantas máquinas quebrarão a partir da frequência do aparecimento de defeitos, mas para cada máquina quebrada há uma explicação causal para o porquê ela parou de funcionar.

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jas ressonâncias (abertura do sistema à influência externa) com outros sistemas não afetavam a previsibilidade da dinâmica em oposição a sistemas dinâmicos não integráveis, que possuí -am tantas ressonâncias com outros sistemas que os resultados de sua dinâmica futura não po-diam ser determinados. Prigogine (2000) usa como exemplo de sistema dinâmico integrável um pêndulo, ou seja, um sistema mecânico cujos resultados podiam ser determinados a qual-quer instante a partir do conhecimento das condições iniciais, e usa um lápis colocado de pé como exemplo de um sistema dinâmico não integrável, uma vez que não é nada trivial cons -truir uma equação capaz de prever para qual lado o lápis irá cair. Poincaré (1957) utiliza a me-cânica hamiltoniana para fazer estas considerações.

Como afirmado anteriormente, a complexidade não é algo que está no objeto, mas está intimamente ligada à forma como percebemos os objetos. Todo objeto que permite a criação de diferentes identidades formais não-equivalentes pode ser considerado um objeto complexo, mas essa complexidade é fruto da incapacidade de se colocar todas as possibilidades de dinâ-mica deste em uma mesma representação. Sempre que a dinâdinâ-mica do sistema não puder ser reduzida à dinâmica de suas partes (subsistemas) este será complexo. Portanto, um objeto pode ser considerado tão mais complexo quanto mais bifurcações forem necessárias para en-tender sua dinâmica. Contudo, “enen-tender a dinâmica” de um sistema é algo que depende do objetivo da análise, ou seja, depende do contexto. Portanto, a complexidade não está no obje-to, mas em sua representação, tornando necessário levar em consideração tanto as característi-cas do que é representado como de quem representa.

Porém, mesmo no nível focal é possível enxergar a complexidade ao se pensar em for-mulações não-equivalentes para o mesmo nível holárquico, como visto nas figuras 1b e 1d, presentes na primeira seção, que descrevem um rosto visto pela luz natural e por raio X. Na interpretação desta tese, cabe distinguir entre quatro tipos diferentes de bifurcação. O primeiro tipo é a bifurcação na forma: o sistema se bifurca em subsistemas, cada um com um conjunto menor de relações causais do que o sistema maior, mas cuja forma não é redutível a este (i.e., o todo é maior do que a soma das partes). Quanto mais subsistemas com identidades irredutí -veis ao todo forem necessários para entender o metabolismo de um sistema, maior o número de bifurcações na forma. O segundo tipo é a bifurcação na qualidade: como a dinâmica de um sistema quantificada a partir de uma métrica qualitativa (como temperatura, por exemplo), ao longo do espectro dessa métrica podem ocorrer mudanças de fase (como, por exemplo, a mu-dança dos estados da matéria de sólido para líquido). Caso a dinâmica do sistema passe por

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esses pontos de mudança de fase, bifurcações terão de ser feitas para que possa modelar ade-quadamente a dinâmica após estas mudanças. O terceiro tipo são as bifurcações na identidade: um sistema pode, ao longo de seu desenvolvimento, sofrer mudanças que, de forma análoga à mudança de fase na qualidade, ele só possa ser entendido a partir de uma nova representação (como, por exemplo, a lagarta e a borboleta). O quarto tipo são as bifurcações na representa-ção: diferentes combinações de qualidades escolhidas para integrar a representação (uma vez que não é possível incluir infinitas variáveis em um modelo) irão modelar diferentes dinâmi-cas que um mesmo sistema concreto realiza. Diferentes dinâmidinâmi-cas realizadas por um organis-mo são relevantes a diferentes objetivos de análise, e quando estes não podem ser integrados em uma mesma representação, ocorre a bifurcação na representação. O primeiro e o último tipo de bifurcações dizem respeito à identidade formal, e o segundo e o terceiro, à identidade semântica.

Objetos complexos, ao serem representados em modelos que se comportam como sub-sistemas fechados destes, apresentam a discrepância proveniente de suas múltiplas representa-ções não-equivalentes, o que causa uma falha da relação de modelagem entre sistema formal e natural no instante tc. Embora a falha da modelagem seja inevitável para qualquer sistema

complexo, enquanto não se atinge o instante tc o sistema pode ser modelado como um sistema

“simples”, uma vez que, para que possa haver qualquer poder de previsão relacionado ao mo-delo, é necessário ter a capacidade de isolar algumas variáveis para entender a dinâmica que as inter-relaciona, não sendo possível tratar analiticamente um conjunto aberto e em expansão de qualidades e relações. Modelos são fundamentais para que se possa obter um conhecimen -to mais preciso do mundo, mas é necessário ter em mente que -todos os modelos se -tornarão obsoletos mais cedo ou mais tarde. Para que se possa trabalhar com os modelos após o ponto em que se tornam obsoletos, é necessária a utilização em paralelo de modelos não-equivalen-tes que representem a bifurcação a partir da qual o modelo se torna obsoleto, permitindo a emergência de novas propriedades não previamente consideradas. A não-utilização de pers-pectivas não-equivalentes para checar a validade de um sistema formal pode levar à já aventa-da exclusão de todo comportamento observado que não se encaixe no modelo como desvios meramente estocásticos6, deixando de lado as relações causais que permeiam esta dinâmica

supostamente aleatória (ROSEN, 2012).

