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Processo 1624/14.4T8SNT-B.L1-1 Data do documento 26 de maio de 2020 Relator Paula Cardoso

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Insolvência > Quinhão hereditário > Crédito comum > Hipoteca

SUMÁRIO

I- Segundo o artigo 686º nº 1 do CC, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

II – Tendo num processo de insolvência sido apreendida para a massa insolvente o quinhão hereditário pertencente à insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por morte do seu cônjuge, dela fazendo parte um imóvel objecto de hipoteca, o credor hipotecário beneficiário dessa dita hipoteca não beneficia de preferência na graduação do seu crédito, sendo mero credor comum.

III - A hipoteca goza de sequela sobre o bem e não caduca com a venda do quinhão hereditário, continuando o bem imóvel hipotecado a responder pela satisfação do crédito garantido.

IV – A qualificação do crédito reclamado deve ser feita, aquando da sentença de graduação e graduação de créditos, de acordo com o património efectivamente apreendido para a massa insolvente.

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TEXTO INTEGRAL

Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório:

Novo Banco, S.A., credor reclamante no processo de insolvência de S…., notificado da sentença proferida no presente apenso de reclamação de créditos veio interpor contra a mesma o respectivo recurso.

A sentença recorrida, homologando a lista de créditos reconhecidos, termina, a final, com o seguinte dispositivo:

«Face a tudo o exposto decide-se:

1. Nos termos dos art.º 130.º n.º 3, do CIRE, alterar para crédito comum, a qualificação do crédito reconhecido a favor de Novo Banco, S.A., no valor de € 142.336,54.

2. No mais, homologar a lista de credores reconhecidos supra referenciada e, em consequência, julgar verificados os créditos dela constantes.

3. Graduar os referidos créditos, nos seguintes termos:

Em primeiro lugar, os créditos comuns, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.

Em segundo lugar, os créditos subordinados, se necessário em rateio, na proporção dos respectivos montantes.

As dívidas da massa insolvente, incluindo as custas do processo de insolvência, são pagas prioritariamente sobre os demais

Sem custas (art.º 303.º, do CIRE). Registe e notifique».

Não concordando com a qualificação do seu crédito, o Credor Novo Banco apelou da sentença proferida, finalizando o seu recurso com as seguintes conclusões que se reproduzem:

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do crédito reconhecido a favor do Novo Banco, S.A., no valor de € 142.336. 2. Salvo o devido respeito, padecerá a sentença proferida de manifesto lapso, porquanto nela não foi tido em conta o facto do crédito reclamado consubstanciar um crédito garantido por hipoteca.

3. A hipoteca, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil, confere ao Banco Recorrente o direito do seu crédito ser graduado preferencialmente sobre o produto obtido com a venda do prédio urbano identificado pelas letras “AC”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva – Cacém, sob o n.º 103 da freguesia de Agualva.

4. A hipoteca é indivisível, como prescreve o artigo 696º do Código Civil, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes ainda que a coisa ou o crédito seja dividido.

5. Pelo exposto, relativamente ao quinhão hereditário da insolvente apreendido, o crédito reclamado pelo Banco Recorrente garantido por hipoteca, nos termos do artigo 749.º, do Código Civil, deverá ser graduado como garantido e em primazia sob os demais créditos.

6. O Meritíssimo Juiz a quo fez, assim, ou por manifesto lapso ou por uma errónea interpretação, uma incorreta interpretação e consequente aplicação das disposições jurídicas vertidas nos artigos 686.º, n.º 1, 696º, 733.º, 735.º e 749.º, todos do Código Civil.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que nela qualifique como crédito garantido o crédito reconhecido a favor do Novo Banco, S.A., no valor de € 142.336,54 e o gradue em conformidade, fazendo-se, deste modo, a costumada JUSTIÇA!»

Não houve contra-alegações.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir, colhidos que foram os vistos legais. *

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II. Questões a decidir:

Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões essenciais que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em apreciar se:

(i) ocorreu erro de julgamento na graduação dos créditos, por ter sido reconhecido e graduado como comum o crédito do apelante.

*

III - Fundamentação de facto

Releva para a decisão do presente recurso o seguinte:

1. Por sentença proferida em 15/10/2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de S…

2. Em 19/12/2014, o Administrador da Insolvência juntou aos autos a lista de credores reconhecidos, onde consignou o crédito do apelante, no valor de 142.336,54 euros, proveniente de operações financeiras, crédito a habitação e empréstimo, considerando o valor de 108.175,00 de natureza “garantido” por decorrer de hipoteca constituida sobre a fracção “AC” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 103 da freguesia Agualva-Cacém e o valor de 34.161,54 euros com natureza comum.

