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A prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa em componentes curriculares de um curso de licenciatura em quimica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

A PRÁTICA DO ENSINAR E DO APRENDER A FAZER

PESQUISA EM COMPONENTES CURRICULARES DE UM

CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA

JUDITE SCHERER WENZEL

Orientadora:

Profª Drª Lenir Basso Zanon

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

A PRÁTICA DO ENSINAR E DO APRENDER A FAZER

PESQUISA EM COMPONENTES CURRICULARES DE UM

CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA

JUDITE SCHERER WENZEL

Orientadora:

Profª Drª Lenir Basso Zanon

Label1

Texto apresentado para a Defesa Final

Data: 04 / 05 / 2007

Comissão Julgadora:

Profª. Drª. Maria do Carmo Galiazzi

Prof. Dr. Otavio Aloisio Maldaner

Prof. Dr. Milton Antônio Auth

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AGRADECIMENTOS

- à minha orientadora Lenir Basso Zanon, que durante esta caminhada sempre recebeu a mim e ao meu trabalho, com disponibilidade, respeito e muita dedicação.

- ao Leandro, pelo acompanhamento, pelo incentivo e por me ajudar a concretizar mais esta etapa de minha vida.

- aos meus pais, à minha irmã e demais familiares pela preocupação constante, pela confiança depositada em mim e pelas palavras de incentivo durante toda a caminhada.

- aos professores do Mestrado que sempre estavam dispostos a ajudar, em especial, aos professores Dr. Otávio Aloisio Maldaner e Dr. Milton Auth pelas valiosas contribuições na ocasião do exame de qualificação.

- ao grupo de bolsistas do GIPEC pela boa acolhida, pela companhia, pela amizade e pela disponibilidade de ajuda.

- aos licenciandos que participaram da pesquisa, pelo seu empenho, sua disponibilidade e atenção.

- aos meus companheiros de viagem a Ijuí, pelas conversas, pela companhia, pela ajuda, pelas palavras de incentivo e pela amizade que foi sendo construída.

- à família da minha orientadora, que sempre me acolheu com muito carinho e atenção em sua casa.

- enfim, agradeço a todas as pessoas, que de alguma maneira conviveram comigo durante esta importante e muitas vezes difícil etapa de minha vida, pela sua compreensão nas ausências, pela torcida e pelo amor transmitido.

- à CAPES pelo financiamento da pesquisa.

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RESUMO

O presente trabalho insere-se nas discussões, no âmbito educacional, quanto à problemática da formação inicial docente, especificamente, da formação inicial de professores de Química. A discussão traz o aprender a fazer pesquisa como uma possibilidade para a superação do modelo de formação docente calcado na racionalidade técnica. Parte-se do pressuposto de que para a melhoria da formação inicial docente é necessário uma (re)construção histórica e cultural das concepções com base nas quais são organizados os currículos e as práticas formativas, criando novos espaços interativos pautados na inovação quanto a modelos de formação que ampliem a visão do ser professor e do ensinar química. Nessa perspectiva, o referencial teórico tem como base, além do apoio teórico da literatura que trata da pesquisa educacional do professor em formação, a perspectiva histórico-cultural, cujo precursor é o psicólogo russo L. S. Vigotski, cujo princípio central consiste na visão de que o desenvolvimento do individuo é resultado de um processo mediado histórica e culturalmente, nas interações sociais, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem no desenvolvimento humano. Conta-se com apoio teórico de autores que defendem o educar pela pesquisa na formação do professor, como Demo, Lüdke, André, Maldaner, Galiazzi, Moraes, Ramos, Schnetzler, entre outros. São analisados espaços curriculares que, ao longo da formação docente inicial, propiciam o aprender a fazer pesquisa. A hipótese de investigação acredita na importância da inserção destes espaços, e vê a participação do licenciando em cada etapa do fazer pesquisa como participante na sua constituição como um professor que se torne pesquisador de sua prática. Para isso foram realizadas análises documentais do Projeto do Curso de Química Licenciatura, das Ementas Curriculares, dos Planos de Ensino dos Componentes Curriculares acompanhados. Foram aplicados questionários e realizadas entrevistas semi-estruturadas, gravadas em áudio e posteriormente degravadas, com licenciandos que vivenciaram na sua formação inicial processos do aprender a fazer pesquisa. Também foram analisados alguns relatórios finais de pesquisa elaborados pelos mesmos, com o objetivo de qualificar a pesquisa por eles vivenciada. Os relatórios analisados constituem-se no primeiro ensaio de pesquisa, na primeira prática do fazer pesquisa vivenciada pelos licenciandos, em sua formação. Com o objetivo de verificar a prática do aprender a fazer pesquisa em sala de aula foram acompanhadas aulas, com registros em caderno de campo, para posterior análise. Inicialmente discute-se com o referencial teórico as limitações do modelo de formação baseado na racionalidade técnica, que acredita ser o professor um transmissor de verdades prontas, desconsiderando a complexidade da prática escolar, partindo dessa problemática defende-se a inserção de espaços do fazer pesquisa como propiciadores de um outro caminho de formação. Discute-se diferentes concepções de professor pesquisador, bem como, de entendimentos sobre o que é pesquisa e sobre os diferentes níveis de pesquisa, numa visão que supera entendimentos simplistas de tais práticas. Os resultados denotam uma multiplicidade de fatores envolvidos na prática do ensinar e aprender a fazer pesquisa no âmbito da formação inicial, evidenciando a importância da significação da linguagem específica, de instrumentos culturais, como a linguagem (pela fala ou pela escrita) e a leitura, necessários de ser significados no fazer pesquisa. Essa significação ocorre mediante necessárias mediações do professor orientador, que já é um pesquisador. São apontados e discutidos, também, limites e potencialidades da prática no contexto acompanhado.

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ABSTRACT

The present project takes part in the discussion, in the educational sphere, concerning the problematic of teacher initial formation, especifiically chemistry-teacher initial formation. The discussion tackles the researching learning as a possibility to overcome the based on technic rationality teacher-formating pattern. We start with the supposition that to improve the teacher initial formation it's necessary to (re)build cultural and historically the conceptions on which the curriculum components and the formative practices are based, creating new interactive spaces supported by an innovation in formation patterns so that the perception of being a teacher and teaching chemistry is enlarged. In this perspective, the theoric reference is concreted by the historical and cultural issue, whose precursor is L. S. Vigotski, apart from the theoric support given by the literature related to the educational research of the teacher in formation. Vigotski is a russian psychologist who has as main principle the assertive that the individuals development results of a process controlled by history and culture in the social interactions, emphasizing the role of language and learning in the human development. The theorical support of authors who defend the teaching by research in teachers formation, like Demo, Lüdke, André, Maldaner, Galiazzi, Moraes, Ramos, Schnetzler, is counted on. Curricular spaces that give the opportunity to learn how to research properly along the teacher initial formation are analysed. The investigation hypothesis afirms the importance of allowing such spaces and hopes the participation of each formating teacher in every phase of the reseaching process, becoming a teacher reseacher of its own practice. Therefore, documental analysis were accomplished in the Bachelor Degree Chemestry Course Project, in the Curricular Amendments and in the Teaching Plans of Curricular Components. Questionnaires were aplied and semi-structural interviews were made, recorded in audio and later derecorded, with bacheloring teachers that experimented processes involving the research know-how in their teacher initial formation. Also final relatories made by such interviewed people were analysed, aiming at a qualification of the research experimented by them. These relatories make up the first experience of research of the bacheloring, in its formation. With the objective of verifying the practice of learning how to research in classroom, classes were watched, with latter register in camp notebook for analysing. Initially, it is discussed with the theoric reference the limitations of the formation pattern based on technic rationality, which shows the teacher as a conveyor of finished facts. Considering the complexity in the teaching practice, we defend the inclusion of the researching as opportunity to other formation ways. Different teacher-researcher conceptions are discussed, like the understanding about what research is in fact, different levels of research, and so on, in a point of view that overcome simple understanding about such practices. The results show plenty of factors involving the teaching and learning how to research in the initial formation, evidencing the importance of the especifical language meaning, of cultural tools, as the language and the reading, necessary in the research practice. The meaning becomes possible through mediations taken by the guide teacher, who already is a researcher. Limits and potencialities of such practice are also discussed.

