PLAYGROUND MILIONÁRIO
• por Fabio Steinberg
ONDE O MUNDO
SE DIVERTE
H
á 40 anos, a cidade maisvisitada dos Estados Uni-dos, que recebe 62 milhões de turistas por ano, era um imen-so laranjal cercado por pântanos com jacarés. O cenário se alterou a partir de 1965. Foi quando da Cali-fórnia, no lado oposto do país, Walt
Disney tomou uma decisão que mudaria para sempre a história de Orlando, na Flórida.
O criador do ratinho Mickey percebeu que o seu parque temá-tico Disneyland, então com apenas dez anos de existência, já não tinha mais como se expandir. É que no
rastro de sucesso do empreendi-mento, o local foi quase que ime-diatamente cercado por vizinhos
comerciais oportunistas – de fast
foods a hotéis, de locadoras de
veí-culos a lojinhas de souvenires - in-teressados em tirar casquinha do formidável filão turístico.
Skyline de Orlando: o antigo laranjal, cercado de pântanos com jacarés, hoje recebe 62 milhões de turistas por ano
que recebe 62 milhões de visitantes por ano? Aqui,
mostramos como funciona a engrenagem dessa
super máquina de diversão e alguns dos segredos
do seu tamanho sucesso
Walt Disney aprendeu a lição. Por isso, resolveu buscar outro lo-cal para dar vazão aos seus sonhos inesgotáveis. Depois de afastar Mia-mi e Tampa como candidatos devi-do ao risco de furacões, optou por adquirir imensas áreas em Orlando. Ali começou a ser construído o que
é hoje a Walt Disney World, mo-desta ponta do iceberg do que sua empresa se transformou (leia box à pág. 13). O criador não chegou a conhecer a criatura, nem a formidá-vel indústria de entretenimento que surgiu no local. Um câncer levou o genial desenhista para sempre, em
1966, cinco anos antes da inaugura-ção do novo parque temático.
O legado deixou frutos que se multiplicaram, não só através de investimentos adicionais da pró-pria Disney, mas vindos de outros empreendedores. Diz a lenda que o nome da cidade, fundada em
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diretamente com turistas, por meio de cerca de mil lojas, restaurantes e atrações da cidade. Não é pouca gen-te: são mais de 500 mil, um em cada quatro dos 2,2 milhões que vivem na Grande Orlando. Só a Disney, de lon-ge a maior empregadora, abriga um batalhão de 60 mil pessoas.
“Aqui não costumamos cha-mar turistas de visitantes, mas sim de hóspedes”, revela Mark Jaronski, ele próprio ex-Disney por 18 anos, e atual vice-presidente de Comuni-cações Globais da Visit Orlando, o bureau que alavanca negócios para a cidade. “Queremos ser o destino número 1 das famílias, do bebê ao vovô. Nossa meta é que as pesso-as fiquem por mais tempo. Para isso incentivamos a vinda de novas atrações, centros de compras e ati-vidades, como o golfe”.
Diversão na água: há até corridas em alta velocidade nos tobogãs dos parques aquáticos de Orlando
1873, refere-se ao soldado Orlando Reeves, que ali morreu durante um ataque de índios nativos em 1835. Verdade ou mito, o militar teria di-ficuldade para reconhecer o gigan-tesco destino turístico de lazer e negócios que o lugarejo se tornou. Hoje, Orlando é parte de uma área maior, o condado de Orange, aí in-cluídas Kissimmee e Sanford, entre outros menores, e ostenta o título de local que mais concentra atra-ções e parques temáticos.