3. Não foi deduzida impugnação, pelo que foi proferida sentença em 16/01/2020, onde se afirma ter sido apreendido quinhão hereditário da Insolvente, especificado no auto de apreensão apresentado em 02/12/2014, no qual se integra a fracção autónoma designada pela letra “AC”, do prédio urbano descrito na CRPredial de (….)da freguesia de Agualva, sobre o qual incide hipoteca voluntária, sendo o crédito da autora qualificado como crédito comum. 4. Por auto de apreensão apresentado em 02/12/2014, do apenso “A”, foi apreendido para a massa insolvente o «direito a 4/6 na herança iliquida e

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indivisa por óbito de J…., composta por fracção autónoma designada pela letra “AC”, do prédio urbano destinado à habitação, sito na Rua (…)1, inscrito sob o artigo 2693, descrito na Conservatório do Registo Predial de Agualva – Cacém(…), no valor patrimonial global de 60.930,00 euros».

5. Sobre a referida fracção autonoma AC, incide hipoteca voluntária a favor de Banco Internacional de Crédito, S.A.

6. Na sequência de deliberação nesse sentido foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação do activo apreendido.

7. No apenso de liquidação, o Sr. administrador de insolvência foi dando conta das diligências a que procedeu com vista à venda da totalidade da dita fracção AC, ainda em curso, o que, segundo diz, aumentaria expressivamente a expectativa de venda, tendo a massa insolvente requerido o registo do imóvel sem determinação de parte ou direito, a favor da insolvente e filhos.

***

III — Do mérito do recurso:

Em resumo defende o recorrente que tendo o seu crédito sido reconhecido pelo administrador de insolvência, como crédito garantido por hipoteca, não pode o mesmo concordar com a alteração dessa qualificação feita por sentença, que considerou como comum o crédito do recorrente, o que apenas por lapso admite.

Vejamos então.

O incidente da verificação de créditos, que corre por apenso ao processo de insolvência (artigo 132.º do CIRE), tem por objecto todos os créditos da insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, tendo em vista obter pagamento pelo produto da massa insolvente (artigo 128.º, n.º 5, do CIRE), segundo as regras estabelecidas nos artigos 172.º e ss do CIRE.

Determina o artigo 129.º do CIRE que «1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos

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não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento. 2 - Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas. (…)».

Esta lista está sujeita a impugnação, nos termos do disposto no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, que dispõe que “Nos 10 dias seguintes ao termo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.”.

Ressalvando-se, porém, no seu n.º 3 que “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.”.

Como vemos, do aludido n.º 3 do artigo 130.º do CIRE, resulta então que, não havendo impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em consonância com a lista apresentada pelo Administrador.

A ausência de impugnação da lista apresentada não a torna, contudo, inatacável, o que resulta e está salvaguardado no próprio preceito legal, que prevê, desde logo, a recusa de homologação em caso de erro manifesto.

Além disso, a própria natureza do processo de insolvência e o princípio da igualdade que o mesmo obriga, consagrado no artigo 194.º do CIRE, impõem uma decisão justa e equitativa, que obriga a que o juiz exerça um efectivo

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controle judicial, analisando a lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, convocando o mesmo para obter os esclarecimentos que entenda necessários para suprir ou mesmo completar a lista elaborada.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Júris, Lisboa, 2013, a pág. 555: “a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correcção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência. Este reparo deve ser entendido em função dos curtos prazos concedidos pela lei, quer ao administrador da insolvência, para elaborar as listas, quer aos interessados para as impugnar. Nota tanto mais relevante quanto é certo serem, na grande maioria dos casos, em número significativo os créditos reclamados e volumosos os documentos que instruem as reclamações. Por outro lado, impressiona, no que respeita às garantias, que a sua constituição esteja normalmente dependente do preenchimento de requisitos formais ad substantiam, cuja falta seja, afinal de contas, puramente ignorada ou desconsiderada por mero efeito da falta de impugnação. Por isso, defendemos que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite.”.