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SUM ÁRIO

Introdução

...07

As Origens da Caminhada da Investigação ...07

Um Olhar para o Fazer Pesquisa no Cenário da Formação Docente Inicial...09

O Contexto e os Caminhos Percorridos na Execução da Pesquisa ...15

Cap 1. O Contexto Problemático da Formação Inicial de Professores

de Química ...

...27

1.1. Modelo de Formação Inicial Pautado na Racionalidade Técnica... 27

1.2. A Problemática da Desarticulação dos Saberes no Âmbito da Racionalidade Técnica... 32

1.3. Caminhos em Busca de uma Nova Racionalidade Articuladora de Saberes...37

Cap 2. A Pesquisa Como Aliada na Formação Inicial de Professores ...40

2.1. O Fazer Pesquisa como Caminho e a Constituição do Professor Pesquisador em Formação Inicial...41

2.2. De Qual Pesquisa Falamos? ...50

2.3. A Busca por uma Qualificação do Fazer Pesquisa em Sala de Aula ...56

2.4. A mediação do Outro no Ensinar e no Aprender a Fazer Pesquisa ...64

2.5. A Apropriação dos Instrumentos Culturais do Fazer Pesquisa na Constituição do Professor Pesquisador em Formação Inicial ...66

Cap 3.

A Formação Inicial pela Pesquisa – Interlocuções no Âmbito

Prático do Contexto Investigado ...

.75

3.1. Um Olhar ao Projeto Curricular do Curso Acompanhado...75

3.1.1. O Fazer Pesquisa num Olhar para as Ementas Curriculares ...80

3.1.2. Uma Análise dos Planos de Ensino dos Componentes Curriculares Investigados ...81

3.2. Percepções dos Licenciandos sobre o Fazer Pesquisa Vivenciado...85

3.2.1. Percepções Gerais dos Licenciandos sobre o Aprender a Fazer Pesquisa..86

3.2.2. As Etapas do Fazer Pesquisa Vivenciadas pelos Licenciandos nos Componentes Curriculares Acompanhados...95

3.2.3. Os Limites do Fazer Pesquisa para os Licenciandos no Contexto Investigado ...103

3.2.4. Contribuições da Prática do Fazer Pesquisa Vivenciada para a Formação Docente ...107

3.3. Qualificação do Fazer Pesquisa, Partindo da Análise de Relatórios de Pesquisa ...114

3.4. Descrição de uma Prática do Aprender a Fazer Pesquisa ...120

Considerações Finais ...124

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INTRODUÇÃO

As Origens da Caminhada da Investigação

A presente pesquisa é decorrente de preocupações durante e, em especial, ao final da minha formação inicial num curso de química licenciatura. Realizada em uma universidade pública bastante tradicional e reconhecida, não esperava vivenciar problemas que muito me angustiaram, devido a um grande distanciamento e desarticulação entre as disciplinas de conteúdos específicos de química e as ‘pedagógicas’, como costumávamos chamar. As primeiras tinham uma maior carga horária e, pelo seu maior nível de ‘cobrança’ em provas, eram mais valorizadas pelos próprios acadêmicos, meus colegas, enquanto que as ‘pedagógicas’ ficavam sempre em segundo plano. Talvez tal desvalorização fosse decorrente da falta de abordagem sobre o ensino de química no âmbito das disciplinas pedagógicas, e vive-versa, dificultando a participação e a compreensão das mesmas.

Vale ressaltar que uma das maiores dificuldades vivenciadas por mim e pelos meus colegas foi na ocasião da realização do estágio curricular, apenas nos últimos semestres do curso. Era visível e preocupante o distanciamento e a falta de interação entre a universidade e a escola, de encontros sistemáticos que nos possibilitassem formas de reflexão sobre as ações de planejamento e sobre nossas primeiras práticas docentes, bem como, sobre os nossos próprios processos de formação. Antes da prática em sala de aula, vivenciamos alguns momentos de observação em sala de aula, porém, os mesmos não foram objetos de discussão, de estudos e orientação, por isso, preocupávamo-nos com a precariedade da contribuição de tais observações para a nossa formação docente inicial.

Em decorrência dessas dificuldades vivenciadas, passei, na graduação, a buscar e fazer leituras sistemáticas sobre a formação docente. Vários referenciais lidos abordavam a necessidade do professor pesquisador, crítico e reflexivo, de novos modelos e novas práticas de formação inicial, mais direcionadas a contribuir

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para a promoção das mudanças na educação escolar. As leituras propiciaram questionamentos e idéias que começaram a inquietar-me sempre mais. Comecei a defender a idéia de que para o professor se tornar um pesquisador de sua prática, uma alternativa seria aprender a fazer pesquisa já na sua formação inicial. Desta idéia decorriam vários questionamentos: como a prática do fazer pesquisa na graduação poderia contribuir para uma melhor formação docente inicial? Como poderia ser essa prática de formação, diferente da por mim vivenciada? Seria melhor em que sentido? Conseguiria superar as dicotomias que eu vivenciei? Como a pesquisa contribuiria para a formação do professor pesquisador? Como ela poderia ser trabalhada, inserida e articulada num currículo de formação de professores de química? Que prática de pesquisa seria essa?

Esses são alguns dos questionamentos que me levaram a prosseguir nos estudos no âmbito da educação, em nível de mestrado, e realizar uma pesquisa na área da educação química, especificamente, quanto à pesquisa na formação docente inicial. Para a continuidade dos estudos busquei o Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí. Durante a caminhada, os estudos e reflexões propiciados ajudaram a enriquecer minhas concepções teóricas relativas à formação docente inicial e à educação de modo geral. Ainda são amplos os questionamentos e as inquietações que demandam aprofundamentos nos estudos e nas investigações.

O que é apresentado neste trabalho resulta da investigação que desenvolvi na perspectiva de apontar alguns caminhos que poderão servir aos cursos de licenciatura como um todo, acenando para o desenvolvimento de uma formação docente inicial menos tecnicista, sobre a qual passo a discorrer, a seguir, tendo a prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa como alternativa de superação do modelo de formação inicial por mim vivenciado.

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Um Olhar para o Fazer Pesquisa no Cenário da Formação Docente Inicial

Os estudos e as preocupações com a formação de professores têm se acentuado a partir da última década do século passado, o que está relacionado, também, com as novas políticas educacionais, aliadas às reformas da educação básica e universitária no país. Entre os anos de 1980 e 1990 houve um crescente movimento de profissionalização do ensino, que repercutiu nas reformas da formação dos professores. Pesquisas educacionais passaram a dar ênfase na questão dos saberes e às competências na formação inicial de professores. Segundo Laranjeira et al (1999), apud Borges e Tardif:

o novo referencial para a formação de professores reconhece que o docente é um profissional; que a natureza do seu trabalho é definida em função do entendimento de que o professor atua com e nas relações humanas; que a gestão em sala de aula, tarefa que é de sua responsabilidade por excelência, exige o confronto com situações complexas e singulares, cuja solução nem sempre é dada a priori (BORGES, Cecília; TARDIF, Maurice, 2001, p.14).

