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Tocata e fuga em lá menor

Autor(es):

Estrela, Albano

Publicado por:

Imprensa da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/5331

Accessed :

28-Jul-2021 07:47:23

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Pantone 181 C Pantone 1807 C

faculdade de psicologia e de ciências da educação universidade de coimbra extra-série, 2011

revista portuguesa de

pedagogia

ex tra -série , 20 11

re

vista portuguesa de pedagogia

homenagem ao

professor doutor

joão josé matos boavida

confirmar medidas da capa/lombada

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revista portuguesa de pedagogia Extra-Série, 2011, 491-494

João Boavida, além de professor, investigador e filósofo da Educação de muito mérito, é um ficcionista de grande qualidade. Em homenagem a esta faceta do seu Talento, dedico o conto “Tocata e fuga em lá menor”, em que se aborda o problema do tempo – o tempo real, o tempo psicológico.

tocata e fuga em Lá menor

Encontrava-o em tudo – ou quase tudo – o que era acontecimento cultural: con-ferência, colóquio, lançamento de livro, concerto de música clássica. De uma vez, até numa homilia, na igreja de S. João de Brito, onde se encomendava a alma de um amigo meu, morto em acidente de automóvel. Sempre compenetrado do seu papel de ouvinte atento e discreto – fato e gravata, algum aprumo no porte, a fazer sobressair a distinção que a idade lhe conferia.

O que me admirava não era tanto a sua assiduidade a esses acontecimentos, mas a diversidade de actos a que assistia. Como tinha ele conhecimento de tudo o que se passava nesta Lisboa de todas as dispersões? Pelos jornais, pela rádio, pelos avisos afixados nos locais onde as coisas tinham lugar? A estas questões, juntava eu uma outra: o que o levava a arrostar com o frio, com o calor e a estar sempre presente na praça pública da nossa vida cultural? A solidão? A desocupação de reformado?

Havia também uma outra coisa que me intrigava: a permanência até ao fim em todas essas manifestações, às vezes com algum custo, evidente na sonolência de que dava mostras. Recordo-me apenas de uma excepção: um concerto na Gulbenkian, em que se tocou uma tocata e fuga de Bach. No intervalo, ele tinha uma expressão de felicidade, como nunca lhe tinha visto.

E uma ideia começou a ganhar foros de convicção: seria para usufruir do calor das salas, no Inverno, ou do fresco que nelas circulava, no Verão? Esse tinha sido o comportamento de um amigo meu, sedeado em Paris, nos anos sessenta, quando atravessara momento de grande penúria… O cavalheiro objecto das minhas atenções andava bem arranjadinho, é certo, mas quem vê caras (e fatos) não vê o que se oculta por detrás. Mas até essa explicação foi posta em causa, quando o vi apear-se de um táxi, para vir assistir a um colóquio que tinha lugar na minha faculdade… Um dia, finalmente, o mistério começou a esclarecer-se. Eu tinha entrado mais tarde na sala onde se proferia uma conferência e, como havia um lugar vago numa coxia,

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sentei-me de imediato, antes que fosse ocupado. Ao meu lado… o meu homem-enigma! Fiz um ligeiro cumprimento de cabeça, a que ele respondeu, do mesmo modo. Quando o conferencista fez uma pausa, perguntei-lhe: “Interessante, não acha?” Ele pareceu acordar de um sonho: “O quê?” E eu a esclarecê-lo: “A confe-rência…” Ele, sinceridade na voz: “Não estava a prestar atenção.”

À saída, encontrámo-nos à porta. Aí, fomos surpreendidos por uma chuvada mons-tra, que nos impediu de pôr os pés na rua. Ele começou a ficar apoquentado: “Com este tempo, onde vou arranjar um táxi?” A conversa, assim entabulada, levou-nos a uma conclusão: éramos quase vizinhos. Por isso, ofereci-me para o deixar em casa. A sua satisfação era evidente, não sei se pela boleia ou por ter alguém com quem conversar. E informou-me logo que era professor reformado, professor efectivo dos liceus, precisou – “Dos liceus, sim senhor, pois reformei-me um ano antes do 25 de Abril, quando ainda havia liceus…” E assim foi continuando a nossa conversa, mais a dele do que a minha, pois eu, além de conduzir debaixo de chuva, estava mais interessado em ouvir do que em dizer. E, na verdade, era agradável ouvi-lo, pela sua afabilidade, pelo cuidado com que usava as palavras do seu discurso. Quando chegámos ao Restelo, pediu para abrandar: “Moro ali à frente, naquela casa… se quiser entrar, para falarmos mais um bocadinho…” A casa era um daqueles palacetes pomposos, construídos nos anos cinquenta. Pareceu adivinhar a minha perplexi-dade: “Sim, é ali que eu moro. Eu e a minha mulher. Cedemos o primeiro andar ao nosso filho. Ela passa lá o dia, eu só lá vou jantar…” Deu-me o seu cartão de visita e pediu-me para o avisar quando voltasse a haver “alguma manifestação cultural ou científica”, na minha faculdade. Eu não podia, evidentemente, evitar a pergunta: “Mas… por que está sempre tão interessado nessas actividades?” Sorriu, pôs-me a mão no braço: “Ah, não tem nada de especial, mas talvez seja melhor falarmos depois, não acha?” Eu achava e dei-lhe o meu número de telefone.