O mesmo defende Mariana França Gouveia, Verificação do Passivo, Revista Themis, Edição Especial, 2005, Novo Direito da Insolvência, a pág. 156, que ali refere “No lugar paralelo da sentença de homologação, desistência ou transacção (artigo 300.º do CPC), o juiz examina o objecto e a qualidade das pessoas para apurar a validade do negócio. E a sentença que profere é uma sentença de mérito, produzindo caso julgado material. Não deve, pois, interpretar-se a norma do artigo 130º, n.º 3 como uma oposição ao juiz, até porque ele é o autor da sentença. Deve antes entender-se a regra como uma possibilidade de simplificação processual à sua disposição.”.

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disposto no artigo 58.º do CIRE, onde se prevê o seu poder de fiscalização sobre a actividade do Administrador da insolvência.

Ora, no caso em apreço, verifica-se, no que concerne ao crédito do recorrente, que ao elaborar a lista de credores que juntou aos autos, o Sr. Administrador reconheceu o mesmo, no valor de 142.336,54 euros, proveniente de operações financeiras, crédito a habitação e empréstimo, considerando o valor de 108.175,00 de natureza “garantido” por decorrer de hipoteca constituída sobre a fracção “AC” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 103 da freguesia Agualva-Cacém e o valor de 34.161,54 euros com natureza comum.

Não obstante, na decisão recorrida, sustentada em jurisprudência superior, consignou-se que: «Importa, no entanto, corrigir erro, aliás manifesto, quanto à qualificação do crédito reconhecido a favor de Novo Banco, S.A., no valor de € 142.336,54. O Sr. Administrador(a) de Insolvência qualificou como garantido o referido crédito, presumivelmente em virtude da hipoteca que incide sobre o imóvel integrado na herança cuja quota foi apreendida. Porém, uma quota de uma herança não é o mesmo que uma quota da propriedade de um imóvel, ainda que não se conheçam outros bens que possam integrar a herança. Sendo nomeadamente de assinalar que a hipoteca incidente sobre o imóvel integrado na herança, opera relativamente ao imóvel, mas não em relação à herança ou quota desta. O quinhão hereditário assume assim natureza comum.(…)».

Vejamos então, desde já se avançando que se acompanha o raciocínio e sentido decisório da sentença impugnada.

Em primeiro lugar, e como vimos, a não impugnação da lista de credores não impede o juiz de corrigir a mesma, como fez, quando, como nos autos, é incorrecta a qualificação jurídica do crédito do apelante.

Em segundo lugar, e como resulta do auto de apreensão referido na sentença em recurso, constitui património da massa insolvente, como verba única apreendida o «direito a 4/6 na herança iliquida e indivisa por óbito de J…,

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composta por fracção autónoma designada pela letra “AC”, do prédio urbano destinado à habitação, sito na Rua José Afonso nº 51, inscrito sob o artigo 2693, descrito na Conservatório do Registo Predial de Agualva – Cacém, sob o n.º 103 da freguesia de Agualva, no valor patrimonial global de 60.930,00 euros (sendo que, mais tarde, aquele auto substituído por um outro onde se consignou a «apreensão do direito ao quinhão hereditário»).

Será que a hipoteca do apelante, que incide sobre o dito imóvel, lhe dá preferência a ser pago no processo de insolvência?

A resposta tem que ser negativa. Senão vejamos.

Nos termos do disposto artigo 686º nº 1 do Código Civil, a hipoteca é a garantia especial que confere ao respectivo credor o direito de ser pago pelo seu crédito preferencialmente sobre os demais credores pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas.

O efeito principal da hipoteca é, pois, a satisfação do direito de crédito garantido através do bem hipotecado, e, como direito real, goza de preferência e sequela, o que significa que, em princípio, prevalece sobre os direitos reais de garantia posteriormente constituídos e segue a coisa onerada nas suas transmissões.

Nos presentes autos de insolvência, como vimos, o que foi e está apreendido a favor da massa insolvente é o quinhão hereditário pertencente à insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por morte do seu cônjuge, do qual faz parte o aludido prédio urbano hipotecado.

Nesta medida, e em bom rigor, o que poderia ser vendido, por se encontrar apreendido, seria o dito quinhão hereditário e não o imóvel hipotecado, pelo que o credor hipotecário não beneficia de preferência na graduação do seu crédito, sendo, como consignado na sentença recorrida, um mero credor comum.

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indiferente que esse imóvel integre o dito quinhão, pois o quinhão hereditário não confere o direito aos bens concretos que integram herança, sendo certo que a quota de herança indivisa não pode ela própria ser objecto de hipoteca, o que o impede o artigo 690º do CC, o que se estaria a permitir, caso fosse dada preferência no pagamento pelo produto da venda desse direito.

Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, na obra Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª edição, pág. 507, referem-se, nestes casos, ao chamado património colectivo como sendo aquele que “pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. Enquanto esta é uma comunhão por quotas, aquela é uma comunhão sem quotas. Os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal. Não tem, pois, cada um deles algum direito de que possa dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum”.

No Acórdão do STJ de 26/01/99, publicado no BMJ n.º 483, p. 211, diz-se que «a comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, (cfr. nº 1, do art. 1403), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles”».

Donde, e em resumo, até à partilha existe apenas uma massa patrimonial, autónoma, na qual os herdeiros têm uma fracção ideal do conjunto, sendo que só depois da partilha desse acervo patrimonial, que extingue o património

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autónomo da herança indivisa, é que cada um deles poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de um bem determinado que pertenceu à herança.

Em suma, enquanto a herança não estiver partilhada, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.

Nesta ordem de raciocínio, não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre um imóvel concreto e determinado, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre o dito imóvel.

E a nossa jurisprudência tem sido praticamente unânime na qualificação desse crédito hipotecário como comum.

Vejam-se, a título de exemplo, e que aqui acompanhamos, entre muitos, todos eles acessíveis em www.dgsi, o Acórdão desta Relação de Lisboa de 13/02/2014, relatado por Vaz Gomes, onde se diz que «Não incidindo a apreensão dos autos sobre a fracção autónoma, mas sobre a meação do insolvente, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre ela, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão - art.º 174.º do CIRE»; Os Acórdãos da Relação de Coimbra de 14/02/2012, relatado por Carlos Gil, onde se diz que «.. 2. A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel integrante da meação conjugal do insolvente, não goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente.»; e de 07/02/2017, relatado por Vítor Amaral, assim sumariado «1. - Verifica-se erro manifesto a que alude o art.º 130.º, n.º 3, do CIRE, legitimando a intervenção corretora do Tribunal – em vez da simples homologação da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador

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de insolvência e não impugnada –, se, apreendido no âmbito da ação de insolvência o direito à meação da insolvente no património comum do ex-casal constituído com o seu ex-marido, são vendidos, em sede de liquidação, bens concretos (imóveis) integrantes da comunhão (por ausência de partilha), em vez daquele apreendido direito à meação. 2. - Ainda que o ex-cônjuge da insolvente também haja sido declarado insolvente no âmbito de outro processo insolvencial, sem apensação que permitisse uma liquidação única/conjunta, tal coexistência de insolvências não altera a natureza do que foi apreendido nestes autos (o aludido direito à meação e não quaisquer bens concretos ou quota-parte de bens determinados). 3. - Vendidos pelos administradores das duas insolvências, em atuação conjunta, imóveis integrantes daquele património comum dos ex-cônjuges, sem prévia partilha ou aquiescência do Tribunal ou dos contitulares, ocorre desconformidade entre o apreendido no âmbito desta insolvência e o assim vendido. 4. - Caso em que a verificação e graduação dos créditos deve fixar-se, para efeitos qualificativos, no que foi efetivamente apreendido (a graduação e a liquidação do ativo dependem do património apreendido). 5. - Embora certos credores estejam garantidos por hipoteca sobre imóveis determinados integrantes daquele património comum, tal garantia não incide sobre o apreendido direito à meação, com a consequência de os créditos desses credores haverem, neste plano, de ser tidos como comuns e como tal objeto de graduação»;

E bem assim os da Relação de Guimarães, de 05/06/2014, relatado por Manuel Bargado, assim sumariado «I - A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado. II – Assim, o que ficou atribuído ao insolvente foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no quinhão hereditário

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que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu pai, legitimando-o, se e quando assim o entender, a dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança. III - Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum bem concreto que constitui o acervo da herança, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem da herança. IV- Não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre o imóvel que integra o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre aquele imóvel, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão (art.º 174 do CIRE), pelo que o seu crédito terá de ser graduado como crédito comum»; de 17/10/2019, relatado por Alcides Rodrigues, assim sumariado «I- A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686º, n.º 1, do Código Civil (CC). II- A garantia decorrente da hipoteca só tem efeitos sobre o bem a que respeita e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem. III- A meação dos bens comuns do casal, bem como a quota de herança indivisa nem sequer podem ser objeto de hipoteca, conforme decorre do art. 690º do CC que as exclui expressamente. IV- Incindindo a apreensão sobre o quinhão hereditário pertencente ao insolvente na herança ilíquida e indivisa aberta por morte do seu cônjuge e o seu direito à meação no património comum do casal extinto, o que será vendido serão esses direitos e não o imóvel hipotecado, pelo que o credor hipotecário não beneficia de preferência na graduação do seu crédito, sendo um mero credor comum. V- A aplicabilidade ao processo de insolvência do regime previsto no 743º, n.º 2 do CPC “ex vi” do art. 17º, n.º 1, do CIRE em nada interfere com a qualificação (garantida ou não) do crédito reclamado. VI- A hipoteca goza de sequela sobre o