Essas repercussões do movimento de profissionalização se prolongam nas diferentes reformas em curso no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) propõe a Educação Básica com um caráter não propedêutico e com uma visão mais rica de aprendizagem e desenvolvimento dos educandos. Nos dizeres de Pereira, a visão de ensino articulada nesta Lei,

está alicerçada na concepção de desenvolvimento e aprendizagem como processos, na idéia de que não se constroem conhecimentos significativos de forma cumulativa e no pressuposto de que os conhecimentos se produzem nas interações e vivências, em empreendimentos, na busca de respostas às perguntas que os educandos se fazem (PEREIRA, 1999, p.115).

Porém, o que se percebe é que as mudanças propostas nesta visão de ensino, pouco chegam às salas de aula efetivamente. As propostas educacionais vigentes, segundo Brasil (1999), são caracteristicamente de caráter apenas propedêutico, preparatórias para séries e graus de ensino seguintes, numa visão linear, conteudista e cumulativa de ensino, pouco se preocupando com a necessidade de desenvolver uma educação voltada para a melhoria da convivência e da qualidade da vida nas práticas sociais.

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Ainda no âmbito da reforma educacional em andamento, as atenções passaram a se voltar para Cursos de Formação Docente Inicial. Traçaram-se as Diretrizes Curriculares Nacionais, aprovadas em 2001 pelo Conselho Nacional de Educação, diretrizes que enfocam diferentes funções da Educação no meio social e também o exercício profissional dos professores. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior,

as questões a serem enfrentadas na formação são históricas. No caso da formação nos cursos de licenciatura, em seus moldes tradicionais, a ênfase está contida na formação nos conteúdos da área, onde o bacharelado surge como a opção natural que possibilitaria, como apêndice, também, o diploma de licenciado. Neste sentido, nos cursos existentes, é a atuação do físico, do historiador, do biólogo, por exemplo, que ganha importância, sendo que a atuação destes como “licenciados” torna-se residual e é vista, dentro dos muros da universidade, como “inferior”, em meio à complexidade dos conteúdos da “área”, passando muito mais como atividade “vocacional” ou que permitiria grande dose de improviso e auto-formulação do “jeito de dar aula” (BRASIL, 2001, p. 13).

Essa problemática não é recente, e ela precisa ser vista em sua complexidade, remetendo para discussões em torno do modelo formativo baseado na racionalidade técnica que, apesar de criticado, ainda predomina, amplamente, nos cursos de formação. Conforme refere Pereira (1999), a formação docente constituída pela conhecida fórmula “3 + 1”, em que as disciplinas de natureza pedagógica, cuja duração prevista era de um ano, justapunham-se às disciplinas de conteúdo, com duração de três anos, na literatura educacional, é uma expressão visível do modelo da racionalidade técnica. Nos dizeres de Schön:

a racionalidade técnica diz que os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos. Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros, através da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico (SCHÖN, 2000, p. 15).

No modelo da racionalidade técnica, o docente é formado como um técnico que executa determinadas tarefas mediante a aplicação de teorias produzidas fora da prática, por grupos de especialistas, desconsiderando a complexidade e a dinamicidade das relações entre teorias e práticas docentes. Decorrente desta formação, o professor torna-se refém de livros didáticos, pois, não se considera um

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sala de aula um ensino baseado no modelo de ‘transmissão-recepção’, que pouco contribui para a formação e o desenvolvimento dos estudantes.

Prevalece a visão de senso comum do ser professor. Acredita-se que para ser professor basta dominar os conteúdos específicos da disciplina que vai ensinar e usar algumas “técnicas pedagógicas”, teorias e técnicas produzidas fora dos contextos práticos, a serem, depois, aplicadas na prática de sala de aula. Reforça-se com isso a concepção de que “ensinar é fácil” e que, assim, qualquer um pode se tornar professor, independente da sua formação, pois não se considera a complexidade da prática escolar (Carvalho e Gil-Péres, 1993).

Concorda-se que o conhecimento específico da disciplina a ser ensinado pelo professor é primordial para a ação docente, porém essa não é condição suficiente. Os programas de formação docente inicial precisam ir além da aquisição de conhecimentos específicos, superando as concepções de que os problemas educacionais se reduzem a soluções técnicas, numa visão de aplicabilidade direta da teoria, elaborada por outros, em qualquer prática de sala de aula.

A visão simplista do ser professor, na maioria dos cursos de formação inicial, conforme Marcelo (1997), não é problematizada, permanecendo predominante nas práticas pedagógicas dos futuros docentes como sendo algo natural e correto em decorrência de toda a sua ‘formação ambiental’ ao longo da escolarização. Por isso, para mudar as práticas educacionais, ainda vigentes, é necessário rever os espaços, os modelos e as práticas de formação dos professores.

Em particular, neste trabalho, a atenção se volta para a formação inicial de professores de Química, inserida num processo de formação docente continuada, nunca reduzido à formação inicial de um curso de licenciatura. A idéia de formação continuada supera, por outro lado, a visão simplista de que o aprender a ser professor será apenas com a prática de sala de aula, reduzindo a atividade docente em um saber fazer que reproduz modelos observados. Defende-se uma formação continuada que busque uma articulação da prática com teorias que a iluminem e a critiquem, nos dizeres de Pimenta e Lima:

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o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para a análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade (PIMENTA e LIMA, p. 43, 2004).

Acredita-se na importância de ocorrer, na formação inicial de professores, uma conscientização em relação à necessidade de sempre ir à busca de outros conhecimentos, de um referencial teórico e de outras práticas. O Curso em investigação propõe como caminho para a conscientização da necessidade da formação continuada o aprender a fazer pesquisa desde o inicio da graduação, com a perspectiva da formação de professores pesquisadores.

A literatura (Maldaner, 2003; Galiazzi, 2003; Moraes, 2002; Lüdke 2001; André, 2001; Schnetzler 2000; Zeichner 2005; Perrenoud 1999; Tardif 2002) têm apontado para a importância de instituir dinâmicas de organização curricular articuladas por espaços de formação pela pesquisa, como alternativa para a superação do modelo tecnicista de formação, pautado na racionalidade técnica. A pesquisa vem sendo entendida, por alguns dos autores, como uma atividade de ‘aprender a aprender’, propiciando aos sujeitos recursos para argumentar, construir e reconstruir conhecimentos. Segundo Galiazzi e Moraes:

a iniciativa de repensar e reestruturar a formação inicial de professores com base no educar pela pesquisa, para poder atingir a melhoria de sua qualidade, parte da convicção da necessidade de superar a aula caracterizada pela simples cópia, transformando os licenciandos, de objetos, em sujeitos das relações pedagógicas assumindo-se autores de sua formação por meio da construção de competências de crítica e de argumentação, o que leva a um processo de aprender a aprender (GALIAZZI e MORAES, 2002, p. 238).

A falta de articulação de ensino e pesquisa na formação inicial docente é apontada nos dizeres das Diretrizes Curriculares Nacionais, “a formação de professores para os diferentes segmentos da escola básica tem sido realizada muitas vezes em instituições que não valorizam a prática investigativa” (p. 19). Percebe-se uma preocupação em relação à inserção e articulação do fazer pesquisa na formação inicial de professores, no entanto, ainda são incipientes as iniciativas de desenvolvê-la na prática, justificando-se, assim, a importância de promovê-la e investigá-la, a exemplo do presente trabalho.