6O exemplo mais cabal disto é o passeio aleatório: a dinâmica de um sistema seria tal que o estado do sistema no

instante t é igual ao estado no instante t-1 mais um choque estocástico. É um modelo que deixa de lado qualquer

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Uma vez considerada a relação de modelagem, ou seja, a relação entre o sistema natural e o sistema formal que o representa e os limites desta, tornase necessário tratar da dinâmi -ca. A seção seguinte trabalhará a questão do desenvolvimento de um sistema holárquico no tempo.

1.3 Dinâmica de Sistemas Complexos: Processos em Diferentes Níveis e Tempo Comple-xo

Uma vez tratada a questão do processo de abstração que caracteriza tanto a construção de identidades formais que permitem um tratamento analítico dos sistemas complexos quanto a própria organização destes sistemas em subsistemas mais simples do que o todo (embora ainda complexos), é necessário entender a importância disto para a dinâmica dos sistemas complexos.

Dentro deste marco analítico, pode-se afirmar que o tempo, fundamental para a com-preensão da dinâmica do sistema e de suas partes, se constitui de duas relações: relações de si-multaneidade e relações de sucessão. As relações de sisi-multaneidade definem a identidade do sistema e de suas partes, uma vez que a holarquia que constitui o sistema precisa ter bem defi-nido o que faz parte de cada subsistema em sua configuração naquele momento (em relação ao sistema formal que representa o sistema concreto, isto é, denominado fechamento do espa-ço de informação do sistema). As relações de sucessão, por sua vez, determinam a dinâmica do sistema e de suas partes, uma vez que organizam quais processos ocorrem antes e depois.

Resgata-se aqui a equação geral de estado de um sistema, já apresentada na seção ante-rior:

dxi/dt = fi(x1, …, xn), i = 1, …, n (5)

Essa forma de se representar a dinâmica do sistema traz implícitas algumas hipóteses. Uma delas é que a taxa de variação dxi/dt de cada variável xi é observável, e que as

observa-ções correspondem à função fi. Dentro de suas formulações específicas (parametrizadas), o

fu-turo está dado pela solução da equação a cada instante t, só havendo um passado possível para se chegar a esta solução e só um futuro possível a partir dele. Esta propriedade, juntamente aos incrementos diferenciais dxi das variáveis de estado, especifica o conjunto de observáveis

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fi definindo o diferencial de tempo dt. Dessa forma, cada codificação de um sistema natural

em formal necessita de um diferencial de tempo único a ele (ROSEN, 2012).

A forma mais simples que se pode considerar a causalidade em um sistema formal é que os diferenciais dxi não sejam independentes entre si (em um sistema formal com mais de

uma variável). No sistema formal, a exigência de que a dinâmica possa ser inferida a partir de sua formulação garante que a totalidade das relações entre as variáveis xi são suficientes para

determiná-las de forma única, ou seja, com um único conjunto fi de observáveis (ROSEN,

2012), como pode ser visto abaixo:

dxi = fidt (6)

A partir deste tratamento particular do tempo, se torna explícito que diferenciais de tempo que emergem de um sistema formal são em geral diferentes de quaisquer outros siste mas formais. Para poder tratar a dinâmica de dois sistemas formais em paralelo, tornase ne -cessária uma escala fixa de tempo. Assim, pode-se concluir que a formalização do tempo como um parâmetro dinâmico tem um campo de ação muito limitado, sendo necessário sem-pre definir arbitrariamente um fator de escala que converte o tempo intrínseco do sistema em tempo “do relógio” (ROSEN, 2012).

Uma vez que não é possível encontrar uma única escala de tempo universal para todos os sistemas, pode-se afirmar que o tempo é complexo. Embora seja possível usar uma escala arbitrária para estabelecer relações entre esses diferentes tempos intrínsecos a cada sistema para fins de comparação, não é possível reduzir um ao outro. Para que se possa ter uma me -lhor compreensão deste aspecto complexo do tempo, é útil distinguir entre tempo e duração. Duração equivale ao tempo intrínseco do sistema, sendo o “ritmo” sob o qual se dá a dinâmica do próprio sistema, enquanto tempo propriamente dito se refere à escala comum utilizada (re-lógio). Embora haja um debate filosófico muito interessante sobre a distinção entre duração e tempo, remontando pelo menos a Spinoza (BAUGH, 2010), nos basta uma breve demonstração matemática. Rosen (2012) utiliza o exemplo do decaimento radioativo de uma dada subs -tância (radioativa), que pode ser formalizado da seguinte forma:

Referências

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