HOSPITALIDADE PREMIUM
Mas essa não é a principal he-rança de Disney. Surgiu ali uma forte cultura de serviços e hospitali-dade, com foco em gentileza e aten-ção para os detalhes. Com o tempo, esse espírito se incorporou ao DNA de todos os que lidam direta ou
in-MEGA PARQUE DE DIVERSÃO
Capitaneado inicialmente pelas unidades da Disney, do Reino Má-gico ao Reino Animal, dos Estúdios de Hollywood ao Epcot, Orlando hoje oferece cerca de cem atrações adicionais, voltadas para todos os gostos e idades. É possível contem-plar baleias saltitantes e golfinhos amestrados no Sea World. Ou se aventurar na Universal Studios em emocionantes movimentos, reais ou simulados, capazes de revirar estômagos, baseados em
dese-nhos animados como Os Simpsons
e Shrek, ou filmes, como A Vingança da Múmia, O Incrível Hulk, ou a saga Harry Potter.
Há também entretenimentos de sobra, do famoso Blue Man Group, uma original combinação de arte, tecnologia e música, à magia do
reconhecer a empresa que fundou.
Além do resort que concebeu
para a Flórida, e que ganhou o
seu nome, Walt Disney World,
o mais visitado do mundo, sua
companhia ganhou dimensão de
gigantesco império de quase U$
49 bilhões. Para permitir a gestão,
divide-se em cinco segmentos
de negócios. O primeiro inclui a
cadeia de televisão ABC, os canais
Disney e a ESPN. O segundo, cinco
destinos de férias com 11 parques
temáticos e 47 resorts nos Estados
Unidos, Europa e Ásia, quatro
navios e 13 clubes de férias.
O terceiro são os estúdios que
há 90 anos produzem filmes, e
que hoje incorporam também
a Pixar, Marvel, Touchstone e
Dreamworks. Somam-se musicais
para teatro como os da Broadway,
em Nova York. A quarta divisão
é de produtos de consumo, com
licenciamentos, publicações e
350 lojas Disney. Finalmente, há a
Disney Interativa, que administra o
entretenimento digital através de
jogos, consoles e sites da web.
frango e costelas fazem a festa dos glutões no Hoop-Dee-Doo Musical Revue. De danças hula havaianas a batalhas medievais com cavalo e lança, de comédias ao vivo a jantar com piratas, de parques aquáti-cos a zoológico e jardim botânico, de pistas de corrida Grand Prix ou NASCAR a experiências bíblicas, de estádios esportivos a experiência do naufrágio do Titanic, de voos a 80 metros de altura ou à gravidade zero a caminhar sobre construções de cabeça para baixo, a imaginação a serviço do lazer não tem limites. O Orlando Eye, roda gigante de 120 metros de altura, similar à de Lon-dres, junto com o aquário e o mu-seu de cera Madame Tusseau, são apenas uma nova atração que aca-ba de se instalar na International Drive, principal rua da cidade.
NOS ARREDORES
Até os locais próximos a Or-lando tiraram proveito dessa onda. Como Tampa, com os seus famo-sos Bush Gardens – uma estranha mescla de zoológico, com 12 mil animais, shows da Broadway e
locidade. Ou Winter Haven, que re-cebeu o Legoland, parque interativo com foco no público infantil. Isso sem falar no Cabo Canaveral, onde se situa o Centro Espacial Kennedy e é possível conhecer o ônibus es-pacial Atlantis aposentado, ou to-car a pedra da lua.
As compras - esporte favorito do turista brasileiro - não foram despre-zadas. De grifes famosas às orelhas de Mickey Mouse. Das pechinchas de souvenires de gosto duvidoso e camisetas que não resistem à pri-meira lavagem, até shoppings sofis-ticados e outlets completos, a cidade se tornou um dos dez maiores gera-dores de compras dos Estados
Uni-dos, segundo a revista Fortune.
O Aeroporto Internacional de Orlando teve papel estratégico ao viabilizar voos diretos nacionais e internacionais, principalmente para a América do Sul. Com isso, a cidade passou a perna em Miami, poderoso concorrente na atração de turistas. Ao transportar 36 milhões de passageiros por ano, o aeroporto é o 15º mais movimentado dos Es-tados Unidos e o 43º do mundo.