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Exigências das reformas curriculares poderão vir a desdobrar-se em formas mais amplas de superação do modelo da racionalidade técnica, cabendo aos cursos de licenciatura redefinir sua organização de modo a proporcionar um repensar do perfil do docente formado, não mais como um mero técnico aplicador de conhecimentos externos a ele e ao seu trabalho, mas como sujeito da construção e reconstrução do conhecimento. Novas proposições, orientações e regulamentações estão sendo apresentadas, como é o caso davalorização da pesquisa do professor em formação inicial, visando melhor responder à problemática da formação, na perspectiva de superar problemas encontrados e denunciados nas pesquisas e no cotidiano da sala de aula, a partir das próprias realidades vivenciadas e problematizadas.

Toda essa preocupação com a formação docente inicial decorre da complexidade do fazer docente num mundo em constantes transformações e incertezas. Segundo André:

a tarefa do professor no dia-a-dia de sala de aula é extremamente complexa, exigindo decisões imediatas e ações, muitas vezes imprevisíveis. É extremamente importante que ele aprenda a observar, a formular questões e hipóteses e a selecionar instrumentos e dados que o ajudem a elucidar seus problemas e a encontrar caminhos alternativos na sua prática docente. E nesse particular os cursos de formação têm um importante papel: o de desenvolver, com os professores, essa atitude vigilante e indagativa, que os leve a tomar decisões sobre o que fazer e como fazer nas suas situações de ensino, marcadas pela urgência e pela incerteza (ANDRÉ, 2001, p. 59).

O que se espera, portanto, é a criação de novos espaços e tempos formativos que tendo a prática do fazer pesquisa como aliada, propiciem aos futuros docentes habilidades decorrentes de tal prática, como selecionar problemas, de sua escola e da sala de aula, que demandam pesquisa e, assim, poder produzir novos conhecimentos profissionais, aliados à ousadia de questionar, de discutir e de propor, responsavelmente, novos caminhos para o exercício profissional, bem como, de se tornarem orientadores da pesquisa de seus alunos.

No presente estudo, com apoio da literatura já mencionada, o processo de formação inicial é entendido numa perspectiva de superação da formação vista como um mero processo de repasse de determinados conhecimentos teóricos, de

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superação da aula entendida como simples cópia; bem como, na superação da visão simplista de que ser professor é equivaler-se a um técnico ‘repassador’ de conhecimentos verdadeiros, externos a ele e a sua realidade escolar.

Neste sentido, o tema em estudo, é a formação inicial de professores de química, especificamente, na qualificação de espaços do ensinar e do aprender a fazer pesquisa, enquanto componente essencial à formação para o exercício profissional, acreditando numa formação menos fragmentada, menos tecnicista, numa problemática que pode vir a superar os descompassos postos pelo modelo da racionalidade técnica. Partindo das necessidades de mudanças na formação inicial de professores, apresenta-se resultados de um estudo de alguns Componentes Curriculares em implantação, que propõem espaços do fazer pesquisa num Curso de Licenciatura em Química que inicialmente se encontrava em fase de implantação e teve sua aprovação no decorrer da pesquisa.

Focalizando o olhar para a prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa no âmbito do contexto formativo investigado, o estudo esteve orientado pelos seguintes objetivos:

- compreender como acontece a formação docente inicial nos espaços de formação pela pesquisa propostos em componentes curriculares do programa de formação inicial acompanhado;

- estudar como o fazer pesquisa ocorre no âmbito da formação inicial e se ele auxilia os estudantes na construção/reconstrução de entendimentos quanto ao ser professor;

- analisar o fazer pesquisa nos componentes curriculares acompanhados, de como ele propicia interações e como elas contribuam na formação docente inicial;

- qualificar o fazer pesquisa realizado nos espaços curriculares investigados, com atenção para a identificação e qualificação de etapas do fazer pesquisa e de níveis de pesquisa atingidos;

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- analisar a relação pedagógica entre professor e aluno, entre ‘orientador’ e ‘pesquisador’, neste ambiente do ‘educar pela pesquisa’, com atenção à participação e aprendizado dos estudantes pela mediação do professor, num processo em que os estudantes, tendencionalmente, passam de objetos a sujeitos interativos da relação pedagógica;

- produzir compreensões quanto a como o aprender a fazer pesquisa nos componentes curriculares co-participa na constituição dos licenciandos enquanto professores pesquisadores em formação inicial.

São explicitados, a seguir, os caminhos percorridos no desenvolvimento da investigação, frente aos objetivos mencionados, justifica-se a escolha metodológica. Situa-se e caracteriza-se o contexto empírico do estudo e, ao final, apresenta-se a organização geral do trabalho.

O Contexto e os Caminhos Percorridos na Execução da Pesquisa

Num primeiro momento, explicitei e procurei discutir as intenções da pesquisa, o que eu pretendia buscar responder, o tema e os objetivos, percorrendo, ainda na imaginação, caminhos desconhecidos e incertos. No entanto, havia um estímulo e um grande desafio a minha frente, uma ansiedade e ao mesmo tempo uma grande motivação em relação ao objeto de estudo da pesquisa em construção. Isto, em decorrência da minha formação num curso de licenciatura em química, como eu já referi. Acreditava ser o mestrado a oportunidade de colocar na prática as minhas intenções, na perspectiva de contribuir para o entendimento e nas discussões em torno do problema de pesquisa. Aos poucos, foi possível delinear uma trajetória de trabalho e um caminho para a investigação.

O trabalho se caracteriza como uma pesquisa qualitativa (Lüdke e André, 1986) que, segundo Bogdan e Biklen (apud Lüdke e André, 1986, p. 11), “supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra, através de um trabalho intensivo de campo”. Isso, considerando uma característica bastante importante, frente à visão de que

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o desenvolvimento do estudo aproxima-se a um funil: no início há questões ou focos de interesse muito amplos, que no final se tornam mais diretos e específicos. O pesquisador vai precisando melhor estes focos à medida que o estudo se desenvolve (LÜDKE, ANDRÉ, 1986, p.13).

No início da investigação havia uma amplitude de intenções e perspectivas, tendo sido procedido ‘recortes’ de determinados rumos e caminhos. Muitas eram as angústias e as questões relevantes, mas era necessário selecioná-las, focalizar o olhar, delimitar o ângulo da visão.

A pesquisa de caráter qualitativo, organizada como estudo de caso, possui características de descrição e interpretação da realidade investigada. O estudo de caso segundo Lüdke e André, “é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo” (p.17). Com base em Goode e Hatt, as autoras colocam que “o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo (...) quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher um estudo de caso” (p.17).

Na execução da pesquisa, partiu-se de uma problematização inicial, cerceando questionamentos que tiveram sua origem em leituras sobre a formação docente inicial, em busca de melhor situar e compreender a modalidade de formação que vivenciei durante a minha graduação. Eu buscava, na literatura, explicações outras para as minhas angústias e decepções no decorrer do curso. O tema ‘educar pela pesquisa’ ou “pesquisa educacional do professor em formação inicial” parecia responder à minha demanda de investigar um contexto de formação inicial diferenciado daquele que eu havia vivenciando. Isso orientou e dimensionou o meu questionamento central: de que forma o ‘educar pela pesquisa’ pode contribuir para a formação inicial de professores de química?

A partir desse questionamento geral, alguns focos de estudo e leitura vinham associados a interlocutores teóricos que intermediavam os olhares, os interesses e os caminhos em construção, orientando o âmbito empírico, a organização do estudo, em busca de analisar uma prática, buscando subsídios e indícios junto a sujeitos de pesquisa, com vistas a responder e compreender tal linha de questionamento: o

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‘educar pela pesquisa’ contribui na formação inicial de professores de química? Em quê contribui? De que forma, como? Para que contribui? Por quê?