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bem e não caduca com a venda do quinhão hereditário ou direito à meação, continuando o bem imóvel hipotecado a responder pela satisfação do crédito garantido» e de 21/11/2019, relatado por Jorge Teixeira, onde se consignou «I-A penhora do direito e acção a herança ilíquida e indivisa não abrange qualquer um (ou uma quota parte) dos bens que, em concreto, integram o património hereditário. II- E assim sendo, herdeiro é titular de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados. III- Logo, implicando a contitularidade desses direitos um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito desconhecendo-se concretizará, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha verá concretizado tal direito».

Neste enquadramento, tendo a sentença de verificação e graduação dos créditos sido feita, e bem, por referência aos créditos reclamados e pelo património apreendido para a massa insolvente, e resultando cristalino dos autos que o direito apreendido não coincide com o bem hipotecado, sempre se imporia concluir que jamais poderia a sobredita hipoteca garantir o crédito do apelante.

Neste contexto, para efeitos de verificação e graduação de créditos, deve atender-se, como entendido na sentença, ao que foi apreendido (a graduação depende, efectivamente, do que haja sido apreendido, devendo a liquidação do activo incidir apenas sobre o património apreendido), e não ao que se pretende alegadamente vender.

E a ser assim, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando graduou o crédito do apelante decorrente do mútuo hipotecário como crédito comum.

Defende, contudo, o apelante, fazendo-o apenas em alegações de recurso, e já não em sede de Conclusões Recursivas, que o imóvel será vendido na totalidade no âmbito do presente processo, tendo o Senhor Administrador de Insolvência recebido autorização nesse sentido.

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E, deste modo, defende, sendo a hipoteca indivisível, como prescreve o artigo 696º do Código Civil, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido, considerando que foi apreendido o quinhão hereditário da Insolvente, o qual consubstancia uma quota parte indivisa no bem imóvel sobre o qual o recorrente tem hipoteca registada a seu favor, o respectivo crédito reclamado tem de ser necessariamente reconhecido como crédito garantido.

Revertendo aos autos, constatamos, na verdade, que no âmbito do processo de liquidação o Sr. Administrador deu conta de diligências feitas com vista à venda do imóvel hipotecado.

Não obstante, tal questão não foi tratada nestes autos de reclamação de créditos, sendo apenas suscitada no âmbito do presente recurso, e apenas em sede de alegações e já não em Conclusões.

Com efeito, junto o auto de apreensão aos autos de insolvência e feita a graduação de créditos por consideração ao património apreendido, não foi equacionado naquela sentença que o imóvel hipotecado seria vendido, pois que tal questão veio apenas a ser posteriormente colocada nos autos de liquidação. Não sendo lícito às partes invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, sendo os recursos meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, tal fundamento não pode agora ser convocado para se alterar uma decisão que teve em atenção, e bem, unicamente o património apreendido nos autos.

Defender que a hipoteca do bem que integra a massa hereditária deveria permitir qualificar o crédito do apelante como crédito garantido e que apenas por lapso tal não teria sido considerado na decisão recorrida, é fundamento de recurso, e foi já objecto de apreciação, sendo negada razão ao apelante.

Defender que, apesar de estar apreendido um direito à herança vai ser vendido o imóvel objecto da mesma é questão distinta, que não foi tratada na decisão

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recorrida e que apenas foi levantada nos autos de liquidação do activo, onde poderia então o aqui recorrente ter agido, mormente impugnando a decisão de venda.

Assim sendo, constituindo a matéria suscitada pelo recorrente na motivação do recurso, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.

Em conclusão, as considerações tecidas levam-nos a rejeitar a argumentação apresentada pelo apelante, e improcedendo as alegações recursivas do mesmo, impõe-se a manutenção e confirmação da sentença recorrida.

*

VI. Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a presente apelação, mantendo assim a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo apelante.

Lisboa, 26/05/2020 Paula Cardoso

Eurico José Marques dos Reis Ana Grácio

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