Não demorou muito a ligar-me: “Ao sábado de manhã costumo ir ao Centro Cultural de Belém, quer passar por lá, amanhã?” E assim começámos uma longa conversa, só interrompida ano e meio depois, quando ele morreu, ao aproximar-se dos noventa anos. Entretanto, tínhamos construído alguma intimidade, a que a amizade e o respeito mútuos não eram alheios. A sua vida não tinha nada de especial: casado com uma senhora doze anos mais nova, tinha um filho e três netos. Reformado do liceu (“a tempo e horas”, como ele dizia), tinha ido viver para casa da irmã, viúva rica e sozinha. Por morte desta, herdou-lhe casa e bens consideráveis. Gostava de ler (até de escrever, professor de Português que tinha sido), de viajar, de teatro, de cinema. A mulher, nem tanto, o que o não impedia de usufruir do que lhe dava prazer. Aparentemente, tudo era a seu favor, mas, gradualmente, começou a ser invadido

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Extra-Série, 2011

por um mal-estar, que nem ele próprio sabia caracterizar. Era quando as coisas estavam a correr pelo melhor, que ficava apreensivo, em enervamento crescente, por vezes a roçar a depressão. E uma ideia começou a tornar-se de cada vez mais precisa: o que lhe dava mais gozo era o que acabava mais depressa. Foi o princípio do seu sofrimento, ou seja, da tomada de consciência da corrida para o fim, da cor-rida sem parança que era a sua vida, a caminho da morte. “Era nos momentos em que aconteciam as coisas que mais me agradavam que eu sentia como o tempo se escoava, rápida, inexoravelmente. Por exemplo, estava a ler um livro que me inte-ressava e, quando olhava para o relógio, via que tinham passado duas horas, sem eu dar por isso. Duas horas a menos na minha vida… A velocidade do tempo era algo de assustador. O dia chegava ao fim com uma rapidez espantosa… Mas o pior de tudo foi uma viagem que fiz à Índia, onde sempre tinha sonhado ir. Fui sozinho, pois a minha mulher detesta os aviões. Demorei-me por lá mais do que previra e foi só quando me meti no avião, para regressar a Lisboa, que me apercebi que eu já tinha um ano mais de vida. Na verdade, um ano menos de vida! E, a partir desse momento, não descansei enquanto não encontrei uma solução, não digo para fazer parar o tempo, mas para o fazer render o mais possível… Li, e voltei a ler, filósofos, cientistas, alguns romancistas, mas ninguém me deu respostas cabais sobre o modo como se podia contrariar a marcha do tempo que nos foge – tocata e fuga em lá menor…” (o seu sorriso tinha algo de enigmático). E continuou: “Talvez, em parte, Bergson me tenha ajudado a encontrar uma pista, com a noção de ‘la durée’ – a duração psicológica do tempo, está a ver? Aquela diferença que ele faz entre o tempo real e o tempo psicológico foi o meu ponto de partida. Fez-me lembrar aqueles momentos em que parece que o tempo não tem fim, os momentos em que nos aborrecemos mortalmente.” Calou-se, a ver o efeito que as suas palavras me causavam. Como eu hesitasse na resposta a dar-lhe, achou que devia ser mais explícito: “A partir daí, comecei, pouco a pouco, a ocupar-me com tudo o que me aborrecesse. E como sempre detestei os palavrosos, passei a ir a tudo o que envol-vesse falatório prolongado…” Eu estava espantado e um tanto agastado: “Agora, já sei por que vai às sessões em que eu falo…” Riu-se: “Bem… não é bem assim, o senhor às vezes fala com tal convicção que o tempo passa sem eu dar por isso, mas como simpatizo consigo, lá vou fazendo o sacrifício de ficar até ao fim, mas é só por isso…” Aquelas palavras, postas na sua boca, não podiam deixar de constituir um elogio, que eu, um tanto contrafeito, não tive remédio senão agradecer…

O mais curioso foram as consequências que o seu comportamento, a sua atitude, acabaram por ter em mim: agora que estou velho, passei a frequentar, com muito mais assiduidade, as sessões em que se fala do que se sabe e do que, principalmente,

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não se sabe, do que me interessa e do que não me interessa, principalmente, do que não me interessa mesmo nada…

Ainda não voltei a ouvir a tocata e fuga em lá menor, de Bach, mas, quando tal acontecer, talvez eu entenda melhor o sofrimento do meu amigo e vizinho e a sua luta contra o tempo que foge, que nos foge…

Referências

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