As questões passaram a ser objeto de desdobramentos quanto aos respectivos caminhos metodológicos, na medida em que estudos e atividades de pesquisa iam se desenvolvendo ao longo da realização do trabalho. Como colocar em prática a investigação? Logo, mantidos alguns contatos com a instituição local, foram sendo explicitadas algumas idéias, concretizando-se a intenção de pesquisar o âmbito de algum curso de química licenciatura que já teria iniciado um processo de reforma curricular que contemplasse, de alguma forma, o ‘fazer pesquisa’ como princípio da formação inicial. O interesse era o de desenvolver uma pesquisa em contexto empírico sobre tal temática e, como eu estava cursando o Mestrado na Unijuí, foi bastante fácil e ágil a certificação de que, nesta universidade, o Curso de Licenciatura em Química havia sido objeto de um processo de reconstrução curricular que contemplava a ‘pesquisa’ como um eixo importante da formação. A nova Proposta Curricular encontrava-se em implantação, sendo que, na fase inicial do meu trabalho, o Curso estava em processo de reconhecimento junto ao MEC.

Numa primeira etapa da pesquisa, foi, então, planejada e procedida uma análise documental focalizando as características e a estrutura curricular do Curso, em atenção a aspectos da reforma curricular em implantação. Observou-se que no curso ‘novo’ havia vários componentes curriculares que, já em sua denominação, mencionavam o ‘educar pela pesquisa’. Frente ao interesse e ao foco da investigação, exatamente no ‘educar pela pesquisa’, no aprender a ‘fazer pesquisa’, buscou-se junto à Coordenação do Curso o acesso ao Projeto Curricular do mesmo, às Ementas Curriculares, para proceder a uma análise em busca de uma visão e compreensão iniciais, em sentido mais amplo, sobre o mesmo.

Assim, na etapa inicial da investigação, foi realizada uma análise documental criteriosa, buscando, conforme referem Caulley, (apud Lüdke e André, 1986, p. 38) “identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse”. Guba e Lincoln, (apud Lüdke e André, 1986, p. 39) fazem um relato das vantagens do uso de documentos. Segundo estes autores, os documentos são

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fonte repleta de informações sobre a natureza do contexto que nunca deve ser ignorada, independente dos outros métodos de investigação.

Verificou-se, a partir da análise da proposta do Curso, explicitada no Projeto Político Pedagógico, haja vista a própria composição curricular e de algumas ementas, que o Curso como um todo contempla uma boa articulação da formação inicial ‘pela pesquisa’.

Uma revisão bibliográfica passou logo a orientar o processo da investigação, a partir de uma busca teórica sobre o que é entendido como pesquisa no âmbito do ‘educar pela pesquisa’, de como se processa tal educar no contexto da sala de aula, a exemplo de contribuições de autores como Demo (1998; 1999); Moraes (1998); Moraes, Galiazzi e Ramos (1998); Marques (2001); Galiazzi (2003).

O apoio teórico dos autores acima mencionados permitiu identificar, entre outros focos de interesse, categorizações prévias como a proposição da escrita, da argumentação, da participação dos alunos e da comunicação/socialização da pesquisa como elementos e fatores propulsores da prática do ‘fazer pesquisa’ em sala de aula. Após estas leituras, partiu-se para a análise das Ementas Curriculares do Curso, que permitiu identificar algumas disciplinas do Curso como sendo articuladoras do ‘educar pela pesquisa’.

A partir dessa etapa (análise documental), a questão de pesquisa passou a focalizar a seguinte configuração: como os novos espaços formativos que propõem, em suas ementas curriculares, a prática do fazer pesquisa, estão se desenvolvendo na prática do Curso? Como eles estão sendo percebidos e vivenciados pelos estudantes do Curso?

No Curso são oferecidos vários Componentes Curriculares que, de acordo com suas Ementas, abordam etapas do fazer pesquisa, mas dentre estes, alguns ainda não foram cursados por nenhuma turma, pelo fato do Curso estar em processo de implantação. Por outro lado, seria inacessível a análise de todos os Componentes que propõem a prática do fazer pesquisa já cursados.

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Isso levou a um novo afunilamento na busca de resposta à questão de pesquisa, ‘recortando-a’ mais um pouco, para a seguinte formulação: como os Componentes Curriculares “Pesquisa em Ensino de Ciências I” (PEC I) e Pesquisa em Ensino de Ciências II” (PEC II), que propõem em suas Ementas a prática do fazer pesquisa, estão se desenvolvendo? Como eles estão sendo percebidos e vivenciados pelos estudantes do Curso?

Restringe-se, assim, o âmbito empírico da investigação a apenas dois dos Componentes Curriculares que contemplam o ‘fazer pesquisa’ (PEC I e PEC II). O critério de escolha considerou o fato de serem os primeiros Componentes cursados, no Curso em implantação, cujas Ementas propiciam aos estudantes um contato com a escola e que apresentam uma proposta segundo a qual os licenciandos participam de todo o processo do fazer pesquisa na formação.

Considerou-se, também, o fato de serem Componentes cursados recentemente pelos licenciandos do sexto semestre do curso. Assim, o estudo de caso estava bem definido, visto que, dentre vários cursos de licenciatura em química, escolheu-se um Curso, o da Unijuí (regime regular, campus Ijuí).

Feita essa delimitação, partiu-se para a análise dos Planos de Ensino dos dois Componentes Curriculares, para verificar a organização da proposição do fazer pesquisa e para se ter uma maior familiarização com os Componentes, seus objetivos, atividades de ensino, procedimentos, recursos.

Tendo em mãos os resultados prévios da analise documental, partiu-se para a análise da prática do fazer pesquisa no Curso. Decidiu-se aplicar questionários e realizar entrevistas semi-estruturadas, visto que este tipo de entrevista permite que o entrevistador faça as necessárias adaptações, a partir de um esquema básico e de um instrumento orientador. Segundo Lüdke e André:

na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há imposição de uma ordem rígida de questões. (...) A grande vantagem da entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada. (...) Enquanto outros instrumentos têm

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seu destino selado no momento em que saem das mãos do pesquisador que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se iniciar o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado (LÜDKE e ANDRÉ, p.33 e 34, 1986).

Precisava-se definir os sujeitos que estavam vivenciando a prática do fazer pesquisa, estudantes do Curso, que haviam cursado os Componentes Curriculares em investigação. Eles seriam parceiros e colaboradores fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.

A pergunta que surgia era: a quem entrevistar? Concluiu-se que, como o Curso é novo, seria adequado fazer as entrevistas com estudantes que já teriam cursado um maior número de disciplinas do Curso, ou seja, tendo uma maior vivência no programa de formação como um todo.

Definido isso, faltava ainda configurar critérios de escolha e ‘características’ dos sujeitos de pesquisa. Decidiu-se buscar uma amostra heterogênea em relação às condições da dedicação pessoal do estudante da turma ao Curso, ou seja, do tempo disponível para os estudos. Optou-se então por uma amostra com três ‘tipos’ de sujeitos: (i) estudantes trabalhadores e, dentre estes, os que cumprem uma maior carga horária de trabalho e que cursam um maior número de disciplinas, (ii) estudantes bolsistas – qualquer modalidade e (iii) estudantes com maior carga horária disponível para os estudos, que se dedicassem o mais exclusivamente possível ao Curso. Esses critérios foram considerados tendo em vista, também, o fato de o Curso ser noturno.

Buscou-se a Coordenação do Curso a fim de conseguir uma relação dos estudantes ingressos no primeiro ano do Curso em implantação, partindo-se, então, para uma análise dos cadernos de registro (folhas de chamada do segundo semestre de 2005) do Curso de Licenciatura em Química acompanhado, o qual correspondia ao sexto semestre do Curso, isto é, ao semestre mais avançado e, portanto, o semestre da primeira turma de ingresso no Curso novo.