Há 47 anos a indústria de viagens norte-americana se reúne para participar do IPW – sigla de International Pow Wow, e que a cada
vez ocorre em uma cidade do país. Coube a Orlando receber o evento este ano, com a presença de 6,5 mil representantes de 73
países. Maior gerador de viagens para os Estados Unidos, o IPW proporcionou 100 mil encontros pré-agendados entre compradores
e empresas. “O IPW é um evento extraordinário, pois consegue trazer para um só lugar todo mercado internacional de viagens e
turismo”, comemora Roger Dow, presidente da U.S. Travel Association.
Confirmando sua afirmativa, a consultoria Rockport Analytics estima que a realização do evento em Orlando deverá agregar até
2018 mais 1 milhão de visitantes, e somar U$ 1.7 bilhão à sua economia. O país também deverá se beneficiar ao atrair 8,8 milhões
de visitantes, que devem gerar U$ 28 bilhões de receitas nos próximos três anos.
SEGREDO DO SUCESSO
Na busca pela diversificação, Orlando investiu também no viajan-te de negócios. Mantém o segundo maior centro de convenções do país,
com 200 mil m2 de área, onde acaba
de ocorrer o IPW – maior evento de turismo do país (leia box à pág. 13). A cidade abriga ainda o segundo maior campus universitário norte-ameri-cano, com quase 60 mil alunos. Para
acomodar tanta gente, há um inve-jável inventário de meios de hospe-dagem. São 450 hotéis com 119 mil quartos, que se somam a 42 mil re-sidências de aluguel e propriedades compartilhadas para férias.
Qual o segredo do sucesso de Orlando? Praia e mar? Não. Clima espetacular? Nem pensar, pois há lugares bem mais aprazíveis. Na-tureza deslumbrante? Tampouco. Basta subir na nova atração, a roda gigante Orlando Eye, para consta-tar uma área plana e desprovida de maiores atrativos.
Orlando deu certo porque pos-sui um setor privado muito ativo e que soube alavancar a decisão ini-cial de Walt Disney para desenvol-ver uma vocação turística orques-trada, voltada ao entretenimento. Hoje, consolidada como destino de lazer, negócios e convenções, a cidade conta com um poderoso aliado: o seu centro de convenções e visitantes, conhecido como Visit Orlando (leia box). O modelo bem--sucedido impulsiona contínuos in-vestimentos da iniciativa privada.
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O governo cria as condições e o
empresariado realiza o turismo.
Esse parece ser o mote da
Visit Orlando, uma associação
privada de apenas 30 anos,
que se mantém por meio de um
contrato de prestação de serviços
de marketing com o governo
da cidade mais visitada dos
Estados Unidos. Sua missão é
criar a marca, divulgar e vender
o local como o melhor lugar do
mundo para lazer, convenções
e negócios. A essa hiperativa
organização, sem fins lucrativos e
com representação em dez países,
deve ser creditada parte da
transformação de Orlando em uma
verdadeira fábrica de turistas.
Para isso, tem sido apoiada
incondicionalmente por 1,2 mil
empresas locais, que formam
assim uma poderosa comunidade
integrada de hospitalidade. O Visit
Orlando representa mais de 500 mil
pessoas - 25% da população - que
promove resultados financeiros de
US$ 60 bilhões anuais. Esse modelo
não é exclusivo de Orlando. Nos
Estados Unidos, há um Visitor &
Convention Bureau atuante atrás de
todo destino de sucesso.
USINA DE TURISTAS
Forma-se assim um crescente ciclo econômico virtuoso que, a julgar pelos bons resultados crescentes, não tem data para terminar.
O jornalista Fabio Steinberg parti-cipou da IPW 2015 em Orlando a convite do evento.
Shows famosos e mágicos, como os do Cirque du Soleil, fazem parte da agenda cultural
O Epcot Center, no mega complexo de parques da Disney World