A partir da análise das folhas de chamada, fez-se uma relação entre os acadêmicos e os componentes curriculares. Conforme mostra o quadro a seguir, o

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componentes curriculares do sexto semestre. Resolveu-se, então, selecionar aqueles estudantes que estavam cursando um maior número de componentes curriculares.

Quadro das matrículas dos acadêmicos nos componentes curriculares do semestre:

Para selecionar a amostra dos estudantes para a entrevista, foi entregue um questionário, anexo I, que foi respondido, por escrito, pelos seis acadêmicos que estavam cursando pelo menos três componentes curriculares. Este primeiro questionário teve como objetivo saber a situação de cada estudante, verificar quais os componentes curriculares já cursados e especificamente, se já haviam cursado os Componentes selecionados para a investigação, saber sua disponibilidade de tempo para os estudos, ou seja, se trabalha ou não, quantas horas. Enfim, foi um levantamento do ‘perfil’ destes licenciandos, com vista a poder eleger os sujeitos de pesquisa. Acadêmicos Físico Química III Química Orgânica I Química Analítica Quantitativa. Pesquisa em Ensino de Química I Prát. Pedag. VII: Teorias do Ensino de Ciências. Jarbas X Natália X X José X X X X X Maurício X X X Júlia X X Paulo X X X X X Andressa X X Maria X X Larissa X X Mateus X X Fátima X X Bruna X Joana X X X X Clara X X X X Antonio X X Ana X X X X Viviane X André X X Augusto X Sabrina X Janaina X Marina X X Murilo X Lara X Fernanda X X Laura X

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Dos seis estudantes selecionados, cinco responderam e entregaram este primeiro questionário. Destes cinco, um é bolsista de iniciação científica, uma é secretária de escola, com uma carga horária de 40 horas semanais, uma é auxiliar de laboratório com carga horária também de 40 horas semanais, um estudante com total disponibilidade de tempo aos estudos, uma auxiliar de processamento de dados com uma carga horária de seis horas semanais. De acordo com estes ‘perfis’ a amostra é bem heterogênea corroborando com as características buscadas.

Antes de realizar as entrevistas com os sujeitos selecionados, foi enviado mais um questionário (anexo II) para os cinco licenciandos selecionados, com questões referentes ao Curso de Licenciatura como um todo, bem como, com uma maior ênfase no entendimento dos sujeitos sobre ‘pesquisa’ e a percepção quanto aos Componentes Curriculares PEC I e PEC II. Esses questionários foram entregues, deixando um intervalo de uma semana para a devolução dos mesmos, ficando cada estudante livre em escolher se respondia ou não ao mesmo.

Passada uma semana, começou-se a recolher os questionários. Dos cinco estudantes, quatro o devolveram respondido. O estudante que não possuía nenhuma atividade além de estudar, não respondeu ao questionário. Houve então um repensar da amostra de licenciandos para as entrevistas. Como dos quatro estudantes remanescentes dois possuíam a mesma carga horária de trabalho (40 horas), um era bolsista, e um com carga horária menor de trabalho (6 horas) decidiu-se que destes, todos, decidiu-se tivesdecidiu-sem disponibilidade, iriam participar das entrevistas, configurando assim, uma amostra heterogênea, conforme definido anteriormente.

Antes da execução das entrevistas, fez-se uma análise das respostas dos questionários e, a partir dessa análise, foram elaborados os instrumentos, para a realização das entrevistas semi-estruturadas. Os instrumentos (anexo III) possuíam uma estrutura geral para todos os estudantes, porém, com algumas diferenças de acordo com suas respostas anteriores, sendo passível de mudanças no decorrer da conversa, em coerência com a modalidade de procedimento metodológico adotado.

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para servir de material empírico a ser usado na construção de resultados de pesquisa. Um dos quatro estudantes ficou impossibilitado de participar no encontro para a entrevista, pois começou a trabalhar com maior carga horária, e residia em outra cidade, somente vindo a Ijuí nos horários das aulas, não tendo sido possível marcar um horário compatível.

A análise das entrevistas, com a construção e discussão de resultados de pesquisa foi mediada pelos objetivos e pressupostos do trabalho, em busca de compreender como acontece a formação inicial pela pesquisa nos espaços acompanhados, como o fazer pesquisa ocorre no âmbito da formação inicial e como ele contribui na construção de entendimentos sobre o ser professor.

Os estudantes explicitaram dificuldades, percepções sobre o processo vivenciado e contribuições do fazer pesquisa, bem como, sobre as etapas (os passos) do fazer pesquisa e a relação pedagógica desse aprender.

Para qualificar, de maneira mais satisfatória, as etapas e o nível das pesquisas desenvolvidas e, também, buscar um maior entendimento quanto ao uso dos instrumentos culturais da pesquisa, de que forma eles compareceram no processo de ensino e de aprendizagem do fazer pesquisa vivenciado, optou-se por fazer uma análise, também, de produções escritas dos acadêmicos, no âmbito dos Componentes Curriculares (PEC I e PEC II). Teve-se acesso aos relatórios finais de pesquisa elaborados pelos mesmos licenciandos entrevistados. Foi analisado um relatório final de pesquisa do Componente Curricular PEC I, visto que dois dos licenciandos entrevistados, executaram toda a pesquisa, trabalhando num mesmo grupo, tendo apresentado um relatório em conjunto.

Essa análise teve o objetivo de identificar o uso de instrumentos culturais do fazer pesquisa, considerando, em especial, a escrita e o comparecimento de leituras. Buscou-se analisar como o ‘outro’ comparece na elaboração escrita do relatório de pesquisa, com atenção a cada uma das etapas do fazer pesquisa vivenciado, desde a construção da questão de pesquisa até a análise e validação dos resultados construídos. O ‘outro’, aqui, é entendido, segundo Marques, como ‘vozes’ assimetricamente participantes no discurso escrito, oriundas da mediação do

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professor, de referenciais teóricos (da literatura da área), dos sujeitos de pesquisa (da realidade), articuladamente a voz dos próprios estudantes pesquisadores. A análise objetivava, também, a partir do comparecimento e da presença do ‘outro’, qualificar diferentes níveis atingidos na elaboração da mesma pesquisa.

A metodologia abrangeu repetidas leituras do relatório, buscando perceber e analisar a qualidade da pesquisa desenvolvida. Foi analisada cada parte do relatório, com o objetivo de identificar as diferentes interlocuções (as dos estudantes, suas concepções e posições), as dos autores (literatura), a fala dos sujeitos de pesquisa. Algumas eram ‘duvidosas’, que poderiam ser dos próprios estudantes ou da literatura. Houve, também, um olhar para a preocupação quanto ao uso e a significação da linguagem específica ao âmbito da ‘pesquisa’.

Numa etapa final de construção dos resultados, julgou-se importante inserir um acompanhamento do ensinar a fazer pesquisa em sala de aula, para observar a vivência do aprender a fazer pesquisa, em sua prática, com a realização de registros em caderno de campo. Os registros foram realizados na oportunidade do Estágio de

Docência na Graduação. Foram acompanhadas as aulas do Componente Curricular

PEQ I (Pesquisa em Ensino de Química I), junto a uma outra turma de licenciandos, visto que os licenciandos entrevistados já haviam cursado esse Componente. Algumas mudanças na semestralização do Curso fizeram com que o Componente PEQ I fosse trabalhado antes de PEC I, conforme mostram os anexos IV e V, sendo, portanto, a primeira prática do fazer pesquisa vivenciada pela referida turma, assim como foi PEC I para os licenciandos entrevistados. Justifica-se o acompanhamento das aulas de PEQ I, com a sua Ementa Curricular que traz as mesmas proposições que as Ementas de PEC I e II, e também, pelo fato de o professor de PEC I e II ser o mesmo de PEQ I. Com isso ampliou-se o campo empírico da investigação que, nesta etapa, abrangeu um Componente Curricular correlato e adicional.

Em síntese, os procedimentos metodológicos da investigação abrangeram, na fase da coleta de informações: análise documental, aplicação de questionários, realização de entrevistas semi-estruturadas com registros em áudio e posterior

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campo. O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí, sendo aprovado como mostra o Parecer no Anexo VI.

Descreve-se, a seguir, sucintamente, a organização dos capítulos que integram este texto, com uma síntese dos conteúdos de cada um.

No capítulo 1, que está subdividido em três tópicos, relata-se a problemática da formação inicial docente de professores de ciências. Com base no referencial teórico discute-se alguns limites da formação docente inicial inserida no modelo da racionalidade técnica. Problematiza-se diferentes dicotomias e fragmentações de saberes decorrentes desse modelo formativo. Atenção também é dada para visões simplistas que predominam em relação ao conhecimento científico, numa visão de ciência neutra e objetiva.

No capítulo 2, que está subdividido em cinco tópicos, aprofunda-se a interlocução com teóricos que defendem o fazer pesquisa. O inicio do capítulo traz uma breve explicitação do histórico em defesa da pesquisa como articuladora na formação docente, com a idéia de professor pesquisador. Na segunda parte do capítulo contextualiza-se e busca-se uma definição não simplista sobre o entendimento de pesquisa e que é defendida ao longo deste trabalho. Com base em Demo, Beillerot e Galiazzi aborda-se, na terceira parte do capítulo, uma categorização de diferentes níveis, etapas de pesquisas. Finaliza-se o capítulo com uma reflexão quanto à constituição do licenciando como um professor pesquisador em formação inicial, mediante a internalização de instrumentos culturais utilizados no decorrer do fazer pesquisa vivenciado, numa abordagem histórico-cultural.

No capítulo 3, a atenção se volta para a prática do ensinar a fazer pesquisa no contexto formativo acompanhado. Na primeira parte são relatados resultados construídos mediante análise documental, mostrando aspectos gerais da formação pela pesquisa acompanhada. Diferentes espaços que contemplam a prática do fazer pesquisa são identificados, no âmbito do Curso acompanhado, com foco em aspectos dos Componentes Curriculares PEC I e II, suas Ementas Curriculares e seus Planos de Ensino. Na segunda parte do capítulo, são trazidos relatos dos licenciandos entrevistados em relação ao fazer pesquisa por eles vivenciado, com

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atenção a categorias de pesquisa abrangidas. Na continuidade do capítulo, discute-se a qualificação do fazer pesquisa no âmbito das PEC I e II, partindo dos resultados da análise dos relatórios de pesquisa de licenciandos. E finaliza-se o capítulo com a apresentação de resultados construídos mediante análise de registros em agenda de campo, ao acompanhar as aulas de PEQ I, com o objetivo de explicitar a prática do aprender a fazer pesquisa observada em sala de aula.

Em seguida são apresentadas algumas considerações quanto à importância do comparecimento da prática do fazer pesquisa na formação docente inicial, com base, nos resultados construídos e analisados, sendo trazidas questões que continuam sem respostas e que poderão ser objeto de novas investigações.

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CAP. 1 – O CONTEXTO PROBLEMÁTICO DA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES DE QUÍMICA

Este capítulo está subdividido em três tópicos. Inicialmente, problematiza-se, a partir de interlocuções com o referencial teórico que serve de apoio à investigação, a temática da formação inicial de Professores de Química baseada no modelo da racionalidade técnica, discutindo algumas limitações decorrentes de tal modelo, a visão simplista do ser professor, a dicotomia entre teorias e práticas na formação, a importância de se considerar implicações das relações pedagógicas entre professor e aluno em salas de aula e quanto a visões epistemológicas de conhecimento científico decorrentes desse modelo de formação e implicações para o ensino de Química. O segundo tópico trata da problemática que diz respeito à desarticulação entre saberes diversificados que integram a formação docente inicial. Dos descompassos decorrentes da formação inicial calcada na racionalidade técnica, a terceira parte do capítulo mostra caminhos para a formação docente inicial, um deles o do aprender e vivenciar os passos da pesquisa.

1.1. O Modelo de Formação Inicial Pautado na Racionalidade Técnica

A raiz do modelo de formação docente que se tornou hegemônico nos Cursos de Licenciatura pautados na racionalidade técnica está na revolução científica iniciada no século XVI, tendo sido desenvolvido a partir das Ciências Naturais, e estendido às Ciências Sociais emergentes do século XIX. Condições históricas criadas, na racionalidade técnica, levaram a práticas curriculares que concebem e

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veiculam os conhecimentos especializados de forma fragmentada, cumulativa e linear (Maldaner, 2000 p. 74 e 77). É sobre essas características que se busca refletir, para um repensar transformador da formação inicial, o que remete para entendimentos sobre as origens de tal problemática, na busca de mudanças que possam atingi-la em sua essencialidade mediante o reconhecimento crítico de seus limites, pela reconstrução histórica e cultural de concepções com base nas quais são organizados currículos e práticas formativas. A centralidade das atenções, nesse repensar, está, pois, na promoção de mudanças que atinjam a racionalidade restrita da qual decorrem as práticas curriculares que se tornaram convencionais na formação docente inicial.

Um dos limites que têm sido objeto de críticas, nesse sentido, está na organização dos currículos de formação profissional que tendem a dicotomizar ‘o mundo acadêmico’ do ‘mundo da prática’, a universidade da escola. O docente é ‘formado’ distantemente do seu espaço de atuação profissional, com base em modelos ideais de aluno, de escola e de professor, não coerentes com a realidade escolar. Mc Dermott ressalta que

se os métodos de ensino não são estudados no contexto no qual serão implementados, os professores podem não saber identificar aspectos essenciais, nem adaptar estratégias instrucionais que lhes foram apresentadas em termos abstratos à sua matéria específica ou a novas situações (apud Schnetzler, 2000 p. 17).

Tal dicotomia entre teorias e práticas é problematizada nos dizeres de Marques de que “não se pode, para a teoria e a prática, estabelecer lugares distintos, nem no ensino escolar, nem no campo da atuação profissional”. Importa articular teoria e prática, pesquisa e formação, universidade e escola básica, ao longo de todo o curso da licenciatura, na dinâmica do currículo como um todo (1992 p. 87).

Ainda que os cursos contemplem vivências formativas em distintos lugares sociais (universitário e escolar), a falta de articulação entre os aprendizados desenvolvidos compromete a construção por parte dos futuros docentes, já na formação inicial, de saberes constitutivos do exercício profissional. Tal problemática

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multiplicidade de saberes necessários para a prática escolar, entre estes, os saberes da experiência, que, segundo o autor, compreendem as relações e interações que os professores estabelecem com os demais atores no campo de sua prática, e em relação às obrigações e normas de seu trabalho. A negligência no tratamento a esses saberes na formação inicial “para alguns docentes é vivida como um choque, o choque da ‘dura realidade’ dos grupos e das turmas” (Tardif; Lessard & Lahaye, 1991 p.229). Foi um tipo de impacto como esse que vivenciei em minha formação docente inicial, conforme já referi.

No modelo da racionalidade técnica percebe-se, por outro lado, uma relação dicotomizante e de estranhamento entre conhecimentos específicos de química e conhecimentos didático-pedagógicos. Segundo Schnetzler,

a grade curricular da maioria dos cursos de licenciatura manifesta e enfatiza dois caminhos paralelos, que não se aproximam sequer, um do outro, durante os vários semestres, mas que só vão se cruzar e se articular em disciplinas de natureza tal como de Prática de Ensino, a de Didática Específica e/ou de Instrumentação para o ensino. Isto significa que as disciplinas de conteúdo específico, propriamente ditas, seguem seu curso independente e isolado das disciplinas pedagógicas e vice-versa (SCHNETZLER, 2000, p. 14).

A autora, considerando essa dicotomia, ressalta a ausência na formação inicial de uma adequada “transformação pedagógica” dos conteúdos específicos de química, dificultando aos licenciandos saber sobre ‘o que, como e porque’ ensinar determinado conteúdo na educação básica, visto que não poderão ensinar os conteúdos da mesma maneira como os aprenderam nas disciplinas de conteúdo específico. Perrenoud (apud Schnetzler 2000 p. 18) define essa transformação pedagógica, como “transposição didática”, ou seja, como uma articulação dos conhecimentos de química com os conhecimentos de cunho pedagógico sobre o processo de ensino e aprendizagem. Com base em Lopes (1997), adota-se a expressão “mediação didática” que, segundo a autora, “é essencialmente um processo de tornar assimilável, compreensível, implicando, necessariamente um processo de (re)construção” (p.57).

Nesse sentido, as origens da formação criada a partir da racionalidade técnica, no âmbito do paradigma moderno, podem ser remetidas ao paradigma ontológico do saber, que se caracteriza pela ‘pedagogia da essência’, fundado na

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visão de conhecimento como uma “verdade” que existe a priori, como algo escondido na realidade física das coisas, a espera de ser descoberto de forma objetiva, isenta de pré-concepções e interesses por parte do observador (Chalmers, 1993).

Marques (1992) critica o ensino concebido numa concepção metafísica, que consiste em transmitir fielmente verdades aprendidas como imutáveis em que, por outro lado, a aprendizagem é a assimilação passiva de verdades ensinadas, em que “ensinar é repetir; aprender é memorizar. É decisivo o papel do professor, insubstituível em sua qualidade de portador individual dos conhecimentos da tradição cultural” (p. 551), prevalecendo um ensino denominado tradicional, no qual predomina a fala do professor como detentor de verdades únicas. A sala de aula é caracterizada pela cópia de conhecimentos mecanicamente memorizados pelos alunos e ‘devolvidos’ na avaliação feita pelo professor. Esse ensino apenas disciplinar e academicista forma sujeitos considerados, nesta racionalidade, como sendo passivos e acríticos perante a sociedade. Os conteúdos não são relacionados com o todo e, marcados pela separação entre teoria e prática, acarretam numa simplificação e disjunção de saberes.

Concepções de Ciência, Racionalidade e Formação

Na racionalidade técnica, decorrente da lógica positivista, os conhecimentos científicos são vistos como verdades descobertas, objetivamente, pelos cientistas, a serem transmitidas aos estudantes, como se as leis e a ordem natural simplesmente existissem e fossem imutáveis, a serem captadas de forma direta, independentemente da subjetividade humana. Ensina-se com base na visão aristotélica, segundo a qual, “a mente humana é como uma ‘tábua rasa’, um papel em branco, onde serão impressas as sensações provenientes do mundo exterior” (Salvatore, 1999, p.30).

Essas concepções de ciência e de conhecimento têm se refletido, amplamente, nos programas de formação docente, sendo importante refletir sobre a visão ainda dominante de um professor transmissor de conhecimentos repetitivos que, ‘descobertos’ pelos cientistas, numa apriorística de conhecimento, são

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transmitidos ao professor, e depois aos alunos da escola, numa via única de direção e sentido, ou seja, numa visão em que o conhecimento do cientista, resultante da impressão do objeto sobre o sujeito, é uma cópia fiel do real, sendo reproduzido na formação do professor e no ensino escolar.

Quando o professor de ciências é visto como detentor de verdades a serem digeridas pelos estudantes numa relação direta de correspondência com a realidade, esse é um indício da visão positivista de uma ciência neutra, objetiva e cumulativa, em que conhecimentos novos somam-se aos antigos de forma progressiva e continuística. Essas concepções têm raízes no século XVII, com o empirismo e o indutivismo, os quais são as bases do positivismo formulado no século XIX por Comte, que incluiu as mesmas visões nas ciências sociais (Borges, 1996).

Tal visão da Ciência moderna, genericamente denominada de empirista e positivista, tem sua raiz em Francis Bacon, que disse “se quisermos compreender a natureza devemos consultar a natureza e não os escritos de Aristóteles” (Chalmers, 1993 p.23), que acreditava ser a experiência a única fonte confiável de conhecimento, ocorrendo, objetivamente, de fora (do meio físico natural) para dentro, independente das concepções do observador.

Desse modo de conceber a produção do conhecimento científico decorreu a visão do único método válido, ‘o’ método indutivo de investigação científica (método científico), o único que assegura a descoberta das verdades científicas de maneira fidedigna, neutra e objetiva, acreditando-se que um conhecimento para ser científico deve ser objetivável, sem a interferência do sujeito, de seus interesses e pré-concepções. Ou seja, a visão epistemológica dessa aceitação está na separação da relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Segundo Chalmers:

a objetividade da ciência indutivista deriva do fato de que tanto a observação como o raciocínio indutivo são eles mesmos objetivos. Proposições de observação podem ser averiguadas por qualquer observador pelo uso normal dos sentidos. A validade das proposições de observação, quando corretamente alcançada, não vai depender do gosto, da opinião, das esperanças ou expectativas do observador (CHALMERS, 1993, p. 35).

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Nesta concepção, cada observador tem as mesmas potencialidades de visão, independente dos seus interesses e de conhecimentos anteriores, e assim a partir de uma observação ou de um experimento pode-se obter o conhecimento científico. No entanto, como refere o mesmo autor (Chalmers, 1993), o que um observador vê, isto é, a experiência visual que um observador tem ao ver um objeto, depende em parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de suas expectativas. Segundo Níaz:

as observações não podem ser tão objetivas, mas estão impregnadas pelo referencial teórico do cientista. Uma das grandes falhas do positivismo é a idéia de que o conhecimento existe sem a interação de um ser cognoscente. Em outras palavras, o conhecimento existe para além do cientista que, através de suas investigações objetivas, descobre as leis, teorias e princípios de nossa realidade (apud Maldaner, 2003 p.103).

Crenças epistemológicas positivistas, mecanicistas e pragmáticas quanto à produção da ciência e tecnologia estão presentes no meio científico, em especial, entre os que ensinam Ciências Naturais e, assim, o círculo vicioso fica mantido porque os ocupantes dos postos na produção e reprodução do conhecimento científico e técnico são constantemente formados dentro da mesma crença epistemológica (Maldaner, 2003). E, dessas concepções epistemológicas, decorrem práticas amplamente criticadas no ensino e em Ciências, por isso a importância de estudos que contribuam para sua re-construção.

Essa é uma problemática importante de ser compreendida e melhor considerada nos contextos de formação docente, desde a formação inicial de professores. No item que segue busca-se avanços na compreensão de como saberes diversificados co-participam nos processos complexos da formação.

1.2. A Problemática da Desarticulação dos Saberes na Racionalidade Técnica

Um dos problemas dos cursos de formação docente inicial calcados na racionalidade técnica está na carência de reflexões sobre crenças, saberes, teorias e práticas que vão constituindo o futuro professor, de reflexões sobre o entendimento sobre a natureza da ciência e do conhecimento científico e suas implicações no

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